Análise eletromiográfica dos músculos dos membros inferiores no movimento da pedalada: uma revisão bibliográfica Análisis electromiográfico de los músculos de los miembros inferiores en el movimiento de pedalear: una revisión bibliográfica |
|||
Laboratório de Pesquisa do Exercício, Escola de Educação Física Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS (Brasil) |
Ricardo Barbedo Mesquita Filho Flávio Antônio de Souza Castro |
|
|
Resumo O objetivo deste estudo foi buscar e revisar dados, informações e conceitos relativos á biomecânica do ciclismo, focando na participação dos músculos dos membros inferiores na ação da pedalada. Análises cinemáticas e cinéticas são realizadas de forma conjunta à análise eletromiográfica no ciclismo. Há diversidade de ativação e período de ativação entre os músculos do quadril joelho e tornozelo durante a pedalada. Músculos uniarticulares parecem ser mais relacionados à produção de força-potência e músculos bi-articulares à transmissão de força-potência entre as articulações. Fatores como fadiga, arquitetura muscular e composição de fibras interferem na ativação dos músculos durante o ciclo da pedalada. Unitermos: Ciclismo. Músculos. Eletromiografia. Pedalada.
Este trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Cinesiologia, na forma de um artigo de revisão, foi formatado segundo as normas da Revista Brasileira de Biomecânica.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 163, Diciembre de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
1. Introdução
O ciclismo é uma modalidade esportiva de movimento sincronizado de múltiplas articulações em cadeia cinética fechada, cuja força produzida pelos músculos da região lombo-pélvica e membros inferiores é transmitida ao pedivela para propulsar a bicicleta (ALENCAR, 2010).
Há diversas formas de praticar o ciclismo, dentro ou fora de ambientes. Existem diversas modalidades de ciclismo, tais como, ciclismo road, ciclismo de Moutain bike (MTB), Donwhill, ciclismo de velódromo, Bicicross ou BMX. Dentro das academias praticantes buscam também o ciclismo indoor, realizado em bicicletas estacionárias com a utilização de carga ajustável. Assim, é percebido um grande movimento em direção à prática do ciclismo em ambientes fechados, o que pode ser explicado pelo êxodo dos praticantes de ciclismo em busca de segurança, por condições climáticas desfavoráveis, treinamento, praticidade e distanciamento do trânsito dos grandes centros urbanos (SILVA, 2006), além do interesse por parte dos praticantes, pelo grande potencial da modalidade nos processos de emagrecimento e condicionamento físico (SILVA, 2006). Mesmo assim, a grande maioria das publicações na área do ciclismo está relacionada ao ciclismo de competição, praticado por ciclistas e/ou triatletas. Considerando que o movimento é o mesmo, possivelmente os achados científicos publicados, até então, podem ser transferidos para as práticas indoor, melhorando as condições desta prática e possibilitando melhores adaptações a seus praticantes.
O movimento do ciclista é cíclico e repetitivo, identificado pela pedalada, que consiste na rotação completa do eixo do pedal em torno do eixo central da bicicleta, (NABINGUER, ITURRIOZ & TREVISAN, 2003). Segundo HULL & RUBY (1996), a pedalada pode ser considerada um gesto motor tridimensional complexo, compreendido no plano sagital pela flexão e extensão do joelho, quadril e tornozelo, a abdução e adução do quadril no plano frontal e, conseqüentemente, a rotação da tíbia no plano transversal.
Análise cinemática no ciclismo é responsável pela descrição dos parâmetros temporais, espaciais e espaços-temporais do gesto motor da pedalada sem levar em consideração as forças que se aplicam sobre os pedais durante o movimento (SCHROEDER, 2005). Diversas descrições do ciclo da pedalada são encontradas na literatura: de acordo com CARPES et al. (2005), a cinemática da pedalada se constitui de uma fase de propulsão (0-180°) e uma fase de recuperação (180°-360°). Já para STAPELFELDT & MORNIEUX (2005), a análise é em uma divisão do ciclo em quatro etapas: impulso (315-45º), compressão (45-135º), retorno (135-225º) e puxada (225-315º). De modo mais simples, a proposta de análise em duas fases, como apresentada por CARPES et al. (2005), ainda subdivididas em quatro quadrantes (0-90º, 91-180º, 181-270º e 271-360º) parece ser a mais didática para a compreensão do movimento e posterior análise cinética e eletromiográfica do mesmo.
