A recepção, implantação e adesão dos professores de Educação Física diante da proposta pedagógica para as séries iniciais do ensino fundamental na rede pública estadual paulista La recepción, implantación y adhesión de los profesores de Educación Física frente a la propuesta pedagógica para los grados iniciales de enseñanza básica en la red pública estatal de Sao Paulo The reception, implantation and adhesion of teachers of Physical Education against the pedagogical proposal for the initial series of basic education in the public schools of Sao Paulo |
|||
Doutorando em Educação: História, Política , Sociedade PUC/SP Professor da rede pública estadual paulista Membro do LETPEF, UNESP, Rio Claro |
Anoel Fernandes (Brasil) |
|
|
Resumo O propósito desta pesquisa foi investigar as manifestações dos professores de Educação Física, atuantes nas séries iniciais do Ensino Fundamental da rede pública estadual paulista, acerca da proposta pedagógica elaborada pela Secretaria da Educação no ano de 2003, quando aconteceu o retorno da atribuição de aulas para o professor especialista em Educação Física e Artes. Esse retorno veio acompanhado de uma proposta a ser implementada pelos professores, que deveriam utilizar o material produzido pela SEE-SP/CENP. Buscou-se o entendimento de como, na condição de agentes do processo de ensino os professores: receberam e implantaram a tal proposta, os motivos da adesão ou resistência. Foram entrevistados seis professores da DERCO (Diretoria de Ensino da Regional Campinas Oeste), sendo três experientes e três iniciantes na docência em 2003. A proposta da SEE-SP/CENP (2003) foi inicialmente para todos os professores a norteadora de suas práticas. No entanto, para professores iniciantes a proposta deu um caminho a seguir, mas com o tempo foram criando suas próprias concepções e deixando a proposta de lado. Já os professores experientes, ainda a utilizam, ou seja, para eles além de oferecer um “norte”, contribuiu na formação como docente, já que a adotaram como referência no ensino da Educação Física para as séries iniciais. Unitermos: Implantação de propostas. Práticas dos professores.
Abstract The intention of this research was to investigate the manifestations of the teachers of Physical Education, teaching in the initial series of Basic of the public schools of Sao Paulo, concerning the proposal pedagogical elaborated by the Secretariat of the Education in the year of 2003, when the return of the attribution of classes returned for Physical Education and Art’s teachers. This return came followed by a proposal to be implemented by teachers, who would have to use the material produced by SEE-SP/CENP. The agreement searched in the condition of agents of the education process, teachers had received and implanted such proposal, the reasons of the adhesion or resistance. Six professors of the DERCO had been interviewed (Direction of Education of the Regional Campinas West), being three experienced and three beginning ones in the teaching in 2003. The proposal of the SEE-SP/CENP (2003) was initially for all the practical teachers the direct of its. However, for beginning teachers the proposal gave a way to follow, but with the time they had been creating its own conceptions and leaving the proposal for another goal. The experienced teachers still use it, that is, for they the proposal offers a “north”, it contributed in the formation as a teacher, since they had adopted it as reference in the education of the Physical Education for the initial series. Keywords: Implantation of proposals. Practical of teachers.
A presente pesquisa é parte de nossa Dissertação de Mestrado intitulada “A proposta pedagógica para a Educação Física escolar nas séries iniciais da rede estadual paulista: as manifestações dos professores”, defendida na PUC/SP no ano de 2009, na qual se buscou por meio das manifestações dos professores o entendimento de como lidaram com a proposta imposta hierarquicamente SEE-SP/CENP.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
Introdução
Atualmente as propostas educacionais são apresentadas com freqüência aos professores. As tais propostas são elaboradas pelos órgãos gestores de ensino e geralmente tem como alvo “interferir” na prática dos docentes que atuam na educação básica. Longe de desconsiderar a relevância das ações voltadas para o desenvolvimento curricular, tampouco as intenções daqueles que elaboram, apontamos para a necessidade de investigações sobre como as tais propostas são recebidas e implantadas pelos professores, uma vez que estes são os reais interlocutores da prática pedagógica na escola.
A Educação Física como componente curricular nas escolas tem como as demais disciplinas as suas propostas elaboradas pelos órgãos gestores de ensino. No que tange à rede pública estadual paulista, temos uma peculiaridade no que diz respeito à presença do professor especialista nas séries iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª série) uma vez que, essa disciplina nesse ciclo de ensino vem ao decorrer dos anos sendo ora ministrada pelo professor especialista, ora pela (o) professor (a) polivalente.
No ano de 1988, por meio do Decreto Estadual nº 28.170 de 21 de janeiro, ficou estabelecida a Jornada Única Discente e Docente no Ciclo Básico das escolas estaduais. No que se refere à Jornada Única Docente, o decreto regulamentou que a jornada de trabalho do professor que atuava no Ciclo Básico seria a Jornada Única de 40 horas, divididas em 32 horas-aula e 8 horas-atividade. Dessas 32 horas-aula, seis poderiam ser destinadas a trabalhos pedagógicos na escola. Com a instituição da Jornada Única Discente, o aluno permaneceria 30 horas semanais na escola, sendo elas divididas da seguinte forma: 26 horas sob orientação do Professor polivalente, 2 horas sob orientação do professor especialista de Educação Física, e 2 horas semanais sob orientação do professor especialista de Educação Artística. No que tange ao professor de Educação Física, sua atuação foi regulamentada pela Resolução SE nº19/1987, que dispõe sobre as aulas de Educação Física no ensino de 1º e 2º graus:
Art. 2º As aulas de Educação Física serão ministradas no Ciclo Básico (1ª e 2ª séries) pelo professor especialista, e nas 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental pelo professor de classe, e nas suas demais séries, por professor III licenciado em Educação Física e portador de registro no órgão competente, devendo ficar mantidas as disposições do Decreto n° 28.170/88 que esclarece que serão garantidas das atividades de expressão artística e corporal através das aulas de Educação Artística e Educação Física.
O curioso é o fato de que as aulas de Educação Física e Educação Artística, nas 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, continuaram sob a responsabilidade do professor polivalente.
Em 1995, a Secretaria do Estado da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), amparada na Resolução SE nº 265/1995, afastou de vez os professores de Educação Física das séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) com a alegação de que o professor polivalente recebia, em sua formação inicial e continuada, saberes necessários à prática pedagógica em Educação Física.
Durante o período de 1995 a 2003, diversos foram os embates e discursos acadêmicos e políticos em torno da presença do professor especialista na disciplina de Educação Física para as séries iniciais do ensino fundamental.
Em meio a essa discussão acadêmica, de um lado, e a política educacional, de outro, SEE/SP, por meio da Resolução 184/02, implantou no ano de 2003 as aulas de Educação Física e Artes nas séries iniciais do ensino fundamental, desenvolvidas pelo professor especialista da área.
