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Percepções sobre tratamento psiquiátrico na ótica de familiares dos

pacientes internados em uma clínica psiquiátrica em Belém (PA)

La percepción del tratamiento psiquiátrico en la perspectiva de los 

familiares de los pacientes internados en una clínica psiquiátrica de Belem, Pará

Perceptions of psychiatric care from the perspective of family members of patients admitted to a psychiatric hospital in Belem (PA)

 

*Enfermeira pela Universidade do Estado do Pará

**Enfermeira Mestranda e Docente da Universidade do Estado do Pará

***Enfermeiro Doutorando em Motricidade Humana

pela Universidad del Uruguay. Docente da Universidade

do Estado do Pará, Chefe do Serviço de Arquivo

Médico e Estatística (SAME)

(Brasil)

Aline Oliveira Gama*

Ana Caroline Guedes Souza Martins*

lorackk@hotmail.com

Mário Antônio Moraes Vieira***

Francinéa de Nazaré Castilho Maia**

Simone Beverly**

aline.gama@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo tem como objetivo conhecer as percepções dos familiares de pacientes internados em uma clínica psiquiátrica sobre tratamento psiquiátrico, pois de modo geral, é crescente a importância atribuída à participação e integração da família no projeto terapêutico da pessoa com transtorno mental. Método: O estudo é de natureza qualitativa descritiva. Resultados e discussão: Os resultados apontam que a idade dos familiares que participaram da pesquisa está em torno de 20 a 69 anos de idade, com uma diversidade de nível de escolaridade, tendo desde o nível superior incompleto até aquele sem estudo; quanto ao estado civil há grande parte dos sujeitos são solteiros 66% e 26% são casados e um dos sujeitos é viúva. Após conhecer o perfil dos informantes desse estudo, passa-se a seguir à descrição e discussão das categorias, que constituem essa parte do trabalho: a categoria I aborda aspectos relacionados ao adoecimento psíquico; a categoria II aborda aspectos relacionados à hospitalização; a categoria III O tratamento como elemento facilitador da convivência familiar; a categoria IV aspectos relacionados diversidade de sentimentos gerados na família e a categoria V aspectos relacionado à interação família e profissionais da saúde. Conclusão: Com base no que foi exposto e nos depoimentos, conclui-se que os sentimentos dos familiares são heterogêneos e ambivalentes, mas acima de tudo existe preocupação com o bem-estar do portador de transtorno mental. Entendemos que, para a família, que é o alicerce fundamental das relações humanas, o fato de ter em seu núcleo um membro portador de transtorno mental ocasiona, para ambos, uma experiência crítica, avassaladora, que marca profundamente as suas vidas.

          Unitermos: Família. Tratamento psiquiátrico. Sentimentos.

 

Abstract

          This study aims to evaluate the perceptions of family members of patients hospitalized in a psychiatric clinic psychiatric treatment, because in general there is growing emphasis on family participation and integration in the design therapy for people with mental disorder. Method: The study is a qualitative descriptive. Results and quarrel: The results show that age of family members who participated in the survey is around 20 to 69 years old, with a diversity of educational level, and since the top level of uneducated incomplete until that, and marital status for much of subjects are single 66% and 26% are married and one of the subject is a widow. After understanding the profile of the informants in this study, we go after the description and discussion of the categories, which constitute part of this work: Category I covers aspects related to mental illness; Class II addresses issues related to hospitalization, the category III The treatment as a facilitator of family, category IV aspects variety of feelings generated in the family category and V aspects related to the interaction between family and health professionals. Conclusion: Based on the foregoing and in it appearsthat the feelings of the family are heterogeneous and ambivalent , but above all there is concern for the welfare of mental patients. We understand that for the family, which is the fundamental foundation of human relationships, the fact that at its core a bearer of mental disorder leads to both a critical experience, overwhelming, that deeply marked their lives.

          Keywords: Family. Psychiatric treatment. Feelings.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 163, Diciembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A mudança da noção de doença para saúde mental implica a socialização do sofrimento mental, e passa a vê-lo como detentor da dimensão social, cultural e política, além da biológica. “Neste contexto, a reabilitação psicossocial se alia a esta visão na medida em que ela é [...] um processo de reconstrução, um exercício pleno de cidadania, e também de plena contratualidade nos três grandes cenários: habitat, rede social e trabalho com valor social” (SARACENO,1996).

