Representação social sobre saúde-doença entre escolares adolescentes Representación social sobre salud-enfermedad entre escolares adolescentes Social representation on health-disease among school adolescents |
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*Licenciado em Educação Física, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Mestrando em Enfermagem e Saúde (UESB) (Jequié, Bahia) **Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Doutor em Gestão e Política da Educação (UFBA) Professor adjunto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Jequié, Bahia) ***Licenciada em Educação Física. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) Especialista em Atividade Física para Populações Especiais (UESB) e Saúde Pública ****Enfemeira, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) Professora assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Jequié, Bahia) Mestre em Saúde Coletiva (UEFS) e doutoranda em Família na Sociedade Contemporânea – UCSAL |
Antônio Carlos Santos Silva* Roberto Gondim Pires** Adriana Glay Barbosa Santos*** Vilara Maria Mesquita Mendes Pires**** (Brasil) |
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Resumo O estudo trata das representações sociais de adolescentes escolares sobre o processo saúde-doença. Natureza qualitativa, abordagem exploratória e descritiva, em que a análise está pautada na elaboração de um objeto social pela comunidade. O estudo compreendeu entrevistas individuais com 14 adolescentes de 15 a 18 anos de idade, residentes e estudantes no município de Vitória da Conquista. Para a análise dos dados foi utilizado à técnica de análise de conteúdo segundo Bardin (2009), com definição de categorias de sentido. A pesquisa procedeu às diretrizes e normas da Resolução 196/96, envolvendo seres humanos. A partir da análise emergiram quatro categorias e subcategorias complementares: Bem-estar; Estilo de vida saudável; Ausência de doenças e mal-estar; e Estrutura e funcionamento dos serviços de saúde. A compreensão das representações sociais do processo saúde-doença por parte dos adolescentes apresenta, dialeticamente, estreita relação com as matrizes da ausência de doença e da compreensão ampliada de saúde. Unitermos: Adolescente. Saúde do adolescente. Assistência Integral à Saúde.
Abstract This study it deals with the social pertaining to school representation concerning the process health-illness. Research is qualitative, exploratory and descriptive, which the analysis is based on the development of a corporate community. The study included interviews with 14 adolescents aged 15 to 18 years old, residents and students in Vitória da Conquista. For the analysis of the data it was used to the technique of analysis of content according to Bardin (2009), defining categories of felt. The study proceeded to the lines of direction and norms from Resolution 196/96, involving human beings. From the thematic analysis emerged four additional categories and subcategories on: Wellness, Healthy lifestyle, absence of illness and malaise, and structure and functioning of health services. The understanding of the social representations of health and disease in adolescents has, dialectically, a close relationship with the headquarters of the absence of disease and the expanded understanding of health. Keywords: Adolescent. Health of the adolescent. Integral assistance to the health. Social representation.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 163, Diciembre de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A adolescência encarada como uma fase marcada por excentricidades e complexidades, tanto do ponto de vista do desenvolvimento biológico e maturacional como da interação e inserção social, caracteriza-se por um período de vulnerabilidade no âmbito da saúde, necessitando de políticas intersetoriais que englobem multiaspectos da vida social, com ênfase em seu desenvolvimento pleno e autônomo (COUTINHO, 2001).
Com a constituição e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), após o movimento da Reforma Sanitária Brasileira e da promulgação da Constituição Cidadã em 1988, em que a saúde foi definida como dever do Estado e direito de todos, essa temática toma novas vertentes, apoiadas nos auspícios da integralidade das ações e no caráter preventivo e educativo (BRASIL, 2005).
O Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD) e o Programa Saúde na Escola (PSE), instituídos respectivamente em 1989 e 2007, pelo Governo Federal, configuram-se como políticas de atenção à saúde do adolescente que vêm passando por diversas reformulações, evidenciando a urgência de reorientação de ações que foquem nas reais necessidades dos adolescentes.
Este estudo teve como objetivo primaz analisar quais as representações sociais sobre o processo saúde-doença de escolares adolescentes da rede pública de ensino de Vitória da Conquista-BA, apreendendo as representações e identificando quais as necessidades de assistência ao adolescente no contexto proposto.
