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O espaço físico escolar em foco: por uma geografia da Educação Física

El espacio físico escolar en foco: una geografía de la Educación Física

The physical space of the school in focus: for a geography of the Physical Education

 

Graduado em bacharelado e licenciatura em Geografia pela UERJ

Graduado em licenciatura em Educação Física pela UFRJ

Mestrando em Educação pela UFRJ

Marcelo da Cunha Matos

prof.marcelomatos@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo visa analisar através de um estudo de casos a presença das instalações lúdico-esportivas nas escolas da cidade do Rio de Janeiro, fazendo uma comparação entre as instituições públicas e privadas. Teremos como recorte espacial o bairro de Botafogo, localizado na Zona Sul carioca. Através de pesquisas de campo, verificamos as diferenças existentes no que diz respeito à distribuição dessas instalações nas instituições de ensino em ambas esferas administrativas. Seu objetivo é verificar a preocupação dada aos espaços físicos para um bom desenvolvimento das aulas da Educação Física a fim de contribuir com a formação do corpo discente. Após a pesquisa, concluímos que as escolas particulares possuem mais instalações apropriadas do que as escolas públicas. Além disso, dentre as escolas que não possuem tais instalações, as públicas são a maioria. Outro ponto a ser destacado é de que a maior incidência de instalações presentes nessas escolas foram quadras poliesportivas.

          Unitermos: Escola. Espaço físico. Instalações lúdico-esportivas.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A presença e bom desenvolvimento da disciplina Educação Física na escola depende, em parte, da existência, da diversidade das instalações, bem como de sua acessibilidade. Cabe a cada instituição de ensino pensar em sua organização, adequando as suas demandas para que o corpo discente não seja prejudicado no aprendizado.

    A infra-estrutura de uma escola é um fator importante para um bom desempenho do aluno nas aulas de Educação Física, seguindo critérios de distribuição harmoniosa e de qualidade estética, de forma a responder às necessidades dos diversos tipos e níveis de prática.

    As instituições de ensino necessitam de espaços coerentes que comportem manifestações culturais diversas, que permitam um lidar pedagógico adequado com o que consideramos o objeto principal de estudo da Educação Física, a “cultura corporal” (Coletivo de autores, 1992). Este termo nos parece englobar todas as manifestações corporais que embasam a área da Educação Física e não cai no erro de abranger apenas alguns objetos de estudo da área.

    Tendo em vista as considerações anteriores, o objetivo desse estudo é analisar a quantidade existente das instalações utilizadas pela Educação Física nas escolas do bairro de Botafogo, localizado na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.

    A idéia desta investigação partiu da minha experiência como bolsista de iniciação científica dentro do projeto “Mapeamento das instalações esportivas da cidade do Rio de Janeiro”, pertencente ao Instituto Virtual do Esporte, vinculado à Faperj – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.

    Este projeto tem o intuito de mapear, levantar a situação atual e o potencial de desenvolvimento esportivo do Estado a partir dos locais já existentes para a prática esportiva, como escolas, universidades, praças públicas, clubes, instituições militares, identificando o significado destes equipamentos para a população e as necessidades para investimentos em construções e reformas. Tal mapeamento é de grande importância para dimensionar a oferta e uso das instalações esportivas, bem como para entendermos as necessidades de implementação de políticas públicas no setor.

    Tal estudo se justifica por chamar a atenção para que vejamos os espaços (sejam eles quadras, campos, piscinas, salas de lutas e danças, etc.) como dimensões pedagógicas importantes na formação global do aluno, identificando os significados destes equipamentos para o ensino da Educação Física.

Procedimentos metodológicos

    Este estudo se caracterizou pela combinação das pesquisas bibliográfica e de campo. Em relação à pesquisa bibliográfica, focamos a discussão sobre o significado de espaço, conceito muito utilizado em Geografia. Essa revisão foi realizada a partir de leitura de livros, artigos, teses e dissertações relacionadas à questão central do estudo.

