Análise da durabilidade do ganho de flexibilidade obtido através do alongamento estático ou do exercício excêntrico nos músculos ísquio-surais Análisis de la estabilidad de la ganancia de flexibilidad obtenida a través de la elongación estática o del ejercicio excéntrico en los músculos isquiosurales Analysis of durability of gain flexibility obtained through the static stretching or eccentric exercise in ischio-sural muscle |
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*Pós Graduando em Fisioterapia Respiratória pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Belo Horizonte, Minas Gerais **Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Educação Física pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Membro e Pesquisador do Centro de Estudos em Cognição e Ação da Universidade Federal de Minas Gerais (CECA/UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais ***Graduado em Fisioterapia pelo Centro Universitário Newton Paiva Belo Horizonte, Minas Gerais *****Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva Belo Horizonte, Minas Gerais |
Hermê Fellipo Bordoni Caldeira* Henrique de Oliveira Castro** Aikelton de Figueiredo Almeida*** Vinícius Bissiati de Lima Guerra**** Diogo Barros de Moura Lima*** Geraldo Fabiano de Souza Moraes**** Marco Túlio Saldanha dos Anjos**** (Brasil) |
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Resumo Objetivo: Verificar a durabilidade dos ganhos de flexibilidade após um treinamento com exercício excêntrico, alongamento estático e um período de destreinamento, observando ainda qual dessas duas técnicas será mais eficaz em relação à manutenção desta flexibilidade. Procedimentos metodológicos: Foram selecionados cinco universitários do sexo masculino com idade entre 18 e 30 anos. A flexibilidade dos músculos ísquio-surais foi medida usando um goniômetro da marca Baseline (Baseline Evaluation Instruments, Baseline Groupã, Chattanooga, TN) de aço inox, o qual possui um transferidor que mede ângulos com intervalos de um grau. A medida da flexibilidade de ísquio-surais foi definida como a ADM máxima atingida na extensão passiva de joelho, até a percepção do início de tensão detectada por um avaliador devidamente treinado. Para o exercício excêntrico utilizou-se uma polia da marca Eagle Fitness Sportsâ, dotada de barras com incrementos progressivos de cinco quilogramas cada. Esse equipamento permite deslizamento superior-inferior da polia para melhor se ajustar a diferentes objetivos. Os voluntários realizaram o alongamento estático e exercício excêntrico durante o programa de treinamento de três vezes por semana, durante seis semanas. Resultados: A análise de confiabilidade realizada mostra que o ICC obtido foi 0,96. Após análise dos dados, observou-se um ganho estatisticamente significativo de flexibilidade de ísquio-surais quando houve treinamento excêntrico, o que não ocorreu com o alongamento. No período de destreinamento não houve perda significativa da flexibilidade da musculatura treinada em nenhum dos voluntários. Conclusão: Nenhum dos indivíduos apresentou ganho de flexibilidade com o alongamento estático e o destreinamento não provocou nenhum decréscimo em relação à fase de treinamento. Unitermos: Flexibilidade. Alongamento estático. Exercício excêntrico.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Nos últimos anos, a prática de esportes vem se tornando mais frequente em todo o mundo. Com o aumento do número de esportistas nota-se também uma maior incidência de lesões associadas ao esporte (CLEBIS e NATALI, 2001). A exigência cada vez maior da capacidade física aumenta o risco de lesões musculares, seja pelo excesso de treinos e jogos, ou por movimentos bruscos em curto intervalo de tempo (RAYMUNDO et al., 2005). A distensão muscular é a lesão que mais acomete os atletas no esporte (Brockett, Morgan e Proske, 2001; PROSKE et al., 2004; WELDON e HILL, 2003) e é caracterizada por um rompimento parcial ou completo da unidade músculo-tendinosa e acompanha dor focal e edema (WELDON e HILL, 2003).
