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Panorama histórico da Educação Física no Brasil: primeiras aproximações

Panorama histórico de la Educación Física en Brasil: primeras aproximaciones

 

Mestrando em Educação Física, UNB

Técnico em Nível Superior- Ministério do Esporte

Professor da SEC/DF

Wagner Barbosa Matias

wagneruesb@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo possui como objetivo principal, realizar uma discussão inicial sobre as contribuições que a Educação Física vem desenvolvendo ao longo da história para a humanidade. Para isso, partimos da realidade dos seres humanos, aquela que muitas vezes é camuflada por interesses sombrios da classe dominante, do séc. XVIII até os dias atuais, tendo como referência olhares que percebem a necessidade dela ser uma prática social de luta dos trabalhadores. Ao final desta reflexão, percebe-se a necessidade de intensificar as contradições dentro das discussões da Educação Física para obter conseqüentemente um avanço nas intervenções profissionais da área.

          Unitermos: Sociedade. História. Educação Física.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O estudo da Educação Física (EF) constitui-se em uma atividade prazerosa e motivante já que no seu bojo estão preocupações que vão muito além de si mesmas. Seja nos espaços formais ou não formais, que estão ganhando visibilidade nos últimos anos, considera-se a um complexo conjunto de conhecimentos que pode proporcionar a elaboração de diversos olhares nos diferentes campos de trabalho sob variados saberes. Logo para o seu entendimento faz-se necessário à análise do ser humano nas relações assimétricas que estabelece com a natureza, com os outros indivíduos e o que daí emerge.

    Sob o nome de EF estão campos de estudos e intervenção bastante diferenciados como o lazer, a saúde, o esporte, a estética, educação física escolar. Diante disso, Lovisolo (1995, p.19) afirma que a EF é uma área “[...] claramente mosaico, fragmentaria, multidisciplinar e não dominante disciplinar. Mas Rocha Junior (2000) nos lembra que mesmo não havendo uma identidade e unidade nos meios e objetivos, são os atores sociais (crianças e homem comum) que dão significado a EF.

    Tendo em vista as diferentes tribos que constituem os campos de pesquisa e intervenção da EF, estaremos neste ensaio analisando- a desde sua implementação nas escolas inglesas até o momento atual, buscando as contribuições que nesse devir ela trouxe para a humanidade e conseqüentemente apontar possibilidades futuras.

A Educação Física no Brasil

    As mudanças ocorridas na Europa aos poucos vão chegando aos países periféricos. Tão logo o Brasil inicia-se a industrializar começa a sofrer pelos mesmos problemas enfrentados pelos Estados europeus, ou seja, a urbanização acelerada, as epidemias devido à ausência de condições básicas de sobrevivência, além de uma quantidade enorme de mão de obra sem qualificação, analfabeta, para manusear as máquinas nas fábricas e posteriormente as pressões dos operários por direitos a cidadania. A EF segundo Herold Junior (2005, p.5) aparece nos documentos escritos na época como uma solução para curar as mazelas sociais e acelerar o processo de transformação.

    No ambiente escolar a EF surge a partir da metade do século XIX sob forte influência da Instituição médica, militar e posteriormente também do movimento pedagógico escolanovista, que estava sendo importado pelos intelectuais brasileiros na preocupação de uma educação que acabasse com as mazelas sociais, valorizando o processo de ensino focado nas necessidades e nos interesses dos alunos.

    A escola nova bastante difundida entre os educadores acabou segundo Saviani

    [...] provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais muito freqüentemente tem na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida, “a escola nova” aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites. (1993, p. 22).

    O movimento escolanovista aparece para contribuir com o dito desenvolvimento do Brasil. Nesse período os intelectuais e os políticos acreditavam que dependeria de instruir e educar o povo, tido e havido por analfabeto, doente e despreparado para as novas formas de trabalho industrial, organizado sob a lógica capitalista de produção (VAGO, 1999, p. 31). Para tanto precisariam que as escolas consideradas inoperantes atingissem a tríade educação intelectual, moral e física. Esse era o espaço que iria ditar o que seria importante para os estudantes e consequentemente para a sociedade.