Logo após o início das aulas no ano de 2003, todos os professores de Educação Física atuantes nas 4 primeiras séries do ensino fundamental da rede pública estadual paulista receberam em suas unidades escolares, uma convocação de suas respectivas Diretorias de Ensino para a apresentação da proposta curricular para a Educação Física nesse ciclo de ensino. Em forma capacitação foi apresentada aos professores da rede a proposta da SEE/SP, incluindo o material didático a ser implantado no formato de apostila.
As Diretorias de Ensino, por meio de seus Assistentes Técnico-Pedagógicos (ATP), ficaram encarregadas da implementação da proposta, tornando-se os responsáveis por difundir junto aos professores, por meio de capacitações, o objeto de estudo e ensino da Educação Física nas séries iniciais do Ensino Fundamental
Na Diretoria de ensino Região Campinas Oeste (DERCO), a implantação da proposta, elaborada pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), se deu a partir de uma apostila com conteúdos e atividades que os professores de Educação Física deveriam aplicar na escola.
A referida apostila, embora contenha conceitos relacionados à abordagem da saúde renovada, foi elaborada segundo postulados da corrente pedagógica denominada desenvolvimentista. Os professores deveriam realizar registros da produção dos alunos, que seriam apresentados em portfolio e painéis no final do ano letivo, assim como também nas reuniões mensais ou bimestrais para as quais os professores eram convocados pela Diretoria de Ensino.
Diante desse quadro, o presente estudo buscou investigar como os professores receberam, implantaram, aderem ou resistem às propostas advindas dos órgãos superiores, enfim, compreender como é o cotidiano do professor de Educação Física que tem a missão de aplicar o material elaborado pela SEE/CENP, uma vez que a elaboração da referida apostila não contou com a participação ou colaboração dos docentes.
Nas discussões sobre como as propostas são implantadas pode-se apontar que é na escola que se conhecem os impactos, os limites e as dificuldades. Sampaio (2002) alerta que são desastrosas as mudanças simplesmente impostas pelos órgãos superiores sem a presença dos professores na sua formulação e elaboração, afirmando a autora que
Quando colocados frente a uma proposta de mudança, os professores se indagam o que lhes trará como resultado, não no abstrato, mas para cada professor, em cada contexto, e fazem o que conseguem e acham que vale a pena dentro de suas situações concretas (SAMPAIO, 2002, p. 16).
Embora não estejamos frente a nenhuma mudança substantiva, e sim diante da implantação de um novo currículo de Educação Física, que veio acompanhada do retorno do professor especialista ao Ciclo I do Ensino Fundamental, torna-se relevante um estudo que busque entender como os professores estabeleceram relação com a referida proposta verticalmente imposta pela SEE/CENP, via DERCO e ATPs.
Abordagem metodológica
Como procedimento de pesquisa optou-se pela utilização da pesquisa qualitativa, pois lidamos com poucos sujeitos e não quantificamos os dados. Ludke e André (1986) afirmam que este tipo de investigação tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; os dados coletados são predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é maior do que com o produto; o “significado” que as pessoas dão às coisas e à vida são focos de atenção especial do pesquisador; e a análise de dados tende a seguir um processo indutivo. Conforme as autoras, “o estudo qualitativo se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 18).
A escolha e perfil dos sujeitos
Inicialmente, definiu-se o número de seis (6) professores, sendo três (3) com experiência docente e três (3) sem experiência. Essa definição aconteceu devido à dificuldade de encontrar um maior número de professores com experiência que, no ano de 2003, assumiram aulas nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
Posteriormente houve a distribuição desses professores em dois grupos: um composto por três (3) professores com experiência na atuação docente nas séries iniciais do Ensino Fundamental antes do ano de 2003, e outro composto por três (3) professores que iniciaram a carreira como docentes nas séries iniciais do Ensino Fundamental na rede pública estadual justamente no ano de 2003, ou seja, professores caracterizados como inexperientes na docência na época da implantação da proposta. Essa classificação baseou-se em Huberman (1992), na qual o autor que estabelece que o ciclo de vida profissional do docente segue as seguintes fases ou estágios: de um a três (3) anos de carreira é a entrada, o tateamento; de quatro (4) a seis (6) anos é a estabilização e a consolidação de um repertório pedagógico; de sete (7) a vinte e cinco (25) anos, serenidade, distanciamento afetivo, conservadorismo; de trinta e cinco (35) a quarenta (40), o desinvestimento (sereno ou amargo).
Para a finalidade deste estudo, basear-se-á na classificação de Huberman (1992) especificamente em dois ciclos de vida profissional, já que os sujeitos da pesquisa são divididos em dois grupos, mais precisamente: um grupo de professores com experiência profissional e, portanto, na 3ª fase da classificação feita pelo autor, indivíduos que consideramos como experientes na profissão com tempo de docência entre sete (7) e vinte e cinco (25) anos; e outro grupo com indivíduos na 1ª fase (entrada na carreira) que, por sua vez, estavam iniciando sua carreira docente justamente no ano de 2003, o mesmo da implantação da proposta SEE-SP/CENP (2003) para as séries iniciais do Ensino Fundamental.
Dessa forma, o grupo de professores é composto por cinco (5) indivíduos do sexo masculino e um entrevistado do sexo feminino. Para melhor identificação, eles serão aqui nomeados a partir do grupo ao qual pertencem. Os professores experientes receberão a denominação de PE1, PE2 e PE3, enquanto os iniciantes no magistério no ano de 2003 receberam a denominação de PI1, PI2 E PI3.
Segundo Ludke e André (1986, p.50), a garantia do sigilo das informações constitui-se num problema ético com o qual o pesquisador deve saber lidar, sendo que “uma medida geralmente tomada para manter o anonimato dos respondentes é o uso de nomes fictícios no relato”. Buscando manter esse anonimato, os professores foram identificados apenas com as siglas PE (professores experientes) e PI (professores iniciantes), seguidos dos números 1, 2 e 3. Todos os dados dos sujeitos entrevistados foram coletados durante o mês de abril do ano de 2009. No que diz respeito à participação dos sujeitos na pesquisa, todos os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre e esclarecimento a respeito da entrevista (TCLE). No Quadro 1 apresenta-se uma melhor identificação dos sujeitos entrevistados:
Quadro 1. Perfil dos sujeitos entrevistados
Professores
Sexo
Ano de Formação
Inicio de Docência
Instituição de Formação
Formação Continuada
Lato Sensu/ ano
Situação Funcional
Acumula Funções
Carga Horária 1ª a 4ª série
Carga Horária Total
PE 1
F
1993
1990
PUC/CAMPINAS
NÃO
OFA
NÃO
06
32
PE 2
M
1994
1995
PUC/CAMPINAS
NÃO
OFA
NÃO
10
32
PE3
M
1986
1987
FAA
SIM - 2001
EFETIVO
NÃO
06
32
PI1
M
2002
2003
UNIASP
SIM - 2004
OFA
NÃO
06
32
PI2
M
2002
2003
PUC/CAMPINAS
SIM - 2005
EFETIVO
NÃO
26
32
PI3
M
1997
2003
TOLEDO
NÃO
OFA
NÃO
16
20
Como demonstrado no quadro, temos três (3) professores que iniciaram seu trabalho como docente no ano de 2003, sendo que os professores PI1 E PI2 terminaram sua formação no ano de 2002, enquanto que o professor PI3 graduou-se no ano de 1997, mas, iniciou sua carreira como docente somente no ano de 2003. Já no grupo dos três (3) professores experientes, os professores PE1 e PE3 atuaram no antigo Ciclo Básico e passaram pelo processo de retirada do professor especialista em Educação Física e em Educação Artística, no ano de 1995, das duas primeiras séries do hoje Ensino Fundamental, enquanto que o professor PE2 começou a lecionar justamente no ano de 1995, não tendo a oportunidade de lecionar aulas para os alunos das 1ª e 2ª séries.