Os fatores de risco da lesão muscular são de difícil diagnósticos e multifatoriais (Brockett et al., 2002), envolvendo fatores intrínsecos e extrínsecos (LOPES et al., 1993; WITVROUW et al., 2003). Dentre os extrínsecos podem-se citar as condições do campo, materiais esportivos inadequados, quantidade de jogos, treino, motivação, dentre outros. Já entre os intrínsecos pode-se citar sexo do atleta, lesões musculares prévias e perda da flexibilidade, sendo esta a de maior importância para o desenvolvimento de lesões musculares (PROSKE et al., 2004; WITVROUW et al., 2003).
Um estudo realizado na liga de futebol Australiana mostrou que a distensão de ísquio-surais ocupou o topo da lista, representando 16% das lesões (PROSKE et al., 2004).
Evidências epidemiológicas sugerem que as distensões musculares estão associadas, principalmente, às contrações excêntricas, onde o músculo gera força concomitantemente ao seu alongamento, absorvendo energia (Brockett, Morgan e Proske, 2001; PROSKE et al., 2004; WELDON e HILL, 2003; CLEBIS e NATALI, 2001).
Apesar do uso difundido de alongar antes do exercício como uma medida de prevenção de lesão, não há ainda nenhuma evidência científica conclusiva para suportar esta prática (WELDON e HILL, 2003; Pope et al., 2000; HERBERT e GABRIEL, 2002). Apesar de não se ter certeza da relação entre alongamento e prevenção de lesão, sabe-se que o alongamento aumenta a flexibilidade (Decoster et al., 2005; HERBERT e GABRIEL, 2002; NELSON e BANDY, 2004).
A flexibilidade é definida como a habilidade de um músculo de alongar e permitir uma articulação (ou mais de uma articulação em série) de mover-se através de uma amplitude do movimento. Assim, a redução da flexibilidade é definida como uma diminuição na habilidade de um músculo de se deformar. Alguns dos benefícios propostos do ganho de flexibilidade são as reduções do risco de lesão, promoção alívio da dor e melhora do desempenho atlético (NELSON e BANDY, 2004).
Várias técnicas de alongamento são propostas na literatura, mas o alongamento estático, considerado o padrão ouro para melhorar a flexibilidade, é realizado levando a musculatura à sua tolerância máxima e sustentando a posição por certo tempo (NELSON e BANDY, 2004).
Outras variáveis relacionadas à execução da técnica de alongamento são alvo de debate na literatura, tais como a duração e o número de séries do exercício e a duração e frequência do programa de treinamento.
Alguns estudos têm elucidado o aumento de amplitude de movimento como resultado de uma única série de 30 segundos utilizando o alongamento estático (Reid e MCNair, 2004; Decoster et al., 2005).
Outra forma que tem sido relatada por alguns autores como sendo eficaz em aumentar a flexibilidade é o treinamento excêntrico do músculo através de sua amplitude de movimento completa (Cyrino et al., 2004; NELSON e BANDY, 2004). A contração excêntrica é importante para os movimentos de desaceleração, controlando os movimentos do corpo, principalmente durante as atividades dinâmicas (MJOLSNES et al., 2004; Whitehead et al., 1998). Durante a contração excêntrica o músculo alonga enquanto produz tensão (Proske e Morgan, 2001; Whitehead et al., 1998).
Assim como após a interrupção de treinos de flexibilidade, o destreinamento de força poderia levar a decréscimos dessa capacidade física. Entretanto, se e quando isso acontece, não está claro na literatura.
Portanto, o objetivo deste estudo foi o de verificar a durabilidade dos ganhos de flexibilidade após um treinamento com exercício excêntrico, alongamento estático e um período de destreinamento, observando ainda qual dessas duas técnicas será mais eficaz em relação à manutenção desta flexibilidade.
Procedimentos metodológicos
Amostra
Foram selecionados cinco voluntários do sexo masculino, estudantes do Centro Universitário Newton Paiva, com idade entre 18 e 30 anos. Todas as informações referentes ao estudo foram detalhadamente repassadas aos indivíduos, que em seguida, assinaram um termo de autorização e consentimento por escrito, ficando claro a participação voluntária na pesquisa e que em qualquer momento o indivíduo poderia desistir da participação, além do sigilo dos dados e identidades dos participantes. Estes foram pesados e medidos, além de terem seu Índice de Massa Corporal calculado (Tabela 1).
