Uma introdução à abordagem complexa no desenvolvimento do modelo de jogo para o futebol Una introducción al abordaje complejo del desarrollo del modelo de juego para el fútbol |
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*Graduando em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá ** Doutor em Educação, pela Universidade Metodista de Piracicaba Docente da Universidade Estadual de Maringá (Brasil) |
Paulo Henrique Borges* paulo.borges.proesporte@gmail.com Dourivaldo Teixeira** |
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Resumo O futebol caracteriza-se como sendo uma das modalidades esportivas mais praticadas em todo o mundo. A compreensão de sua complexidade focando seus aspectos constitutivos, como aspectos táticos, físicos, técnicos e psicológicos são importantes para o professor de Educação física. Assim sendo, observamos uma quantidade ainda pequena de estudos no Brasil e em alguns países sul-americanos relacionados ao futebol. Nesse sentido, este estudo de cunho bibliográfico tem por objetivo estabelecer uma reflexão a respeito da importância da modelação tática no futebol justificada na teoria da complexidade. Unitermos: Futebol. Complexidade. Modelo de jogo.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 165, Febrero de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Desportos e a teoria da complexidade
A prática desportiva em diferentes âmbitos nos mostra o quão compenetrado na cultura das pessoas este fenômeno está. Segundo Teixeira (2010, p.19), “o desporto é um fenômeno sociocultural construído pela humanidade e digno de reflexões pedagógicas e práticas educacionais”. Representa uma atividade criada, transmitida e transformada pelo homem, adaptando às suas necessidades. Para ilustrar tal situação, podemos citar a criação do basquetebol, onde ocorreu em 1891 por um canadense, professor James Naismith que sentia a necessidade de proporcionar a prática de alguma atividade física aos seus alunos na estação de inverno. As regras surgiram em função de suas necessidades e, hoje, esse desporto apresenta praticantes em todo o mundo. (VILLAS BOAS, 2008).
Podemos afirmar que os desportos surgiram e apresentam características em comum. Em função disso, o treinador de futebol José Mourinho, em citação à (OLIVEIRA, et. al, 2006), disse que o futebol é uma globalidade, tal como o homem. Observa-se que as leituras dicotômicas dos desportos, aquelas que fragmentam o todo em partes, estão cada vez mais em desuso. Para Teixeira (2010, p.19), “delimitar o seu campo de abrangência ou estabelecer seu significado parece ter-se tornado tarefa, senão impossível, no mínimo muito complexa”.
Levando em consideração toda a abrangência que o desporto se constitui, torna-se fundamental analisá-lo sob uma visão de múltiplas perspectivas. Assim, podemos recorrer à teoria da complexidade para nos ajudar a entendê-lo um pouco melhor.
Ao lermos Morin (1991), em sua obra “Introdução ao pensamento complexo”, podemos compreender o caminho feito pela ciência para um primeiro entendimento do homem e do mundo. Descartes, ao colocar como princípio de verdade as idéias “claras e distintas”, ou seja, que houvesse comprovação, influenciou o pensamento disjuntivo, que norteou o pensamento ocidental desde o século XVII. Esse entendimento propiciou que os conhecimentos científicos se isolassem, havendo pouca interação entre eles. Surgiram as hiperespecializações, onde ocorreu um grande aprofundamento em distintas áreas do conhecimento, fazendo crer que a leitura sobre o real era o próprio real e possibilitando que as pessoas conhecessem profundamente poucas realidades, sem leitura ampla.
Mais do que deixar de lado as leituras globais e buscar um entendimento complexo da realidade, a ciência clássica tentou descobrir nos fenômenos complexos, uma ordem perfeita. Dessa forma, Morin (1991) chama esse processo de inteligência cega, que não concebe o elo inseparável entre o observador e a coisa observada.
Complexidade é, pois, “um tecido de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo” (MORIN, 1991, p.18). Para este autor, a complexidade aparece com traços inquietantes de confusão, da desordem, da ambigüidade, da incerteza. Dessa forma, existe a necessidade do conhecimento, de rejeitar a desordem, de desviar o incerto, retirar a ambigüidade. Estas são necessárias à inteligibilidade, porém correm o risco de tornar cega se não considerarem os outros caracteres dos complexos sistemas que nos permeiam.
Qualquer realidade conhecida, desde um átomo, uma célula ou um organismo, podem ser considerados sistemas. No mundo moderno, ao observarmos nosso cotidiano, veremos que em muitos locais ocorre a utilização desse conceito: Sistema respiratório, sistema de segurança, ecossistema, entre outros. Mas, afinal, qual a definição de sistemas?
Para Morin (1991, p.24), “sistema, quer dizer associação combinatória de elementos diferentes”. A teoria sistêmica é oriunda de estudos biológicos, e se estendeu para as mais diversas áreas. Para melhor compreensão, podemos observar o funcionamento de uma célula: apesar de parecer algo simples, ocorre internamente o funcionamento de várias organelas, cada qual com funções específicas, visando o funcionamento celular adequado. Cada organela, por sua vez, depende da combinação e reação de vários elementos, como água, ácidos graxos, proteínas, diferentes íons, entre outros, para se manter em funcionamento. São ações combinatórias de elementos diferentes e, portanto, apresentam características complexas. A junção de várias células musculares, por exemplo, formam o sistema muscular. Sistema este que depende da associação combinatória das células. Os vários sistemas, juntos, possibilitaram a formação de organismos pluricelulares e complexos, como o homem.
