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Educação Física escolar: esporte, lazer e 

inclusão de pessoas com deficiência visual

Educación Física escolar: deporte, recreación e inclusión de personas con discapacidad visual

 

Doutorando do programa de pós-graduação

(Brasil)

Vanderlei Balbino da Costa

vanderleibalbino@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo é resultado das nossas reflexões ao longo de dois anos de convivência nas escolas públicas de um município na região central do interior de São Paulo junto a estudantes deficientes visuais regularmente matriculados em escolas de educação básica. Nosso objetivo neste estudo foi observar como vem ocorrendo a inclusão escolar desses estudantes, bem como compreender se a prática docente dos profissionais de educação fisica vem contribuindo efetivamente para o processo de inclusão desses nas aulas do citado componente curricular. Optamos pela pesquisa qualitativa, ancorada na observação participante. Os resultados nos mostraram que é veemente a necessidade de melhor formação docente desta área do conhecimento e/ou cursos de atualização voltados à inclusão de pessoas com deficiências, pois o que observamos foi uma quase total ausência dos estudantes com deficiências visuais efetivamente participando das aulas. Nossas considerações acerca dessa temática são as de que com investimento, formação e compromisso profissional, a educação física pode se constituir como um componente curricular inclusivo.

          Unitermos: Educação Física. Inclusão escolar. Formação docente. Deficiências visuais.

 

Resumen

          Este artículo es el resultado de nuestros debates en el transcurso de dos años de vida en las escuelas públicas de la municipalidad en la región central del estado de São Paulo sobre los alumnos con discapacidades visuales regularmente matriculados en las escuelas de educación básica. Nuestro objetivo en este estudio fue observar como se desarrolla la matriculación escolar de estos estudiantes y también, comprender como la práctica de los profesionales de la enseñanza de educación física puede contribuir eficazmente para el proceso de inclusión de éstos en las clases de esta materia curricular. Elegimos la investigación cualitativa, basada en la observación participante. Los resultados muestran que es muy necesaria la formación y perfeccionamiento del profesorado en esta área del conocimiento y/o cursos de actualización dirigidos a la inclusión de las personas con discapacidad, porque lo que se experimentó fue una ausencia casi total de estudiantes con discapacidad visual que asiste a clases con eficacia. Nuestras consideraciones sobre este tema es que con la inversión, la formación y compromiso profesional, la educación física puede ser un importante componente curricular incluyente.

          Palabras clave: Educación Física. Inclusión. Discapacidad visual. Formación del profesorado.

 

Abstract

          This article resulted of our reflections over two years of living in the public schools of a municipality in the central interior of Sao Paulo with visually impaired students enrolled in basic education schools. Our purpose in this study was to observe how does the educational inclusion of such students, as well as understand the practice of teaching physical education professionals are contributing effectively to the process of inclusion of that component in the classroom curriculum We chose qualitative research, grounded in observation. The results show that it is a strong need for teacher training in this area of knowledge and/or refresher courses aimed at the inclusion of people with disabilities, because what we, experienced was an almost total absence of visually impaired students attending classes effectively. Our considerations regarding this issue are that with the investment, training and professional commitment, physical education can be an important component of the curriculum more inclusive education policy.

          Keywords: Physical Education. Educational inclusion. Teacher training. Visually impaired.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 162, Noviembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Historicamente, ao longo das décadas, cumpre-nos ressaltar que acerca da escolarização de pessoas com deficiências é notório assinalar que, num primeiro momento, esta preocupação não era alvo das instituições educacionais, nem dos docentes que se encontravam inseridos no sistema.

    Após o grande conflito mundial que abalou as estruturas econômicas, políticas e sociais entre 1939 e 1945 iniciaram-se as primeiras preocupações com os mutilados que lutaram na 2ª Grande Guerra Mundial. Esta premissa pode ser observada nos estudos de Gaio (2006, p.84) ao descrever:

    [...] com a volta dos mutilados de guerra, em 1945, somados aos deficientes traumáticos e congênitos já existentes, verifica-se o despertar da educação física, em especial dos esportes, que pudessem atender essa clientela.