    A respeito da pesquisa de campo, foi selecionado um bairro carioca que pudesse exprimir uma representação, mesmo que em pequena escala, da cidade do Rio de Janeiro como um todo. Buscamos alcançar nosso objetivo inicialmente a partir da análise de instituições de ensino públicas e privadas do bairro de Botafogo, localizado na Zona Sul carioca. A escolha por este bairro é devida a grande heterogeneidade que ele possui, além de possuir índices sócio-econômicos avaliativos relevantes em âmbito municipal (Armazém de Dados, 2009).

    Com uma área territorial de 479,90 hectares (Armazém de Dados, 2009) e uma população de aproximadamente 80.000 habitantes1, Botafogo ocupa uma posição respeitável na cidade.

    De acordo com os dados do Censo Demográfico do IBGE (2000), este tradicional bairro lidera várias pesquisas com relação ao índice de desenvolvimento humano (IDH)2, índice de educação3 (IDH-E) e taxas de analfabetismo. Além disso, Botafogo apresenta um número considerável de escolas, explicando, portanto a sua relevância como exemplo para este estudo.

Tabela 1. Classificação dos bairros cariocas segundo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Fonte: www.armazemdedados.rio.rj.gov.br

    Após a escolha do bairro, preocupamo-nos em coletar todas as escolas existentes naquele recorte espacial. Para isso, buscamos no INEP (2005), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, a relação com todas as escolas de ensino básico.

    Durante as visitas às escolas4, foram verificados os espaços utilizados para as aulas de educação física, segundo os professores das respectivas escolas. Denominamos esses espaços de “instalações lúdico-esportivas”, pois consideramos que nem só esportes são praticados nesses espaços. É possível também utilizá-lo para atividades lúdicas variadas.

    Tais instalações foram classificadas da seguinte forma:

  • Quadras cobertas: instalações cobertas, com marcações de uma ou mais modalidades esportivas e destinados à sua prática.

  • Quadras descobertas: instalações descobertas, com marcações de uma ou mais modalidades esportivas e destinados à sua prática.

  • Ginásios: instalações cobertas e fechadas, com uma saída e entrada especificada, com marcações de uma ou mais modalidades esportivas e destinados à sua prática.

  • Pátios: instalações amplas, cobertas ou descobertas, que podem ser usadas à prática de jogos e brincadeiras, sem marcações esportivas, podendo ser também local de passagem de transeuntes.

  • Piscinas: instalações cobertas ou descobertas que se destinam à prática de qualquer atividade aquática.

  • Campos: instalações descobertas, em terreno como gramado e terra batida, que se destinam à prática de Futebol, Rugby, Hóquei em Campo, Beisebol etc.

  • Salas: instalações equipadas, que se destinam à prática de Musculação, Ginástica Rítmica, Ginástica Artística, Lutas, Dança etc.

  • Outros: instalações que não se encaixam em nenhum outra classificação acima como, por exemplo, Pista de skate, pista de atletismo, pista de ciclismo etc.

    Posteriormente, apresentaremos a análise e a interpretação acerca dos dados coletados ao longo do trabalho de campo realizado nas escolas visitadas através de gráficos. Por fim, fazemos uma síntese e análise prospectiva de nossas observações, expondo nossas conclusões a respeito do tema proposto.

Resultados

    Segundo o INEP (2005), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, em sua listagem cadastral das escolas, Botafogo possui 34 escolas particulares e 12 escolas públicas (7 municipais, 5 estaduais e nenhuma de administração federal).

    Como podemos perceber pelo gráfico, as escolas particulares predominam no bairro. 74% das escolas são privadas, já as escolas públicas (estaduais e municipais) totalizam 26%.

    A disparidade existente quanto a instalações esportivas entre instituições públicas e privadas encontra-se no gráfico logo abaixo. Vejamos:

    O gráfico acima nos mostra que em ambas esferas administrativas o número de instituições com instalações para a prática da Educação Física é maior do que as instituições que não possuem espaço adequado.