    Com a reforma, a modificação do modelo de assistência psiquiátrica levou a inclusão da família e, ao mesmo tempo, possibilitou-lhe desempenhar papel ativo nas comissões de controle social das políticas de saúde. Desse modo, a transformou em lugar estratégico e privilegiado das intervenções de reabilitação e reinserção psicossocial dos sujeitos com transtorno mental.

    A família tem fundamental importância para a formação do indivíduo, porque constitui a base, o alicerce principal para o desenvolvimento humano. Embora essa seja quase sempre representada por um conjunto de pessoas, ela também se constitui de relações afetivas estabelecidas entre os membros sanguíneos ou não.

    Essa visão é compatível com o Movimento da Reforma Psiquiátrica, onde o enfoque à família passa a ser outro, e onde houve toda uma mudança de princípios, cabendo colocar sucintamente a evolução histórica desse processo, que elucida essas mudanças. É reconhecido o valor da participação da família na assistência ao doente mental, para o alcance de melhor qualidade de vida do doente e da família. A enfermagem precisa então, conhecer e compreender todo este contexto, oferecer apoio e orientações necessárias; precisa ajudar o portador a ser participante ativo do processo terapêutico, deve voltar-se para o núcleo familiar e oferecer suporte necessário. Para isso, é preciso trabalhar junto ao doente e seus familiares na compreensão da doença, para que a partir disso, aconteça realmente a melhoria na qualidade de vida de todos.

    Segundo Schrank e Olschowsky (2008) e de acordo com nossa experiência em saúde mental, quando um familiar adoece, ocorre uma mudança na convivência diária da família, causando ansiedade e preocupação, pois, na maioria das vezes, acreditamos que estamos imunes à doença. O adoecimento é um evento imprevisto que desorganiza o modo de funcionamento de uma família.

    De modo geral, é crescente a importância atribuída à participação e integração da família no projeto terapêutico da pessoa com transtorno mental. Tais participação e integração têm suscitado freqüentes discussões e estudos que abordam o tema tendo em vista a contextualização do cuidado em saúde mental a ser realizado fora dos espaços institucionais da psiquiatria. Assim, consideramos um desafio para os familiares cuidarem de uma pessoa com doença mental, o que em parte justifica este estudo, pois requer enfrentamento de valores e sentimentos estigmatizados dos indivíduos e da sociedade os quais exigem, para este processo, uma mudança no olhar dessa pessoa, passando a enxergá-la com capacidades e potencialidades, possibilitando a convivência com a diversidade. Logo é fundamental o grau de envolvimento da família na vida do usuário a partir do qual podemos entender os limites e potencialidades das famílias para dar suporte às ações de reabilitação e inclusão social destas pessoas.

Objetivo

  • Conhecer as percepções dos familiares de pacientes internados em uma clínica psiquiátrica sobre internação psiquiátrica.

Método

Tipo de estudo

  • Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa descritiva.

Procedimento metodológico

  • Os informantes do estudo denominados em pesquisas qualitativas de acordo com Teixeira (2001) como atores sociais, serão 15 sujeitos: homens e mulheres com faixa etária maior que 18 anos familiares de paciente internados na clinica psiquiátrica. O estudo ocorrerá na Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV). A investigação do tema em estudo se dará através de uma entrevista. A entrevista será aplicada aos familiares de pacientes internados sendo do tipo não – estruturada ou semi-estruturada. Para efetivar a entrevista utilizaremos um roteiro de perguntas abertas, no qual faremos uso de um gravador, a fim de registrar os relatos da entrevista integralmente. No que se refere à Análise dos dados, esta se dará através da Análise de Conteúdo seguindo a técnica da categorização proposta por Bardin (1997).

Resultados e discussões

    Constatamos que a idade dos familiares que participaram da pesquisa está em torno de 20 a 69 anos de idade, com uma diversidade de nível de escolaridade, tendo desde o nível superior incompleto até aquele sem estudo; quanto ao estado civil há grande parte dos sujeitos são solteiros 66% e 26% são casados e um dos sujeitos é viúva; relacionado ao grau de parentesco, a maioria possui parentesco direto com o paciente. Após conhecer o perfil dos informantes desse estudo, passa-se a seguir à descrição e discussão dos temas, que constituem essa parte do trabalho: o tema I aborda aspectos relacionados ao adoecimento psíquico; o tema II aborda aspectos relacionados à hospitalização; o tema III O tratamento como elemento facilitador da convivência familiar; o tema aspectos relacionados diversidade de sentimentos gerados na família e o tema V aspectos relacionado à interação família e profissionais da saúde.