Quanto à formação dos professores temos uma peculiaridade no que tange à instituição formativa, uma vez que três (3) dos seis (6) professores graduaram-se na PUC/Campinas. Em relação ao ano de formação temos os professores PI1 e PI2 como os sujeitos com formação mais recente, ambos em 2002, enquanto que o professor PE3 é o que se formou primeiro, no ano de 1986.
Em relação à formação continuada, três (3) professores fizeram especialização modalidade lato sensu na UNICAMP, sendo que todos realizaram o mesmo curso de especialização em Pedagogia do Esporte Escolar.
Os instrumentos utilizados
Foram realizadas entrevistas gravadas com seis (6) professores da DERCO, com a intenção de buscar indicadores dos motivos da utilização ou não do material, das dificuldades e possibilidades encontradas, dos pontos positivos e negativos percebidos, da relevância desse material para a seleção dos conteúdos e dos benefícios e fragilidades que apontam.
Como procedimento para a coleta de dados, definiu-se a realização de entrevistas semi-estruturadas. Conforme Boni e Quaresma (2005), as entrevistas semi-estruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, a partir das quais o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. Um roteiro previamente elaborado e testado guiou as entrevistas, o que manteve entrevistador e entrevistados próximos ao eixo central da pesquisa, evitando que enveredássemos por outros caminhos.
Como os professores receberam e implantaram a proposta
Todos os professores entrevistados se manifestaram acerca da proposta e, embora com manifestações e posicionamentos às vezes diferentes e outras vezes próximos entre si, todos (iniciantes e experientes) apontaram para um ponto crucial para o interesse do presente trabalho: aderiram ao menos por certo período à proposta, conforme demonstrado no Quadro 2.
Quadro 2. Síntese da forma como os professores receberam, implantaram e utilizam/ ou utilizaram a proposta
Professores Experientes
Professores Iniciantes
PE1: Até hoje eu utilizo, porque tem muita coisa ali que eu uso até de 5ª a 8ª série.
PI1: Eu utilizo até hoje, pois é uma coisa boa que dá pra usar. Que você usa e é produtivo, tem que usar.
PE2: Eu utilizo o material atualmente, é uma forma de eu me organizar, de me nortear, uma forma de organização.
PI2: Eu utilizava, no começo porque me ajudou a saber o que fazer... mas não utilizo mais... eu utilizei, no começo eu usei.
PE3: Eu utilizo, quando voltou o especialista em Educação Física em 2003 eu sempre usei o material e segui a proposta que, na minha opinião é boa.
PI3: É, foi utilizado sim, como eu te falei eu aprendi com a proposta, mas, no momento é... utilizo muito pouco... muito pouco.
Conforme demonstrado no Quadro 4, todos os professores inicialmente adotaram a proposta. Sampaio (2002) nos esclarece que as propostas oficialmente instaladas dependem da coerência que apresentam com aquilo que os educadores acreditam, sabem e fazem, ou seja, necessitam apresentar aos professores soluções vantajosas que auxiliem na solução de problemas reais. E, nesse caso, de acordo com os professores a proposta apresentou algumas vantagens, tais como: “ofereceu a solução” em relação àquilo que devia ser feito (PI2); serviu como um aprendizado (PI3); foi algo que permitiu organizar e orientar o trabalho (PE2); enfim, foi entendida como uma boa proposta (PI1, PE1 e PE3).
Um dado relevante é que todos os professores experientes afirmam que, atualmente (mesmo após o final das convocações da DERCO), ainda seguem a proposta.
Dos professores iniciantes, apenas o PI1 afirmou utilizar a proposta atualmente, enquanto que os professores PI2 e PI3 afirmaram que utilizaram a proposta no início e que, no momento em que foi realizada a entrevista, não utilizavam mais ou se aproveitam muito pouco dela.
Pode-se apontar para duas interpretações acerca da utilização da proposta pelos professores experientes: 1ª) Devido aos saberes advindos da experiência, concebem a proposta como boa por acreditarem que ela contribui para seu desenvolvimento profissional e, conseqüentemente, para a formação de seus alunos; 2ª) De outro lado, os professores agem assim, pois o tempo de experiência serviu para que sedimentassem em suas crenças a impossibilidade de resistirem às demandas externas, incorporando a “cultura do faça”. Na primeira interpretação apontam para aspectos positivos da proposta, tais como o oferecimento de subsídios para a orientação e organização de seu trabalho. No entanto, deve-se explorar também a segunda interpretação, e mais precisamente sobre as considerações de Tardif e Raymond (2000), a partir das quais os autores apontam que a aceitação dos indivíduos se dá por estes já estarem conformados com as normas impostas pelo sistema, afirmando que
pertencer a uma ocupação significa, portanto, para os indivíduos, que os papéis profissionais por eles desempenhados remetem a normas que eles devem adotar em relação a essa ocupação. Essas normas não se limitam a exigências formais relativas às qualificações dos membros de uma ocupação. Elas abrangem também atitudes e comportamentos estabelecidos pela tradição ocupacional e por sua cultura (TARDIF e RAYMOND, 2000, p.224).
Com a contribuição de Tardif e Raymond (2000) pode-se aduzir para uma faceta interessante no que diz respeito à conformação dos indivíduos que estão no interior das escolas. Se, por um lado, a experiência docente pode tornar-se um fator de resistência às imposições, no caso em pauta, aponte-se que a experiência no magistério fez com que esses professores agissem dentro de um comportamento estabelecido pela tradição, a partir do que o tempo de experiência serviu para sedimentar a sua aceitação, adesão e aplicação das normas vigentes. Em outras palavras, a experiência profissional pode ser um fator que mina a capacidade de resistência em relação ao imposto desde o exterior e sem a participação efetiva dos professores.