    Entre as escolas particulares, 71% possuem instalações lúdico-esportivas e 29% não possuem. Já nas escolas públicas, 67% possuem instalações lúdico-esportivas e 33% não possuem.

    Quanto ao tipo de instalação, verificamos a seguinte comparação:

    As escolas particulares possuem em maior quantidade todos os tipos de instalações lúdico-esportivas estudadas, ilustrando a grande disparidade de oferta de instalações para a prática de educação física.

    Vale destacar também que alguns tipos de instalações como, por exemplo, ginásios, campos e piscinas não são presentes em nenhuma escola pública.

    A instalação lúdico-esportiva prevalecente nas escolas particulares pesquisadas é a quadra descoberta. Já na escola pública, prevalecem os pátios.

Discussão

    Dando coerência à problemática em questão, segue explicitações de forma mais aprofundada acerca dos conceitos abordados, o que possibilitou um embasamento teórico deste estudo.

    Comecemos então por discutir o significado de espaço - um dos principais objetos de estudo da Geografia - para elucidar as ações e as conseqüências que ocorrem sobre este.

    A expressão espaço geográfico ou simplesmente espaço, (...), aparece como vaga, ora estando associada a uma porção específica da superfície da Terra identificada seja pela natureza, seja por um modo particular como o Homem ali imprimiu as suas marcas, seja com referência à simples localização. Adicionalmente, a palavra espaço tem o seu uso associado indiscriminadamente a diferentes escalas, global, continental, regional, da cidade, do bairro, da rua, da casa e de um cômodo no seu interior. O que é, afinal, espaço? (Corrêa, 1995, p. 15).

    Conceito oriundo da Geografia existe diversas vertentes que explicam o significado de espaço e suas complexidades. Ao longo do tempo, de acordo com as correntes de pensamento geográfico, foram-se incorporando novas idéias ao conceito, capazes de sintetizar sua objetivação e importância para a área. Faremos, portanto, um breve histórico sobre a construção do conceito de espaço na ciência geográfica.

    Inicialmente o conceito de espaço apareceu na corrente denominada Geografia Tradicional5, abordado apenas em alguns estudos da época, seguindo-se após a sua concepção na geografia, que emergiu da denominada revolução teorético-quantitativa.6

    Em seqüência, a partir da década de 70, o conceito de espaço foi investigado pela Geografia Crítica7 e posteriormente por geógrafos humanistas e culturais, a chamada Geografia Humanista e Cultural8 (Corrêa, 1995).

    As duas últimas vertentes geográficas supracitadas servirão como base principal para a construção do pensamento abordado nesse estudo, pois nos trarão sólidos alicerces capazes de perceber que

    (...) o espaço constitui uma realidade objetiva, um produto social em permanente processo de transformação. O espaço impõe sua própria realidade; por isso a sociedade não pode operar fora dele. Consequentemente, para estudar o espaço, cumpre apreender sua relação com a sociedade, pois é esta que dita a compreensão dos efeitos (...) (Santos, 1985, p. 49).

    A citação acima, do geógrafo brasileiro Milton Santos, expressa a importância do espaço para uma determinada população. De fato, não podemos negligenciar as ações impostas pela sociedade ao espaço, pois sem tais informações a análise torna-se incompleta. O espaço não é estático; pelo contrário, encontra-se em constante processo de modificação e interação com o meio.

    Dessa forma, ao encaminharmos a problemática em questão para o âmbito escolar, perceberemos também que a população que freqüenta uma instituição de ensino age, interage e altera o espaço, seja negativa ou positivamente.

    O espaço físico escolar possui grande importância para o corpo discente em diversos aspectos, uma vez que este será cenário diário de estudo, discussões, debates, reflexões, convívios sociais e lazer. Deve ser convidativo para os alunos, representando relações de intimidade e afetividade, que pode se manifestar através de apreciação visual ou estética e pelos sentidos a partir de uma longa vivência. É o que Tuan9 (apud Corrêa, 1995) denomina de lugar.