    A EF até o final da década de 40 do séc. XX no sistema educacional do país foi baseada nos métodos ginásticos europeus inicialmente o sueco e o alemão e posteriormente o francês. Sobre esse momento da EF o Coletivo de Autores diz que ela:

    [...] era entendida como atividade exclusivamente prática, fato este que contribuiu para não diferenciá-la da instrução física militar. Certamente, também não houve uma ação teórica-prática de crítica ao quadro apontado, no sentido de desenvolver um corpo de conhecimento científico que pudesse imprimir uma identidade pedagógica à Educação Física no Física no currículo escolar. (1992, p.53).

    A EF foi se legitimando no interior da escola brasileira sob forte influência das ciências médicas, as quais não avançavam na análise do ser humano e da sociedade para além de um organismo em pleno funcionamento, como uma máquina. Reproduzia os interesses políticos do Estado, mascarando e construindo valores de normalidade nas desigualdades vigentes, ensinando hábitos saudáveis para uma população que não tinha condições de tê-los, ao invés mostrar as possibilidades de superá-las. Isso feito através de aulas dentro de uma proposta pedagógica não-critica.

    A grande aceitação dos esportes pela população culmina com o surgimento de novas tendências e possibilidades para as aulas de EF a partir do final do Estado Novo, superando o método oficial- francês. Segundo Coletivo de autores (1992, p.54) destaca como concorrentes o método Austríaco e principalmente a Desportiva Generalizada, sistematizado na Inglaterra e divulgado no Brasil por Auguste Listello. As aulas de EF deixam de ser desenvolvida sob a rigidez alienante dos militares, e passa a ser confundida com simples práticas esportivas desprovidas de significados sociais para os alunos, já que as aulas tornaram um prolongamento da instituição esporte. O professor que na verdade era instrutor pelas influências militares e o aluno recruta agora a relação é professor treinador e aluno atleta (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.54).

    Com a promulgação em 1961 da lei de Diretrizes e Bases da Educação, tornando-a obrigatório no ensino primário e médio, as crises políticas e econômicas que ocorreram no país e a diminuição do investimento estatal em políticas sociais, fortaleceram o esporte como conteúdo único das aulas de EF.

    Durante a ditadura militar grande foi à repressão às mobilizações dos setores organizados da sociedade, mas contraditoriamente, de incentivo as práticas corporais inclusive as coletivas, como a criação do programa Esporte Para todos. Nesse momento histórico a educação institucionalizada, passa sob fortes influências tecnicista. A escola possuía o papel de ensinar a fazer, sendo uma das formas de contribuir com a qualidade da mão de obra do mercado de trabalho brasileiro. Isso veio a fortalecer o esporte nas escolas, contribuindo com muita eficiência como afirma Linczuk (2000) para com os interesses dominantes, em formar jovens “dóceis e saudáveis” e preparados para uma sociedade competitiva.

    O desporto usado como ferramenta política pelo Estado possui plena aceitação dos professores de educação física, no qual Carvalho (1994, p. 24) diz que “não é o desporto que é alienante e servil-à classe dominante, mas os professores que trabalham as práticas desportivas sob a égide de uma ideologia voltada para a alienação dos indivíduos” quase sempre é usado para escamotear a realidade dos “chutadores de bola”, estudando o não como um fenômeno social construído historicamente com significados diferentes nesta sociedade de classes, mas simplesmente como atividade biológica que proporciona divertimento e descanso com nenhum desenvolvimento humano efetivo nas suas vivencias seja elas passivas ou ativas.

    Surge então com esse pensamento, vindos dos questionamentos ao modelo opressor vigente no país, uma necessidade por uma formação profissional que contribua para a necessária transformação social clamada pela população, tendo o desporto como um dos elementos para essa mudança. Logo, surge o movimento renovador da EF que comunga com o esse processo de mudança social do país.