    Data de meados do século XX, mais especificamente em 1958, o início das preocupações no sentido de integrar as pessoas com deficiências em atividades físicas esportivas e de lazer. Entretanto, é relevante assinalar que essas atividades propostas não partiram das escolas, mas sim de outras instituições filantrópicas, assistencialistas e/ou caritativas que viam a necessidade de reabilitar e integrar as pessoas com deficiência à sociedade.

    Diante do contexto histórico que vivia o Brasil em meados da década de 1960, com o forte aparato do braço armado da ditadura militar que acabara de se instalar, as atividades físicas, esportivas e de lazer não tinham o objetivo de integrar e incluir nas escolas comuns as pessoas com deficiências, mas preocupação centrava-se no esporte de rendimento para pessoas não deficientes, inclusive com a formação de turmas de treinamento.

    É relevante assinalar que mesmo diante de alguns esforços, seja dos docentes, seja das instituições, é possível aferir que ainda na atualidade há na escola regular processos excludentes no que se refere aos estudantes com deficiência. Neste sentido, Costa e Sousa (2004, p.27) observam:

    A inserção dos excluídos sociais (...) na escola e sociedade é uma das preocupações mundiais. O princípio da integração e mais especificamente o da inclusão têm sido o eixo de discussões em congressos, seminários, eventos e publicações na área da educação especial, por estudiosos e pesquisadores, tanto em nível nacional como internacional.

    Na perspectiva de uma escola inclusiva, cujo princípio deve ser o respeito às diferenças, os limites e dificuldades de cada estudante no interior da unidade de ensino, principalmente levando em consideração que na escola todos os componentes curriculares são relevantes à conquista da cidadania, vemos na educação física escolar a prática de diversas modalidades esportivas, inclusive diferentes jogos que possibilitam o processo de socialização entre os estudantes com ou sem deficiências. Partindo dessa premissa, Jimenez (1998), citado por Oliveira (2002, p.03) comenta que os jogos trazem algumas atitudes para os/as estudantes com deficiências, como:

a) Participação em diferentes tipos de jogos considerando seu valor funcional ou recreativo superando os estereótipos;

b) Sensibilidade ante aos diferentes níveis de destreza, tanto próprias como nos outros, na prática dos jogos;

c) Valorização das possibilidades como equipe e da participação de cada um de seus membros com independência do resultado obtido;

d) Aceitação do desafio que supõe se opor a outros em situações de jogo sem que ele derive em atitudes de rivalidade.

    O presente artigo é resultado de dois anos de convivência nas escolas da rede pública de um município na região central do interior de São Paulo junto a estudantes deficientes visuais regularmente matriculados em escolas de educação básica. Nosso objetivo neste estudo foi observar como vem ocorrendo a inclusão escolar desses estudantes, bem como compreender se a prática docente dos profissionais de educação física vem contribuindo efetivamente para o processo de inclusão desses nas aulas deste componente curricular.

Metodologia

    Nossa opção metodológica priorizou a pesquisa qualitativa que, de acordo com Husserl (1975), busca a obtenção de uma compreensão, de uma consciência de alguma coisa, destarte, não estabelece critérios de verdade e/ou falsidade diante das proposições dos sujeitos, a verdade aqui considerada é a verdade do ser, é o fazer-se manifesto. A realidade ocorre através da relação existente entre o compreendido e o comunicado, assim sendo, é perspectival.

    Ancorada na observação participante, convivemos e observamos estudantes com deficiência visual que se encontram matriculados no ensino regular nas escolas públicas da rede municipal e estadual de município localizado na região central do estado de São Paulo. De acordo com Spink (2007, p.10-11) observação participante “é realizada de dentro de uma dada situação. Senão como membro nato da situação observada, pelo menos como membro aceito pelos demais partícipes”.