    Ao ocupar o espaço, utilizá-lo, preenchê-lo de experiências e sentimentos, supõe-se sua constituição como lugar:

    O “salto qualitativo” que leva do espaço ao lugar é, pois, uma construção. O espaço se projeta ou se imagina; o lugar se constrói. Constrói-se “a partir do fluir da vida” e a partir do espaço como suporte; o espaço, portanto, está sempre disponível e disposto para converter-se em lugar, para ser construído (Viñao Frago, 1998, p. 61).

    No bojo dessa discussão, é válido citarmos também outro conceito muito trabalhado pela Geografia Cultural. A escola com essas características torna-se para o aluno um espaço vivido10, ou seja, um espaço íntimo banhado com experiências pessoais e por representações simbólicas. Tais simbolismos vão traduzir “em sinais visíveis (...) as suas aspirações, crenças, o mais íntimo de sua cultura” (Isnard, 1982, p. 71). Sendo assim, ao estabelecer com o espaço escolar esta relação, o corpo discente e docente tendem a gerar, de alguma forma, um relacionamento referente ao afetivo, ao mágico, ao imaginário.

    Dessa forma, há um potencial para criar vínculos afetivos e possibilitar um ambiente facilitador para o desenvolvimento social, além de estabelecer ou restabelecer valores como preservação e valorização de um espaço público.

    Enfim, numa perspectiva escolar, o espaço é analisado por Escolano (1998):

    Os espaços educativos, como lugares que abrigam a liturgia acadêmica, estão dotados de significados e transmitem uma importante quantidade de estímulos, conteúdos e valores (...), ao mesmo tempo em que impõem suas leis como organizações disciplinares (p.27).

    Além disso, a maneira como este espaço será organizado deve ser levado em consideração para avaliarmos se o aprendizado sofrerá influência. Por isso, abordaremos a organização espacial escolar e faremos uma análise histórica dessa antiga questão, pouco difundida atualmente entre os estudiosos da educação.

    Ao estudarmos este tema, podemos novamente empregar outro conceito utilizado pela Geografia: a organização espacial. Tal termo se refere ao conjunto de objetos fixos ou formas dispostas espacialmente distribuídos e/ou organizados sobre a superfície da Terra (Corrêa, 2000).

    Numa escola alguns itens aparecem como necessários para um bom funcionamento e desenvolvimento da instituição como um todo. Nessa perspectiva, pensar, planejar e organizar espacialmente de maneira correta a infra-estrutura de uma escola pode contribuir para um aprendizado diferenciado. Segundo a LDB, lei 9.394 de 1996, de diretrizes e bases da educação brasileira, o Estado tem o dever de garantir “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem” (Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999, p. 40).

    A Educação Física encontra-se no meio desta grande problemática. Como dito anteriormente, mesmo com uma área inadequada de trabalho, nenhuma disciplina deve abrandar sua qualidade ou ausentar certos conteúdos por questões estruturais e todos os alunos têm que possuir uma aprendizagem igualitária com a mesmo tratamento pedagógico.

    A sociedade escolar, ao utilizar os espaços de ensino, explorados não só pela Educação Física mas pelas diversas disciplinas, poderá adquirir diversos ganhos pedagógicos, já que os alunos estarão em constante processo de troca, interagindo com o meio em que freqüentam. “Uma sociedade só se torna concreta através de seu espaço, do espaço que ela produz e, por outro lado, o espaço só é inteligível através da sociedade” (Corrêa, 1995, p. 26).

    Podemos considerar a escola como um local privilegiado para observarmos as características de uma sociedade, pois nela também encontramos reflexos das relações sociais, logo também das desigualdades.

    Dessa forma, devemos incorporar em seu contexto ações e vivências para um bom desenvolvimento social e crítico do corpo discente. Veiga (1998) comenta:

    Podemos considerar que a escola é uma instituição na medida em que a concebemos como a organização das relações sociais entre os indivíduos dos diferentes segmentos, ou então como o conjunto de normas e orientações que regem essa organização (p. 113).