Utilizada de maneira conjunta com análises cinemáticas e cinéticas, a análise eletromiográfica fornece informações sobre como o sistema nervoso central controla o movimento humano (CANDOTTI 2003). Para ARAÚJO (2002), a eletromiografia de superfície (EMG) pode ser definida como o estudo da função muscular através da analise do sinal elétrico emanado durante a contração muscular.
Essa técnica tem sido muito usada para decifrar a respostas do sistema nervoso central e sistema muscular durante o ciclismo, proporcionando informações quanto ao recrutamento de unidades motoras, mediante a amplitude do sinal eletromiográfico, que pode ser representada pelo valor root mean square (RMS) (OKANO et al. 2005). Exemplo da aplicação da eletromiografia no ciclismo é o estudo de BINI, et al. (2007), que avaliaram a ativação muscular dos membros inferiores durante o ciclo da pedalada em diferentes posições: (1) de preferência do atleta, (2) abdução e (3) em adução do quadril, observaram que dentre sete músculos analisados, apenas o adutor longo do joelho apresentava aumento significativo na ativação muscular na posição tangenciada do joelho em relação ao quadro da bicicleta.
Grande parte das pesquisas, na área, refere-se às funções de músculos biarticulares e monoarticulares como flexores e extensores das articulações envolvidas no gesto da pedalada e referem que os músculos biarticulares apresentam maior variabilidade de ativação do que os músculos monoarticulares (GREGOR 2000). Por exemplo, DIIEFENTHAELER, et al. (2008) avaliaram a ativação muscular durante a pedalada em diferentes posições do selim. Observaram que o músculo reto femoral (RF), biarticular, apresenta ativação tanto na extensão do joelho (1° quadrante) quanto no quarto quadrante, como flexor do quadril, enquanto os músculos monoarticulares extensores do quadril, joelho e tornozelo apresentam uma grande ativação na fase de propulsão e os músculos monoarticulares Tibial anterior (TA) aumentam na fase de recuperação e os posteriores da coxa apresentam maior atividade entre 90 e 135° do ciclo da pedalada.
VAN INGEN SCHENAU et al (1992), sugerem, que no ciclismo, os músculos biarticulares são responsáveis, principalmente, em controlar a direção da força produzida e sua transferência aos segmentos adjacentes durante o movimento articular, enquanto os músculos uniarticulares são essencialmente responsáveis por contribuírem na produção de força. Segundo GREGOR (2000), o padrão de atividade muscular tem demonstrado que a maior atividade muscular ocorre durante a fase de propulsão, quando toda a energia necessária para pedalar é transferida para o pedivela.
GREGOR (2000) demonstra que durante o ciclo inteiro da pedalada (0-360°), os músculos, principalmente extensores de quadril e joelhos conjuntamente com os flexores plantares, atuam na propulsão do pedal, enquanto músculos como os flexores do quadril e flexores dorsais do tornozelo realizam a fase de recuperação reposicionando o membro inferior no ponto neutro superior contribuindo para a tarefa que está sendo primordialmente desempenhada pela outra perna.
A identificação da ação muscular durante a pedalada através de métodos avaliativos é primordial para a melhora na técnica e prescrição de treinamentos de atletas.
Portanto o presente estudo tem como objetivos buscar e revisar dados, informações e conceitos, para ciclistas, professores, treinadores e pesquisadores que queiram compreender as respostas musculares dos membros inferiores no movimento da pedalada.