Categoria I: Aspectos relacionados ao adoecimento psíquico

    Nesta categoria procuramos analisar o comportamento dos familiares ao se depararem com o início do adoecimento psíquico dos seus respectivos familiares.

    “... Pra mim foi um choque muito grande [...] minha filha não podia estar doente, quando ela começou com os primeiros sintomas eu fingia que não estava vendo, eu não queria acreditar no que estava acontecendo, mas no fundo eu sabia que não tinha mais jeito. Ai o meu marido resolveu procurar ajuda” (A1)

    “...Quando começou a primeira crise dele eu não sabia que era essa doença, ele sumiu de casa e a gente achou que era uma falta de responsabilidade dele ...(A8)

    Através dos depoimentos acima, podemos perceber que os familiares ficam sem atitudes e sem saber a quem recorrer quando pela primeira vez, o paciente encontra-se em crise, recorrendo muitas a medidas extremas de negação da doença, de rejeição do familiar que esta com dificuldade de adaptação, de projeção de sentimentos obscuros e incertos ainda não experimentados, contribuindo para um não atendimento das necessidades vividas pelos parentes em risco.

    Randemark & Barros (1997) fazem uma reflexão teórica sobre a inserção da família na assistência às pessoas com transtorno mental mediante a reconstrução de sua trajetória, desde a constituição da psiquiatria até os dias atuais, mostra-nos que em diversos momentos históricos a família foi excluída da função de cuidado do parente adoecido.

    Podemos verificar ainda, que muitos familiares só procuram atendimento médico devido ao grande incomodo que esse paciente produz em situação de crise.

    “Fiquei apavorada meu filho não podia ser doido. Fiquei vários dias dopando ele em casa com diazepan, até o momento que não deu mais então fui a igreja e o Pastor me disse pra internar ele...” (A10).

    Tais falas mostram que o familiar tem pouca compreensão sobre a sintomatologia e as mudanças de comportamento do sujeito em sofrimento psíquico, o que se deve, talvez pela falta de esclarecimento acerca da doença. Moreno (2000), citando Rabelo et al, coloca que o diagnóstico da doença é muito valorizado pelo familiar, mas, na maioria das vezes, ele não possui o entendimento da patologia propriamente dita.

Categoria II: Aspectos relacionados à Internação

    Nesta categoria abordamos a visão dos familiares em relação ao tratamento hospitalar de seu Ente, incluindo aspectos relacionados ao paciente e ao familiar.

    “Acho muito bom para a saúde mental, pois o paciente tem uma assistência, medicamento nos horários certos. Contenção quando é preciso para preservada a vida dele e a dos outros.” (A5)

    Neste contexto, sabemos que em geral, a internação psiquiátrica é motivada por um desequilíbrio psíquico do paciente, e seu manejo requer de toda a equipe terapêutica uma atitude coesa, integradora, continente e, por vezes, até restritiva. Kernberg (1995) considera que a internação serve não só como um “limitador” externo para a falta de controle de impulsos e de limites do paciente, mas também como uma experiência de como ele pode viver com controle sobre si, de forma benéfica. As respostas terapêuticas do staff constituem os fatores centrais na recuperação através do ambiente, o que ressalta a importância do exame da contratransferência como parte do trabalho de rotina de toda a equipe.

    Assim, verificamos, que os familiares enxergam progresso no tratamento de “seus” pacientes, deste modo consideram a assistência hospitalar necessária para a melhora do mesmo, contrariando, mesmos nos dias atuais, a Reforma Psiquiátrica, já que a hospitalização se torna o principal alicerce do tratamento psiquiátrico, indispensável para melhoria dos sintomas e conseqüente recuperação do paciente.

    Silva; Oliveira; Barros, (2001). Afirmam que os hospitais psiquiátricos ainda hoje são peças fundamentais na assistência à saúde da população, não apenas por que os serviços extra-hospitalares são escassos, mas porque os pacientes necessitam por vezes afastar-se das situações conflituosas e geradoras de crise e tais instituições podem ser úteis.