    Sendo assim, uma escola deve possuir subsídios para que tal fato seja concretizado. O espaço escolar deve compor esse conjunto de elementos necessários. Porém, nem sempre encontramos instituições de ensino bem planejadas e organizadas, acarretando deficiências, muitas vezes silenciosas e que passam desapercebidas, no processo de ensino-aprendizagem:

    ...a instituição escolar e o ensino só merecem esse nome quando se localizam ou se realizam num lugar específico. E, com isso, quero dizer num lugar especificamente pensado, desenhado, construído e utilizado única e exclusivamente para esse fim. O reverso dessa tendência à especificidade e institucionalização, à identificação como tal espaço específico, seriam, (...), as diferenças propostas e tentativas de negação da escola como lugar (Viñao Frago, 2001, P. 69).

    Ao compararmos as escolas particulares e públicas, veremos disparidades no que diz respeito a infra-estrutura escolar. Através de pesquisas feitas pela Fundação Getúlio Vargas (2003), as escolas particulares oferecem, em geral, maior quantidade de equipamentos para seus alunos do que as do setor público. Isto é verdade em relação ao equipamento básico próprio da atividade, como bibliotecas, laboratórios e instalações esportivas; aos recursos tecnológicos mais atualizados, como microcomputadores e acesso à internet; e, não menos importante, à infra-estrutura de serviços de utilidade pública, como eletricidade e saneamento. Os dados permitem constatar também que, comparando-se as escolas privadas e públicas, o hiato de disponibilidade de recursos é significativamente maior no nível fundamental.

    Porém, conforme comentado anteriormente, uma lacuna ainda merece ser preenchida: as instituições de ensino que não possuem condições físico-arquitetônicas para abrigar uma escola. Faz-se necessária leis que abordem tal discussão, visando uma igualdade e equivalência entre todas as disciplinas escolares, sem deterioração das mesmas.

    A presença de locais apropriados para a Educação Física é de extrema importância para o educando, pois “a arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador, ou seja, como um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ela seja, por si mesma, bem explícita ou manifesta” (Escolano, 2001, p. 45). Sendo assim,

    a localização da escola e suas relações com a ordem urbana das populações, o traçado arquitetônico do edifício, seus elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração exterior e interior respondem a padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende (Escolano, 2001, p. 45).

    Portanto, uma escola sem quaisquer instalações esportivas pode contribuir para criar no imaginário do aluno um esquecimento e/ou desvalorização da Educação Física dentro da escola, como se não fizesse falta para sua formação.

    Além disso, podemos ratificar esta disparidade no que se refere quanto à prática esportiva dentro das escolas quando observamos os dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): a grande maioria da população brasileira não pratica qualquer tipo de atividade física. Faltam ações de sensibilização e conscientização sobre a importância desta prática.

    Os dados são confirmados pelo levantamento realizado, em 1999, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), do Ministério da Educação: há 183.448 escolas de ensino fundamental no Brasil, públicas e particulares. Desse total, somente 33.234 possuem quadras de esportes, ou seja, apenas 18,1% das escolas brasileiras oferecem um local adequado para a prática da Educação Física de seus alunos - 1,7% em áreas rurais e 16,4%, nas urbanas (Ministério do Esporte, Secretaria Nacional de Esporte Educacional, 2005).

    É válido lembrar, porém, que a Educação Física não se restringe apenas a quadra de esportes – futsal, vôlei, basquete, handebol. O espaço físico escolar a qual nos refirimos é algo muito mais amplo do que isto. É um espaço facilitador para a busca do senso crítico e da autonomia corporal, capaz de possibilitar ao educando formas de expressão da sua cultura e de suas vivências sociais, afetivas e motoras, sejam eles quadras, piscinas, salas, pátios etc. O Coletivo de Autores (1992) comenta que “quanto à questão do espaço, o tratamento ao conhecimento nessa área, articulado organicamente à organização do tempo, exige que na escola se construam espaços diferenciados dos das outras disciplinas” (p. 38).

