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Break on through project: relato de experiência sobre 

a viagem ‘Hard Bike Tour’ no contexto do cicloturismo

Break on through project: relato de experiencia sobre el viaje “Hard Bike Tour” en el contexto del cicloturismo

Break on through project: report on the travel experience ‘Hard Bike Tour’ in the context of cycling

 

*Bacharel Educação Física – UEL

**Orientadora

(Brasil)

Leandro Dri Manfiolete*

Dra. Carmen Maria Aguiar**

leandro_dri@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este relato de experiência teve por objetivo descrever e analisar uma viagem de bicicleta, prática denominada neste contexto de cicloturismo, a partir da concepção do Break on Through Project, projeto criado e elaborado por Lavoisier Richard, referindo-se a uma Hard Bike Tour, ou seja, uma viagem difícil de bicicleta, atravessando regiões desérticas e pouco habitadas, inóspitas do continente sul-americano com um piloto de apoio acompanhando com um automóvel para realizar o registro de imagens, filmagens, fotografias e narração dos lugares percorridos para posteriori documentação. A investigação de natureza qualitativa se caracterizou por meio de uma análise bibliográfica sobre o tema em questão e a aproximação com o personagem do relato fez-se por meio da entrevista semi-estruturada. Para a análise dos dados, utiliza-se a Técnica de Análise de Discurso, onde as informações obtidas colaboraram para a compreensão do objeto de estudo.

          Unitermos: Cicloturismo. Bicicleta. Hard Bike Tour.

 

Abstract

          This experience report aims to describe and analyze a bicycle trip, a practice referred to in this context of cycling, from the concept of Break on Through Project, a project created and written by Richard Lavoisier, referring to a Hard Bike Tour , ie, a difficult journey by bicycle across the desert regions and sparsely populated, inhospitable continent of South America with a pilot with an accompanying support vehicle to carry out the recording of images, footage, photographs and narration of the places traversed to post documents . The qualitative research was characterized by means of a literature review on the subject matter and approach to the character of the story was made through semi-structured interview. For data analysis, we use the technique of discourse analysis, where information obtained helped to understand the object of study.

          Keywords: Cycling. Bike. Hard Bike Tour.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 162, Noviembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    Com o advento da contemporaneidade, uma parcela da população procura por atividades que reúnam aspectos como atividade física, turismo e consciência ecológica. Assim, uma das práticas que se baseiam neste contexto é o cicloturismo, caracterizado como uma modalidade de viagem turística usando a mountain bike, bicicleta adequada para a atividade, com o objetivo de percorrer estradas de asfalto ou terra batida, onde esta é planejada e adequada às necessidades da pessoa, o percurso pode ser realizado sozinho ou acompanhado e o ponto de partida é alcançado com a própria bicicleta ou com o auxílio de um veículo motor.

Foto: hardbiketour.com

    Ramalho (2007) destaca três modalidades de cicloturismo: viagem de um dia com volta ao local de início, não havendo a necessidade de bagageiro (equipamento que acomoda utensílios necessários para uma viagem autônoma) ou alforges (mochilas com desenho especial para serem fixados nos bagageiros). A segunda modalidade refere-se a uma viagem de vários dias com pernoites em lugares diferentes e a terceira modalidade, caracteriza-se por uma viagem de vários dias com pernoite no mesmo local, baseando-se em um ponto base para explorações diárias.

    A bicicleta e o ser humano imersos neste totalidade, tornam-se um símbolo de solidariedade e união com o mundo objetivo e racional que vivemos. A partir desta conduta, o ato de pedalar gera conseqüências como a não emissão de gases poluentes na atmosfera, torna-se uma forma independente de transporte e convívio com o espaço e lugares onde a bicicleta se encontra e com o mundo subjetivo em si, e ainda, estes passeios podem agregar ao ser humano que o vivencia, sentidos e olhares distintos da rotina cotidiana.

    Esta modalidade de ciclismo não tem regras nem definições rígidas, compreendendo-se dessa forma por passeios com poucos quilômetros até locais distantes, onde o fim é o turismo e o importante não é para onde ir, mas o caminho a percorrer. Ao final da jornada diária, atingindo os objetivos propostos, a pessoa pára para descansar, tendo a disponibilidade para explorar a cultura e paisagens locais, mesmo que seja por pouco tempo, para seguir destino no dia seguinte.

    Algumas inquietações foram geradoras para este relato, a saber: quais as características da viagem, sensações e motivações presentes no discurso em uma hard bike tour, ou seja, uma viagem difícil de bicicleta, se dirigindo a lugares inóspitos pouco freqüentados sujeito a intempéries do clima? Quais os sentidos vivenciados desta prática corporal para Lavoisier Richard, personagem do relato, se dirigindo para uma aventura inimaginável para muitas pessoas, contribuindo dessa forma para uma reaproximação consigo mesmo e com a natureza?