Todavia, vale esclarecer que, se os professores estão utilizando a proposta atualmente (mesmo depois do término das cobranças da DERCO), não se pode negar que a referida proposta tem para esses professores seus pontos positivos. Um dos fatores que mais chama a atenção na fala de todos os professores deu-se em torno de que, além de dar “um norte” para o trabalho nesse ciclo de ensino, a proposta foi também um meio deles se organizarem e de aprendizagem:
Eu utilizo o material atualmente, é uma forma de eu me organizar, de me nortear, uma forma de organização, porque antigamente, antes da proposta da diretoria de ensino, os professores ficariam sem um norte, ficariam perdidos, hoje eu consigo dividir assim... é... sabe? as aulas... através dos conceitos da apostila (PE2).
Pra mim só teve vantagem, porque deu um norte, deu um caminho a seguir, todos os professores que estavam na rede seguiam um caminho e quando tinha as capacitações com a ATP, a troca de experiências que tinha com o pessoal, cada um chegava com uma novidade e falava: “Olha, eu apliquei essa atividade, eu criei esse tipo de registros”. Inclusive, eu até hoje tenho as atividades que o pessoal me passou, assim eu fiz uma apostila com as atividades que a gente trocava na diretoria. [...] Deu um norte, deu um caminho a seguir, ainda mais o organograma, deu... Olha, eu começo daqui, vou pra isso, deu um caminho a seguir, porque antigamente você trabalhava a atividade solta, agora você trabalha tudo interligado, começando do movimento global e segmentar, então, seguindo uma linha. Eu acho uma coisa importante da proposta, isso deu uma linha a ser seguida (PE3).
Até hoje eu utilizo, porque tem muita coisa ali que eu uso até de 5ª a 8ª série, mas, por outro lado, eu procuro, assim, não jogar fora o que eu já tenho como bagagem, entendeu? Eu acho que não é porque me deram um material que eu tinha que usar exatamente como está ali, sendo que eu acho que não deve dispensar a minha bagagem... ou fazer o que mandam só porque eles querem (PE1).
Eu vejo como uma proposta boa, ela entra dentro do que considero como bom, foi na época o meu norte... sabe? E não sabia o que trabalhar e, daí, durante as capacitações e com a apostila, foi que eu fui aprendendo... Assim, não que eu não soubesse, mas, fui... é... Ela foi importante pra mim porque era meu início, assim como o seu, e, daí, ela me ajudou muito a eu saber o que dar para os alunos (PI1).
Eu cheguei inexperiente e falaram assim pra mim: “Você vai ter que trabalhar isso”. Aí, eu fiz no começo, mas, como já te disse, não estou mais usando... eu fui meio que assim... é... aprendendo a trabalhar, a lidar com as crianças e fui deixando de lado a apostila, entendeu?(PI2).
Eu não digo que foi bem nortear, mas foi um convívio de aprendizado, e, nesse aprendizado, eu fui aprendendo através da apostila com os conceitos e, também, através das capacitações... aprendendo realmente como trabalhar, nas trocas de experiências, porque, como eu te disse, eu não sabia o que fazer, aí, veio o material lá – a apostila – e junto com ela, as capacitações que me ajudaram sim, então, acho que mostrar pra mim o que fazer naquele momento da minha vida foi o grande ponto positivo pra mim, no meu caso, da apostila (PI3).
A fala do professor PI3 remete à relevância da proposta em seu momento profissional, mais precisamente o de aprendizado, das trocas de experiências que eram proporcionadas pelas capacitações, ou seja, para esse professor a proposta teve, sobretudo, um grande significado no que diz respeito aos aspectos ligados às suas dúvidas em relação a como proceder nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Quando afirma: “eu fui aprendendo através da apostila com os conceitos”, esse professor esclarece que o aprendizado dos conceitos destacados na apostila significou também uma possibilidade para sua formação. Já o professor PI1 considera a proposta boa por auxiliá-lo em seu início na profissão. As falas desses professores corroboram com os estudos de Borges (2004) nos quais os professores investigados pela autora apontaram que encontraram nos recursos didáticos, como livros e apostilas, uma fonte de aprendizado para os saberes que utilizam quando vão ensinar. O professor PI2, que mencionou não aderir mais à proposta, aponta que a sua falta de experiência e o fato de se encontrar no início da carreira fez com que a aplicasse. Borges (2004) também auxilia no entendimento da manifestação desse professor ao mencionar que os professores aprendem ensinando, ou seja, vão aprendendo a ensinar com os saberes da prática. Portanto, a proposta teve vantagens para os três (3) professores iniciantes.
No que tange as manifestações dos professores experientes, fica evidente que para estes a proposta teve elementos positivos, tal como explica o professor PE2: a proposta foi um meio dele se organizar, de regular seu trabalho; quando se refere ao “antigamente”, ele está se referindo à presença do professor de Educação Física nas duas primeiras séries (Ciclo Básico) até o ano de 1995, afirmando que, nessa época os professores careciam de um caminho a seguir. Já o professor PE1 enfatiza que utiliza a proposta, mas não desconsiderou sua experiência anterior com as séries iniciais do Ensino Fundamental, afirmando que não reproduz o que recebe na íntegra, mas sim, toma por base, também, suas experiências anteriores bem sucedidas. Já o professor PE3, menciona que a proposta, em sua concepção, só trouxe vantagens, sendo a principal o oferecimento de um caminho a seguir. No posicionamento dos três (3) professores experientes vemos que a proposta influenciou diretamente suas práticas na escola, uma vez que todos se manifestaram sobre os modos que receberam e continuam a aplicá-la. Por meio dessas falas pode-se apontar para o anseio que os professores com mais tempo na docência possuem de propostas que orientem suas práticas, que apontem um caminho a seguir, o que pode ser visto com mais clareza nesse trecho da fala do professor PE2: “antigamente, antes da proposta da diretoria de ensino, os professores ficariam sem um norte, ficariam perdidos”.
As falas dos professores mostram que ambos os grupos aderiram à proposta, mas que os professores experientes aderiram com mais intensidade, inclusive, assumindo o modelo proposto como o mais adequado e afinado com as suas concepções. Se os professores aderiram à proposta, tendo ela como norteadora do trabalho pedagógico, isso pode indicar a necessidade de entender as razões dessa adesão.
Os motivos da adesão
Quando os professores incorporam propostas pedagógicas em suas práticas, podemos entender essa adesão considerando diversos fatores, entre os quais: por acreditarem no que está sendo proposto, com o intuito de cumprir uma ordem externa; ou por acreditarem que o que está sendo proposto vai lhes trazer alguma vantagem. Foram identificados posicionamentos diferentes na forma como aconteceu à adesão: total, parcial ou temporal (por apenas um período). No Quadro 3 apresenta-se uma breve síntese dos motivos que levaram os professores a aderirem a proposta da SEE/CENP (2003).
Quadro 3. Síntese dos motivos que levaram os professores a aderirem à proposta
Professores Experientes
Professores Iniciantes
PE1: Eu particularmente aderi à proposta por acreditar que ela faz parte da mudança que a Educação Física vem passando.