2. Matérias e métodos
Foram realizadas buscas nas bases Scopus, Google Acadêmico e Medline com os termos: ciclismo, cinemática, cinética, eletromiografia, músculos dos membros inferiores, em língua portuguesa e em língua inglesa. De modo complementar foram utilizados os operadores booleanos and e or. O acervo de teses, dissertações e trabalhos de conclusão de cursos de graduação e especialização da biblioteca da Escola de Educação Física da UFRGS também foi alvo da pesquisa. Não se limitaram os anos de busca.
3. Eletromiografia nos músculos dos membros inferiores durante a pedalada
Diversos estudos (VAN INGEN SCHENAU et al, 1992; GREGOR, 2000; CANDOTTI et al, 2005) tem sido realizados no sentido de se entender a participação dos músculos dos membros inferiores durante a pedalada. O estudo de Jorge & Hull (1985), com a utilização de eletromiografia de superfície em oito músculos exemplifica a disposição temporal da ativação, esse resultado está demonstrado na Figura 1, adaptada de Jorge & Hull (1985).
Figura 1. Representação eletromiográfica da média atividade muscular. Fonte: Adaptado de Jorge & Hull, p 689, 1985.
A ação do músculo glúteo máximo inicia imediatamente antes do 0° tendo seu pico de ativação aos 55° (KELLMANN & KALLUS, 2001). Seu trabalho de extensão de quadril compreende de 0° a 120°. Os músculos ísquios-tibiais participam da extensão do quadril na fase propulsora e na fase de recuperação (SANNER & O’HALLORAN, 2000). Os músculos semimembranoso e semitendinoso são ativados logo na primeira fase da propulsão com pico de ativação aos 90°, o músculo bíceps femoral é o mais variável dos três músculos que compõem os ísquios-tibiais (KELLMANN & KALLUS, 2001).
O gastrocnêmio possui o maior tempo de ativação entre todos os músculos durante o ciclo, ativado por volta dos 35° (KELLMANN & KALLUS, 2001); (TIMMER, 1991) estendendo aos 270° (KELLMANN & KALLUS, 2001), tendo seu pico por volta de 107° (KELLMANN & KALLUS, 2001). O sóleo antecede sua ativação em relação ao gastrocnêmio, aproximadamente dos 27° aos 145° (KELLMANN & KALLUS, 2001); (TIMMER, 1991) com pico ao 90°.
Na fase de propulsão os músculos do quadríceps e os músculos posteriores da coxa trabalham conjuntamente, isto devido ao trabalho em cadeia cinética fechada explicada pelo paradoxo de Lombard, pelo qual flexores e extensores trabalham em sinergia (ALENCAR, 2010). Devido ao torque extensor gerado pelos ísquios-tibiais no quadril ser maior que o torque flexor gerado pelo reto femoral na mesma articulação e o torque extensor gerado pelo quadríceps no joelho ser maior que o torque flexor produzido pelos ísquios-tibiais. (ALENCAR, 2010).
Antes mesmo de passar pelo ponto morto (0°) o quadríceps ativa-se a partir da segunda metade da fase de recuperação estendendo até 120°, sendo o principal propulsor do movimento do pedivela. O músculo reto femoral tem sua atividade antecedida aos vastos medial e lateral (KELLMANN & KALLUS, 2001), este contribui na fase da propulsão, por volta de 0°-120° e logo após 270°-0° na fase de recuperação (HULL & JORGE, 1985), isto devido a sua localização biarticular, que o faz atuar também como flexor do quadril. Este músculo produz 4% do trabalho muscular do quadríceps (ERICSON, 1986).
Os músculos, quando produzem força na execução do movimento são considerados essenciais. Em alguns casos o trabalho isolado não tem eficácia, mas em sinergia, músculos agonistas no movimento atingem um determinado objetivo. Em sinergia o sóleo e o gastrocnêmio são co-ativados, sendo responsáveis diretos pela propulsão. Segundo ZAJAC et al. (2002), o reto femoral e o tibial anterior do membro inferior contra lateral atuam na fase de recuperação, assim trabalhando juntos para a movimentação do pedivela. Por meio desta ação os flexores plantares mantém sua função e não permitem que o tornozelo, durante a extensão do quadril, seja dorsifletido tendo diminuição do torque devido à perda parcial de força aplicada pelo glúteo (ZAJAC, NEPTUNE & KAUTZ, 2002).