    O objetivo do estudo foi descrever e analisar uma viagem de cicloturismo, a partir de um projeto intitulado Break on Through Project, identificando sentidos e significados dessa vivência corporal, por meio de um relato de experiência da viagem denominada Hard Bike Tour.

2.     Revisão da literatura

    A bicicleta, cuja origem histórica se deu no século XVIII, tornou-se importante pela tecnologia, no processo de constituição se convertendo em um passaporte para o mundo de saúde, cultura, ecologia, formação humana e convivência democrática. Nesse contexto, a atividade do cicloturismo encontra-se em crescimento significativo por diversas regiões do mundo, principalmente aquelas que se destacam por sua natureza exorbitante, como por exemplo, o Circuito do Vale Europeu em Santa Catarina, ou até mesmo, viagens de caráter religioso, como uma perenigração, por exemplo, o Caminho de Santiago de Compostela na Espanha.

    A idéia de se praticar o cicloturismo se consolidou no continente europeu há aproximadamente quarenta anos, por intermédio do ciclismo de estrada, atividade de grande impacto nos meios de comunicação, por ser um símbolo da cultura dos países da região. Possíveis motivos nos quais a Europa tem um alto número de adeptos se traduz no desenvolvimento do conceito, na tradição do ciclismo ao longo da história, a extensa e múltipla malha de estradas secundárias em excelente estado de conservação e o respeito às leis de trânsito pela população (Roldan, 2000).

    Grande (2002) enumerou diversos fatores sobre as vantagens do cicloturismo para o mundo bio-psico-socio-cultural do ser humano, como o fato da bicicleta não gerar ruídos e resíduos, os ciclistas não necessitam das facilidades do turismo de massa em detrimento a degradação do meio ambiente. Assim, estas pessoas acabam se encontrando em estreito contato com o patrimônio cultural, natural e social do lugar visitado. Outro aspecto importante se relaciona ao equipamento que ocupa apenas dez por cento de um veículo estacionado e por fim, a ação de pedalar não consome combustíveis fósseis e fontes de energia externas.

    A atividade do cicloturismo no Brasil é desconhecida por grande parte da população, porém, em ampliação, haja vista que têm se estruturado poucas vias e rotas, como o Caminho Real, que liga Paraty - RJ a Ouro Preto - MG. Estes lugares possuem estrutura para descanso e alimentação, e ainda, espaço para admirar a paisagem exuberante. Outros termos imersos nesse contexto é o ecoturismo ou turismo ecológico se caracterizando como atividades praticadas ao ar livre em contato com a paisagem natural (Roldan, 2000).

    Gallegos (2007) sugere uma classificação taxonômica das atividades praticadas no ambiente natural. Fatores como o desenvolvimento da atividade, situações envolventes por riscos conhecidos e aceitáveis, meio da prática, a dimensão corpóreo-emocional de caráter hedonista como movimento ambiental, democratização do consumo de bens e de realização pessoal, acessibilidade e as ações da prática são aspectos relacionados ao cicloturismo.

    Durante uma viagem de bicicleta, a pessoa um tempo consigo mesma, pensando sobre o que poderá vivenciar. Melgar (1986) parte da subjetividade, mostrando que esta nomenclatura incute valores como saúde, turismo e cultura, fazendo com que a pessoa se depare com jornadas de amizade e camaradagem, pois aonde se passa, o lugar visitado se sensibiliza com o fato de se viajar pela bicicleta e o acabam ajudando. Isto pode gerar variadas situações proporcionadas, desde conhecer algo que não estava nos planos ao prazer cultural do ambiente.

    Para Melgar (1986), isto pode agregar para o praticante, uma gama maior de experiências com o mundo vivido, gerando consciência e convivência ecológica. Como exemplo, podemos comparar o automóvel com a bicicleta, máquinas antagônicas que refletem no comportamento respectivo dos condutores em atitudes do cotidiano social. No caso, o condutor do automóvel atua como uma tartaruga envolta em sua carapaça, alheio de tudo o que ocorre fora do seu veículo por meio da agressividade e da potência de sua máquina. Já o cicloturista dirige sua agressividade através do esforço físico sendo protagonista da sua ação que deixa de ser mecânica, formando um todo com sua bicicleta, que acaba se relacionando com seu entorno, sentindo-se parte da paisagem circundante.

