Um caleidoscópio sem lógica: a Educação Física escolar na visão dos Coordenadores e Orientadores de Esporte e Lazer do SESI-SP Um caleidoscopio sin lógica: la Educación Física escolar según la visión de los Coordinadores y Orientadores de Deporte y Tiempo Libre del SESI-SP |
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Especialista técnico de Esporte e Lazer do SESI-SP Mestre em Educação: Currículo – PUC-SP (Brasil) |
Saulo Françoso |
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Resumo Os Coordenadores e Orientadores de Esporte e Lazer do SESI-SP, atualmente exercem um papel fundamental na gestão da área de Educação Física escolar. Este artigo pretende analisar as percepções que esses profissionais possuem acerca da área de conhecimento, de modo a confrontar as respostas obtidas por meio de um questionário com a teorização curricular pós-crítica. A pesquisa realizada demonstrou uma polissemia de significados em relação à definição da E.F. e seu papel no contexto escolar, o que indica a necessidade do SESI-SP articular políticas educativas que promovam o debate e a formação contínua dos sujeitos investigados. Unitermos: Currículo. Educação Física. Escola.
Abstract The Managers and Coaches Sporting Leisure in SESI-SP, currently play a key role in managing the area of Physical Education. This article analyzes the perceptions that these professionals have knowledge about the area in order to compare the responses obtained through a questionnaire with the post-critical curriculum theorizing. The survey showed a polysemy of meanings in relation to the definition of P.E. and its role in the school context, which indicates the necessity of SESI-SP joint educational policies that promote discussion and training of subjects investigated. Keywords: Curriculum. Physical Education. School.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Contextualizando o estudo
Investigar a percepções que os próprios profissionais de Educação Física (E.F.) possuem acerca de seu campo de atuação é uma tarefa extremamente complexa e instigante. Isso porque, o fenômeno da motricidade humana – objeto de estudo da área de conhecimento – pode ser interpretado a partir de diferentes campos epistemológicos, o que resulta numa miscelânea de concepções curriculares que abarcam a E.F.
Basta acompanhar qualquer congresso científico da área ou presenciar qualquer discussão nos meios midiáticos, para notar os diferentes e conflitantes discursos que rodeiam tanto o papel da E.F. na escola, como sua importância na sociedade mais ampla. Dentre os especialistas, uma das razões para esse polêmico debate é a formação acadêmica polifônica dos profissionais da área, como constata Neira (2009). Ao investigar os currículos que professores recém-formados acessaram, o autor constata uma verdadeira confusão conceitual, o que gera representações distorcidas sobre a docência na E.F.. Confusão conceitual alimentada pela organização de cursos de licenciatura repletos de disciplinas distantes do ambiente escolar.
Já na sociedade mais ampla, devemos considerar que as práticas corporais ocorrem em diferentes espaços, sendo a escola apenas mais um entre tantos locais onde a E.F. se manifesta. Dessa forma, é comum observar ex-atletas e comentaristas esportivos - que por se gabarem de certo prestígio frente à população - transferirem a responsabilidade de resultados olímpicos e a descoberta de talentos que futuramente podem representar à nação nos jogos capitalistas, para o professor de Educação Física. Do mesmo modo, não é difícil escutar discursos de médicos, de fisiologistas e dos próprios profissionais da área, que apontam a E.F. escolar como responsável pelo combate ao sedentarismo e tantos outros males do século XXI.
No presente artigo, pretendemos analisar as percepções que os Coordenadores e Orientadores de Esporte e Lazer do Serviço Social da Indústria de São Paulo (SESI-SP) possuem acerca da E.F. escolar.
A relevância deste estudo reside na necessidade de identificarmos como esses profissionais compreendem a área de E.F., já que seu campo de atuação profissional abarca entre outras funções, o papel de gestores frente aos docentes do SESI-SP. É importante identificar a concepção de E.F. escolar defendida por esses profissionais, já que eles são frutos de uma formação acadêmica e uma experiência frente ao componente curricular bastante diversificada.
Muitos dos Coordenadores e Orientadores de Esporte e Lazer, inclusive, jamais tiveram contato com aulas de E.F. escolar. Alguns possuem experiência somente na área de aptidão física para a saúde (“fitness”), enquanto outros são especialistas na área de formação e rendimento esportivo. Nesse cenário, encontramos também, profissionais que já atuaram como docente em aulas de E.F. escolar, porém há muitos anos atrás, e outros que exercem essa profissão até os dias de hoje em outras instituições.
Ao nos depararmos com o perfil ocupacional do Orientador de Esporte e Lazer do SESI-SP, constatamos que uma de suas atribuições é orientar e acompanhar a equipe técnica do SESI e terceirizados, treinando, acompanhando e avaliando seu desempenho e as atividades desenvolvidas.1
Dentre esses profissionais a serem “treinados”,
2 acompanhados e avaliados encontra-se o professor de E.F. escolar. Assim sendo, lançamos a seguinte problemática: como esses “gestores” (Coordenadores e Orientadores de Esporte e Lazer) compreendem a área de E.F. escolar? Essa investigação pode fornecer pistas de como está sendo realizado o trabalho de acompanhamento das aulas de E.F. escolar e consequentemente apontar possíveis rumos para a construção de uma política de formação no SESI-SP.A trilha teórica e o caminho percorrido na pesquisa
Para nortear a pesquisa, utilizamos a investigação de cunho qualitativo acreditando que ela é a melhor opção para a interpretação dos dados obtidos, tendo em vista o problema a ser averiguado e nossos objetivos formulados. Uma das vantagens do uso de dados qualitativos é que eles permitem apreender o caráter complexo e multidimensional dos fenômenos em sua manifestação natural (TIKUNOFF e WARD, 1980 apud ANDRÉ, 1983).