PI1: Eu apliquei a proposta porque você está num trabalho, no seu serviço, num emprego, você vai ter cobrança do seu supervisor acima.
PE2: Olha pensando bem eu aderi no início pra cumprir minha função, mas depois entendi que é uma forma de organização mesmo, de nortear o que você vai dar.
PI2: Como eu era totalmente inexperiente né?! Nunca tinha ficado sozinho com um grupo de alunos pra mim era difícil, pra saber o que eu ia trabalhar, então por isso eu encarei a proposta no início.
PE3: Eu aderi porque a proposta me deu um norte, as propostas dão um caminho a seguir.
PI3: Eu falei assim no começo: o que eu vou fazer com 1ª a 4ª série? Aí a proposta no início me ajudou muito.
Os motivos de adesão foram diversos: seguir as mudanças na Educação Física escolar; necessidade de cumprir as funções impostas no trabalho, oferecimento de orientação e de um caminho a seguir. Mesmo com motivos distintos, todos os professores (experientes e iniciantes) aderiram e aplicaram a proposta. Entretanto, é importante esclarecer os reais motivos da tal adesão.
Ao ser questionado se o motivo da adesão à proposta teria ocorrido devido às cobranças externas ou por concordar com ela, o professor PE3, com aproximadamente 20 anos de prática docente, disse que sua maneira de manter relação com a proposta está ligada ao seu momento de vida e formação profissional:
Olha, pelos dois: por eu concordar com os princípios, né? E, também, eu que tinha feito à especialização de Educação Física escolar na Unicamp, onde eu falei da importância do professor especialista no Ciclo I, de ter o especialista [referindo-se a sua monografia], então eu falei isso em 2002 e em 2003 voltou às aulas do especialista de Educação Física. Parece que culminou, então, eu quis colocar em prática tudo aquilo que eu falei e defendi lá na Unicamp. E, daí, voltou o especialista de 1ª a 4ª série; e voltou com essa proposta. Eu falei: “Ah, tem uma caminho pra gente seguir”. Então, foi legal por causa disso, e também eu falava que tinha que voltar o especialista e quando voltou com uma proposta, se eu não aplicasse, tornaria contraditório (risos) (P3E).
Já outro professor (PI2), que estava iniciando na docência no ano de 2003, ao ser questionado sobre sua adesão à proposta, trouxe algo relevante, especificamente no que tange a discussão das razões em aderir, ou aderir apenas temporalmente, à proposta:
Eu segui o organograma, mas, eu não deixava de trabalhar o que eu achava importante, porque era uma coisa que, assim, tentou-se dar uma padronização para a Educação Física. Eu achei legal, né? Tentou organizar mais. Eu não trabalhei só desse jeito [...] Eu utilizei, no começo eu usei... eu utilizava, mas não utilizo mais [...] Na realidade, como te disse, eu não estou mais aplicando, e eu fazia porque eu tinha que montar o portfolio pra levar na Diretoria de Ensino para apresentação para a ATP (PI2).
As maneiras como esses dois professores, com histórias diferentes, organizaram-se frente à proposta é algo que remete ao que Tardif (2002) classifica como saberes temporais, que no âmbito do processo de socialização profissional começa antes do exercício do magistério e se amplia com a prática: com o trabalho entre os pares, com a participação em eventos, seminários, programas de formação contínua, leituras e estudos. No caso do professor PE3, fica evidente que foi devido ao seu momento de vida e de formação. Já no caso do professor PI2, sem uma vasta experiência docente, afirmou não aplicar mais a proposta, e que, quando isso aconteceu, foi somente para atender uma exigência externa ao seu trabalho; nesse caso, eram as produções dos alunos a serem apresentadas na Diretoria de Ensino. Lima (2003, p. 94) auxilia no entendimento da relação do professor PI2 com a proposta ao afirmar que
Os actores escolares não se limitam ao cumprimento sistemático e integral das regras hierarquicamente estabelecidas por outrem, não jogam apenas um jogo com regras definidas a priori, jogam-no com a capacidade estratégica de aplicarem selectivamente às regras disponíveis e mesmo de inventarem e construírem novas regras. Distintas, ou até mesmo antagônicas, essas regras podem, eventualmente vir a suplantar a força jurídica – normativa das primeiras, seja por via da prática de infidelidade normativa, de ações de resistência mais ou menos clandestinas, ou do exercício político da autonomia.
Quando os sujeitos possuem seus modos específicos de jogarem com as regras estabelecidas, podemos de certa forma, supor que exista alguma resistência em relação a algo, uma vez que a busca de caminhos e modos específicos de “jogarem o jogo” permite a produção de variações no modo de agir. De qualquer maneira, a relação dos professores com a proposta pode ser explicada pela adesão por concordar com os seus princípios ou, por outro lado, pela adesão parcial em decorrência apenas de ter que cumprir ordens externas:
Não cobranças externas... A princípio, primeiro eu creio que no primeiro ano nós fomos, sabe? Fomos o grupo que eles fizeram o teste pra ver se dava certo, porque veio uma proposta da CENP jogada para os professores, e nós tínhamos que fazer o que eles lá queriam, então, por isso, acho que, no primeiro ano, eles nos testaram, porque tudo o que vem eles querem que a gente faça (PE2).
Na realidade, como te disse, eu não estou mais aplicando, e eu fazia porque eu tinha que montar o portfolio pra levar na diretoria de ensino para apresentação para a ATP (PI2).
Entre os professores entrevistados, os professores PE2 e PI2 mencionaram aplicar a proposta meramente por serem obrigados a cumprir com as exigências externas, ou seja, ao menos inicialmente não concordavam com a proposta, mas, devido a cobranças da Diretoria de Ensino, realizavam as atividades contidas na proposta.
Os outros quatro (4) professores, ao serem questionados se a aplicação do material se dava devido a cobranças externas ou por concordarem com os princípios pedagógicos da proposta, mencionaram que a adesão à proposta, para eles, ocorria por razões que iam além da necessidade de cumprir com as exigências externas, já que mesmo com todas as cobranças eles concordavam com a proposta em si. Contudo, quando instigados a se manifestarem sobre as cobranças, alegaram que entre os motivos de adesão está a obrigação da aplicação da proposta devido à posição de subordinados que ocupam (cumprindo as determinações do superior):
Olha, pensando bem, eu aderi no início pra cumprir minha função, assim, como posso te dizer... na escola, a gente tem que fazer as coisas como em qualquer outro trabalho, mas depois entendi que é uma forma de organização mesmo, de nortear pelo que você vai dar (PE3).
Acho que teve os dois lados também, né? Porque, em primeiro lugar, você tá num trabalho, no seu serviço, num emprego... você vai ter cobrança do seu supervisor acima, você vai ter uma cobrança possível, e você vai ver e desenvolver essa proposta. Às vezes você não gosta da proposta, que não foi o meu caso, que eu concordei com a proposta, mas, na realidade, primeiro eu sabia que tinha que fazer devido estar no meu trabalho (...) (P1I).