Estudo realizado por CANDOTTI et al. (2005) selecionou ciclistas e triatletas com o objetivo de analisar a amplitude do sinal eletromiográfico e o período de ativação de seis músculos do membro inferior: glúteo máximo (GM), reto femoral (RF), vasto lateral (VL), bíceps femoral (BF), gastrocnêmio medial (GA) e tibial anterior (TA) nos quatro quadrantes com rotações diferentes durante 10 ciclos seguidos na pedalada entre ciclistas e triatletas. Geralmente estes músculos são escolhidos devido ao fato de satisfazerem os seguintes critérios: cruzam as três maiores articulações dos membros inferiores (quadril, joelho, tornozelo), representam os grupos musculares antagonistas monoarticulares e biarticulares que cruzam cada uma das três articulações e correspondem àqueles mais comumente citados na literatura. (BAUM & LI, 2003).
Os resultados de CANDOTTI et al. (2005) foram consistentes com a literatura, concluindo que ciclistas e triatletas possuem estratégicas diferentes durante a pedalada, apresentaram uma maior ativação do tibial anterior na fase de recuperação realizando o movimento de flexão dorsal, o que pode estar relacionado a que nesta fase se consiga puxar mais o pedal, e assim produzir mais força com uma pedalada mais eficiente.
3.1. Fatores que podem influenciar na ação muscular durante o ciclo da pedalada.
3.1.1. Fadiga muscular
Para DIEFENTHALER & VAZ (2008), a fadiga muscular pode ser definida como a incapacidade funcional na manutenção de um nível esperado de força. As competições de ciclismo, especialmente provas de estrada, apresentam como, característica, longa duração e altas intensidades. Tais características resultam na instauração do processo de fadiga, que pode estar associado a mecanismos e fatores metabólicos que afetam os músculos (fadiga periférica) e o sistema nervoso central (fadiga central).
Durante a pedalada, modificações metabólicas podem mudar o padrão de ativação muscular e a capacidade de produção de força, podendo assim interferir na técnica da pedalada, (DIEFENTHAELER, 2009). Estudos aplicados por MILET, et al.(2003), com ciclistas treinados demonstraram uma redução de torque nos músculos extensores dos joelhos, estes responsáveis pela fase de propulsão na pedalada, logo após o término de uma prova de estrada. Concluiu-se que a incapacidade de gerar força ocorre devido à fadiga periférica (fadiga muscular), isto se comprovou devido ao aumento no pico de ativação elétrica durante um teste de contração máxima (CVM), mesmo após percorrer 140 km.
Em outro estudo com nove ciclistas que pedalaram durante 5 horas a 55% da potencia aeróbia máxima, foi constada fadiga do sistema nervoso central e fadiga periférica, pois houve diminuição de 18% no torque durante o teste de CVM (pré e pós) e decréscimo na atividade elétrica dos músculos vasto lateral e medial (LEPERS et al., 2002).
3.1.2. Ajuste na bicicleta
Durante a atividade de pedalar, a eficiência de um atleta pode ser alterada por fatores materiais como altura do banco, o tamanho do pedivela, a posição na bicicleta e o uso de sapatilhas de ciclismo (CARVALHO et al. 2000), bem como a variação da cadência (PIERRE, NICOLAS & FREDERIQUE, 2006). Para DIEFENTHAERLER et al., (2008), pequenas modificações nos ajustes do complexo ciclista-bicicleta podem afetar as propriedades mecânicas (por exemplo, a relação força-comprimento e força velocidade) e elétricas dos músculos envolvidos no movimento da pedalada. Se uma determinada altura do selim obriga o joelho a se estender completamente quando o pedal estiver na posição de ponto morto inferior (PMI) – isto é, a posição mais baixa do pedal em relação ao ciclo da pedalada – não só os flexores do joelho (ísquios-tibiais e gastrocnêmio) deixam de funcionar em sua plena competência, mas também bloqueios da articulação do joelho poderiam ocorrer (MESTDAGH, 1998).