Para o recolhimento dos dados no campo, decidimos utilizar um questionário de respostas abertas. A utilização dessa técnica permitiu que os sujeitos entrevistados tivessem um grau de liberdade para emitir suas opiniões. Para Laville e Dionne (1999), na utilização de um questionário de respostas abertas, o interrogado tem a ocasião para exprimir seu pensamento pessoal, traduzi-lo com suas próprias palavras, conforme seu próprio sistema de referência (p. 186). Exatamente aquilo que precisávamos na nossa pesquisa.
A escolha dos sujeitos pesquisados se deu de maneira aleatória. Num universo de 54 Coordenadores de Esporte e Lazer e 54 Orientadores de Esporte e Lazer que compõem o quadro estadual do SESI-SP, escolhemos aleatoriamente 05 Coordenadores e 06 Orientadores para participarem de nossa investigação. No encontro com esses profissionais, esclarecemos previamente o objetivo da pesquisa e formulamos o convite.
O questionário era composto por duas questões: a) o que é Educação Física escolar? b) Qual o principal objetivo das aulas de Educação Física escolar?
Os dados obtidos foram condensados, organizados em categorias de codificação e interpretados à luz da teorização curricular pós-crítica, principalmente a partir das análises oriundas do campo dos Estudos Culturais em educação. Esse campo curricular se caracteriza pela exploração da cultura a partir de diferentes enfoques teóricos, não se prendendo a uma única lente interpretativa (FRANÇOSO, no prelo).
O que caracteriza os Estudos Culturais é rompimento com certas lógicas cristalizadas e a hibridização de concepções consagradas (COSTA et al, 2003). Atualmente, os Estudos Culturais colocam no cerne de suas análises, as questões em torno da subjetividade e das identidades (ECOSTEGUY, 2004). Suas análises sempre desconfiam das metanarrativas que pretendem explicar os fenômenos sociais, históricos, políticos e econômicos.
Ao realizar a pergunta o que é E.F., nossa intenção é tentar desvelar a concepção de área que está por detrás da resposta dos sujeitos pesquisados. Ao mesmo tempo, quando indagamos qual o principal objetivo das aulas de E.F. escolar, nossa tentativa é de desvelar quais as identidades poderiam ser forjadas nas aulas do componente curricular, caso fossem organizadas com o objetivo proposto pelos Coordenadores e Orientadores investigados.
Mas, afinal, o que é Educação Física? Questão antiga, mas já superada?
Mas, afinal, o que é E.F.? Será essa uma pergunta que já superamos? Não é o que parece, já que se trata de uma indagação que ainda hoje perturba a mente de inúmeros pesquisadores da área, como indicam os trabalhos de Lovisolo (1995), Bracht (1995), Taffarel e Escobar (2008), entre outros. E por que tanta polêmica?
Algo que dificilmente alguém ousaria discordar, é que a E.F. trata pedagogicamente do fenômeno motricidade humana (NEIRA e NUNES, 2007). É isso que nos une, mas ao mesmo tempo é esse o principal objeto da discórdia. O fenômeno da motricidade humana pode ser interpretado por bases epistemológicas distintas e dependendo da forma como compreendemos o movimento, defenderemos determinada concepção de E.F., determinados objetivos para as aulas do componente curricular, resultando consequentemente em uma visão de homem (e de mulher), de sociedade e de mundo.
Neira e Nunes (2007) apontam diferentes formas como o fenômeno da motricidade humana é interpretado pelas correntes teóricas. Ao interpretar o conceito de motricidade pelas leis da física mecânica, as práticas corporais precisam garantir a eficiência técnica do movimento. Cabe ao professor de E.F. apresentar o gesto técnico (julgado como correto pela ciência) aos alunos, que deverão apreendê-los e serem corrigidos caso não alcancem o padrão pré-estabelecido pelo educador. Decorre dessa interpretação do conceito de motricidade, o currículo “esportivista” que durante muito tempo foi o paradigma dominante da área de conhecimento.
3Quando pautado por princípios psicobiológicos, o fenômeno da motricidade humana passa a ser visto como uma forma de interação entre o sujeito e o mundo. Ancorados pelos estudos advindos do campo da psicologia, o ser humano passa a ser visto de forma global, onde nas aulas de E.F., o professor deve considerar as dimensões afetivas, cognitivas e motoras. Cabe ao professor considerar as fases de desenvolvimento dos alunos e oferecer situações desafiadoras para que eles alcancem os padrões de movimento, também julgados como corretos pela ciência (ocidental). Os currículos “desenvolvimentista” e da “psicomotricidade” derivam dessa interpretação do conceito de motricidade.