    Relacionado às dificuldades encontradas por estes familiares em relação à hospitalização, encontramos queixas diversas, porém as mais relevantes são:

    “A maior dificuldade é financeira porque tem que vim lá do interior, se pudesse ser por lá seria melhor.” (A8)

    “Não tenho onde fica aqui em Belém ai ele acaba ficando sozinho e venho visitar de três em três dias. (A12)

    Novamente percebemos um descontentamento dos familiares que residem em outros municípios e se vêem obrigados a vim para a capital em busca de tratamento psiquiátrico para seu parente, ressaltando que apenas 46% dos entrevistados residem na capital. Além da dificuldade financeira que os mesmos encontram em conseqüência da sua permanência na capital.

    Ao pesquisar a vivencia das famílias durante a internação psiquiátrica, Tsu (1993) destaca a sobrecarga decorrente da baixa renda das famílias que as desestimulam a suportar o convívio com o doente mental, tanto pela necessidade de sustentar um adulto improdutivo, carente de cuidados especiais e por outras questões de ordem econômico-social.

    Nem sempre e nem todos os familiares possuem condições estruturais, econômicas e emocionais para conduzir satisfatoriamente os aspectos da convivência com a doença. (SHIRAKAWA & CHAVES & MARI, 1998).

Categoria III: O tratamento como elemento facilitador da convivência familiar

    A maior parte dos entrevistados afirma que o uso de medicamentos mantém o doente mental estável e facilita a convivência no ambiente familiar. As manifestações abaixo apontam tais concepções:

    “(...) depois que ela toma o remédio de novo volta ao normal” (A15).

    “(...) mas quando ele continua o tratamento está bem” (A10).

    Tais falas vêm ao encontro da afirmação de Koga & Furegato (1998) que dizem que os familiares procuram o médico para adquirir receitas de medicamentos quando o doente mental piora. De acordo com a experiência familiar o uso de psicofármacos mostra-se eficiente nos momentos de agudização de sintomas psicóticos. Esta concepção, muitas vezes, é reforçada pela equipe de saúde que atende o doente mental, centrando na medicação como o principal elemento terapêutico, como evidencia a fala a seguir:

    “(...) o médico disse que tem que tomar o remédio, se ele parar volta tudo” (A4). “O doutor disse que tomando os remédios direitinho, ela fica bem boa. Sem eles vai piorando, aí vira uma peleja (A8).

    A equipe de saúde freqüentemente só atenta para o que está acontecendo com a pessoa acometida pelo adoecer psicótico e com sua medicação. Reforça ao familiar que a única alternativa é o uso correto da medicação e muitas vezes esquecem-se de se aproximarem desta família que também precisa de atenção e de acompanhamento adequado. Os profissionais de saúde mantêm uma visão idealizada a respeito da família, acreditam que ela tem a obrigação legal de ficar com o doente. Estas considerações reforçam a importância do trabalho interdisciplinar na busca de caminhos que promovam a melhoria na qualidade de vida dos núcleos familiares, criando possibilidades reais de vínculos que poderão conduzir às transformações da rede de assistência (TSU, 1993).

    Por outro lado, alguns integrantes do estudo entendem que o uso da medicação é importante, mas não essencial. Na sua concepção, o convívio com a família é um fator primordial. O seu depoimento mostras esses aspectos:

    “Ele toma tanto remédio, mas às vezes parece que não tem jeito (...) Sabe porque ele não tem o apoio da família!” (A11)

    A família é um suporte básico para a vida de qualquer pessoa, mas para os doentes mentais ela possui especial importância, pelo fato desses sujeitos, na maior parte das vezes, necessitarem de cuidados e acompanhamento dos membros do grupo familiar. Conforme WERNET (2001) “família é uma entidade presente na vida humana, seja ela representada pelos clássicos membros progenitores e toda a linhagem genética ou por pessoas acolhidas como família para outras pessoas”. Deste modo, a família constitui o mais fundamental e o mais importante grupo social de toda a pessoa, bem como o seu quadro de referência, estabelecido através das relações e identificações que enquanto criança criou durante o desenvolvimento tornando-a matriz da identidade (WAIDMAN, 2001).

Categoria IV: Aspectos relacionados as diversidades de sentimentos gerados na família

    Quando a família do ser portador de doença mental propõe-se a atribuir um significado à experiência que vivencia, geralmente, emergem vários sentimentos que envolvem o seu modo de ser-no-mundo, entre eles, um profundo sofrimento e angústia ao deparar-se com a manifestação da crise aguda da doença.