DIEFENTHAELER, et al., (2008). apontam um aumento na ativação muscular em função da diminuição da altura do selim, especialmente para os músculos isquiostibiais e quadríceps. No entanto, os resultados do estudo de ERICSON (1986), apontam uma maior ativação elétrica dos músculos GM, SM, SOL e GAM com o aumento da altura do selim; enquanto que, no estudo de HOUTZ & FISHER (1959), os resultados da EMG apontam uma menor ativação ao pedalar-se com selim em uma posição mais elevada para os mesmos músculos.
Em estudo realizado por DIEFENTHAELER et al. (2008) foram selecionados três ciclistas dentre os dez melhores do ranking da Federação Gaúcha de Ciclismo. Os dados foram avaliados por eletromiografia de superfície de seis músculos do membro inferior do lado direito: glúteo máximo, reto femoral, vasto lateral, bíceps femoral, tibial anterior e gastrocnêmicos medial. A carga durante o teste foi normalizada por critério fisiológico (segundo limiar ventilatório), simulando o ritmo de prova dos ciclistas. A cadência e a relação de marchas ficaram a critério dos ciclistas. Foram adotados diferentes ajustes no selim. A partir da posição de referência, que foi a adotada como a de costume do ciclista, ajustou-se (1°) um cm para cima, (2°) um cm para baixo, (3°) um cm para frente e (4°) um cm para trás. As coletas dos dados foram feitas a partir de 10 ciclos de pedalada em cada ajuste do selim e se permaneceu em cada posição 3 minutos a partir da estabilização da taxa de troca respiratória (RER) e do consumo de oxigênio na carga correspondente à intensidade preconizada e os dados foram coletados nos últimos 30 segundos de cada posição, com 30 segundos de intervalo para cada ajuste do selim. No primeiro quadrante a atividade do Gastrocnêmio medial (GM) é como extensor do quadril e do Reto femoral (RF) e Vasto lateral (VL) como extensores do joelho. No segundo quadrante o Gastrocnêmio medial (GM) ativou-se na flexão plantar e o BF atuando na flexão do joelho. No terceiro quadrante o BF e o GM ativam se com flexores do joelho e o Tibial anterior (TA) como flexor dorsal. Ativam-se no quarto quadrante o TA, RF, então como flexor do quadril, e o VL, que no final deste quadrante começa a estender o joelho. Os autores concluíram que houve mudança no padrão de ativação muscular, fato devido à adaptação funcional à posição de referência. Apesar da mudança se de apenas 1cm, os atletas foram sensíveis a elas.
DOREL, COUTURIER & HUG (2007), selecionaram 12 triatletas para avaliaram diferentes posicionamentos (Upright, Dropped Posture e Aero Posture) sobre a bicicleta para verificar se este fator poderia modificar a coordenação dos membros inferiores durante a pedalada e, conseqüentemente, influenciar a produção de força no pedal. Foi observado um aumento significativo no sinal eletromiográfico do músculo glúteo máximo e vasto lateral, vasto medial e diminuição da atividade do reto femoral na posição aerodinâmica (Aéreo Posture).
SAVELBERG, VAN DE PORT & WILLEMS (2003) estudaram os efeitos da posição do tronco de ciclistas sobre o padrão de recrutamento muscular. Mudanças no posicionamento do tronco, para frente ou para trás, afetaram a cinemática do tornozelo e do quadril, bem como a orientação da coxa. Um padrão semelhante foi encontrado para a atividade elétrica muscular, tanto para os músculos que cruzam a articulação do quadril quanto para os que cruzam a articulação do tornozelo foram encontrados alterações no período de ativação e na amplitude do sinal eletromiográfico.