Outro campo teórico que tenta de alguma forma compreender e interpretar o fenômeno da motricidade humana, é a fisiologia. Preocupados com o funcionamento metabólico do corpo humano, os estudos provenientes desse campo possuem a intenção de oferecer caminhos para uma vida saudável. Nessa concepção, a prática da atividade física é fundamental para se adquirir hábitos saudáveis e qualidade de vida (entendido aqui no sentido restrito do conceito). Cabe ao professor, por meio de exercícios físicos, programas de treinamento, explanações teóricas, etc. oferecer aos alunos as informações necessárias para o combate ao sedentarismo e estimular a prática da atividade física. Temos aqui o currículo “saudável” da E.F.
Todas essas propostas curriculares que resultaram da interpretação do conceito de motricidade a partir dos estudos advindos da física mecânica, da psicologia e da fisiologia, possuem em comum uma concepção tecnicista do campo curricular. A partir de justificativas científicas, busca-se uma racionalização do conhecimento, de forma que existe uma verdade supostamente aceita como universal, onde quem não se adaptar a ela, é considerado como “desvio”, “imperfeito”, que precisa se ajustar a norma padrão.
O que é interessante de destacar nessas propostas, é que nenhuma delas resulta dos estudos advindos das ciências da educação. Ora, se estamos aqui falando, de um componente curricular contemplado dentro de um projeto pedagógico, podemos minimamente estranhar ou desconfiar dessas propostas curriculares.
A partir da década de 90, principalmente após a publicação do livro “Metodologia do Ensino de Educação Física” de Soares et. al. (1992), a literatura mais difundida sobre a E.F. escolar começa a buscar uma aproximação da área com as ciências humanas (FRANÇOSO, no prelo). Alimentados pelos discursos político-pedagógicos produzidos nos anos 80, onde termos como democracia, direitos humanos, justiça social, igualdade de acesso, etc. (NEIRA e NUNES, 2007) ganharam força após um longo período de repressão militar, os estudiosos procuram encontrar a justificativa da presença da E.F. no contexto da educação formal. Era necessário justificar sua importância frente à função social da escola.
Não bastava apenas movimentar-se nas aulas de E.F. Era preciso diferenciar sua prática de outros contextos (clubes, academias, escolinhas de esportes, etc.). Era necessário buscar-se uma identidade para o componente curricular. Foi então que diferentes autores passaram a criticar a prática pela prática ou a execução de movimentos desprovidos de significados. Não basta praticar o esporte, é preciso estudá-lo, defendia Kunz (2009). Afinal, pra que se vai à escola (p. 34)?
Depois de tantos esforços, a E.F. passou a ser compreendida como a área de conhecimento que tem como objeto de estudo as manifestações da cultura corporal, expressas por meio dos jogos, dos esportes, das lutas, das ginásticas e das danças (SOARES et. al., 1992). Desafio superado? Encontramos finalmente um consenso? Não, longe disso...
Fácil seria se todos tivessem o mesmo entendimento do que é cultura, ou mais precisamente ou que se define por cultura corporal. A problemática é que o conceito de cultura é polissêmico. Daí, que novamente dependendo do entendimento ou do referencial teórico que se utiliza para se definir “cultura”, emergem novas propostas curriculares, novas formas de se compreender o fenômeno da motricidade humana.
Há aqueles que defendem a cultura como sendo os modos de vida de um povo. Se restringirmos o entendimento de cultura como sendo apenas os modos de vida dos diferentes grupos sociais, a função da E.F. no contexto escolar é abrir espaço para que as diferentes manifestações da cultura corporal adentrem as aulas do componente curricular.
Cabe ao professor de E.F., nessa concepção de currículo, transformar as aulas num ambiente onde as diferentes “culturas” possam se manifestar. Trabalhar somente com o esporte (hegemonicamente o futsal, voleibol, basquete e handebol) não satisfaz as necessidades de um grupo cada vez mais diverso e plural. É preciso contemplar os diferentes grupos sociais que habitam o universo escolar. Além disso, é necessário direcionar os esforços para que essas culturas convivam pacificamente no mesmo espaço de aprendizagem. A busca pelo consenso e a importância de se tolerar o “diferente” são marcas dessa concepção curricular.
É com base nesse entendimento de “cultura” que é construída a proposta dos “Parâmetros Curriculares Nacionais” (BRASIL, 1998). Este documento é marcado por alguns pressupostos como o princípio da inclusão, o desenvolvimento de conteúdos envolvendo suas três dimensões (conceituais, procedimentais, atitudinais), a avaliação processual e a articulação com temas transversais. Os PCNs ainda fazem menção as diferentes abordagens que compõem a área de E.F., porém não há uma discussão aprofundada do que representa política e pedagogicamente cada uma delas (CAPARROZ, 2003).
Podemos encontrar outra concepção de cultura em duas outras propostas curriculares de E.F.: a proposta crítico-emancipatória e a proposta crítico-superadora. O que as difere em relação à proposta dos PCNs é que ambas se pautam na teorização curricular crítica. De cunho marxista, as duas propostas lançam críticas à forma como o esporte é desenvolvido no ambiente escolar.