O processo de adolescer
A adolescência constitui-se como um estágio de transição da infância para a vida adulta, sendo caracterizado como um período da vida em que ocorrem rápidas mudanças físicas, cognitivas e sociais, bem como à maturação sexual e reprodutiva (TRAVERSO-YÉPEZ; PINHEIRO, 2002; LEÃO, 2005).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência constitui-se enquanto processo fundamentalmente biológico de vivências orgânicas, no qual se aceleram o desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade. Compreende o período entre 10 e 20 anos de idade, sendo subdividido em pré-adolescência, entre a faixa etária de 10 a 14 anos, e a adolescência propriamente dita, dos 15 aos 20 anos (LIMA, 2008). Tal delimitação é imprescindível como requisito para orientação da investigação epidemiológica e na elaboração de políticas sociais e de saúde pública.
Do ponto de vista social, esta parcela da população deve ser encarada com significativa atenção e maior amplitude, na medida em que se constitui como um grupo vulnerável no que tange as necessidades, problemas e soluções eficazes, não devendo ser restringido a uma simples passagem para vida adulta.
Para Horta (2006, p. 21) a adolescência não pode ser encarada como uma fase estanque do tempo como preconizado por muitos, mas sim uma forma de ser-e-estar no mundo. Com a mudança do perfil demográfico da população brasileira, a adolescência passa ter caráter de vulnerabilidade, com um aumento exponencial de mobimortalidade. A alimentação inadequada, o sedentarismo, as condutas sexuais dentre outros fatores não menos importantes, os remetem a um padrão epidemiológico de significativo risco, caracterizando-os como indivíduos propensos a agravos na saúde, a curto e longo prazo.
Para Horta (2006), alguns dos problemas que estão no universo do adolescente diz respeito a: gravidez indesejada, aborto, doenças sexualmente transmissíveis, dificuldades escolares, antecipação da responsabilidade pelo trabalho, uso indiscriminado de drogas, acidentes de trânsito, homicídios, suicídios e a própria violência ascendente na contemporaneidade.
Processo saúde-doença
O conceito de saúde e, em consonância, do processo saúde-doença, acompanha a dinâmica sociocultural em que a sociedade está inserida. Estão diretamente correlacionados às conjunturas socioeconômicas, política e cultural, refletindo valores, aspirações, construções coletivas, estratificação de classes e de valores individuais, bem como concepções científicas, religiosas, filosóficas (SCLIAR, 2007). Em momentos determinados pela história humana, sempre esteve ligado ao conhecimento produzido, acumulado e perpassado pelos paradigmas que rege a vida social.
Para Almeida et al (1998, p.13), o processo saúde-doença compreende todos os condicionantes e variáveis que estão interrelacionados historicamente às questões da doença e saúde, denotando a produção cultural do contexto em particular, pois “representa o conjunto de relações e variáveis que produz e condiciona o estado de saúde e doença de uma população, que se modifica nos diversos momentos históricos e do desenvolvimento científico da humanidade”.
O modelo hegemônico medico-assistencial-privatista que reinou em meados do século passado em todo o mundo, em especial no Brasil, foi o responsável pela consolidação da idéia de saúde como ausência de doença, ponto chave para o entendimento das representações e implementações de políticas voltadas para a assistência à saúde (TEIXEIRA; PAIM; VILASBÔAS, 1998).
A partir da Reforma Sanitária Brasileira crescente e consolidada nos anos 80, que culminou com a rediscussão e reorganização da atenção a saúde no Brasil, apresentada concretamente na construção da Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, a temática saúde é reorientada e passa ter um caráter estatal e universal. Sendo entendida como direito de todos e dever do Estado, a saúde vai abranger o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, com regionalização e hierarquização, descentralização com direção única em cada esfera de governo, participação da comunidade e atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas.
Nessa perspectiva, o paradigma que considera o processo saúde-doença como resultante de fatores biopsicossociais é ratificada pela Lei Orgânica 8080/90, que engloba a definição de saúde determinada por multifatores e condicionantes, como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais (BRASIL, 1990).