    A educação física que ocorria na escola não podia ser aquela com características militares, e este profissional precisava mostrar que, para alem do gesto, existia um movimento diante de um tempo e de um espaço onde: o corpo (ser humano) que realizava o movimento precisava ser conscientizado sobre o grupo (classe social), que fazia parte de um espaço (contexto socio-historico político) que precisava ser transformado em busca de uma necessária justiça e igualdade para todos”. (MORAES E ALMEIDA, 2004, p.159).

    Essa preocupação com a EF como prática social começa a emergir na década de 70 e inicio dos anos 80, reflexos das mudanças clamadas pela população no período, da ascensão do pensamento pedagógico de esquerda no país. Movimentos progressistas intensificam o debate para a superação da EF enquanto disciplina meramente prática. Logo na EF instaura-se uma crise de identidade pela “[...] constatação de dependência de outras disciplinas cientificas e do desejo de torna-se ciência” (BRACHT, 1999, p. 30).

    Os anos 80 são considerados férteis para a EF brasileira, com um aumento significativo na produção cientifica, possibilitando o seu entendimento para além dos aspectos biológicos do ser humano. Ela que até então se prestava para a adaptação do ser humano a ordem oficial, adquirindo um caráter reprodutivista, começa a fornecer elementos para criticar-la e então vislumbrar a superação do estado de exploração das camadas populares.

    No entanto, esse mesmo movimento que serviu como suporte para a elaboração da proposta do coletivo de autores- Critico Superadora na década de 90, não avançou muito nesse período, já que apesar da abertura para o conflito na qual a analise da EF desenvolve-se não somente para sustentabilidade do status quo da burguesia, mas com um olhar para o ser humano, predominou segundo Caparroz (1997, p. 10), “[...] denuncia do estabelecido, sem que houvesse um mergulho mais intenso na análise das praticas pedagógicas efetivas [...]”. Muitos foram às discussões sobre a importância da EF, mas poucas foram às ações efetivas que se concretizaram em ações reais nas escolas durante a década de 80.

    Apesar dos discursos desvinculados do modelo hegemônico, a sistematização de uma proposta que rompesse com o modelo tradicional de EF se encontra distante da realidade de muitos professores. Aquele grupo de autores que buscou na cultura corporal avançar na fundamentação da EF na escola a favor do desenvolvimento dos estudantes como ser autônomo e capaz de transformar a realidade, ainda não se materializou no interior da escola.

    Rocha Junior (2000, p. 15) ao analisar a proposta do coletivo de autores diz que

    [...] na tarefa de apresentar um modelo diferente os autores acabam por também cair na relação funcionalista que criticam, pois entendem que a educação, e no caso a educação física, devem estar a serviço da mudança social numa perspectiva transformadora.

    A proposta do coletivo de autores foi elaborada a partir da perspectiva pedagógica histórico- critica “[...] que se diferencia da visão critica reprodutivista, uma vez que procura articular um tipo de orientação pedagógica que seja critica, sem ser reprodutivista”. (SAVIANI, 1995, p. 77). A teoria critico reprodutivista, limita-se a criticar a realidade, a constatar que esta é imutável, pois não consegue avançar como proposta de intervenção.

    A escola e a EF como espaço de formação de cidadãos necessita está dialogando com os acontecimentos ao seu redor. É de extrema importância os professores de EF atuarem como interventores na realidade social da maioria da população excluída pelo sistema capitalista, seja no espaço formal ou não formal.

    Percebe-se no mesmo período de denuncia da EF atrelada aos interesses do Estado pelos ditos de esquerda, surge segundo Almeida e Moraes (2004, p. 159) “[...] os modismos ligados às academias de ginástica [...]”, as empresas do bem estar e da saúde que conquistam os professores de EF que não se identificavam com a área da educação institucionalizada. Nasce nesse mesmo momento fruto do processo histórico uma cisão teórico- filosófica na produção da EF e na atuação profissional.

    As idéias da atividade física como promotora de saúde, com uma suposta melhoria da qualidade de vida, continua a sendo divulgado por um grupo satisfeito com status quo da burguesia, que viam “[...] saúde, na maioria das vezes, restringe –se à ausência da doença ; a atividade física entendida como a execução de praticas físicas por meio de modalidades esportivas” (CARVALHO, 2000, p. 32).