A proposta crítico-emancipatória, inspirada nas ideias de Habermas, pretende por meio da linguagem (esclarecimento crítico) transformar pedagogicamente o esporte, onde o professor se utiliza de estratégias que privilegiem a interação e cooperação dos estudantes. Já a proposta crítico-superadora entende que o esporte está impregnado pelas injustiças provocadas pelo sistema capitalista. Nessa proposta, cabe ao professor problematizar o esporte junto aos alunos, contextualizando-o historicamente e socialmente e consequentemente contestando todos os seus aspectos “negativos”.
Tanto na proposta crítico-emancipatória, quanto na proposta crítico-superadora, encontramos uma clássica divisão entre alta cultura e baixa cultura, ou cultura dominante e cultura dominada. Ambas as propostas ainda estão presas na ideia de racionalidade e acreditam que por meio de um processo de conscientização, pode-se alcançar a tão “sonhada”
4 transformação social.Por fim, existe outra tendência curricular, que se pauta nas contribuições advindas do campo dos Estudos Culturais. Nas tradições dos Estudos Culturais, a cultura é concebida como uma esfera de luta e de contradições e deve ser vista como inacabada, como parte de uma luta continuada de indivíduos e grupos para definir e afirmar suas histórias e espaços de vida (GIROUX, 1992, p. 47). Nessa perspectiva, existe um rompimento da ideia de divisão entre alta e baixa cultura.
Duvidando das verdades consagradas pela ciência ocidental, um currículo inspirado pelos Estudos Culturais atenta-se para as relações de poder que operam no sentido de tornar uma cultura superior a outra. Tomando claramente partido a favor das populações subordinadas, o currículo de E.F. inspirado nas elaborações dos Estudos Culturais abre espaços para que as práticas corporais, que comumente ficaram à margem do componente curricular, sejam estudadas com a mesma dignidade que as práticas corporais historicamente hegemônicas (futsal, basquete, voleibol, handebol).
O currículo cultural (NEIRA e NUNES, 2006) pretende interpretar os mais diversos discursos presentes nos textos corporais, onde cabe ao docente, de maneira democrática, buscar os temas geradores (FREIRE, 2005) a partir do mapeamento das práticas corporais que fazem parte do universo dos estudantes, dos locais que podem ser utilizados nas aulas ou que oferecem possibilidades de visitas, ressignificar a manifestação corporal tematizada, tornando-a mais próxima dos alunos, aprofundar e ampliar o conhecimento por meio da leitura, interpretação e ação, formando cidadãos para uma atuação crítica na sociedade (NEIRA e NUNES, 2009).
Que concepção de Educação Física paira nas mentes dos profissionais do SESI-SP?
Diante do quadro exposto, percebemos o quanto é difícil se propor a responder a pergunta “o que é E.F. escolar”. Ao mesmo tempo, essa heterogeneidade de teorias, pensamentos e pontos de vista que abarca a concepção da área de E.F., justifica a pertinência e a ainda atual relevância desse debate extremamente polêmico. É importante para a Rede SESI-SP, minimamente um diagnóstico de como os profissionais que ocupam um cargo de gestão frente à E.F. escolar, se posicionam frente a esse debate histórico e “embaraçoso”.
Até porque, se o currículo forja identidades (SILVA, 2009), precisamos saber a partir do posicionamento político
5 dos Coordenadores e Orientadores pesquisados, que aluno pretende-se formar com as aulas de E.F. desenvolvidas no SESI-SP. Que concepção de E.F. está por detrás de suas palavras? De alguma maneira, esse artigo pode fornecer elementos que lhes possibilite refletir sobre seus posicionamentos. Não temos a pretensão de mudar pontos de vista, mas temos sim a pretensão de lançar provocações que podem ser alvo de futuras discussões coletivas e novos encaminhamentos para a área de E.F. no SESI-SP.Analisando as respostas obtidas através dos questionários, criamos categorias de codificação, tendo em vista o quadro teórico esboçado no capítulo anterior. Dessa forma, as respostas dos Coordenadores e Orientadores de Esporte e Lazer do SESI-SP foram agrupadas conforme a concepção curricular que na nossa interpretação, justifica suas opiniões acerca das questões propostas.
Confrontamos também, a resposta obtida na primeira questão (o que é Educação Física escolar?) com a resposta obtida na segunda questão (qual o principal objetivo das aulas de Educação Física escolar?) do mesmo sujeito pesquisado, para confirmar ou invalidar a coerência de posicionamento político-pedagógico. Nossa hipótese inicial era de que a resposta da segunda questão, derivaria da primeira, já que os objetivos propostos para as aulas de E.F. nascem da concepção defendida para a área de conhecimento.
Nossa hipótese se confirmou na maior parte das respostas obtidas. Assim sendo, não organizamos nossa interpretação por questão (questão 1 e questão 2), mas sim levando em consideração as duas respostas obtidas pelo mesmo sujeito. Sem descartar nossa opção político-pedagógica
6, sinalizamos previamente que não é objetivo desse trabalho classificar ou estigmatizar os sujeitos pesquisados, até porque como já mencionamos anteriormente, eles são frutos de uma formação e experiência profissional bastante diversificada. Porém, é de nosso interesse problematizar as respostas obtidas, confrontando-as com a teorização curricular pós-crítica, aquela que guia nossa pesquisa.Dentre os sujeitos pesquisados, encontramos uma concepção esportivista nas respostas de dois sujeitos. Na pergunta o que é Educação Física escolar, as seguintes respostas foram formuladas por esses profissionais:
(CEL 1)7.Vivenciar as práticas esportivas. Através do esporte, educar para a vida, praticando os valores do esporte e cidadania
Momento para que os alunos do SESI iniciem suas atividades físicas, despertem o interesse pelo esporte e pela prática esportiva constante (CEL 2).