Metodologia
Esta pesquisa foi desenvolvida numa abordagem qualitativa, numa aproximação com os pressupostos da Teoria das Representações Sociais (TRS), em que o enfoque tem como desígnio a compreensão do saber do senso comum. O estudo em questão foi realizado no município de Vitória da Conquista, situada na região sudoeste do Estado da Bahia.
Enquanto abordagem metodológica escolhida para o conhecimento das nuances do problema referido, a TRS está pautada na construção do pensamento muscoviciano, que a enfoca, invariavelmente, como a elaboração de um objeto social pela comunidade. Delineada enquanto teoria descritiva e conceitual, esta teoria advoga investigação advinda de um pressuposto psicossociológico, englobando os domínios do objeto social como “uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2001: 32), favorecendo, dessa maneira, a apreensão das representações sociais sobre saúde-doença entre adolescentes.
Participaram do estudo 14 adolescentes de 15 a 18 anos, residentes num bairro periférico do município, matriculados na rede de educação básica pública local e sem plano de saúde privado. Os dados foram coletados através da aplicação de uma entrevista aberta, estando os informantes acolhidos em ambiente cedido pela instituição escolar, propício para a gravação e desencadeamento da mesma.
A partir dos discursos oriundos das entrevistas, foi iniciado o procedimento de análise de conteúdo, modelo de categorias de Bardin (2009), que consistiu na identificação de núcleos de sentido presentes/freqüentes que integram uma comunicação, com significado para o objeto analítico em questão. Preconizaram-se os passos: pré-análise, exploração e tratamento dos resultados, e formulação de categorias e sub-categorias.
O projeto procedeu às diretrizes e normas da Resolução 196/96, enfocando a pesquisa envolvendo seres humanos, sob processo 023/2010 no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, embasada nos princípios prioritários da autonomia, do anonimato e privacidade dos sujeitos, e da liberdade para participar voluntariamente do estudo. Foi encaminhado ofício à Diretoria Regional de Educação de Vitória da Conquista, solicitando liberação para desenvolver a pesquisa.
A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para menores de 18 anos foi realizada por seus responsáveis, que foram convidados a comparecer na instituição escolar para esclarecimento e posterior assinatura do termo referido.
Resultados e discussão
A análise das falas dos sujeitos deu origem à construção de quatro categorias e subcategorias complementares, em íntima correlação entre as mesmas e com o objetivo do estudo: bem-estar; estilo de vida saudável; ausência de doença e mal-estar; e estrutura e funcionamento dos serviços de saúde. As unidades temáticas que discorrem sobre as representações sociais do processo saúde-doença estão expressas nas categorias e subcategorias a seguir.
Quadro 1. Análise temática sobre representações sociais do processo saúde-doença entre adolescentes escolares de Vitória da Conquista-BA, 2010.
Categoria I. Bem-estar
Nesta categoria englobam-se as impressões sobre saúde, tanto do ponto de vista da definição clássica da OMS, como também do conceito de saúde numa visão ampliada, envolvendo multiaspectos da vida social.
Subcategoria I.1. Bem-estar físico, mental, social e espiritual
Esta subcategoria engloba a definição clássica de saúde promulgada na carta de princípios de 1948. Envolve o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado quanto à promoção e prevenção da saúde, entendendo a saúde como “o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. Envolve, dessa forma, uma noção subjetiva de bem-estar que abarca desde as necessidades biológicas, psicológicas e sociais, trazendo, neste sentido, uma noção de completo bem-estar como uma condição de satisfação destas necessidades, de forma abrangente, perfeita.