Procedimentos

    Ao elencar nossos objetivos, bem como a opção metodológica, nossa primeira atitude foi nos dirigirmos à Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) e à Diretoria Regional de Ensino (DRE), procurar as coordenadorias dessas instituições a fim de descobrirmos em quais escolas havia matrículas de estudantes deficientes visuais frequentando o ensino comum.

    De posse destas informações realizamos aproximação inicial em duas escolas, onde há estudantes deficientes visuais totais e/ou parciais matriculados, as quais nos aceitaram para a realização desta observação.

    Todas as observações registradas em diário de campo foram realizadas nas escolas e em seu entorno como um todo e, principalmente, no tempo/espaço das aulas de educação física de turmas que têm frequência de estudantes deficientes visuais, buscando aperfeiçoar o nosso olhar junto à comunidade escolar que nos é, em certa medida, estranha, sendo também nós, em certa medida, estranhos a ela.

    Realizamos aproximadamente um ano de observação nas aulas de educação física (60 horas), registrando-as sistematicamente em notas de campo a partir da convivência junto aos cinco estudantes do ensino fundamental (7º ao 9º ano) e médio (1º ao 3º ano).

    Cabe esclarecer que as observação foram realizadas pelo pesquisador principal deste estudo, que é deficiente visual. Enquanto deficiente visual total, este nunca participou de nenhuma atividade física esportiva e de lazer, tampouco de outras atividades corporais tanto na educação básica, quanto no ensino superior. Neste sentido, decidimos investigar como os profissionais do componente curricular de educação física atuam nas escolas, quando nessas há estudantes com deficiência visual.

    Cumpre-nos ressaltar que os instrumentos de coleta dos dados que utilizamos para realizar as observações nesse estudo se consubstanciaram em diários de campo, os quais, conforme Bogdan e Biklen (1994, p.150) dizem respeito ao “relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”.

    Ao ingressar nas escolas, o pesquisador sentava-se próximo aos estudantes com deficiência visual, visando observar como os docentes de educação física ministravam suas aulas. De posse de um gravador e de uma reglete1, observava, gravava e relatava em diário/notas de campo as atividades aplicadas tanto na sala, quanto na quadra de esportes em relação aos outros estudantes, considerados “normais”, como os com deficiência visual.

Resultados e discussões

    Ao nos reportarmos a escola, espaço onde pressupõem ser o lócus do debate acadêmico, do respeito às diferenças na e para a diversidade, pensamos ser atualmente um entrave ao processo de escolarização das pessoas com deficiência a falta de um Projeto Político Pedagógico (PPP) que possa acolher todos e todas numa ação educativa total. Nesse sentido Ferreira (1999), citado por Cruz (2007):

    contribui à discussão sobre a elaboração de um projeto pedagógico para a formação de professores que atuam na Educação Especial apontando para uma formação inicial generalista – afinada com preceitos de atendimento à diversidade na educação escolarizada – devidamente articulada a uma formação continuada incumbida da formação específica do “educador especial”.

    No sistema educacional, ou nos diversos segmentos da sociedade, é notório assinalar que os direitos das pessoas com deficiências e/ou com mobilidade reduzida devem ser assegurados em qualquer situação. A problemática recorrente que vivenciamos no nosso cotidiano, são as barreiras físicas, sistêmicas e atitudinais criadas por um sistema que cuida muito mal das pessoas, que não as valorizam, enfim, que não respeita seus limites e ainda mantém um forte mecanismo de discriminação, preconceito, estereótipos e estigmas.

    Nesta análise, é relevante assinalar que por barreiras físicas entendemos serem aquelas que impedem as pessoas com deficiência de ir e vir para um determinado local, e/ou obstáculos como: escadas, portas estreitas que impossibilitam a circulação de cadeiras de rodas, elevadores sem a descrição do Braille, portas automáticas sem a sinalização visual da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para as pessoas surdas.