    “Ah, fiquei triste, porque eu achei que o meu irmão vivia sempre bem comigo, está certo, Pô, o meu irmão mudou de repente ele virou completamente.” (A12).

    A família é atingida profundamente pelo sofrimento, sentimento que perpassa o seu viver em todos os níveis, tornando-se o companheiro de todas as horas, ao longo da trajetória da doença do familiar. O sofrimento manifesta-se de diferentes formas e intensidades, deixando marcas profundas no mundo da vida da família. O primeiro impacto é vivido por ocasião do diagnóstico.

    Para Heidegger (1997), nos encontramos sempre numa situação afetiva, ou seja, estamos no mundo sempre em um determinado estado de ânimo. As experiências, pelas quais os seres humanos passam, não acontecem sem nenhum significado; muito pelo contrário, elas podem ser agradáveis, prazerosas, temíveis ou indiferentes; determinam o nosso modo de ser e como nos sentimos no mundo, tristes, alegres, tranqüilos ou com medo. A presença como disposição refere-se aos afetos e sentimentos, ao estado de humor: “O humor revela como alguém está e se torna” (Heidegger, 1997).

    É preciso cuidado para não se criar um outro preconceito que atrapalha bastante o relacionamento com uma pessoa doente, que é a idéia de que alguém é culpado pela doença. Isso aparece muito; em razão disto, todo comportamento inadequado é mostrado como resultado de erros (MELMAN, 2002). Isto fica evidenciado nas falas que seguem.

    “aí vem a culpa (...) onde foi que eu errei?errei em alguma coisa? dói meu coração, eu me emociono” (A11).

    “o fato dele ter ficado sozinho e não falado é onde eu me culpo, quer dizer, ele não soube procurar preencher o vazio (...) aí é onde eu penso no erro de nós dois” (A8).

    Estimulada ou não pelas teorias psicológicas existentes, a culpa revela-se como uma das marcas mais visíveis na vida dessas pessoas. De modo mais ou menos consciente, o familiar culpado costuma mergulhar de cabeça na procura de eventuais erros do passado, buscando incessantemente explicações e sentidos que possam amenizar seu sofrimento. (MELMAN, 2002).

    O sentimento de culpa em relação ao surgimento da doença foi trazido pelos sujeitos como um fator que os acompanha pela vida, trazendo latente inúmeras interrogações acerca de erros cometidos na criação do filho, promovendo constante inquérito/ conflito interno na tentativa de entendimento do problema.

    As entrevistas evidenciam a ausência de informação, de divulgação sobre a doença mental. O suporte de informações para os familiares amenizaria o sentimento de culpa, diminuindo em grande parte o sofrimento dos familiares.

Categoria V: Aspectos relacionados à Interação família e profissionais da saúde

    Os membros da família geralmente se beneficiam de orientações dadas sobre a doença e seu tratamento, e do aconselhamento familiar, que proporciona apoio emocional e dicas práticas sobre como interagir com o portador de transtorno mental.

    “Aqui eu estou sendo ajudado, eu recebo muita orientação dos profissionais, daí eles repassam e eu tenho como controlar ela tranqüilo em casa” (A8).

    Observamos que as famílias entrevistadas têm algumas necessidades específicas com relação ao portador de doença mental. Dentre elas destacam- se: a necessidade de aprenderem a relacionar-se com o doente mental; compreenderem a doença mental, suas manifestações e formas de controle; exporem seus problemas e dificuldades, serem ouvidas, compreendidas, aceitas e respeitadas.

    Pesquisadores perceberam, a partir da experiência em trabalhar com famílias, a importância da atenção dos profissionais para as necessidades daquelas famílias que convivem com a doença, principalmente no que concerne a orientações sobre a mesma, sobre os cuidados específicos requeridos (WAIDMAN, 2008).

    Nas falas a seguir é possível perceber uma lacuna na área da saúde no que diz respeito às necessidades das famílias em situações de saúde ou de doença, o que demonstra que os profissionais não têm ainda a família como foco principal no tratamento.

    [...] nunca me ensinaram alguma coisa, é bom os outros ensinarem a gente [...] algum médico, porque eles têm mais estudo que a gente (A3).