Outrossim, mantém estreita relação com a categoria do estilo de vida saudável, traduzida pela necessidade de manutenção de um estado de bem-estar espiritual, pautado na alegria, nas relações saudáveis de convivência e na manutenção de estilo saudável. Assim, as seguintes unidades de análise explicitam a vinculação da saúde como bem-estar físico, mental e social, na medida em que relacionam saúde à:
[...] Pra falar de saúde são os bons momentos [...] Alguma coisa que você gosta de fazer (Adol 11)
[...] Saúde é isso pra mim, felicidade, alegria e é tudo isso (Adol 06)
Saúde é como se a pessoa tivesse com o seu corpo físico e mental sem nenhum problema [...] (Adol 01)
[...]É a junção do bem-estar psicológico e físico, porque não basta estar bem psicologicamente e fisicamente estar mal (Adol 04)
É você está se sentindo bem, mental, físico e socialmente [...] (Adol 10)
[...] Então, isso também faz parte da saúde, ter não só do corpo, mas espiritualmente (Adol 09)
A partir da década de 70 do século XX, com ascensão da crítica a concepção de saúde e sua operacionalização reformula-se tal concepção com a contribuição de Marc Lalonde, ampliando e abarcando seu conceito a diversos fatores que intervêm sobre a saúde, e sobre os quais a saúde pública deve, por sua vez, intervir.
[...]Assim, ter saúde não seria uma coisa exata porque saúde pode vir de diversos fatores [...] é uma questão bem ampla (Adol 04)
Portanto, Lalonde aponta que o campo da saúde deve abranger a parte biológica, ambiental, o estilo de vida e a organização da assistência à saúde (SCLIAR, 2007).
Subcategoria I.2. Múltiplos fatores da vida
Esta subcategoria apresenta a especificidade de transcender em relação ao conceito de completo bem-estar. Trás, sobremaneira, a possibilidade de englobar multifatores associados à questão da saúde, que devem ser considerados na compreensão desta enquanto fenômeno dinâmico, atrelado as condições sociais que os indivíduos estão inseridos.
Lima (2008) aponta para o paradigma contemporâneo do processo saúde-doença, pautado na teoria da multicausalidade e epidemiologia, que vem extrapolar a concepção estrita por domínios da saúde e da doença, conferindo-os enquanto estados de um mesmo processo, composto por fatores biológicos, econômicos, culturais e sociais.
[...] Os outros fatores são relacionados à questão de segurança e outros mais [...] (Adol 04)
As necessidades? O adolescente precisa muito de lazer, porque é o que mais falta em todos os bairros, e saúde, né? [...] (Adol 08)
[...] A rua não tem asfalto, tem poeira, esgoto fedendo (Adol 13)
[...] Pra vim nas casas cuidar mais, olhar mais, sabe? [...] e vim cuidar mais daqui do nosso meio ambiente. (Adol 12)
[...] Pra nós jovens faltam, assim, ter uma saúde boa, uma questão de relacionamento legal com nosso bairro (Adol 06)
Tais aspectos estão relacionados às necessidades cotidianas que os indivíduos defrontam-se como moradia, transporte, segurança, assistência médica, condições de trabalho e remuneração, educação, opções de lazer, meio-ambiente dentre outros. Para Almeida et al (1998), tal processo deve compreender todos os condicionantes e variáveis que estão interrelacionados historicamente às questões da doença e saúde, denotando a produção cultural do contexto em particular.
Minayo (1988), em estudo sobre concepção popular da etiologia e do processo saúde-doença aponta como um dos “domínios de causação” de doenças a relação existente entre homem/ambiente. Nessa perspectiva, a visão de saúde-doença é pluralista, ecológica e holística.
Categoria II. Estilo de vida saudável
Esta categoria traz os componentes do estilo de vida enquanto condicionantes do processo saúde-doença, expressando o conjunto de ações habituais que refletem as atitudes, os valores e as oportunidades na vida das pessoas, constituindo-se como elo fundamental na compreensão e intervenção sobre o processo saúde-doença.