Lima (2003) alerta que as cobranças e, posteriormente, o compromisso com a execução, no universo educativo, é uma obsessão tipicamente tayloriana1 presente nas relações ditas sistêmicas; os programas e propostas educativas consistem em uma tentativa de aproximar o modelo de administração das empresas do contexto educacional. No entanto, sabemos que essa tentativa de enquadrar nas mesmas formas escola e empresas são totalmente inócuas, uma vez que ambos buscam meios e fins totalmente diferenciados. Hutmacher (1996, p. 58) aponta que “uma escola é um agrupamento relativamente permanente de forças de trabalho, de recursos humanos e materiais orientados para uma finalidade”, isto é, a educativa, sendo que a produtividade se mede a partir da formação dos indivíduos. Já as empresas visam à produção e, conseqüentemente, o lucro em forma de capital, derivando daí a principal razão para a impossibilidade de aplicação dos mesmos meios e métodos de trabalho para as duas organizações com finalidades totalmente diferentes.
Embora escola e empresa devam ser consideradas como organizações com fins e meios diferentes, não podemos deixar de considerar que os professores, quando são reduzidos a mera função de executores das propostas educativas, muitas vezes se encontram em uma situação de impotência, devido à tentativa de racionalização técnica e à pressão nítida a qual são submetidos:
Eu tinha receio que retirassem os professores especialistas sim, primeiro, porque no ano de 2003, eu ainda era OFA, e, também, porque como eu vivi o início do CB e caiu em 1995, daí, eu vi o retorno agora com uma outra proposta diferente. Eu falei assim... agora de repente, cada governo que entra, cada secretário da educação que entra tem uma idéia diferente... eu falei: “agora um colocou e daqui uns tempos outro entra e acha que não é importante a presença do professor especialista” (PE3).
Logo que eu me formei em 1994. tinham... parece que... em 1994 ou 1995, não me lembro bem, haviam tirado os professores de Educação Física de 1ª a 4ª série, então, (...) pra mim que sou OFA é fogo, se tirarem hoje ainda fica complicado pra mim pegar aulas, porque reduz muito o número de aulas, mas atualmente não tira mais, né? Por quê? Porque virou cargo (...) isso sim influenciou porque tinha aquela pressão: “Ah, se vocês não trabalharem direito vai tirar, sigam a proposta porque senão num decreto eles tiram”. Aí, eu, de boa, pensei comigo: “vou aplicar, fazer a minha parte” (PE2).
Eu tive sim por muito tempo um receio... é... medo mesmo que tirassem as aulas... é... depois que virou cargo, aí, você teve mais segurança, mas no início deu medo sim. Deu medo porque como nós, como estávamos iniciando, e de 1ª a 4ª série já havia sido retirado uma vez porque os professores não haviam trabalhado adequadamente, aí, retirou as aulas de 1ª a 4ª série, e quando voltou, nós tínhamos que trabalhar adequadamente com a proposta para que tivesse um trabalho legal, que chegasse legal também aos alunos (...) pois projeto pode ser tirado a qualquer momento, como a própria ATP dizia pra gente que da outra vez que foi tirado de 1ª a 4ª série foi devido os professores não trabalharem corretamente, e não acho que agora o pessoal ia novamente não trabalhar dentro dos conformes para tirarem de novo (PI1).
Concordando ou não você tinha que fazer, não tem como, eu concordava com algumas coisas, mas, ao mesmo tempo, eu discordava porque você era obrigado a fazer, você tinha que fazer, porque, nas capacitações, o que acontecia? Era olhado os seus registros, suas coisas, então, você não tinha uma autonomia pra você fazer o que queria, mas, no geral, eu concordava com ela, mas, não com aquela cobrança, aquilo matava, porque você se via... assim... é... acuado (PI3).
A fala dos professores PI1, PE2 e PE3 são bastante reveladoras do grau de pressão a qual os sujeitos que estavam inseridos na implantação da referida proposta se encontravam, de tal modo que umas das razões que fez com eles aderissem inicialmente à ela foi justamente o receio de as aulas de Educação Física desse ciclo de ensino não serem mais atribuídas aos especialistas, o que aumenta o número de aulas disponíveis na rede estadual, situação da qual os professores não efetivos dependem para garantir seu emprego. Já o professor PI3 deixa claro que concordava parcialmente com a proposta, mas não com a cobrança que recebia para aderir a ela. As manifestações desses professores apontam para um modelo impositivo/racional/legal utilizado pela Secretaria da Educação para a imposição da determinada proposta hierarquizada (SEE-SP/CENP/DERCO/ATP/Professores de Educação Física).
Conforme Lima (2003, p. 51), essa forma de cobrança pode ser entendida a partir do modelo denominado racional-legal, isto é, um modelo que toma por referência a racionalidade do sistema, afirmando o autor que “as regras formais obrigam a um desempenho em conformidade, tendo como bases predominantes de legitimação a normatividade, o cumprimento da lei e dos regulamentos, passível de controle e fiscalização”. O controle e fiscalização mencionados por Lima (2003), na proposta da SEE-SP/CENP (2003) se dava por meio da obrigação dos professores de apresentarem as produções de seus alunos, como é notório na suas falas.
Um outro modo de estabelecer a relação com a proposta pode ser notado no professor P1E que, ao situar suas razões de adesão; apontou como motivo mais significante o entendimento de que a proposta estava inserida num movimento de mudanças da Educação Física:
Acho que foi através da mudança, e que a Educação Física transformou-se num componente curricular obrigatório; acho que o pessoal começou a observar que ela precisava de uma transformação, porque se fosse continuar só bola... eu não sei pra onde ia (...) (P1E).
Este professor, com experiência de aproximadamente 20 anos na docência, destaca que a proposta foi uma tentativa de mudança para fugir do famoso jargão do “rola bola” 2. A legislação que tornou a Educação Física componente curricular obrigatório na educação básica, conferindo um novo status para a disciplina, fez com que o referido professor aderisse à proposta.
Como demonstrado, as formas de adesão e suas razões foram as mais variadas. No entanto, algumas considerações sobre a adesão total, parcial ou não adesão são importantes. Lima (2003, p. 63) aponta que “a implantação das directivas normativamente estabelecidas pode, portanto, e em teoria, assumir pelo menos três formas distintas: a reprodução total dos conteúdos normativos, a reprodução parcial, ou a não-reprodução” Ao ser questionado sobre se a aplicação da proposta realmente aconteceu, o professor P1E manifestou-se da seguinte maneira:
Olha, através daquelas reuniões que você também participava, eu acho que aconteceu; acho não, acredito que aconteceu porque os professores apresentavam as produções dos seus alunos, então, por isso, eu acho que ela realmente aconteceu (P1E).