    Para isso, também é necessário para esse espaço físico a intervenção de um professor de Educação Física preocupado como essas questões. Embasado por um projeto político-pedagógico sólido, que evidencie a importância da Educação Física dentro da instituição de ensino, o professor terá inúmeras possibilidades para aplicar seus conhecimentos que levem a conquistar seus objetivos.

    Pretende-se instigar o professor a eleger, para sua prática, aquela perspectiva que responde às exigências atuais do processo de construção da qualidade pedagógica da escola (...), resultado de um projeto coletivo e adequada em relação aos seus equipamentos materiais e espaços físicos (Pimenta e Guimarães apud Soares et alli, 1992, p. 23)

    A aprendizagem é um processo de reconstrução da experiência que o aluno faz ao descobrir o significado que essa tem para ele próprio e também para seus colegas. O professor de Educação Física tem que estar atento ao mundo experencial e cultural do educando e para o fato de que o interesse e a curiosidade espontânea do aluno não motivarão e direcionarão por si próprios a sua capacidade de aprender. Há necessidade, além das atividades curriculares, de programações bem pensadas que incluam o jogo, a arte, a cultura, em espaços adequados e convidativos para o corpo discente.

    Lembremos que a Educação Física deve ser encarada a partir dos benefícios que pode trazer ao desenvolvimento humano, na contribuição para a formação física e intelectual. Ela, através de seus conteúdos, é uma linguagem, um conhecimento universal, patrimônio da humanidade que igualmente precisa ser transmitido e assimilado pelos alunos na escola. A sua ausência impede que o homem e a realidade sejam entendidos dentro de uma visão de totalidade (Coletivo de Autores, 1992).

    As instalações esportivas são formas11 cristalizadas no espaço escolar possuidoras de funções12 determinadas, que exprimem a importância do esporte como uma constituição de linguagem. “Diante do exposto, torna-se evidente que a função está diretamente relacionada com sua forma; portanto, a função é a atividade elementar de que a forma se reveste” (Santos, 1985, p. 51).

    Segundo o Coletivo de Autores (1992), a Educação Física na escola busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo13 que o homem tem produzido na história, que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas. Por sua vez, diversas conseqüências podem vir a emergir caso o espaço físico escolar seja um ambiente desinteressante e inóspito como, por exemplo:

    A disciplina poderá ter um aspecto reducionista em termos de conteúdos, sendo obrigados a excluir certas atividades que necessitem de espaços amplos. E, mesmo os conteúdos que poderão ser abordados num espaço pequeno, também terão restrições;

    Caso o espaço físico escolar não atenda as necessidades do corpo discente, as aulas tendem a se tornar desmotivantes, acarretando uma fuga dos alunos, ou seja, buscam suprir suas inquietações motoras e afetivas em outros espaços. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Médio (1999), “o educando vem, paulatinamente, se afastando das quadras, do pátio, dos espaços escolares e buscando em locais extra-escolares experiências corporais que lhe trazem satisfação e aprendizado como parques, clubes, academias, (...)” (p. 156).

    A incidência de possíveis acidentes com o corpo discente durante as aulas tende a ser maior;

    Acreditamos, portanto, que ao dar a necessária atenção ao espaço físico escolar, teremos uma melhora significativa no ensino da Educação Física, pois serão nesses espaços em que a elaboração do conhecimento, a criatividade, a formação crítica etc tomarão formas. Caso contrário, a Educação Física, enquanto educação, tenderá a reproduzir modelos técnicos e mecânicos, como vemos atualmente, “uma neurótica luta contra segundos e a favor dos centímetros” (Oliveira, 2004, p. 105).

    É válido ressaltar que a educação é uma prática social que colabora tanto para a manutenção do status quo quanto para encontrar brechas para uma práxis pedagógica transformadora. A Educação Física também participa desse processo com professores ora transmitindo valores consensuais ora procurando desvelar as contradições da sociedade (Oliveira, 2005, p. 39).