Tabela 1. Caracterização dos voluntários quanto à massa corporal, estatura e índice de massa corporal
Como critérios de inclusão, os voluntários deveriam ser sedentários, conforme o relatório do USSG (FRANKLIN, 2003); deveriam completar uma semana de baseline, seis semanas de treinamento e quatro de destreinamento e ainda não poderiam apresentar condições patológicas de quadril, joelho, coxa e coluna lombar, também deveriam apresentar limitação de 20° a 30° para extensão total de joelho a partir da posição com o quadril fletido a 90°. Os critérios que excluiriam os voluntários seria presença de condições patológicas do quadril, joelho, coxa ou coluna lombar que tenham início durante o estudo, a modificação do nível de atividade física e/ou duas faltas alternadas ou consecutivas, ao longo das onze semanas do estudo.
Instrumentos
A flexibilidade dos músculos ísquio-surais foi medida usando um goniômetro da marca Baseline (Baseline Evaluation Instruments, Baseline Groupã, Chattanooga, TN) de aço inox, o qual possui um transferidor que mede ângulos com intervalos de um grau. A medida da flexibilidade de ísquio-surais foi definida como a ADM máxima atingida na extensão passiva de joelho, até a percepção do início de tensão detectada por um avaliador devidamente treinado.
Essa medida, denominada ângulo poplíteo, caracterizou-se pelo ângulo formado entre as faces posteriores da coxa e da perna na posição supina, com o quadril fletido em 90º. Foi, também, utilizado um anteparo de metalon pré-fabricado (Figura 1), a fim de manter o quadril em 90o de flexão (definida a partir de uma medida goniométrica da flexão de quadril para o posicionamento inicial) para padronizar a medida do ângulo poplíteo.
Figura 1. Anteparo para posicionamento do quadril em 90°
Para o exercício excêntrico utilizou-se uma polia da marca Eagle Fitness Sportsâ, dotada de barras com incrementos progressivos de cinco quilogramas cada. Esse equipamento permite deslizamento superior-inferior da polia para melhor se ajustar a diferentes objetivos. Para este estudo, a polia foi posicionada na primeira altura do equipamento, polia baixa (Figura 2). O voluntário posicionou-se em prono em uma maca de metal e madeira com revestimento de espuma com 70 cm de largura, 2 m de comprimento e 85 cm de altura, com os MMII pendentes a partir do pólo superior da patela e com travesseiro posicionado, para conforto e padronização da posição, abaixo da região abdominal. Para garantir sistematização da posição do voluntário em relação à polia, este teve seu hálux apontado para baixo, convergindo para uma marca no chão, previamente posicionada a 20 cm de distância da base da polia. Um dos pesquisadores promoveu auxilio ao movimento, erguendo sozinho as barras de peso da máquina até a altura referente à posição de 90o de flexão de joelho (concêntrico de ísquio-surais), de modo que o voluntário somente erguia o peso de seu próprio membro. Após chegar a 90º de flexão de joelho, o auxilio por parte do pesquisador era retirado de forma que o voluntário realizou o movimento de extensão sozinho (excêntrico de ísquio-surais), com a carga adequada para seu treinamento, conforme explicado mais adiante. A amplitude de flexão de joelho era limitada através de uma estrutura adaptada no aparelho que correspondia a 90o no movimento de flexão. Ao chegar nessa posição (90o), o membro do voluntário tocava uma barra de metal que servia de referência para o início e término das fases excêntrica e concêntrica, respectivamente (Figura 3). A posição desse aparato de limitação era determinada individualmente a cada dia de treinamento, a partir da medida goniométrica de 90o de flexão de joelho. Pesos livres com incrementos de meio a quatro quilos (halteres e caneleiras) também foram utilizados para progressões de exercícios, ao serem integrados às barras de cinco quilos do aparelho, caso os incrementos fossem menores que aqueles proporcionados pelas barras.
Figura 2. Posição da polia na primeira altura do equipamento, polia baixa.