Subcategoria II.1. Prática de atividade física
O sujeito ativo predispõe o organismo a uma série de transformações, sejam antropométricos, metabólicos, fisiológicos e psicológicos, favorecendo desenvolvimento mais coeso e harmônico, tendendo a manutenção de um estilo de vida mais saudável. Evidências científicas têm demonstrado uma inversa associação entre a prática de atividade física regular e o surgimento de morbimortalidades, bem como apontam o sedentarismo como causa direta de comportamento de alto risco e precursora de doenças hipocinéticas. (POLLOCK; WILMORE, 1993; PITANGA, 2001)
No discurso dos entrevistados, a representação da atividade física enquanto promotora de saúde é marcante, conforme as unidades de análise:
[...] Creio que uma das formas que a gente consegue mostrar uma pessoa com saúde é a prática de esportes. [...] (Adol 01)
Saúde pra mim é você ter bastante força! Você acordar cedinho pra correr, que é tão bom. Você ser forte, persistente. (Adol 06)
[...] No caso, você praticando algum esporte, alguma coisa de saúde, alguma coisa que você gosta de fazer [...] (Adol 11)
[...] Pra mim o que falta pra nós jovens são mesmo uma quadra poliesportiva pra nós treinar, nós brincar, bater um babinha no final da tarde. (Adol 06)
É perceptível a associação entre atividade física e saúde, que delineia-se nos discursos e propagandas midiáticos, e que, é assimilado ao conhecimento coletivo como uma construção cultural significativa. Para Cromack, Bursztyn e Tura (2009) quando a mídia veicula e valoriza a prática de atividade física como promotora de saúde, influenciarão notadamente na organização do sistema periférico da representação social de saúde dos adolescentes.
Subcategoria II.2. Alimentação saudável
A mudança dos hábitos alimentares não saudáveis configura-se como uma das nuances pela manutenção de estilo de vida adequado. Envolve segurança alimentar e direito a alimentação, bem como uma reeducação quanto ao consumo, em variedade, quantidade e qualidade de alimentos no dia-a-dia. Nas unidades de análise, observa-se a alimentação como aspecto importante do estilo de vida na busca e manutenção da saúde.
Saúde para mim é ter uma vida saudável, ter uma alimentação saudável. (Adol 14)
[...] Tipo alimentação não saudável [...] (Adol 01)
Minayo (1998) explicita a importância da alimentação para a concepção e alcance de saúde, com base na representação que está estruturada no seio social. O desequilíbrio advindo da relação entre necessidade, segurança alimentar e disponibilidade de alimentos constitui-se como uma fonte de representação das causas de doenças.
Subcategoria II.3. Prevenção de doenças
Entendendo a prevenção enquanto um dos processos que devem estar pautados todas as ações de saúde, é perceptível que as representações sobre esta subcategoria apontam para a necessidade de efetivação de uma política de atenção ao adolescente:
[...] Eu acho que devia ter mais uma atenção voltada mais para o adolescente, porque é coisa que não tem, porque acha que só porque o adolescente está naquela idade, que tá forte e tal, e foca mais nas crianças e nos idosos... E adolescente fica mais de lado[...] (Adol 03)
Pra mim, doença é uma coisa assim... Muito perigosa. É como uma arma na mão de um bandido, pode nos matar. Se a gente não cuidar, não tratar pode acabar conosco. (Adol 06)
O entrevistado 08 aponta para essa multiplicidade de aspectos que envolvem a questão da saúde, identificando grupos vulneráveis no que tange ao risco de adoecimento e comprometimento com a saúde, conforme unidade de análise abaixo. Nota-se a afirmação que o jovem é um sujeito que esbanja saúde e que não se preocupa com a prevenção.
Saúde. Vem mais os jovens, né? Porque a maioria dos jovens, agora, tem saúde. São os que menos se preocupam, mas os que mais tem, né? (Adol 08)
O PROSAD enquanto política de assistência a saúde do adolescente deve articular-se com a atenção primária a saúde, tendo na integralidade seu princípio mor, que deve caracterizá-lo pelo enfoque preventivo e educativo, visando garantir aos adolescentes o acesso à saúde, com ações de caráter multiprofissional, intersetorial e interinstitucional, buscando reduzir a morbimortalidade e os desajustes individuais e sociais.
Subcategoria II.4. Relação com a família
A relação que é estabelecida dentro de uma unidade familiar, complexa, permeada de dinamicidade, assimilação e transmissão intergeracional, constitui-se como a base das construções das relações e redes sociais que estabelecem a supremacia do grupo de pertença (SILVA et al., 2008). As unidades de análise a seguir explicitam tais aspectos:
[...] Ah, é estar bem com a família. (Adol 09).