    Após a análise dos resultados obtidos, podemos perceber que a grande disparidade entre o ensino das escolas públicas e particulares no Brasil é refletido também no que diz respeito a oferta de espaços para a prática da educação física.

    Em Botafogo, o grande agravante que impossibilita a presença de instalações para o ensino da Educação Física dentro das instituições de ensino é o número considerável de escolas particulares que possuem suas instalações em casas e edifícios - comprados ou alugados - que, visivelmente, não tinham o objetivo e nem características funcionais e arquitetônicas para abrigar uma escola na época de sua construção (vide foto 1), fato esse que acreditamos se estender por toda a cidade, porém carece ainda de uma ampliação no recorte espacial desta pesquisa.

    As instituições escolares públicas também não fogem a esta regra; muitas delas também não possuem espaços adequados para a prática esportiva: ora pela deterioração do ensino público, ora pela ausência desses espaços. Sobre este último, segundo a Diretoria de Planejamento da Rede Física, da Secretaria Estadual de Educação, responsável pela construção e manutenção das escolas, muitas delas são antigos casarões que foram desapropriados ou comprados pelo governo. Fazer reformas também não é possível, já que a referida legislação não permite grandes alterações na planta, uma vez que esses locais estão tombados pelo patrimônio histórico.

Foto 1. Fachada de uma casa que abriga uma escola particular que funciona da Educação infantil ao Ensino médio. Fonte: foto do autor

    Em conseqüência disto, os espaços para a Educação Física eram sempre pequenos e resumidos, indicando que não houve planejamento para a construção daquela área. Outra possibilidade que a escola possui para suprir esta carência são convênios com clubes ou instituições militares (vide foto 2).

Foto 2. Aula de Educação Física ministrada no Batalhão da Polícia Militar, próximo à instituição. Fonte: foto do autor

    Acreditamos que este fenômeno tem como procedência o processo de sucateamento do ensino, gerando no país um grande crescimento das instituições particulares e fazendo com que este setor torne-se terceirizado. A tabela a seguir mostra o crescimento das instituições particulares em nosso país.14

Tabela 2. Número de estabelecimentos de ensino básico privado no Brasil.

Fonte: INEP-MEC.

    Como podemos perceber com as informações acima, a educação no Brasil, no caso específico da cidade do Rio de Janeiro, nos leva a concluir que a escola tornou-se um empreendimento comercial, onde a infra-estrutura física, indispensável para uma educação de qualidade deixou de ser prioridade, assim como, em alguns casos, a equipe de profissionais que nela trabalha.

Conclusão

    Ao analisarmos a importância da organização espacial escolar e seus desdobramentos para o ensino da Educação Física, percebemos que esta questão possui grande valor já que influencia a dinâmica das aulas.

    Acreditamos que a universidade é um ambiente de totalidade, local em que as diversas áreas do saber encontram-se reunidas e interligadas e o conhecimento mostra-se acessível aos que desejam construir, lapidar e enriquecer a criação científica e acadêmica. Ao estudarmos a temática em questão, nos apoderamos de conceitos de uma outra área, a Geografia, ciência que investiga e trata de definições de espaço, espaço vivido, organização espacial e suas aplicabilidades. Certificamo-nos de que tais elementos são de fundamental importância para obtermos êxito em nossas propostas. Posteriormente, aplicamos tais conceitos na situação-problema que este trabalho trouxe à tona, ou seja, a relevância que os espaços físicos possuem nas aulas de Educação Física.

    De fato, acreditamos que é interessante a existência de espaços físicos planejados, elaborados, organizados e bem estruturados para a atuação do professor de Educação Física. Consideramos sua importância não só para esta disciplina, mas para todo o processo de ensino-aprendizagem que cabe dentro de um ambiente escolar.