    Os direitos das pessoas com deficiência nesta sociedade excludente são visíveis quando observamos que as barreiras ainda podem ser arquitetônicas, presentes nas calçadas, vias públicas, prédios comerciais e/ou residências, áreas de lazer. Há também as urbanísticas, principalmente ao nos referirmos aos transportes coletivos quase sempre inacessíveis às pessoas com de deficiência e a falta de comunicação eletrônica, por exemplo, nos semáforos, que dificulta o direito de ir e vir dos deficientes nos diferentes espaços urbanos.

    Um fenômeno que nos deixa impressionados e que às vezes não conseguimos aceitar no sistema educacional, são as barreiras que há nos diversos espaços de caráter sistêmico encontradas, por exemplo, nas escolas que não oferecem apoio em sala de aula, planejamento flexíveis, recursos didáticos accessíveis, currículos adaptados às mais diferentes deficiências, garantindo não só o ingresso mas também a permanência e o sucesso no ensino comum..

    No tocante ao componente curricular de educação física, registramos em diário de campo nos últimos dois anos de observação nas escolas de educação básica algo que nos deixou impressionados, pois nas aulas observadas constatamos que os (as) estudantes Deficientes Visuais (DVs) não praticam nenhuma das práticas corporais porque a docente não se predispõe a propiciá-las. Em contrapartida, a docente me confessou que a inclusão não vem ocorrendo porque a estrutura da escola não permite, visto que a mesma não se sente preparada e qualificada para exercer esta função.

    Finalmente, nesta análise é relevante assinalar que nos diversos segmentos sociais há vários obstáculos que dificultam a inclusão sócio-educacional das pessoas com deficiência. Deste modo, há barreiras atitudinais manifestadas por pessoas que têm preconceitos, estereótipos e estigmas acerca daquelas com mobilidade reduzida como a deficiência fisica, intelectual, sensorial, motora, ou múltipla. Partindo desta premissa, a grande indagação que ora não quer calar é: a escola, nela docentes, e demais segmentos da comunidade escolar, como devem se manifestar diante dos diversos obstáculos que impedem o ir e vir das pessoas com deficiência?

    Nas escolas, quando da nossa inserção, observamos estudantes com deficiência visual, deparamos com alguns depoimentos dos DVs de que não estão sendo incluídos nas atividades físicas, esportivas e de lazer planejadas pelos(as) docentes. Em diário de campo, registramos que uma docente ao conduzir os estudantes para a quadra de esporte, sugeriu ao estudante DV que permanecesse na sala, pois ele não conseguiria participar de nenhuma das atividades propostas pela mesma. Aqui, cumpre-nos afirmar que, neste componente curricular, as práticas corporais propostas pela docente foram livres, mas nem mesmo assim ela preparou alguma atividade para que o estudante DV pudesse participar.

    Frente a esta assertiva, Costa (2009) evidenciou no decorrer de seu estudo que o processo de Inclusão Escolar dos/as estudantes com deficiência visual nas aulas de educação física é um problema porque os/as docentes alegaram não estarem preparados para promover a participação destes/as nas atividades sejam elas fisica esportivas ou de lazer. Nas observações, em outro momento de convivência, registramos em notas de campo que outra docente de educação física, de escola estadual, salientou não estimular os/as estudantes com deficiência visual a realizarem práticas corporais, pois não tem nenhuma habilitação para exercer essa função, tendo em vista que nunca recebeu treinamento específico nas escolas do Estado ou do Município nas quais trabalha.

    Em outras observações deste componente curricular, conseguimos identificar que a docente é pós-graduada em educação especial, latu sensu e mesmo assim não conseguiu promover a inclusão escolar entre o estudante DV e a turma. Suas atividades da forma que foram propostas não obtiveram uma boa aceitação por parte dos estudantes. Desta forma estas atividades não contribuíram para que houvesse em sala a interação envolvendo o docente e os (as) estudantes.