3.1.3. Arquitetura, distribuição de fibras e biomecânica muscular
Os músculos apresentam algumas peculiaridades quanto à composição de fibras (JOHNSON et al. 1973), a biomecânica (JACOBS et al. 1992) e a arquitetura muscular (GRAY 1988). Com relação à composição de fibras musculares, entre os músculos que participam do movimento da pedalada, o Reto femoral (RF) é o que apresenta maior proporção de fibras do tipo II seguido pelos músculos Vasto lateral (VL) e Vasto medial (VM) (JOHNSON et al., 1973), o que o torna mais suscetível à fadiga durante o esforço físico intenso (KOUZAKI, SHINOHARA, & FUKUNAGA, 1999).
Quanto à arquitetura muscular, tanto o VL quanto o VM são músculos peniformes enquanto que o RF é um músculo fusiforme (embora as fibras superficiais estejam dispostas de maneira bipenada) (GRAY 1988). Além disso, o VL é o que apresenta maior área de secção transversa fisiológica (ASTF) sendo o mais forte dos músculos que compõem o quadríceps femoral, seguido pelo VM e RF (JORGE & HULL, 1986). No que diz respeito à biomecânica, os VL e VM são músculos mono-articulares, e possuem alta capacidade de produção de força ou trabalho. Por outro lado, o RF, por cruzar a articulação do joelho e do quadril, se constitui num músculo bi-articular, tendo função de distribuir o torque para ambas às articulações e controlar a direção do movimento (JACOBS & VAN INGEN SCHENAU, 1992), apresentando uma estratégia de controle neural diferenciada dos músculos mono-articulares (EBENBICHLER et al. 1998); (KOUZAKI, SHINOHARA, & FUKUNAGA 1999).
Estudo realizado por OKANO et al. (2005), teve como objetivo analisar o desempenho físico e o comportamento dos sinais EMG dos músculos VL, VM e RF em esforço intermitente anaeróbio em cicloergômetro. A hipótese deste estudo foi a de que as diferenças nas propriedades quanto à composição de fibras, à biomecânica e à arquitetura muscular resultem em uma dissociação das respostas eletromiográficas frente ao esforço intermitente anaeróbio. A pesquisa selecionou nove ciclistas entre 18-30 anos, submetidos a três testes de Wingate (w1, w2, w3) intercalados por 2 minutos. Os resultados obtidos entre os testes foram: queda de 27% na potência média relativa do w1 para o w3, uma redução nos sinais eletromiográficos para 13% para o RF e 6% para o VL e o VM e nenhum resultado significativo para a freqüência mediana, indicativo de fadiga, mas principalmente em contrações isométricas, não em dinâmicas, como no estudo de OKANO et al. (2005). Os autores acreditam que as alterações no sinal eletromiográfico e na potência mediana relativa tenham influência arquitetônicas, biomecânicas e morfológicas (distribuição das fibras).
4. Conclusão
Durante a pedalada músculos dos membros inferiores atuam na fase de propulsão e recuperação, podendo ser influenciados por fatores arquitetônicos, composição de fibras, mudanças nos ângulos articulares ou variações de cadência. Através da análise cinemática, cinética e da eletromiografia, pode-se compreender a ação muscular durante o ciclo do pedivela, como por exemplo, estudos de Jorge & Hull (1985), que demonstraram a ação muscular durante o movimento da pedalada, e estudo de OKANO et al. (2005), que acreditavam que a arquitetura e a distribuição de fibras alteram o sinal eletromiográfico.
No âmbito competitivo uma maior compreensão do comportamento muscular perante as exigências das competições se faz necessário, pois pequenas variações podem influenciar no desempenho do ciclista ou triatleta.
Referências bibliográficas
ALENCAR, T.M.D. Cinesiologia e Biomecânica do ciclismo: Uma revisão. Revista Movimenta. Vol. 3. N 1, 2010.
ARAUJO, R.C. Utilização da eletromiografia na análise biomecânica do movimento humano. 2002. 153 f. Tese (Doutorado em educação Física) – Escola de Educação Física e Esporte, USP, São Paulo, 2002.