Este professor apresenta para um olhar mais global, e não para si propriamente, afirmando que, em seu modo de ver, a implantação tal qual foi idealizada aconteceu nas escolas, com a justificativa de que a apresentação das produções dos alunos pelos professores nas reuniões periódicas que ocorriam na DERCO fazia com que a implantação realmente acontecesse. Sua fala aponta para a necessidade de um olhar dialético, pois, por um lado, pode-se dizer que algo de consistente acontecia nas escolas e, por outro, as razões que levaram os sujeitos a aderirem e aplicarem a proposta sugerem a existência de imposição por parte dos órgãos superiores e de uma situação de insegurança diante do futuro profissional, já que muitos dependiam da continuidade da presença dos professores especialistas no Ciclo I para garantirem a atribuição de aulas.
Os professores PI3 e PI1, falando mais precisamente deles próprios, também afirmam que a aplicação efetivamente aconteceu. O primeiro justifica-se pelo fato de seus ex-alunos ainda lembrarem-se dos conceitos por ele ensinados, e o segundo aponta que a aplicação aconteceu, mesmo com as dificuldades vividas pelos professores:
Eu acho que sim, eu acho que eu consegui aplicar, tem hora que eu me pergunto: “será que eu consegui aplicar?” Mas no íntimo, aqui, eu acho que eu consegui aplicar, pelo menos tentei fazer o melhor, e tem grupos de alunos que, em 2003, eles estavam na 4ª série e eles estão hoje no colegial – porque eu trabalhei, na época, com 3ª e 4ª série –, que era os maiores, que eu achei que era mais fácil, que até hoje eles lembram dos conceitos (PE3).
Sim, sempre com uma ou outra dificuldade... Aconteceu, às vezes, com uma dificuldade de uma escola pra outra, ou mesmo de um grupo de alunos pra outro, sempre vai ter mais dificuldade, mais no global posso te dizer que consegui aplicar (PI1).
As falas dos professores trazem também algo a ser discutido de duas vertentes. De um lado, a fala do professor PE3 que destaca o aprendizado dos conceitos por parte de seus alunos. A relevância da apropriação do conhecimento acerca dos conceitos tem um significativo valor no caso da Educação Física, uma vez que essa disciplina traz consigo uma tradição ligada ao fazer e a pouca consistência teórica e didática (DARIDO E RANGEL, 2005). Portanto, não deixou de ser uma oportunidade para a formação dos professores e um processo de “renovação” da Educação Física escolar. Por outro lado, o que a fala desses dois professores possuem em comum é a preocupação com a aplicação da proposta, o que pode denotar
afalta de autonomia.Essa preocupação dos professores frente à aplicação da proposta, conforme Apple e Teitelbaun (1991) se dá devido os indivíduos terem que reproduzir algo planejado, sistematizado e padronizado pelos órgãos centrais. Segundo os autores, isso pode ter conseqüências totalmente contrárias ao que as autoridades pretendem, pois, ao invés dos professores serem atores reflexivos de suas ações, eles se importam simplesmente com a execução de planos alheios, destacando que “a literatura sobre o processo de trabalho em geral está repleta de exemplos documentando os efeitos negativos dos sistemas rígidos de administração e controle” (APPLE e TEITELBAUN, 1991, p. 67).
Vale ressaltar que as manifestações dos professores sobre a proposta expressam o cerceamento e a pressão sofrida por eles. No entanto, alguns pontos foram considerados relevantes: a valorização da disciplina, tal como menciona o professor PE1. Sua adesão se dá em torno da crença que a proposta e, por conseguinte, as cobranças valorizam sua área.
Hoje é melhor, naquela época você não tinha um norte, hoje tem uma cobrança, né? Nós mesmos, professores, devemos achar que ficou melhor, devemos valorizar a nossa área, né? Essas cobranças eu vejo como uma valorização da nossa área, porque se continuasse daquele jeito que era antes, era só uma brincadeira, uma recreação (P1E).
Recorre-se novamente a Sampaio (2002) que apontou que os professores podem aderir às propostas quando elas lhes apresentam alguma vantagem real. O professor P1E, que atuou como docente no ciclo básico antes da retirada do professor especialista de Educação Física, em meados da década de 1990, ao relacionar este período anterior com o ano de 2003 e a proposta da SEE/CENP, ressalta que a proposta proporcionou e representou a valorização da Educação Física, além de auxiliá-lo como orientadora de seu trabalho. Nesse sentido, a proposta da SEE-SP/CENP (2003) pode ser interpretada também como parte de um movimento de valorização da área, o que acaba sendo uma vantagem na visão do referido professor, uma vez que a Educação Física carrega consigo a marca, historicamente construída, de ser uma disciplina sem importância no currículo escolar.
Os motivos da adesão dos professores à proposta, tal como já mencionado anteriormente, foram diversos, entre os quais se sobressai: mudanças na Educação Física; cumprimento das funções do trabalho; necessidade de ter orientação pedagógica. No entanto, a tentativa de estabelecer o que os professores devem ensinar mostrou-se um processo conflituoso, pois duas vertentes foram identificadas. De um lado, a adesão devido à conformidade dos sujeitos frente às situações já dadas ou devido aos sujeitos concordarem com o que está sendo proposto. Por outro lado, temos também uma adesão apenas parcial ou temporal, que aconteceu apenas com uma finalidade de cumprir as demandas externas. Ao mencionar o que os professores ensinam de uma proposta elaborada por especialistas, Gimeno Sácristan e Pérez Gómez (1998) afirmam que isso depende do grau de controle que se exerce para obrigar o seu cumprimento.
De qualquer maneira, no que tange a relação dos professores de Educação Física com a proposta da SEE-SP/CENP (2003) para as séries iniciais do ensino fundamental, considera-se que, de um lado, auxiliou os professores pelo menos no início (experientes e iniciantes) em seu trabalho; ambos os grupos de professores entenderam como uma valorização para sua área. Por outro lado, verifica-se que um dos objetivos expressos aponta para a preponderância da racionalidade técnica, pois a proposta determina descritivamente o que e como os professores devem trabalhar. Isso se dava por meio das capacitações às quais os professores eram submetidos e da obrigação de apresentarem as produções de seus alunos. A forma de implantação organizada hierarquicamente (SEE-SP/CENP-DERCO/ATP/PROFESSORES) reduziu a função dos professores a de aplicadores da proposta, contrapondo-se, dessa forma, à noção que postula o vínculo indissociável entre concepção, planejamento e execução, ou ainda, rompendo com a possibilidade de haver a articulação entre teoria e prática no exercício do magistério. No entanto, vale ressaltar que, mesmo em situações onde se tornam quase impotentes, os professores possuem formas e jeitos próprios de se organizarem frente às demandas externas, ou seja, a sua adesão pode não significar a mera reprodução de algo posto.
Considerações finais
Buscou-se no presente estudo as manifestações de um grupo composto por 6 professores (3 experientes e 3 iniciantes no ano de 2003) acerca de uma proposta que os mesmos tinham a incumbência de coloca - lá em prática.