    A saúde é vista como algo estático, de responsabilidade dos indivíduos que através da pratica da atividade física terá uma melhoria na qualidade de vida, mesmo sendo o individuo explorado como mão de obra, mesmo continuando sem ter uma educação de qualidade, sem saneamento básico, mesmo sendo desempregado ou sem teto. A percepção restrita da EF produtora de saúde, existe pela segregação da profissão existente na década de 80 deste séc. ou pelas condições de existência dos seres humanos do séc. XVIII, XIX, XX e também XXI.

    A divisão criada é um fenômeno que contribui para legitimar a ação “despolitizada” dos professores de EF, mas tal necessita ser superada, pois são indivíduos de uma mesma classe que independente do espaço de atuação, escola, clubes, academias lutam pelos mesmos objetivos, a transformação da nossa realidade. As preocupações mais abrangentes com as questões sociais discutidas e desenvolvidas pelos professores e pesquisadores da educação institucionalizada necessitam avançar e serem incorporados pelos agentes de outros ambientes e estes atuantes nas escolas precisam prosseguir com propostas metodológicas concretas na sistematização dos conteúdos da EF escolar (ALMEIDA E MORAES, 2003).

    Desde a gênese da EF na Europa percebemos que a maioria da população é explorada por uma minoria, sendo poucos os momentos de construção de alternativas ao modelo opressor. O canto da sereia é bastante forte tanto que vários não resistiram e preferiram não enxergar tanta diferença existente entre os seres humanos desde a origem dessa historia.

Considerações finais

    A EF constitui numa disciplina importante para a formação do ser humano e precisa ser aprofundados os estudos, tanto nos espaços formais de atuação como não formais. Por mais forte que seja os interesses precisa se encontrar possibilidades de trabalhar com o Lazer como mecanismo de intervenção pedagógica, contribuindo para os cidadãos conseguirem seus direitos. Perceber que a saúde está diretamente relacionada com as condições materiais de vida dos agentes históricos, que a educação física escolar faz parte de uma instituição de responsabilidade em formar sujeitos e não marionetes do sistema capitalista e para isso necessita buscar aproximar da realidade da população, romper com as perspectivas de fragmentação e especialização do conhecimento produzido por ela e vislumbrar a integração e a interação das multidimensões possibilitadas para a formação humana.

Referências bibliográficas

  • BRACHT, Valter. Educação Física e Ciência: Cenas de um casamento (in) feliz. Ijuí: Ed. Unijuí, 1999.

  • CAPARROZ, Francisco Eduardo. Entre a educação física na escola e a educação física da escola: a educação física como componente curricular. Vitória: CEFD, UFES,1997.

  • CARVALHO, Yara Maria de. O mito da atividade física e saúde. Editora Hucitec, São Paulo, 1995, 133 p.

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • HEROLD JUNIOR, Carlos. Analise histórica da Educação Física no pensamento educacional moderno. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Ano 10. Nº 83, Abril, 2005. http://www.efdeportes.com/efd83/.htm

  • LOVISOLO,Hugo. A paisagem das tribos da educação física. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Ano 3. Nº 12, Dezembro, 1998. http://www.efdeportes.com/efd12/.htm

  • LINCZUK, Edson Luiz. Pedagogia e educação física. Disponível em http://www.boaaula.com.br/iolanda/producao/mestradoemeducacao/pubonline/edson15art.html, acesso em: 15 de maio 2000.

  • ROCHA JUNIOR, Coriolano P. Propostas Pedagógicas em Educação Física: Um olhar sobre a cultura corporal. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: PPGEF/UFG, 2000.

  • SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 27º ed. Campinas: Editora Autores Associados, 1993.

  • SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-critica: primeiras aproximações. 5ª ed. Campinas: Autores Associados, 1995.

  • VAGO, Tarcísio Mauro. Início e fim do século XX: Maneiras de fazer educação Física na escola. Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99.

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