A formação de organismos pluricelulares pode ter ocorrido a partir da associação de células únicas, formando colônias, e a evolução desses organismos parece ter dependido da capacidade de estabelecer um funcionamento em regime de cooperação, que deve ter sido seguido pela capacidade de expressar diferentemente as informações contidas nas moléculas de DNA e RNA (MACHADO, 2003, p.13).
Importante observar que o todo não é a soma de suas partes constitutivas, mas sim uma unidade complexa. Os elementos diferentes, em interação complexa, formam o todo.
Dessa forma, existem duas sub-divisões para os sistemas existentes: os fechados e abertos. Os sistemas abertos, basicamente, são aqueles que dependem de energia e alimentação exterior para se manter, não apenas no âmbito material e energético, como também no âmbito organizacional e informacional. Assim sendo, podemos considerar o ser humano como um sistema aberto: pois depende de fontes exteriores para se manter. Por outro lado, um sistema fechado está em estado de equilíbrio, ou seja, as trocas em matéria e energia com o exterior são nulas. Pala ilustrar tal situação, temos exemplo de uma pedra, uma mesa, apresentando equilíbrio interno sem interação e necessidade de troca externa. No caso de um sistema aberto, ele não está ligado ao equilíbrio. Pelo contrário, há desequilíbrio no fluxo energético que os alimenta e, sem esse fluxo, ocorre enfraquecimento do sistema. Exatamente como o ser humano. Podemos citar o exemplo da nossa alimentação. Ao ingerir alguma comida, saímos de um estado aparente de equilíbrio. Com o passar dos minutos e das horas, essa comida vai se degradando, virando partículas menores, cujo propósito é manter o sistema em funcionamento. Após um longo período sem ingerir alimentos, ocorre um desequilíbrio energético, ao ponto de corrermos o risco de morte caso esse jejum dure alguns dias. Concluímos que as leis de organização do ser vivo não são de equilíbrio, mas de desequilíbrio. Além disso, a inteligibilidade do sistema deve ser encontrada na interação com o meio. Assim, o sistema só pode ser entendido se considerarmos ele inserido no meio, fazendo parte dele, mesmo sendo coisas distintas.
Voltando aos desportos, observa-se uma intima relação com a teoria sistêmica. Podemos utilizá-la para nos ajudar a entender as questões inerentes às modalidades, como metodológicas – se nos referimos à pedagogia do ensino, considerando os desportos sistemas abertos complexos.
Pensamento disjuntivo x pensamento complexo em futebol
Durante muito tempo, os profissionais ligados ao futebol – e demais áreas de atuação, se preocupavam em fragmentar o período de treinos, procurando atingir um melhor desempenho das capacidades. Além disso, fragmentavam o jogo de futebol para preparar os atletas da forma considerada ideal. Temos como exemplo (VIANA, 1981), onde descreve que os componentes de treinamento em futebol deveriam ser: condicionamento psicológico, físico, técnico, tático e invisível ou complementar. Dessa forma, os atletas deveriam realizar, de forma separada, disjuntiva, os exercícios que visavam diferentes capacidades, buscando prepará-los para o jogo. Na literatura brasileira, são vastos os livros com estes princípios. Ainda hoje vemos técnicos desportivos realizando trabalhos analíticos, ou seja, que trabalham capacidades técnicas, por exemplo, em separado, de forma não contextualizada com os demais componentes de treino.
O método “é a maneira unitária de organizar e empregar os meios selecionados com o fim de realizar os objetivos de uma concepção ou sistema” (NÉRICI, 1969). Assim, os treinos técnicos com o método parcial ou analítico são aqueles em que o técnico coloca os jogadores para repetir determinado gesto técnico.
Algumas críticas emergem desse método. A ausência de interações entre os componentes do sistema não podem ser desprezadas e este tipo de método tende a enfraquecer ou pouco oportunizar essas interações. Será que um exercício analítico do fundamento passe bem executado é sinal de que os atletas que o fazem, conseguirão desempenhar bem este fundamento no jogo?
Para melhor compreendermos esse cenário, ao analisarmos e estruturarmos a organização de uma equipe de futebol levando em consideração as teorias organizacionais veremos que o desporto e a forma de vê-lo encontra subsídios nos quatro períodos históricos apresentados no quadro 1, considerando Oliveira e Tavares (1996).
Quadro 1. Períodos históricos característicos de uma equipe de futebol
Durante muito tempo, jogar futebol representou seguir uma seqüência aleatória de ações individuais. Gradualmente ganhou corpo uma organização coletiva que visava distribuição equilibrada em campo, fruto da utilização generalizada do fundamento passe. Falar em tática no futebol significava falar do sistema 4-2-4, 4-3-3, entre outros. Esse pensamento, disjuntivo, dualista, era reflexo do período dos modelos racionais fechados, onde a burocracia era entendida como a forma de organização humana mais eficaz (OLIVEIRA; TAVARES, 1996).