Figura 3. Posicionamento do voluntário, do anteparo de metalon e realização da fase excêntrica do treinamento
Procedimentos
Antes do início da coleta foi realizado um treinamento dos examinadores quanto aos procedimentos que foram utilizados nessa pesquisa. Em seguida, foi realizado um estudo piloto para verificar a confiabilidade das medidas de flexibilidade, com indivíduos normais recrutados no Centro Universitário Newton Paiva.
Os voluntários realizaram o alongamento estático e exercício excêntrico durante o programa de treinamento de três vezes por semana, durante seis semanas.
Na fase de baseline, com duração de cinco dias, foi realizada a medida da flexibilidade dos ísquio-surais (ângulo poplíteo) em todos os participantes, todos os dias (SHARMA, WHITE e SENJYU, 2004), pelo mesmo examinador, através do goniômetro, na posição supina, com o quadril fletido a 90º, posicionado no anteparo de metalon. Foram utilizados no estudo, ambos os membros inferiores dos participantes.
Antes do início do treinamento, porém, os participantes foram submetidos a uma avaliação da repetição máxima (1 RM, que caracteriza o máximo de carga que a pessoa consegue realizar uma única vez) (Tabela 2). Apesar de o valor da RM só interessar ao membro que foi realizado o exercício excêntrico, os membros inferiores foram testados igualmente para que diferenças de resultados não possam ser atribuídas aos processos de avaliação da carga máxima. Esse procedimento visa minimizar os efeitos de treinamento que por ventura poderiam ser atingidos por esse processo de avaliação.
Tabela 2. Valores de repetição máxima e intensidade inicial do treinamento baseada em 70% da repetição máxima
No período de treinamento realizou-se no membro inferior direito (MID) alongamento estático, e no membro inferior esquerdo (MIE) foi realizado o exercício excêntrico. O membro de alongamento estático foi alongado passivamente pelo mesmo examinador através de alongamento estático, até o relato de máximo desconforto do voluntário em uma série de trinta segundos (30”), com joelho estendido e realizando força a favor de flexão de quadril, observando as possíveis compensações e tentando minimizá-las através de posicionamentos e estabilizações cabíveis. Já o membro de exercício excêntrico, realizou o fortalecimento através da polia a amplitude de 90o de flexão de joelho, utilizando um protocolo sistemático de treinamento de força. O protocolo utilizado segue as diretrizes do consenso do American College of Sports Medicine (2002) para progressão da carga. Neste estudo, foram utilizados os seguintes parâmetros: 70% da RM, três séries de dez repetições, com um minuto de intervalo entre as séries, três dias por semana (AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE, 2002). As cargas foram incrementadas em dez por cento quando o voluntário conseguiu realizar duas repetições completas a mais que o estipulado, sem compensações, na última série, por duas sessões de treinamento consecutivas.
No período de destreinamento, de quatro semanas, foi orientado aos voluntários a não realização de qualquer tipo de atividade física regular, ou acumulando trinta minutos ou mais de atividade física moderada durante a maioria dos dias da semana.
Durante o período de seis semanas de treinamento e das quatro semanas de destreinamento, foram feitas novas medidas de flexibilidade, uma vez por semana, utilizando os mesmos procedimentos para comparação com os dados iniciais.
Análise dos dados
Foi realizado um teste de confiabilidade entre as medidas de baseline utilizando o coeficiente de correlação intra-classe (ICC). A confiabilidade ideal seria acima de 0,90.
O método de análise utilizado para comparação da flexibilidade foi a “faixa de dois desvios-padrão”. Esse procedimento de analise envolve a avaliação da variabilidade da fase de baseline calculando-se a faixa de dois desvios-padrão da media da fase. Uma vantagem deste procedimento é que ele pode ser aplicado quando há um pequeno número de dados na baseline (OTTENBACHER, 1986; PORTNEY e WATKINS, 2000). Um efeito é considerado significativo quando, no mínimo, dois pontos consecutivos da fase subsequente ficam fora (acima ou abaixo) da faixa de dois desvios-padrão da fase anterior.