Falar de saúde são os bons momentos, no caso, a gente tá bem com a família ou tendo alguma coisa relacionada a isso. (Adol 11).
Saúde é você não adoecer muito, é ficar feliz [...] É ficar junto da família... pessoas que é feliz tem saúde, a maioria. (Adol 08).
Incluir a família no plano de cuidados tem sido apontado como uma das maiores possibilidades de intervenção na área da saúde, corroborando para um maior entendimento dos processos referenciais que traduzem a relação familiar, e sua correlação com o processo saúde-doença.
Categoria III. Ausência de doença
Essa categoria, que permite uma compreensão naturalística do processo saúde numa visão estritamente cartesiana, foi desenvolvida por Christopher Boorse no final da década de 70 do século XX, que caracterizava saúde enquanto a simples ausência de doença.
No discurso de um entrevistado fica explicito a conformação da representação de saúde enquanto ausência de doença, fornecendo subsídios sobre sua conduta e apreensão do processo saúde-doença, conforme explicitado na unidade temática a seguir:
Ter saúde é não ter doença. [RISOS] (Adol 13).
Dentro dessa subcategoria ainda pode-se refletir sobre o processo saúde-doença como função/disfunção da homeostase orgânica, remetendo a questão da capacidade e vigor, próprias do componente físico e em consonância com o aspecto biológico, como observado em várias unidades de análise, como se observa:
Saúde-doença é a capacidade do corpo tá ali saudável, disponível pra pessoa poder fazer o que quiser, né? Poder sair, jogar bola, sem tá com nenhum tipo de doença. Doença pra mim acho que o contrário disso, quando a pessoa tem alguma impossibilidade, alguma debilitação no corpo, na saúde. (Adol 05).
[...] Doenças é aquilo que você deixa ultrapassar seu corpo, né? [...] (Adol 07).
Nery et al. (2009) aponta uma concepção de saúde por parte de adolescentes focada na noção de funcionamento adequado do organismo como um estado de equilíbrio, de ajustamento dinâmico e satisfatório do organismo, uma resposta ativa do organismo no sentido do reajustamento frente a processos disfuncionais. Afirma que, nessa perspectiva, tanto a saúde quanto a doença pode ser pensada em uma escala graduada.
Categoria IV. Estrutura e funcionamento dos serviços de saúde
Esta categoria congrega aspectos referentes ao entendimento do processo saúde-doença em consonância direta com a infra-instrutura, funcionamento, acesso e recursos humanos disponíveis nos serviços de saúde, perfazendo a parte estrutural deste contexto. A Constituição Brasileira evidencia o acesso aos bens e serviços essenciais de saúde como um dos fatores que estão relacionados à saúde, enfatizados através de um acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde (BRASIL, 1990).
Subcategoria IV.1. Ter posto de saúde
Nesta subcategoria, encontram-se os sentidos da expressão de vinculação do posto de saúde com a saúde da população. Quando o serviço não consegue atender ao cidadão, devido uma demanda sempre crescente, torna-se necessário ampliá-lo, de forma que possa garantir a integralidade e resolutividade de sua atuação.
[...] O posto de saúde... Porque aqui só tem um em nosso bairro, sabe! E pra ir pra outro bairro é distante, então acho que devia ter mais um posto de saúde aqui [...] (Adol 12).
Muitas são as controvérsias em torno da terminologia acesso e acessibilidade, sendo que ambas estão relacionadas à utilização dos serviços. De uma forma mais geral, prevalece a idéia de que acesso é uma dimensão do desempenho dos sistemas de saúde associada à oferta, ao passo que acessibilidade é definida como uma característica da oferta de serviços de saúde ou do ajuste entre a oferta e a população.
[...] Eu acho que a saúde pública tá muito ruim, porque não tão mais se importando com saúde. Investir em saúde [...] E quando a gente fica doente é muito difícil encontrar vagas, encontrar coisas pra gente ir. (Adol 08).