Em relação à questão: qual o principal objetivo das aulas de Educação Física escolar, esses profissionais responderam:
Vivenciar as práticas esportivas. Conhecer e vivenciar os esportes. Ensinar os valores do esporte. Ensinar utilizando a ludicidade (CEL 1).
Propiciar a oportunidade dos alunos à prática esportiva, conhecer direitos e deveres através de regras e regulamentos e principalmente o convívio em grupo (CEL 2).
Na visão desses profissionais, as aulas de E.F. se restringem à prática de modalidades esportivas. Para o primeiro, cabe ao professor de E.F. ensinar aos alunos os valores do esporte. Já para o segundo, cabe ao professor despertar nos alunos o interesse pelo esporte, sendo esse considerado, um instrumento de normatização de condutas por meio de suas regras específicas.
Ao lançarmos um olhar crítico para as percepções desses profissionais, poderíamos questionar: quais são esses valores do esporte? Ao defender a prática dos valores do esporte nas aulas de Educação Física, provavelmente o sujeito pesquisado está se referindo aos valores positivos do esporte. Entretanto, quando nos referimos a expressão “valores”, não podemos nos esquecer de sua dupla acepção: seus aspectos positivos e seus aspectos negativos.
Podemos listar uma série de valores que podem ser trabalhados por meio da prática esportiva: a cooperação, a solidariedade, a lealdade, o respeito, etc. Mas também podemos elaborar uma enorme lista de valores negativos costumeiramente flagrados no meio esportivo: corrupção, individualismo, ganância, preconceito, etc. Se defendermos apenas o esporte como ferramenta para a formação de valores positivos, estaremos maquiando todas as formas de injustiça que também se manifestam a partir de sua prática.
Ao defender a prática esportiva nas aulas de E.F., podemos estabelecer um paralelo entre a resposta dada pelo CEL 2 (esporte como forma de regulação de comportamentos) com a preocupação do Estado na época da ditadura militar no Brasil, no controle social da nação. Por sua peculiaridade de atividade física regrada por regulamentos, o esporte torna-se o melhor meio de preparar os homens para os novos tempos
8 (NUNES e RÚBIO, 2008).Do posicionamento de ambos os profissionais pesquisados, deriva-se um currículo técnico-esportivo da área de E.F. Em nossa análise, não encontramos qualquer menção tanto às demais manifestações da cultura corporal (danças, lutas, ginásticas), bem como nenhuma referência quanto à possibilidade de formar cidadãos críticos por meio das aulas do componente curricular. Como apontam Nunes e Rúbio (2008), nessa concepção, impõe-se aos professores de E.F. o papel de conduzirem os jovens para que estes possam ter certas identidades: ordeiras e pacíficas, e por que não dizer acomodadas.
A concepção curricular desenvolvimentista da área de E.F. escolar foi identificada no posicionamento de alguns Coordenadores e Orientadores pesquisados. Em relação à questão 1, obtivemos as seguintes respostas:
9Para mim é educar o físico, com as mais variadas formas e estímulos a fim de ampliar o repertório motor dos participantes [...] seja através de vivências corporais ou vivências esportivas (OEL 3).
É a disciplina que tem entre as finalidades educar através dos movimentos o desenvolvimento motor do aluno (CEL 5).
Já em relação ao principal objetivo das aulas de E.F. escolar, os mesmos sujeitos responderam:
Para mim seria educar o indivíduo no seu contexto corporal (concepção corporal), buscando as práticas corporais/esportivas objetivando o indivíduo como um todo (OEL 3).
Ensinar e educar o aluno nas diversas situações utilizando modalidades esportivas como meio (CEL 5).
A partir das respostas acima, podemos destacar que esses profissionais defendem a ideia de que o movimento é o principal meio e fim da E.F., corroborando com a proposta curricular desenvolvimentista, elaborada por David Gallahue e revista por Tani et al. (1988). Nessa proposta, cabe ao/à docente, observar sistematicamente o comportamento dos/as seus/as alunos/as, no sentido de verificar em que fase eles/as se encontram, localizar os erros e oferecer informações relevantes para que os erros sejam superados (DARIDO e SANCHEZ, 2005, p. 9).
Um dos problemas dessa proposta é que ela desconsidera os fatores sociais que impactam fortemente nas condições motoras dos/as estudantes. Além disso, a definição dos exercícios considerados ideais para o desenvolvimento motor em determinada faixa etária tem como base as “verdades consagradas” pela ciência ocidental. De caráter homogeneizador, a proposta desenvolvimentista estabelece um patamar a ser alcançado por todos/as os/as alunos/as, desconsiderando a cada vez mais crescente diversidade cultural que habita o cenário escolar.
O currículo psicomotor da E.F. foi identificado nas respostas de alguns sujeitos que participaram da pesquisa. Na ótica dos Orientadores de Esporte e Lazer mencionados abaixo, a E.F. escolar
[..] é um poderoso instrumento de inclusão, contribuição para a formação integral do indivíduo que tem importante papel educacional. Não devemos esquecer de suas peculiaridades, que estão fundamentados no estudo do corpo em movimento, aprendizagem motora e fatores fisiológicos (OEL 5).