    Nossas observações nas aulas de educação física restringem-se a pouca disposição do docente em promover a inclusão. A alegação de que falta material adaptado, é um discurso falso, afinal, há bolas apropriadas que possibilitam a participação do estudante DV em várias atividades esportivas. Há também outros materiais, como jogos educativos, que permitem envolver a participação desse estudante nas mais diversas atividades de lazer promovidas pela escola e/ou ministradas pelo docente. Posicionando-nos contrários ao relato da docente, em se tratando do componente curricular de educação física, por exemplo, este se constitui em um elemento relevante ao processo de inclusão, seja ele nos esportes, na cultura ou no lazer. Partindo dessa premissa, Rodrigues (2003, p.77-78) faz a seguinte consideração:

    [...] a EF seria uma área curricular mais facilmente inclusiva devido à flexibilidade inerente aos seus conteúdos o que conduziria a uma maior facilidade de diferenciação curricular. [...] A EF é julgada uma área importante de inclusão dado que permite uma ampla participação mesmo de alunos que evidenciam dificuldades.

    A prática social de convivência escolar do docente de educação física não atende o processo de inclusão do estudante com deficiência visual, pois em nenhuma atividade esportiva proposta por esses docentes há um envolvimento prático do estudante. A alegação dos docentes é que não têm nada preparado para que esse estudante DV possa participar em grupo com a turma. Isso nos leva a pensar que essa prática social não serve para promover a inclusão escolar do estudante DV, mesmo porque até nas aulas de educação física o estudante é excluído das atividades. Diante desta problemática, esta premissa nos leva a pensar que, na escola e, por sua vez, na educação física escolar, iremos deparar com exclusão, conforme alerta Rodrigues (2003, p.80-81):

    [...] encontramos na EF uma dupla genealogia de razões que podem conduzir à exclusão. [...] A Educação Física é obviamente influenciada por esta cultura escolar e segue e participa nesta exclusão. Esta cultura competitiva constitui uma segunda fonte de exclusão.

    Se observarmos o descaso político e a quase total ausência das esferas públicas frente às populações especiais, é possível aferir que foi só a partir dos anos de 1980 que iniciaram as primeiras preocupações no sentido de integrar as pessoas com deficiência no espaço da escola. Tal preocupação se evidencia de acordo com Porto (2008, p.297) ao observar:

    Com o advento do Ano Internacional do Deficiente, decretado pela Organização das Nações Unidas em 1981, inicia-se um processo de maior incentivo, por parte dos governantes, numa tentativa de provocar na sociedade discussões acerca da problemática que envolve essa população, principalmente a questão das possibilidades desses corpos com deficiências em contraposição a suas limitações.

    No final dos anos de 1980, com o advento das duas maiores conferências sobre a educação, uma realizada em Jomtien, Tailândia 1990 e outra com a declaração de Salamanca, Espanha, 1994, a questão que ora não quer calar diz respeito ao estreito olhar da educação fisica escolar tradicional, centrada nos esportes de rendimentos cuja competitividade predominava. Esta realidade começa a ser desvelada, principalmente se observarmos Sergio (1994) citado por Porto (2008, p.304) ao observar:

    A Motricidade Humana pressupõe um "[...] paradigma emergente, antidualista e holístico, expresso na passagem do físico ao motor, em que a Educação Física é a pré-ciência da ciência da Motricidade Humana ou como ramo pedagógico desta ciência. Considerada por Sérgio (1992), a Motricidade Humana é ampla e abrangente, e se utiliza de diferentes áreas, tais como biologia, antropologia, sociologia e filosofia, para compreender o ser humano que se movimenta intencionalmente em busca de sua autossuperação.