Apontar que as questões pertinentes ao processo saúde-doença e sua representação estão atreladas as condições e estrutura do serviço de saúde, significa pensar que, o indivíduo projeta sobre os fenômenos diários presentes em seu contexto particular, suas necessidades, angústias e perspectivas, conforme a unidade de análise abaixo:
[...] A questão de trabalho hospitalar que há em geral no Brasil. Os prós e contras. A questão de ação dos funcionários em um local, a questão de como as pessoas obtém o atendimento e também a estrutura, a infra-estrutura [...] (Adol 04).
Subcategoria IV.2. Acessibilidade ao serviço de saúde
Em complementaridade com a oferta de serviço de saúde básico, o acesso designa a garantia que o sujeito vai ser atendido, de forma integral, em suas necessidades de saúde, específicas e não menos importantes que em outros grupos vulneráveis, tais como crianças, idosos e gestantes, a partir do ajuste entre a oferta e a demanda da população.
Alguns princípios e diretrizes devem ser considerados na organização da atenção a saúde do adolescente: adequação dos serviços de saúde às necessidades específicas de adolescentes e jovens; respeito às características da atenção local vigente; recursos humanos e materiais disponíveis; respeito às características socioeconômicas e culturais da comunidade; perfil epidemiológico da população local; e participação ativa dos adolescentes e jovens no planejamento, no desenvolvimento, na divulgação e na avaliação das ações (BRASIL, 2005).
[...] Acessibilidade a serviços. É isso, você falou ai, é uma garantia que ele vai ter essa assistência [...] (Adol 05)
[...] Sim, bastante. E já voltamos de lá sem sermos atendidos também (Adol 06)
[...] Aí o jeito é socorrer no maldito posto (Adol 02)
[...] Sei onde fica porque eu já precisei ir muitas vezes. [RISO] Ruim o atendimento, mas é o que sustenta a gente quando a gente tá doente, né? [...] (Adol 08)
Vários entrevistados apresentam representações negativas sobre a acessibilidade e resolutividade na atenção as necessidades e problemas em saúde, conformando-se enquanto uma ambigüidade, isto é, eles têm possibilidade de ir ao serviço, mas não tem garantia de atendimento, sobremaneira, quanto à resolutividade.
A violação de direitos assegurados perante a Constituição e, mais especificamente, dos adolescentes no tocante a disponibilização de serviços de saúde, traz à tona a questão de ser o adolescente também um sujeito de prioridades, em consonância com a portaria do Ministério da Saúde nº 980/1989, reconhecendo que “os adolescentes têm direito à saúde, sendo dever do Estado possibilitar este acesso, de forma universalizada, hierarquizada e regionalizada, dentro dos preceitos do SUS” (BRASIL, 1989b).
[...] Não, além de ressaltar que deveria-se assistir mais a necessidade dos jovens que vivem nesses bairros adjacentes que tem muita necessidade desses serviços [...]Falta de muitos direitos que constituem os direitos e deveres dos adolescentes. Falta de também ser mais assistido, de ser mais... Não vou dizer respeitado, mas me foge a palavra. (Adol 05)
[...] Mas eu creio que deveria ser uma prioridade os adolescentes, os jovens, nessa questão de saúde. Coisa que geralmente não acontece. Aí você vê muitas noticias de postos cheios. É difícil você vê um jovem com essa prioridade. Atendimento (Adol 07)
A identificação dos principais problemas, a seleção de prioridades e a definição de estratégias de atuação devem fazer parte de um processo que envolva adolescentes, jovens, familiares e profissionais de diferentes setores. A equipe de trabalho deve está pautada na inter e multidisciplinaridade, enfatizando a qualificação e educação permanente como um dos pontos chaves para atendimento focado na integralidade do cuidado (LEÃO, 2005).
Travassos e Martins (2004) ressaltam a importância da distinção entre os modelos explicativos da saúde e do uso de serviços de saúde. Para os autores, saúde deve ser entendida como um fenômeno bem mais amplo que a doença e não se explica unicamente pelo uso de serviços de saúde. Desta forma, a saúde da população não resulta diretamente da ação dos sistemas de saúde, e sim, de múltiplos fatores associados e interelacionados.