[...] é uma disciplina contemplada na grade curricular das escolas e através dela, os alunos ampliam sua capacidade motora, intelectual e afetiva através de diferentes experiências abrangidas nas práticas corporais (OEL 6).
Para esses profissionais, o principal objetivo das aulas de E.F. escolar é
Promover a inclusão, fomentar o gosto pela prática de atividades, educar através das práticas levando em consideração fatores físicos e motores, ou seja, o corpo em movimento (OEL 5).
Oportunizar o maior número possível de experiências motoras através dos esportes individuais e coletivos, grandes jogos, atividades rítmicas e atividades físicas em geral contribuindo não só com o desenvolvimento físico, mas sócio afetivo e intelectual dos alunos (OEL 6).
A educação psicomotora ou psicomotricidade, que teve como principal autor o francês Jean Le Bouch mostra-se preocupada com o desenvolvimento da criança, com o ato de aprender, com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores, buscando garantir a formação integral do/a aluno/a (DARIDO e SANCHEZ, 2005, p. 7). Para Neira e Nunes (2006), esse currículo configurou-se em um primeiro momento sob uma concepção de exercícios e tarefas motoras propostas pelos/as educadores/as a partir de avaliações diagnósticas e em seguida, sob a influência das concepções construtivistas da aprendizagem, revestindo-se em atividades lúdicas.
Ao analisarmos as respostas dos sujeitos OEL 5 e OEL 6, percebemos uma clara preocupação com a formação integral do indivíduo. Nessa concepção, o/a professor/a de E.F. precisa considerar o indivíduo como um todo, rompendo com a clássica dicotomia corpo e mente. Não basta promover apenas exercícios que desenvolvam os aspectos motores. É necessário que o/a docente organize as atividades que farão parte das aulas de E.F. levando em conta também, os aspectos cognitivos e afetivos dos/as estudantes.
Infelizmente, a concepção curricular com influência da psicomotricidade se aproxima do currículo desenvolvimentista pelo seu caráter homogeneizador. Apesar de supostamente considerar as diferenças individuais, as atividades propostas são as mesmas para todos/as os/as estudantes. Aliás, em nenhum momento essa proposta mostra-se disposta a compreender os inúmeros fatores que levam os/as alunos/as a encontrarem dificuldades na execução dos exercícios propostos. Como apontam Nunes e Rúbio (2008) ao enfatizar os aspectos do desenvolvimento psicológico ou motor, o currículo globalizante
10 esconde as condições que colaboram para que os alunos e alunas cheguem à escola com déficit de partida para a aprendizagem.Na questão 1, o que é E.F. escolar, encontramos certa influência do currículo saudável no posicionamento de dois sujeitos. Para eles, a E.F. escolar é
[...] a disciplina a qual os alunos podem desenvolver-se fisicamente através do exercício físico de forma elaborada e salutar, respeitando a individualidade de cada um (OEL 2).
[...] a oportunidade para o aluno de ter conhecimento em várias práticas esportivas, conhecimento do corpo, ampliar os gestos motores e qualidade de vida (CEL 3).
Seguindo a lógica de raciocínio, na questão 2, esses profissionais defendem que o principal objetivo das aulas de E.F. escolar é
[...] passar conhecimento de aulas práticas e teóricas na visão de ter melhoria da qualidade de vida através das aulas (OEL 2).
[...] através da atividade física, desenvolver o aluno nos diversos aspectos, sendo o físico, cultural, técnico, etc. também proporcionar o relacionamento e respeito mútuo com os demais alunos, e a sua relação com o professor. Pode-se também considerar a Educação Física fundamental para o processo do ser, preparando para as diversas atividades do dia-a-dia (CEL 3).
No entendimento dos profissionais OEL 2 e CEL 3, à E.F. escolar cabe a nobre missão de promover a qualidade de vida dos/as estudantes. Através da prática da atividade física sistematizada (na visão do CEL 3) e por meio de aulas práticas e teóricas (na ótica do OEL 2), os/as alunos/as podem obter conhecimentos e adquirir hábitos de vida saudáveis. O posicionamento defendido por esses profissionais coaduna com a concepção de currículo saudável (NEIRA e NUNES, 2006). Com forte influência dos estudos advindos do campo da fisiologia, Nahas (2006) delineia como objetivos centrais da Educação Física, o desenvolvimento de habilidades motoras e a promoção de atividades físicas relacionadas à saúde. Para o autor, os/as estudantes precisam ser fisicamente ativos/as, na escola e fora dela.
Se um dos objetivos é fazer com que os alunos venham a incluir hábitos de atividades físicas em suas vidas, é fundamental que compreendam os conceitos básicos relacionados à saúde e a aptidão física, que sintam prazer na prática de atividades físicas e que desenvolvam um certo grau de habilidade motora, o que lhes dará a percepção de competência e motivação para essa prática (NAHAS, 2006, p. 152).