A significância nesta forma de análise de resultados, baseia-se na premissa que a chance de se obter dois pontos consecutivos acima da faixa de dois desvios-padrão ser menor que 5% (OTTENBACHER, 1986; PORTNEY e WATKINS, 2000).
Resultados
A amostra total foi composta inicialmente por cinco voluntários do sexo masculino com idade entre 18 e 30 anos, os quais realizaram no MID o alongamento estático e, no MIE, o exercício excêntrico para os músculos ísquio-surais. Foram excluídos do estudo 2 participantes por motivo de falta, restando assim, três indivíduos (três MMII treinados com alongamento e três treinados excentricamente).
A análise de confiabilidade realizada mostra que o ICC obtido foi 0,96. Após análise dos dados, observou-se um ganho estatisticamente significativo de flexibilidade de ísquio-surais no MIE do voluntário 1 (Gráfico 1), o que não foi visto no MIE dos demais voluntários (Gráficos 2 e 3). Esses membros foram submetidos ao protocolo de treinamento excêntrico.
Gráfico 1. Treinamento do MIE do voluntário 1
Gráfico 2. Treinamento do MIE do voluntário 2
Gráfico 3. Treinamento do MIE do voluntário 3
Em todos os participantes verificou-se que não houve ganho de flexibilidade estatisticamente significativo em ísquio-surais do MID (Gráficos 4, 5 e 6). Todos esses membros foram treinados através de alongamento.
Gráfico 4. Treinamento do MID do voluntário 1
Gráfico 5. Treinamento do MID do voluntário 2
Gráfico 6. Treinamento do MID do voluntário 3
No período de destreinamento não houve perda significativa da flexibilidade da musculatura treinada, tanto em MID quanto em MIE, em nenhum dos voluntários (Gráficos 1, 2, 3, 4, 5 e 6).
Discussão
O presente estudo teve como objetivo verificar a durabilidade dos ganhos de flexibilidade após um treinamento com exercício excêntrico, alongamento estático e um período de destreinamento, em um mesmo indivíduo, observando ainda qual dessas duas técnicas será mais eficaz em relação à manutenção desta flexibilidade.
Observou-se que durante a fase de baseline houve uma tendência ao aumento da flexibilidade tanto em MID quanto em MIE em todos os voluntários. Nada foi encontrado na literatura para explicar este ganho de flexibilidade com a ausência de intervenção. Porém, partindo do pressuposto de que as medidas foram realizadas de maneira semelhante à intervenção, (alongamento) pelo próprio posicionamento do membro durante o teste, por cinco dias consecutivos, pode-se pensar que houve adaptações teciduais que levaram ao ganho de flexibilidade inesperado.
A hipótese de que, tanto o exercício excêntrico quanto o alongamento estático, iriam promover um aumento de flexibilidade, quando comparado com a fase de baseline foi rejeitada por não haver diferença significativa em relação ao alongamento estático realizado nos MID em nenhum dos participantes, assim como em dois dos voluntários submetidos ao treino excêntrico em seus MIE. Achados prévios da literatura contradizem os resultados encontrados nesta pesquisa. Segundo Reid e McNair (2004) em um ensaio clínico aleatório, observou-se um aumento significativo de ADM dos ísquio-surais, durante seis semanas de alongamento estático realizado uma vez por dia, cinco vezes por semana, com uma série de trinta segundos. Decoster et al. (2005), em uma revisão sistemática da literatura, confirmaram que o alongamento estático com uma série de trinta segundos é uma prática efetiva para a melhora da flexibilidade. Portanto, um dos fatores que pode sugerir a falta do ganho de flexibilidade com o alongamento estático pode ser a frequência de treinamento, uma vez que alguns autores realizaram seus estudos treinando por seis semanas, cinco dias por semana, ao contrario da frequência de três vezes por semana praticada neste estudo.