Subcategoria IV.3. Acompanhamento médico
O acompanhamento médico, em associação as outras duas categorias supracitadas, compõe o quadro final desse processo: precisa-se de mais unidades de saúde, que possa garantir a acessibilidade à população no que se refere às ações e serviços de saúde e que tenha atendimento médico. Assim, o médico insurge como figura central desse processo, com conhecimento técnico capaz de sanar todas as dificuldades existentes com contexto proposto. As unidades de análise ratificam tal representação:
Saúde para mim é ter saúde, passar sempre no médico. (Adol 14)
[...] Um melhor atendimento médico, porque as filas nos postos de saúde são muitas e a grande maioria deixar de ser atendimento por conta disso. (Adol 10)
Salienta-se a figura central do médico enquanto profissional da atenção. Entretanto, dentro dos auspícios de uma nova conjuntura da saúde publica brasileira, entende-se que esta representação ainda está ligada ao preceito imperativo do modelo de atenção hegemônico médico-assistencial-privatista. Configura-se como ponto central de reflexão, na medida em que a idéia contemporânea de assistência no SUS foi remodelada e pauta-se em um atendimento multiprofissional, com referência e contra-referência, de forma a garantir a integralidade da atenção com resolutividade (TEIXEIRA; PAIM; VILASBÔAS, 1998).
Os adolescentes 02 e 04 trás nova temática dentro desta subcategoria, apontando a falta de medicação como situação comprometedora da saúde da população.
Falta! Falta médico, falta remédio, você tem que arrumar dinheiro de qualquer jeito pra poder comprar os remédios (Adol 02).
[...] A questão [...] de como as pessoas obtém o atendimento e também [...] medicamentos. (Adol 04)
Esta unidade de análise apóia-se nos pressupostos da disponibilização de medicamentos como estratégia de obtenção de saúde da população a partir das necessidades específicas de cada contexto, enfocando o acesso ao medicamento. A Política Nacional de Medicamentos (BRASIL, 2001:9) constitui-se como “um dos elementos fundamentais para a efetiva implementação de ações capazes de promover a melhoria das condições da assistência à saúde da população”.
Considerações finais
Os resultados deste estudo apontam para a compreensão das representações de adolescentes escolares, socialmente construídas, na perspectiva de entendimento sobre as nuances que permeiam o significado do processo saúde-doença, e concomitantemente, com os cuidados em saúde.
Assim, com base no estudo realizado, é perceptível a compreensão das representações sociais do processo saúde-doença por parte dos adolescentes, paradoxalmente, em consonância com o pensamento hegemônico de saúde enquanto bem-estar e ausência de doenças, bem como da compreensão mais ampliada da questão da saúde e seus determinantes sociais, evidenciando de forma emblemática às ações e serviços de saúde que devem estar disponibilizados os adolescentes.
Tomando a saúde-doença enquanto objeto social passível de análise, torna-se imprescindível a compreensão das representações sociais de adolescentes sobre esse processo e os determinantes sociais de saúde por parte de gestores, profissionais de saúde e comunidade organizada, de forma a contribuir para a avaliação, planejamento de ações e metas, bem como da própria implementação de uma política pública intersetorial que venha garantir para esta parcela da população, muitas vezes negligenciada de atenção, uma intervenção concreta, pautada em pressupostos da promoção e prevenção da saúde.
Muitos são os desafios relacionados ao atendimento dos adolescentes, seja na formação profissional, no plano institucional ou até na implementação propriamente dita de uma política integral para essa clientela. Os seguintes desafios estão postos: a garantia de prioridade para os adolescentes nas unidades de saúde, levando em consideração as características inerentes ao adolescer e as questões de gênero; adequação dos serviços e ações de saúde para favorecer a captação e adesão dos adolescentes, priorizando as atividades de grupo e a promoção da saúde; e a condição socioeconômica dos adolescentes.
Referências
ALMEIDA, E. S. et al. Distritos Sanitários: Concepção e Organização. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 1998.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa – Portugal: Edições 70, 2009.
BRASIL. Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 1990.
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