As aulas organizadas a partir do “currículo saudável” (NEIRA e NUNES, 2006) incluem o uso racional de testes de aptidão física como instrumentos para encorajar os indivíduos a escolherem hábitos mais ativos por toda a vida, aulas expositivas sobre temas relacionados à qualidade de vida, palestras com convidados/as e a prática de esportes, caminhadas, ginástica aeróbica no sentido de estimular atitudes positivas em relação aos exercícios físicos.
Nunes e Rúbio (2008) lançam críticas a esse currículo, principalmente por ocultar e desprezar as condições sociais que promovem o estresse ou outras doenças decorrentes do ritmo de trabalho ou das más condições de vida. Os/as estudantes são estimulados/as dessa forma, a adaptar-se aos padrões de referência dos grupos hegemônicos. No currículo saudável, os/as estudantes das classes desfavorecidas em relação aos recursos materiais, encontram sérias dificuldades em se adaptar ao modelo de saúde proclamado pela cultura dominante. Sem condições financeiras para freqüentar uma academia, sem tempo disponível para a prática da atividade física e com padrões alimentares condizentes com seu padrão de vida, os/as alunos/as aprendem hábitos saudáveis distantes de sua realidade nessa proposta curricular (FRANÇOSO, no prelo). Ao exaltar um único modelo a ser seguido por todos os/as estudantes e negar a cultura enquanto território permeado de relações assimétricas de poder, apenas os grupos hegemônicos são contemplados nessa concepção de currículo.
O termo “cultura” aparece apenas nas respostas de dois profissionais investigados. Entretanto, apesar desse termo ser mencionado na definição da área de E.F. escolar dada por esses sujeitos, ao analisarmos o principal objetivo das aulas defendido por ambos, desvelamos contradições que inviabilizam conceber suas ideias na perspectiva cultural do componente curricular.
Vejamos as respostas desses profissionais quanto à questão 1:
A Educação Física escolar é a vivência de manifestação corporal, ou seja, a expressão corporal em diversas culturas e contextos (OEL 4).
É a prática de atividades físicas e manifestações culturais orientadas por um professor (CEL 4).
Até aqui, poderíamos notar alguma aproximação com o currículo cultural da E.F. Mas, quando analisamos o principal objetivo que ambos defendem para as aulas do componente curricular, identificamos concepções que não dialogam com proposta curricular cultural da E.F.
(OEL 4).O principal objetivo das aulas de Educação Física Escolar é ter um maior repertório motor e vivências diversas. Essas aulas tem que garantir o gosto pelo movimento, seja esportivo, dança, lutas, etc. Que esse movimento diversificado e o gosto pela atividade perdure pela vida do cidadão
Diversidade de atividades usando ampliação de vivências motoras com objetivo de prepararmos pessoas ativas e evitar o sedentarismo (CEL 4).
Na resposta do OEL 4, apesar de identificarmos uma superação do conteúdo especificamente esportivo nas aulas de E.F. (o profissional propõe os conteúdos de dança, lutas, etc.), o objetivo proposto para a área ainda está preso na ampliação do repertório motor dos alunos (currículo desenvolvimentista) e na criação do gosto pela atividade física para a vida toda (currículo saudável). Já a preocupação do CEL 4 está no combate ao sedentarismo a partir das vivências desenvolvidas nas aulas de E.F., o que denota uma concepção pautada nos defensores do currículo saudável do componente curricular.
Apenas um profissional participante de nossa investigação, possui uma concepção de E.F. influenciada pela teoria crítica da educação. Para esse profissional, a E.F. escolar
É uma disciplina que oportuniza os alunos a se expressarem através do movimento, transmitindo sensações, vontades, anseios, colaborando no desenvolvimento da autonomia, senso crítico e liberdade de opinião (OEL 1).
Tendo como principal objetivo
Oportunizar aos alunos as diversas manifestações da atividade física (lutas, danças, jogos, esporte, ginástica) e colaborar no desenvolvimento do cidadão crítico, consciente e que tenha domínio sobre seu corpo integrado (OEL 1).
Fica claro nas respostas formuladas pelo profissional acima citado, a preocupação com a diversidade de manifestações culturais que devem contemplar o currículo de E.F., além de alguns pressupostos que sustentam a teorização crítica, como: o desenvolvimento de ações pedagógicas que contribuam para a formação de cidadãos críticos, valorizando a autonomia (voz e escolha) dos estudantes.
Traçando algumas considerações finais
De forma alguma, esse trabalho teve o intuito de “crucificar” os profissionais investigados a partir das percepções que eles possuem acerca da área de E.F. escolar. Na contramão dessa ideia, nosso principal objetivo foi problematizar as respostas obtidas por meio do questionário à luz da teorização curricular pós-crítica para que esses profissionais sintam-se provocados a refletirem sobre o papel da E.F. no currículo escolar.
Como bem aponta Silva (2009, p. 135)
Como toda construção social, o currículo não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder que fizeram e fazem com que tenhamos esta definição determinada de currículo e não outra, que fizeram e fazem com que o currículo inclua um tipo determinado de conhecimento e não outro.
A área da Educação Física escolar não escapa da afirmação formulada por Tomaz Tadeu da Silva. Seu percurso histórico é marcado por relações de poder que tentam afirmar uma determinada concepção de E.F., que consequentemente apontam para a formação de determinadas identidades. Nesse jogo de forças, teóricos da área de conhecimento defendem seus argumentos pautados numa concepção curricular que ideologicamente direcionam seus esforços para a manutenção do status quo ou para a luta contra o modelo hegemônico vigente.