    Um dos fatores que possivelmente aumenta ainda mais o nível de ansiedade e a confusão dos parentes responsáveis pelo tratamento de um paciente está ligado ao fato de que o campo da saúde mental é continuamente permeado por discussões, antagonismos e polêmicas entre profissionais da área, que repercutem no conjunto da sociedade.

    Na presença de uma crise psicótica, todas essas questões e disputas confundem ainda mais os familiares carentes de informação qualificadas. (WAIDMAN, 2008).

    Dessa forma, acreditamos ser necessária a reestruturação da assistência em saúde mental, baseada num trabalho multidisciplinar que propicie uma assistência integral ao portador da doença mental, ao cuidador e à família, auxiliando-os em todos os seus anseios e capacitando-os para o convívio com o doente, um trabalho que pode ser otimizado com a troca de saberes e práticas de diferentes profissionais.

Conclusão

    O familiar quando estimulado, neste caso pela pesquisa, relata e lamenta os percalços em procurar, avaliar e encaminhar o doente ao serviço especializado e conduzi-lo às negociações com o profissional de saúde. Além disso, lida com situações extremas de negociação e crise, remetendo a dificuldades de toda natureza, freqüentemente geradoras de conflitos intra e extra familiares, pautados em incertezas, inverdades e sofrimento. Através das entrevistas realizadas, os familiares revelaram sua preocupação em relação aos diversos comportamentos que ocorrem com o portador de transtorno mental. No momento em que acontecem as crises, muitas vezes ficam sem saber o que fazer ou tentam ajudar de alguma forma, porém, de maneira empírica. Percebe-se uma ausência de capacitação dos familiares em relação ao manejo da crise.

    Os vínculos entre família e paciente psiquiátrico necessitam ser alicerçados numa relação sincera e de respeito, onde a singularidade e individualidade de todos sejam preservadas, de forma que os primeiros não se sintam sobrecarregados, e os pacientes possam efetivamente resgatar sua cidadania e autonomia em uma relação terapêutica.

Referências

  • BARDIN L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edição 70; 1997

  • HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1997. v. 1.

  • KERNBERG, O. (1995). Transtornos graves de personalidade: estratégias psicoterapêuticas. Porto Alegre: Artes Médicas.

  • KOGA, M.; FUERGATO, A.R. Convivência com a pessoa esquizofrênica: sobrecarga familiar. In: LABATE R.C. (org.). Caminhando para a assistência integral. Ribeirão Preto: Scala, 1998.

  • MELMAN, J. Família e Doença Mental: repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. 1ª Ed. São Paulo: Escrituras, 2002.

  • MORENO, V. Vivência do familiar da pessoa em sofrimento psíquico. Ribeirão Preto: USP 2000. Tese apresentada ao Programa de Doutorado Interunidades das Escolas de Enfermagem de Ribeirão Preto e São Paulo, Universidade de São Paulo, 2000.

  • RANDEMARK NF, Barros S. A experiência das famílias sobre o cuidado terapêutico de pessoas com transtorno mental nas instituições psiquiátricas. REME Rev Min Enferm. 2007; 11:11-8.

  • SARACENO B. Libertando identidades da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Belo Horizonte: Te Corá; 1999.

  • SCHRANK, Giusela; OLSCHOWSKY, Agnes. O centro de Atenção psicossocial e as estratégias para inserção da família. Pelotas-RS, 2008.

  • SHIRAKAWA, Itiro; MARI, Jair J.; CHAVES, Ana Cristina; HISATSUGO, Marcelo. Family expectation, social adjustment and gender differences in a sample of schizophrenic patients. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 205-212, 1998.

  • SILVA, J. P.; OLIVEIRA, M. A. F.; BARROS, S. O Indivíduo dependente de substâncias psicoativas e a internação em hospital psiquiátrico. Mundo Saúde, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 299-304, mar. 2001.

  • TSU, TMJA. A internação psiquiátrica e o drama das famílias. São Paulo: EDUSP, 1993.

  • WAIDMAN, M. A. P.; GUSMÃO, R. Família e cronicidade da doença mental: dúvidas, curiosidades e relacionamento familiar. Família, Saúde e Desenvolvimento, v. 3, n. 2, p. 154-162, 2001.

  • WERNET, M. Mobilizando-se para a família: dando um novo sentido ao cuidar e à família. São Paulo: USP, 2001. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2001.

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