    Nossa reflexão frente essa mudança de paradigma, no qual a Educação Física também teve que se adaptar as novas exigências do mundo contemporâneo globalizado, fica evidente que na motricidade humana prioriza-se não apenas o corpo sentido, o corpo não apenas como um aspecto físico, perfeito, normal, ao contrário, um corpo que em sua totalidade se relaciona com consigo, com o outro e com o mundo exterior a partir de uma intencionalidade.

    Pensamos que neste estudo um dos entraves ao processo de inclusão é a precária formação docente nos cursos de graduação e licenciatura. Deste modo, acreditamos ser relevante incluir aqui também os (as) profissionais que atuam na área de educação física, pois afirmam que, ao receber em sua sala de aula estudantes deficientes visuais, devem estar preparados, qualificados e habilitados para exercer esta função. Nesse sentido, Lopez e Valdés (2003, p.204) observam:

    Todos são incisivos em afirmar que qualquer profissional que for lidar com alunos que necessitem de um atendimento diferenciado, precisa, e isso é fundamental na opinião deles, de uma preparação, uma capacitação, para subsidiar, para enriquecer o trabalho para que o mesmo se torne produtivo, prazeroso e principalmente que atenda as reais e naturais aspirações destes alunos.

    É obvio que a educação física, quando bem planejada no contexto da escola, atrai a atenção de todos, inclusive das pessoas com deficiências que estão incluídas no ensino comum. De acordo com Costa (2009) o argumento de que os(as) docentes da educação física desenvolvem atitudes mais positivas junto aos estudantes é equivocado, pois o que vivenciou-se durante a realização da pesquisa nas escolas, tanto nas observações, quanto nas entrevistas, foi uma total resistência dos (as) docentes em promover atividades físicas, esportivas e de lazer junto aos estudantes com deficiência visual no Ensino Comum.

    Pensamos que a educação física escolar é de grande relevância ao processo de Inclusão, no entanto, acreditamos que esta atitude positiva deve ser de todos (as) dentro do sistema educacional, mesmo porque a escola não é feita apenas pelos profissionais deste componente curricular, mas também por um conjunto de docentes e demais segmentos que pensam, agem e refletem qual é a melhor forma de incluir sem excluir e marginalizar.

    No decorrer desta analise, é relevante assinalar que os resultados nos mostraram que nos diversos níveis de ensino, percebemos uma lacuna nos cursos de formação de docentes sobre a temática da inclusão escolar na educação física. Isso se torna evidente na observação de Vitalino (2007, p.400) ao afirmar:

    A inclusão dos estudantes com necessidades educacionais especiais (NEE), nos diversos níveis de ensino, depende de inúmeros fatores, especialmente, da capacidade de seus professores de promover sua aprendizagem e participação. E aí surge o questionamento: Os professores estão preparados para assumir tal responsabilidade? Ao examinarmos essas análises, notamos que [...], os professores que atuam nos cursos de formação docente, os denominados de licenciatura, também não estão preparados.

Considerações finais

    Considerando a trajetória da escola que ao longo de séculos se configurou como seletiva, excludente e conservadora, é notório assinalar que as pessoas com deficiência sempre foram ladeadas de discriminação, preconceito, estereótipos e estigmas, pois a essas se destinava a capa simbólica da violência de que por serem deficientes deveriam ser mantidas segregadas, fora do convívio social, enfim, protegidas dos "perigos que rodeiam a sociedade”. Essa atitude retrógrada é duramente criticada por Porto (2008, p.298), ao observar:

    Para refletir sobre o corpo eficiente e sua relação com o presente, buscamos compreender a evolução do desenvolvimento de atividades físicas para as PD, evidenciando que este corpo se torna eficiente a partir do momento em que lhe é dada a oportunidade de participação.