Embora com manifestações e posicionamentos, às vezes diferentes e outras vezes próximos entre si, todos os professores (iniciantes e experientes) apontaram para um ponto crucial no interesse do presente trabalho: todos aderiram ao menos por certo período à proposta. Sampaio (2002) alerta que a adesão a uma proposta se dá quando esta apresenta algum tipo de vantagem real, e, na fala dos professores, a proposta apresentou algumas, tais como: ofereceu a solução do que devia ser feito (PI2), serviu como aprendizado (PI3), foi uma forma de se organizar e nortear o trabalho (PE2) foi entendida como uma boa proposta (PI1, PE1 e PE3).
No que tange as diferenças entre os professores experientes e iniciantes há um ponto crucial: dos professores iniciantes, apenas o PI1 afirmou utilizar a proposta atualmente, enquanto que o professor PI2 utilizou a proposta no início, mas não a utiliza mais, e o professor PI3 a utiliza muito pouco. Por sua vez, no posicionamento dos três (3) professores experientes, verifica-se que a proposta influenciou diretamente suas práticas na escola, pois todos continuam se utilizando dela. Essa é uma diferença importante já que todos os experientes, mesmo após o final das convocações da DERCO, ainda seguem a proposta (adotando inclusive as concepções presentes nela como as mais adequadas para o Ciclo I do Ensino Fundamental. No entanto, as manifestações dos professores coadunam com as proposições de Tardif e Raymond (2000) quando alertam que, se, por um lado, a experiência docente pode tornar-se um fator de resistência às imposições, por outro, os professores com experiência podem agir a partir de um comportamento estabelecido pela tradição. Nesse caso, o tempo de experiência pode servir para sedimentar a aceitação, a adesão e a aplicação das normas vigentes.
Quando foram perguntados sobre os motivos da adesão da proposta, ressalta-se que mesmo com motivos distintos, todos os professores (experientes e iniciantes) aderiram e aplicaram ao menos por certo tempo a proposta. Dentre os tais motivos, os professores manifestaram-se de formas diversas: mudanças na Educação Física, necessidade de cumprir funções do trabalho e por oferecer um caminho a seguir. Esses motivos de adesão à proposta estão muito ligados ao momento de vida de cada um. Isso corrobora com as proposições de Tardif (2002) que, por sua vez, classifica como os saberes que os professores mobilizam em suas prática como temporais. No âmbito do processo de socialização e profissionalização começa a se desenvolver antes do exercício profissional e se ampliar com a prática: com o trabalho entre os pares, com a participação em eventos, seminários, programas de formação continuada, leituras e estudos. No entanto, a tentativa de estabelecer o que os professores devem ensinar mostrou-se um processo bastante difícil, uma vez que duas vertentes foram identificadas. De um lado, a adesão aconteceu devido a duas razões: a conformidade dos sujeitos frente às situações já dadas ou devido concordarem com o que estava sendo proposto. Por outro lado, houve também a adesão apenas parcial ou temporal com a única finalidade de cumprir as demandas externas. Se, de um lado, auxiliou os professores em seu trabalho, pelo menos no início, interpretando a situação como uma forma de valorização para sua área, de outro, verificou-se que um dos objetivos expressos na proposta aponta para a preponderância da racionalidade técnica, pois determinou descritivamente o que e como os professores deveriam trabalhar.
Por fim, a proposta SEE-SP/CENP (2003) significou para os professores iniciantes um caminho a seguir devido as dificuldades de principiante, mas com o tempo foram criando suas próprias concepções e deixando a proposta de lado. Já os professores experientes, ainda a utilizam, ou seja, para eles além de oferecer um “norte”, contribuiu na formação como docente, já que a adotaram como referência no ensino da Educação Física para as séries iniciais.
Portanto, sem nenhuma pretensão de propor generalizações para outros contextos, vale destacar que no processo de implantação da proposta SEE-SP/CENP (2003) a respectiva proposta teve maior adesão por parte do grupo de professores experientes. Esse fato pode nos alertar para a “carência” da formação continuada que os professores que estão a mais tempo na docência possuem, além do anseio que os mesmos têm de propostas que orientem suas práticas.
Notas
O termo implica em uma organização extremamente racional dos processos de trabalho.
Entendido como a prática do professor que só oferece a bola para os alunos e não ensina nada além do futebol e de outros esportes coletivos.
Referencias bibliográficas
APPLE, Michael, TEITELBAUN, Kenneth. Está o professorado perdendo o controle de suas qualificações e do currículo? Teoria & Educação, 4. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva, 1991.
BONI, Valdete; QUARESMA, Sílvia Jurema. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais. Tese em foco: Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC, Florianópolis, v. 2, n. 1, p.68-80. 2005.
BORGES, Cecília Maria Ferreira. O professor da educação básica e seus saberes profissionais. Araraquara: JM Editora, 320 p., 2004.
DARIDO, Suraya.Cristina; RANGEL, Irene Conceição Andrade. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
HUBERMAN, Michael. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, Antonio. (org.). Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, 1992.
HUTMACHER, Walo. A escola em todos os seus estados: das políticas de sistemas às estratégias de estabelecimento. In: NÓVOA, Antonio (org.). As organizações escolares em análise. Editora: Dom Quixote. Lisboa, 1996.
LIMA, Licínio. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. São Paulo : Cortez , 2003.
LUDKE, Menga. e ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
SACRISTÁN, José Gimeno e PÉREZ, Gomes. 1998. Compreender e transformar a escola. Tradução de Ernani da Fonseca. 4a ed., Porto Alegre: Artmed, 1998.
SAMPAIO, Maria das Mercês Ferreira (org.). Apresentação. O cotidiano escolar frente às políticas educacionais – 1ª edição. Araraquara: JM Editora, 2002.
SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria da Educação. Resolução SE nº. 19. Dispõe sobre as aulas de Educação Física no ensino de 1º e 2º graus. São Paulo: Secretaria de Educação, 1987.
SÃO PAULO (ESTADO) Secretaria da Educação. Coordenadoria e Estudos e Normas Pedagógicas. Ciclo Básico Em Jornada Única: uma nova concepção de trabalho pedagógico. São Paulo: FDE,109 p. 1988.
SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria da Educação. Resolução nº 265. Dispõe sobre a reorganização das unidades escolares estaduais. São Paulo. Secretaria da Educação, 1995.
SÃO PAULO (SEE). Coordenadoria e Estudos e Normas Pedagógicas. Resolução 184, de 27 de dezembro, 2002.
SÃO PAULO. Secretaria do Estado da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular de Educação Física. 2003.
TARDIF, Maurice e RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação e Sociedade, ano XXI, nº 73- p. 209-244, Dezembro, 2000.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 328p., 2002.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista
Digital · Año 16 · N° 164 | Buenos Aires,
Enero de 2012 |