    Através de gráficos e pesquisas de campo, constatamos as diferenças existentes entre as escolas públicas e particulares no que diz respeito ao acesso de instalações esportivas, ferindo o artigo 4, parágrafo IX da LDB, em que afirma que todos os alunos devem possuir padrões mínimos de qualidade de ensino.

    Em nosso recorte espacial, o bairro de Botafogo, a mesma constatação foi feita, além de verificar que diversas escolas se encontram localizadas em casas ou edifícios adaptados para atuarem nesta função, não possuindo uma organização espacial que deva caracterizar uma instituição de ensino preocupada com toda sua estrutura educacional.

    A análise de apenas um bairro para a elaboração deste estudo deve considerada como um pontapé inicial para uma maior exploração do tema, já que é escassa a pesquisa nesta área, mesmo sendo notório sua problematização, até mesmo em escalas pequenas, como visto neste trabalho. Cremos, portanto, que seja necessário um maior aprofundamento acerca da assunto em questão, ampliando o recorte espacial, para que possamos analisar se tal fato é repetido em grandezas maiores.

    Esta pesquisa objetivou, além do conhecimento teórico sobre o assunto, denunciar práticas ilegais como, por exemplo, o descumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9394/96, que determina que na Matriz Curricular seja incluída a Educação Física. Constatamos que em alguns estabelecimentos de ensino, além da ausência de instalações esportivas, há também a inexistência da disciplina Educação Física, infringindo portanto a LDB 9394/96.

    Vislumbramos a perspectiva de aprofundar ainda mais o conhecimento teórico e prático explorado neste trabalho acadêmico, o qual concentra elementos das minhas duas formações (Geografia e Educação Física), assim como também uma prática educacional, engajada com o pensamento crítico e libertador que deve ser busca constante do educador.

Notas

  1. Segundo bairro mais populoso da Zona Sul (Armazém de Dados, 2000).

  2. Mede o nível de desenvolvimento humano dos países utilizando como critérios indicadores de educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda (PIB per capita).

  3. Obtido a partir da taxa de alfabetização e da taxa bruta de freqüência à escola, convertidas em índices por: (valor observado - limite inferior) / (limite superior - limite inferior), com limites inferior e superior de 0% e 100%. O IDH-Educação é a média desses 2 índices, com peso 2 para o da taxa de alfabetização e peso 1 para o da taxa bruta de freqüência.

  4. É válido destacar que em algumas escolas – públicas e particulares – não foi permitida a nossa entrada para fazer a devida pesquisa, o que compromete a riqueza de informações deste estudo.

  5. De forma resumida, a geografia quantitativa, hegemônica no período entre 1870 à 1950, privilegiou outros conceitos geográficos como paisagem e região.

  6. Introduziu diversas mudanças na Geografia. Influenciada pelo positivismo lógico, adotou-se a visão da unidade epistemológica da ciência, calcada nas ciências da natureza, sobretudo a Física.

  7. Procura romper com a geografia quantitativa e com a geografia teorético-quantitativa. O espaço volta a ser considerado um conceito-chave.

  8. Assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, no simbolismo.

  9. Estudioso ligado à Geografia Cultural, Tuan considera os sentimentos espaciais e as idéias de um grupo ou povo sobre o espaço a partir da experiência.

  10. Como esta vertente geográfica privilegia o simbolismo e os sentimentos, o espaço, agora intitulado de vivido, passa a ter um teor afetivo para o indivíduo.

  11. A Geografia novamente contribui para este estudo trazendo o conceito de forma em questão. Forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se, ademais, ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão.

  12. Função sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma, pessoa, instituição ou coisa.

  13. Exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, mímicas e outros.

  14. Entre as regiões geográficas, a participação privada é máxima no Sudeste, onde chega a 29,6%, caindo para 4,9%, no Norte.

Referências

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  • CORRÊA, Roberto L. Espaço, um conceito-chave da Geografia. In: CASTRO, I. E., CORREA, R. L. e GOMES, P. C. C. (orgs.). Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, p. 15-47.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 164 | Buenos Aires, Enero de 2012
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