    No sistema educacional, no qual a escola sempre privilegiou aspectos como o da normalidade/perfeição, erroneamente predominou durante séculos e se proliferou a falseada ideia de que os estudantes com deficiência não deveriam participar das atividades físicas esportivas e de lazer propostas pela escola comum. Contrapondo esta equivocada postura, Oliveira (2002, p.01) tece ferrenhas criticas ao comentar: “Há estudos em educação física como também na área de educação especial que comprova que os alunos com necessidades especiais separados de alunos “normais”, apresentam um resultado inferior, do que se ele estivesse incluído.” Deste modo, Cruz (1997), confirma que uma turma composta por deficientes mentais - exemplifica com a aplicação de ginástica, jogos, voleibol, basquetebol, futsal, handebol e outras atividades - mostra uma diferença significativa em que os alunos integrados apresentam um resultado superior do que se eles estivessem segregados e isolados dos outros ditos normais.

    Os defensores de uma educação física escolar nova, que respeita o corpo, centrada nos pressupostos da motricidade humana, reforçam a tese de que os traços de preconceito, discriminação, estereótipo e estigma devem ser banidos do espaço escolar, inclusive no componente curricular de educação fisica. Isso se justifica principalmente quando observamos nas escolas estudantes com deficiência tendo um desempenho satisfatório nas atividades físicas esportivas e de lazer, integrados aos demais estudantes considerados normais. Esta constatação pode ser vivenciada, ao observar Oliveira, (2002, p.01) ao comentar:

    [...] em aulas realizadas em conjuntos com alunos de classes regulares, ditos normais, os alunos portadores de deficiência mental tiveram um desempenho consideravelmente acima de seus próprios tempos, nas mesmas atividades, porém, em espaços restritos a seus pares de iguais, vulgo, classes especiais.

    Ao longo das nossas reflexões junto aos estudantes com deficiência visual, até por que sou também deficiente visual, conseguimos observar e registrar em diário de campo que um dos limites que ainda perdura no sistema educacional, em especial quando se refere à educação física escolar, é o modelo integrativo, que notadamente criou na escola dois tipos de estudantes: de um lado os com necessidades educativas normais; de outro os com necessidades educativas especiais. De acordo com Rodrigues (2003, p.76-77) a escola pública interage de forma errônea com as diferenças, pois se baseando nos modelos tradicional e integrativo pressupõe-se que

a) Na escola tradicional, a diferença é proscrita e remetida para as "escolas especiais".

b) A escola integrativa procura responder à diferença desde que ela seja legitimada por um parecer médico-psicológico, ou seja, desde que essa diferença seja uma deficiência.

    A nosso ver, isso incorre em dois problemas, pois em ambos os modelos não é possível identificar o respeito às diferenças.

    Nessas reflexões, em especial quando nos debruçamos frente à literatura que aborda a questão da formação docente nos cursos de educação física escolar, é possível aferir que de acordo com Rodrigues (2003) constata-se lacunas tanto em Portugal, quanto no Brasil acerca de se investir melhor na formação dos profissionais da EF. Neste sentido, cumpre-nos assinalar que a maioria dos cursos existentes em Portugal não proporciona qualquer formação neste âmbito das NEE aos seus futuros licenciados; a partir da análise dos programas, verificamos que a formação inicial que é proporcionada é de caráter geral e raramente relacionado com aspectos concretos da inclusão em EF. Ao se referir o sistema educacional presente na história da educação brasileira, é notório assinalar que: no Brasil, o Conselho Nacional de Educação (CNE) retirou as habilitações dos cursos de formação de professores.

    Diante do exposto, identificamos na educação física processos excludentes, seletistas, conservadores, enfim, marginalizadores, principalmente quando se desenvolve ações que possibilitam a exclusão de todos que não se enquadram nos modelos de "normais, perfeitos, bem constituídos”. Assim, a educação física é obviamente influenciada por esta cultura escolar que exclui aqueles que não se encaixam nos padrões de normalidade e perfeição. Deste modo, cumpre-nos assinalar que até na EF é possível aferir que a exclusão é vivenciada nas práticas esportivas e de lazer nas escolas.