Com o surgimento do “Futebol Total” apresentado pela seleção Holandesa na Copa de 1974, os sistemas que eram entendidos como um bloco, mais ou menos rígidos, passaram a ser vistos como a dinâmica, não a estrutura. Ou seja, se antes havia uma supervalorização do posicionamento, das funções previamente definidas, no entendimento do sistema, agora o importante era a dinâmica dele, os desdobramentos, criação de vantagem numérica, polivalência, “pressing”, formação de triângulos, coberturas, entre outros.
Assim sendo, a noção de equipe foi se alterando. Havia uma inter-relação mais estreita entre os diferentes jogadores. A equipe passa a ser vista como uma unidade íntegra.
Para (OLIVEIRA; TAVARES, 1996) atualmente estamos no 4° período da história das teorias organizacionais, onde as organizações se identificam com os modelos sociais abertos, concedendo muito espaço à iniciativa individual.
Cultura organizacional e o modelo de jogo
Cada equipe adquire cultura organizacional fruto das interações dos seus membros. Para manter o sistema em equilíbrio, torna-se necessário desenvolver a coordenação geral das ações, como criar princípios, regras, formas, que servirão de guias para todos os membros de um mesmo sistema, tendo em vista que é a organização que maximiza o rendimento de um sistema, neste caso uma equipe. (OLIVEIRA; TAVARES, 1996).
Para este autor, o sistema apresenta três estados possíveis:
O todo organizado é mais que a soma das suas partes;
O todo desorganizado é menos que a soma das suas partes;
O todo neutro (sem organização) é exatamente a soma das partes.
Quando falamos em organização, este termo carrega consigo uma “ordem que faz emergir determinadas regularidades no comportamento dos jogadores” (SILVA, 2008, p.28). Deste modo:
O sistema de jogo é o ponto de partida para configurar a dinâmica do jogar mas a funcionalidade compreende as características dos jogadores, os princípios de ação em determinados momentos, as estratégias de resolução em determinados contextos (SILVA, 2008, p.28).
Os princípios de ação referidos acima configurarão as interações entre os jogadores nos vários momentos do jogo de futebol. Nesse sentido, a operacionalização dos princípios de ação ocorrerá pela criação e desenvolvimento do modelo de jogo.
O modelo de jogo é uma visão futura do que pretendemos que a equipe manifeste de forma regular em diferentes momentos do jogo de futebol (TAMARIT, 2010, p.39). Implica em saber muito bem o que pretendemos em cada momento, características essas que serão marcadas pelos princípios e sub-princípios de jogo.
Conclusão
O jogar da equipe será, portanto, a relação dialética entre as idéias do treinador, o contexto envolvido e a realização prática dos atletas (SILVA, 2008). Cabe à comissão técnica de cada equipe identificar que tipo de modelo implantar, levando em consideração as idéias do treinador, os comportamentos individuais e coletivos do grupo, as características sócio-culturais da equipe, as condições materiais e estruturais, assim como os objetivos a cumprir.
Os princípios e sub-princípios criados para servirem de guia no processo de jogo e de treino são importantes para o bom funcionamento do “jogar” de uma equipe. Alguns comportamentos padrão podem ser visualizados e devem ser enfatizados, de acordo com a característica do grupo, da filosofia do clube, do treinador, das condições físicas, como já citado acima. Todas essas características estão imersas em um sistema complexo, marcado pela aleatoriedade, imprevisibilidade e indeterminismo. Estes fatores não são elementos para eliminar a explicação científica do futebol, pelo contrário, são fundamentais para a explicação dele.
Bibliografia
MACHADO, M.F.P.S. Estudo dirigido de biologia celular. Maringá: Eduem, 2003.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa, Instituto Piaget, 1991.
NÉRICI, I.G. Metodologia do ensino superior. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1969.
OLIVEIRA, B. AMIEIRO, N. RESENDE, N. BARRETO, R. Mourinho: Porque tantas vitórias? Lisboa: Gradiva, 2006.
OLIVEIRA, J. TAVARES, F. Estratégia e táctica nos jogos desportivos colectivos. Porto: Universidade do Porto, 1996.
SILVA, M. O desenvolvimento do jogar segundo a periodização táctica. Pontevedra: MCsports, 2008.
TAMARIT, X. ¿Que es la periodización táctica? Vivenciar el juego para condicionar el juego. Pontevedra: MCsports, 2010.
TEIXEIRA, D. O desporto escolar: construção ou negação de uma práxis pedagógica. Maringá: Eduem, 2010.
VIANA, A.R. Futebol prático: preparação física, técnica e tática. Viçosa: UFV, 1981.
VILLAS BÔAS, M. Basquetebol: brincando e aprendendo da iniciação ao aperfeiçoamento. Maringá: Eduem, 2008.
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