BINI, R.R; DIEFENTHAELER, F; CARPES, F.P; MOTA, C.B. Ativação muscular durante a pedalada com os joelhos tangenciado o quadro da bicicleta. In: XII Congresso Brasileiro de Biomecânica, 2007, São Pedro - SP. Anais do XII Congresso Brasileiro de Biomecânica. p. 312-317, 2007.
CANDOTTI, CT. Características biomecânicas e fisiológicas da técnica de pedalada de ciclistas e triatletas. Cap. 3; p. 75, 2003.
CANDOTTI, C.T; SOARES D.P; DA ROCHA K.E, BAGATINI D.F, FRAGA C, LOSS J.F, GUIMARÃES A.C.S. Comparação do padrão de ativação muscular de ciclistas e triatletas durante a pedalada. XI CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOMECÂNICA. 2005.
CARPES F; ROSSATO M; DOS SANTOS, J.O.L; PORTELA L.O.C; MOTA, C.B. Abordagem biomecânica das relações entre a cinemática, intensidade do exercício e dominância de membros em ciclistas. Revista Brasileira de Biomecânica, Ano 7, n.13, Novembro 2006.
CARPES, F.P; BINI, R.R; NABINGER, E; DIEFENTHAELER, F; MOTA C.B; GUIMARÃES A.C.S. Aplicação de força no pedal em prova de ciclismo 40 km contra-relógio simulada: estudo preliminar. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.19, n.2, p.105-13, abr./jun. 2005.
CARVALHO Junior ES, SANTOS ALG, SCHNEIDER AP, Beretta L, Tebexreni AS, Cesar MC, Barros TL. (2000) Análise comparativa da aptidão cardiorrespiratória de triatletas, avaliados em ciclossimulador e bicicleta ergométrica. Rev Bras Ciên e Mov 8 (3):21-24.
DIEFENTHAELER, F; BINI, R.R; KAROLCZAK, A.P.B; CARPES F.P. Ativação muscular durante a pedalada em diferentes posições do selim. p 2,3, 2008.
DIEFENTHAELER, F; VAZ, M.A. Aspectos relacionados à fadiga durante o ciclismo: Uma abordagem biomecânica. p 2. 2008.
DIEFENTHAELER, F. Atividade eletromiográfica e força muscular de membros inferiores durante o ciclismo até a exaustão em atletas competitivos. p 21, 2009.
DIEFENTHAELER, F.; BINI, R. R.; NABINGER, E.; LAITANO, O.; CARPES, F. P.; MOTA, C. B.; GUIMARÃES, A. C. S. Proposta Metodológica para a Avaliação da Técnica da Pedalada de Ciclistas: Estudo de Caso. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, v.14 n. 2, p.145-148, 2008b
DOREL, S.; COUTURIER, A.; HUG, F. Influence of different racing positions on mechanical and electromyographic patterns during pedalling. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, Copenhagen, v. 19, n. 1, p. 44-54, 2007.
EBENBICHLER, G.; KOLLMITZER, J.; QUITTAN, M.; UHL, F.; KIRTLEY, C.; FIALKA, V. EMG fatigue patterns accompanying isometric fatiguing knee-extensions are different in mono- and bi-articular muscles. Electroencephalography and Clinical Neurophysiology, Amsterdam, v.109, n.3, p. 256-62, 1998.
ERICSON, M. On the Biomechanics of Cycling. A Study of Joint and Muscle Load during Exercise on the Bicycle Ergometer. Scand J Rehabil Med Suppl. 16: 1-43, 1986.
GRAY, H. Gray anatomia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
GREGOR, R. Biomechanics of cycling. Inn: GARRET, W.E; KIRKENDALL, DT. Exercise and Sport Science, Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia, p 515-537, 2000.
HULL, M.L; JORGE M. A method for Biomechanical Analysis of Bicycle Pedalling. J Biomech, 18(9): 631-44, 1985.
HULL, M. L.; RUBY, P. Preventing overuse knee injuries. In: BURKE, E. R. (Org.). High-Tech Cycling. Champaign, IL: Human Kinetics, p. 251-279, 1996.