    Pensamos que nessas reflexões enquanto estudante, pesquisador, deficiente visual no ensino comum em todos os níveis, acreditamos ser relevante pensar na veemente necessidade de que em todos os cursos de formação docente fossem implantadas uma ou mais disciplinas que preparem, qualifiquem e habilitem os/as docentes para trabalhar com as diferentes necessidades educativas especiais no ensino comum, em especial, quando se refere à inclusão escolar das pessoas com deficiência.

    Neste sentido, um dos principais desafios dos/das docentes no ensino comum é valorizar as diferenças, respeitar a diversidade dos nossos estudantes, pois o que temos vivenciado é uma escola homogênea que enaltece o valor da normalidade, da perfeição, e da excelência, enfim, da competição, ao invés de pensar nas diferenças, no estranho, no desviante nos diversos níveis do ensino comum.

    Ao longo dessas reflexões, conseguimos aferir que os/as docentes da EF muito podem contribuir para a inclusão dos estudantes com necessidades educativas especiais. Partindo desta premissa, cumpre-nos assinalar que de acordo com Rodrigues (2003, p.83):

    O processo da inclusão educacional de alunos com necessidades educativas especiais, tem muito a beneficiar com as propostas do professor de educação física, pois, com criatividade, podem usar o corpo, o movimento, o jogo, a expressão e o desporto como oportunidades de celebrar a diferença e proporcionar aos alunos experiências que realcem a cooperação e a solidariedade.

    No que se refere à escolarização dos estudantes com deficiência, principalmente levando em conta que a educação física escolar é uma excelente parceira ao processo de inclusão, acreditamos que as crianças através de atividades corporais não só conheça o seu próprio corpo, mais também os que se encontram ao seu redor. Assim, pensamos ser a educação física escolar um componente curricular mais inclusivo, pois se configura num importante aliado ao processo de inclusão.

    Pensamos nessas reflexões que para trabalhar com qualidade a educação física escolar, é preciso que este componente curricular possa se abrir a todas as pessoas, sejam elas deficientes, ou não. Deste modo, no contexto da diversidade, os maiores desafios são os de propiciar uma educação física escolar que possa respeitar as diferenças, podendo identificá-las no espaço escolar, reconhecer que elas existem, estão a nossa frente, aos nossos olhos. Enfim, pensamos ser papel do docente esta tarefa: incluir, sem excluir e marginalizar. Partindo desta premissa Porto e Moreira (2006, p 27) comentam: “os corpos, ao se permitirem viver os sonhos, as ousadias, os riscos e as incertezas, estão se expondo para viver a sua existencialidade, nas relações consigo, com o outro e com o mundo, aceitando a complexidade dessas relações".

    Ao vislumbrarmos esta realidade, isso nos faz pensar na possibilidade de fazer uma escola que vê no outro, no diferente, no estranho o quanto é possível fazer acontecer no espaço escolar aquilo que Freire, (1987) afirmava: “a unidade na diversidade”.

Nota

  1. Reglete corresponde a uma régua dupla, que abre e fecha com apoio de dobradiças no canto esquerdo, e em cuja abertura é destinada ao papel, sendo fixado entre a régua superior e a inferior. Na régua superior, encontramos retângulos vazados, cada um compreendendo 6 pontos, na disposição de uma “cela” Braille e na inferior, podemos encontrar várias “celas” Braille todas em baixo relevo. O punção será colocado dentro de cada janela, e uma a uma pressiona-se os pontos desejados para cada letra. A escrita é feita da direita para a esquerda, sendo que o relevo será encontrado ao retirar e virar a folha, já que quando apertamos o punção na folha, o relevo será formado na face contrária e ao retirá-la, a leitura processa normalmente: da esquerda para a direita.

Referências

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 162 | Buenos Aires, Noviembre de 2011
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