A própria tendência ao aumento da flexibilidade observado numa analise visual dos gráficos durante o período de baseline pode ter contribuído para a ausência de aumento significativo dessa variável na maioria dos casos. Uma alta variabilidade das medidas durante o baseline causa um aumento do desvio-padrão seja maior e, consequentemente, torna-se necessário um tamanho de efeito muito grande das intervenções para que diferenças significativas sejam evidenciadas. Assim, no MIE do voluntário 1 (único que apresentou ganhos significativos com a intervenção) a amplitude da variação do baseline foi a menor (aproximadamente 10o) em comparação com os demais (aproximadamente de 11-18o). Apesar da alta variabilidade aparentemente obtida a confiabilidade das medidas utilizadas no estudo foi alta e considerada adequada para o estudo.
Em um estudo realizado por Nelson e Bandy (2004) foi demonstrado um aumento estatisticamente significativo de flexibilidade dos ísquio-surais após treinamento de seis semanas com exercício excêntrico. No estudo, o exercício excêntrico utilizado tinha como componente uma posição de “leve” alongamento. Após análise dos dados, foi observado no presente estudo que apenas o voluntário 1 obteve ganho significativo com o treinamento de exercício excêntrico, o que não ocorreu com os demais voluntários, contradizendo os achados da literatura. Uma possível explicação da consistência dos achados de Nelson e Bandy (2004) pode residir no fato de que talvez seja necessária a combinação da contração excêntrica com a posição de alongamento para que os efeitos sejam observados no ganho de flexibilidade. Mas os resultados do presente estudo apontam para que talvez não seja sempre necessário esse estímulo de alongamento associado ao exercício excêntrico, uma vez que um dos voluntários respondeu positivamente ao treinamento e os demais não. Uma possibilidade para explicar o ganho de flexibilidade em MIE do voluntário 1, diferentemente dos demais, pode ser o biotipo do mesmo. Este voluntário apresentou o menor IMC e o menor valor no teste de 1RM. Assim, é possível que este indivíduo apresente menor massa muscular, apresentando, assim, maior potencial de ganho de flexibilidade induzido pelo exercício excêntrico, uma vez que quanto menor o nível de treinamento de uma pessoa, maior seu potencial adaptativo (AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE, 2002). Provavelmente este possível menor nível de treinamento não teria um impacto tão grande com relação ao treinamento feito através de exercícios de alongamento.
A hipótese de que a perda da flexibilidade ganha com o treinamento excêntrico seria menor do que com o alongamento estático após um período de quatro semanas de destreinamento também não foi aceita. Toraman e Ayceman (2005) observaram que em idosos há a perda da flexibilidade após duas a quatro semanas de destreinamento, mas pode ser que em adultos jovens seja diferente. Já Lima et aI (2006) verificaram que após quatro dias da interrupção do treinamento para ganho de flexibilidade de ísquio-surais, houve perda significativa desta flexibilidade obtida.
Uma provável explicação para o fato de não ter ocorrido perda significativa da flexibilidade nos voluntários do presente estudo pode ser por não ter havido ganho significativo durante a fase de intervenção em quase todos os indivíduos, exceto no MIE do voluntário 1. Partindo do pressuposto que o individuo que obteve ganho de flexibilidade também não obteve perda da mesma, esta hipótese torna-se menos provável. Talvez fosse necessário um período maior de acompanhamento do destreinamento destes indivíduos. Este estudo tem o mérito de mostrar que quatro semanas de destreinamento talvez seja um período pequeno para se evidenciar os efeitos do destreinamento em indivíduos jovens e saudáveis.
Os resultados deste estudo apontam para a possibilidade de que ganhos de flexibilidade induzidos por exercício excêntrico possam ser diferentes entre indivíduos. Alem disso é possível que nem todos indivíduos submetidos a um programa de alongamento estático realizado três vezes por semana possam se beneficiar do protocolo. Outro achado importante neste estudo é um possível efeito duradouro do ganho de flexibilidade induzido por qualquer um dos protocolos. Para melhor esclarecer esses pontos, estudos de caráter longitudinal com intervenção com grupos e/ou novos estudos com sujeitos únicos devem ser conduzidos. Conclui-se com o presente estudo que nenhum dos indivíduos apresentou ganho de flexibilidade com o alongamento estático e o destreinamento não provocou nenhum decréscimo em relação à fase de treinamento.
Referências
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