JACOBS, R.; VAN INGEN SCHENAU, G.J. Control of an external force in leg extensions in humans. Journal of Physiology, London, v.457, p.611-26, 1992.
JOHNSON, M.A.; POLGAR, J.; WEIGHTMAN, D.; APPLETON, D. Data on the distribution of fibre types in thirty-six human muscles. An autopsy study. Journal of the Neurological Sciences, Amsterdam, v.18, n.1, p.111-129, 1973.
KELLMANN M; KALLUS K.W. Recovery-stress Questionnaire for Athletes – User Manual. Champaign, IL: Human Kinetics, 128 p, 2001.
KOUZAKI, M.; SHINOHARA, M.; FUKUNAGA, T. Nonuniform mechanical activity of quadriceps muscle during fatigue by repeated maximal voluntary contraction in humans. European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, New York, v.80, n.1, p.9-15, 1999.
LEPERS R, MAFFIULETTI NA, ROCHETE L, BRUGNIAX J, MILLET GY. Neuromuscular fatigue during a long-duration cycling exercise. J Appl Physiol 2002; 92:1487-93.
MESTDAGH K. DE VEY. Personal perspective: in Search of an Optimum Cycling Posture. Applied Ergonomics 1998; 29(5): 325-34.
MILET GY, MILLET GP, LATTIER G, MAFFIULETTI NA, CANDAU R. Alterations of neuromuscular function after aprolonged road cycling race. Int J Sports Med; 24:190-4, 2003.
NABINGUER, E; ITURRIOZ, I. TREVISAN, L. Sistema para aquisição e monitoramento das forças aplicadas no pedal de bicicleta ciclismo. In: x congresso brasileiro de biomecânica, 2003, Ouro Preto. Anais... Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Biomecânica, 2 v. v. 1, p. 419-422, 2003.
OKANO, A.H; MORAES, A.C; BANKOFF, A.D.P; CYRINO, E.S. Respostas eletromiográficas dos músculos vasto lateral, vasto medial e reto femoral durante esforço intermitente anaeróbio em ciclistas. Motriz, Rio Claro, v.11 n.1 p.11-24, 2005.
PIERRE S, NICOLAS H, FREDERIQUE H. (2006) Interactions between cadence and power output effects on mechanical efficiency during sub maximal cycling exercises. Eur J Appl Physiol 97(1):133-139.
SANNER WH, O'HALLORAN WD. The Biomechanics, Etiology, and Treatment of Cycling Injuries. J Am Pediatr Med Assoc. 2000; 90(7): 354-76.
SAVELBERG, H. H. C. M.; VAN de PORT, I. G.L.; WILLEMS, P. J. B. Body Configuration in Cycling Affects Muscle Recruitment and Movement Pattern. Journal of Applied Biomechanics, Delaware, v. 19, n. 4, p. 310-324, 2003.
SCHROEDER, I.C; Biomecânica do ciclismo. Porto Alegre, 2005.
SILVA, R.A.S. Construção e calibração de uma bicicleta de ciclismo indoor com graduação de carga. p. 1, 2006.
STAPELFELDT, B; MORNIEUX, G; Biomechanik im Radsport. Sport-Orthopädie Sport-Traumatologie. 21(2): 107-14, 2005.
TIMMER, C.A.W. Cycling Biomechanics: A Literature Review. J Orthop Sports Phys Ther. 14(3): 106-14, 1991.
VAN INGEN SCHENAU, G.J; BOOTS, P.J; DE GROOT, G; SNACKERS, R.J; VAN, WOENSEL, W.W. The Constrained Control of Force and Position in Multi-joint Movements. Neuroscience. 46(1): 197-207, 1992.
ZAJAC, F.E; NEPTUNE, R.R; KAUTZ, S.A. Biomechanics and Muscle Coordination of Human Walking. Part I: Introduction to Concepts, Power Transfer, Dynamics and Simulations. Gait Posture. 16(3): 215-32, 2002.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista
Digital · Año 16 · N° 163 | Buenos Aires,
Diciembre de 2011 |