Daí derivam as concepções curriculares da E.F. pautadas nas teorias tradicionais do currículo (currículo esportivista, currículo psicomotor, currículo desenvolvimentista, currículo saudável) que sob o manto da neutralidade, sustentam propostas que ajudam a manter as injustiças provocadas pelo sistema capitalista e as concepções curriculares da E.F. pautadas nas teorias críticas (currículo crítico-emancipatório e currículo crítico-superador) e pós-críticas (currículo cultural) que questionam a ordem social vigente.
Desse emaranhado de teorias que abarcam a área da E.F. escolar, conflitos de posições de mundo, de sociedade, de homem (e mulher), etc. são travados, resultando em uma multiplicidade de interpretações sobre a concepção do componente curricular. Encontra-se nesses territórios de disputa, os/as profissionais que diariamente estão no front com os/as estudantes, assim como aqueles profissionais responsáveis pelo acompanhamento e avaliação dos/as docentes.
Nessa pesquisa, identificamos que esses últimos, os Coordenadores e Orientadores de Esporte e Lazer do SESI-SP, são frutos dessa confusão conceitual que permeia a área de E.F. escolar, adotando posicionamentos completamente polifônicos. Outros estudos poderiam ser realizados para tentar encontrar explicações para tal fato.
Finalizamos, apontando que, apesar da maior parte das propostas curriculares oficiais (em âmbito municipal e estadual) construídas após a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, apresentarem a E.F. dentro da área de Ciências Humanas, na prática, constatamos que não se pode afirmar que essa perspectiva é dominante nas “mentes” dos profissionais investigados. Enquanto a maior parte das propostas oficiais defende a formação de cidadãos críticos, por meio de encaminhamentos pedagógicos que considerem e valorize a diversidade cultural (apesar disso ocorrer de diferentes maneiras), as respostas obtidas por meio da presente pesquisa mostraram que as concepções hegemônicas ainda são aquelas que pretendem adaptar os/as estudantes na ordem social vigente, sem no entanto questioná-la ou problematizá-la.
Se o currículo forja identidades (SILVA, 2009), ao desvelar as concepções da área de E.F. defendidas pelos sujeitos pesquisados, constatamos tomando como base Nunes e Rúbio (2008), que dominantemente as seguintes identidades almejam ser constituídas pelos Coordenadores e Orientadores de Esporte e Lazer do SESI-SP: identidades vencedoras e obedientes (currículo esportivista); identidades competentes e homogêneas (currículo desenvolvimentista e psicomotor); identidades saudáveis e reprodutoras (currículo saudável). Apenas na concepção defendida por um profissional investigado constatamos a necessidade do currículo de E.F. buscar a formação de identidades contestadoras, emancipadas e transformadoras.
Devemos entretanto, como defendem Nunes e Rúbio (2008) e Bracht (2003), refletir sobre a pergunta “o que vem sendo a E.F.?”, já que a pergunta “o que é E.F.” nos direciona em busca de uma resposta única e fixa. Nesse caleidoscópio sem lógica retratado na presente investigação, o importante é devolvermos nossa crítica aos sujeitos pesquisados, para que eles possam tomar consciência das teorias que subjazem suas representações. Do mesmo modo, convidamos o SESI-SP a provocar encontros de formação, onde essas múltiplas visões possam ser debatidas, analisadas e se for o caso, transformadas.
Notas
Informação retirada do sistema interno (Intranet) do SESI-SP.
É importante deixar nossa ressalva quanto à utilização desse termo. Nossa preferência é pela expressão “formados”, já que “treinar” nos traz a idéia de reprodução, enquanto “formar” nos indica a possibilidade de intervir para transformar.
Não temos certeza se nos dias atuais existe outro paradigma dominante.
Será mesmo que todos os que se denominam cidadãos críticos ou todos os radicais de esquerda desejam mesmo essa transformação social? Fica aqui minha dúvida...
Defendo aqui a postura de Paulo Freire. Não existe neutralidade em educação. Como defendo o autor, é impossível separar o político do pedagógico. Conscientes ou não disso, todos os profissionais que atuam na educação são sujeitos históricos, sujeitos políticos, pois interferem diretamente na sociedade em que vivem.
Quando escolhemos a investigação de cunho qualitativa como base para a construção de nossa pesquisa, estávamos cientes que nossa interpretação de forma alguma tem pretensão de neutralidade. Assumimos portanto, que hoje defendemos uma concepção curricular pautada nas elaborações dos teóricos pós-críticos. Na Educação Física, defendemos a perspectiva cultural, tendo como referência os trabalhos desenvolvidos pelo multiculturalismo crítico e pelos Estudos Culturais.
CEL: Coordenador de Esporte e Lazer.
Nesse tempo marcado pelo desenvolvimento tecnológico e industrial era preciso formar cidadãos competitivos para o mercado de trabalho e de preferência obedientes e não contestadores quanto à ordem hegemônica vigente.
OEL: Orientador de Esporte e Lazer
Expressão utilizada pelos autores para se referir tanto ao currículo desenvolvimentista, como o currículo psicomotor.
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