    No contexto do lazer, o cicloturismo pode ser entendido como um tempo sensível, onde o ser humano sente-se ele mesmo, numa despreocupação com a realidade Marcellino (2000) destaca que este ambiente é entendido como um campo de atividade ou esfera da vida social culturalmente construída, ou seja, o lazer na vivência do cicloturismo será delineado pelas possibilidades de um tempo disponível com atitudes favoráveis à vivência não obrigatória de atividades livremente escolhidas, envolvendo características intensas de prazer e satisfação, ocasionando mudanças de ordem moral, cultural, pessoal e social. Nesse caso, o cicloturista experimenta-se de duas formas sinérgicas, ou seja, uma é a sensação do andar solitário com sua bicicleta por uma estrada pouco movimentada, exaltando um gosto pelo natural particular e outra, pela companhia de pessoas no percurso, que naquele momento compartilham das mesmas experiências e sensações, evocando sentimentos de amizade e de algo em comum.

    O cicloturismo está ao alcance de todos, não importando, sexo, idade ou histórico de atividade física. A pessoa precisa adaptar apenas o seu conceito de viagem à capacidade física/técnica, pois uma experiência dessas, inicia-se antes da viagem. Para a segurança, basta apenas um planejamento, havendo apenas a precaução ante situações que possam ocorrer, como uma inesperada mudança do clima e um plano auxiliar. Torna-se importante nesse caso, uma análise sobre aspectos do percurso e do relevo geográfico, pavimento (asfalto ou estrada de terra batida), recursos materiais, intensidade da pedalada, dias de descanso a permanecer na localidade e tempo para vivenciar o contexto cultural e das paisagens (Roldan, 2000).

3.     Método

    A pesquisa referiu-se a um relato de experiência sobre a viagem intitulada Hard Bike Tour, ou seja, um projeto caracterizado por uma viagem atravessando regiões desérticas, pouco habitadas, inóspitas do continente sul-americano de bicicleta com um piloto de apoio acompanhando para fazer o registro das imagens, filmar, fotografar e narrar a aventura em si para posteriori documentação. Esta investigação de natureza qualitativa se caracterizou por meio de uma análise bibliográfica e Entrevista Semi-Estruturada (Minayo, 2004), técnica que permitiu liberdade ao entrevistado, seguir a linha dos próprios pensamentos e experiências, orientados por questões-chave a captar informações sobre sentidos, significados, motivações, sensações e valores atrelados à prática.

    A pesquisa de campo consistiu na coleta de dados por meio de entrevista, realizada com a utilização de um aparelho MP3 Player da marca Sony, contendo um gravador digital. Quanto aos procedimentos para a coleta dos dados, houve uma aproximação do pesquisador, no sentido de convidá-lo e instruir sobre os objetivos, dando total liberdade de questionamentos e dirimindo possíveis dúvidas.

    Após a entrevista, fez-se a transcrição do discurso dessa experiência, buscando possíveis explicações ao conteúdo do texto enunciado. Para a análise dos dados utilizou-se a Técnica de Análise de Discurso baseada em Orlandi (2005) e Charandeau e Maingueneau (2008). Conforme prevê esta técnica, foi feita a redução dos dados, consistindo em um processo de seleção, simplificação, abstração e transformação dos dados originais, pois a mensagem, o sentido e o significado do que se transcreveu são, às vezes, ocultados, ao invés de revelados na diferenciação da transcrição (SPINK,

    As informações obtidas colaboraram para a compreensão do objeto de estudo na relação lazer e cicloturismo, sendo o elo entre pesquisador e pesquisado unidos, permitindo ampliar o material fornecido pelo informante, ajudando a completar, aperfeiçoar e destacar as idéias expostas. Por fim, apreendido os aspectos mais gerais da construção do discurso, retornou-se aos objetivos do estudo definindo os sentidos apresentados.

4.     Resultados

    Uma premissa básica de uma Hard Bike Tour, denominada por Lavoisier Richard, ator principal dessa experiência, caracterizando essa jornada difícil de bicicleta, são os aspectos relacionados a noção de risco da atividade em si, ineditismo das paisagens visitadas e o tempo pré-estipulado para conclusão do trajeto. Inicialmente, a primeira aventura se desenvolveu em um dos enormes desertos da Patagônia, praticamente um país dentro da Argentina. A primeira viagem se deu no Deserto da Terra Colorada, onde Lavoisier, partiu da Cordilheira dos Andes até o Oceano Atlântico, totalizando aproximadamente 1000 quilômetros pelo deserto, relatada como uma experiência com momentos e sensações inesquecíveis, porém, arriscada do ponto de vista no risco de morte, por estar numa região estranha, inóspita, desconhecida, tendo de completar o trajeto proposto, como numa passagem na Patagônia, região denominada Sierra de los Chacais, local onde o cicloturista encontrou animais selvagens carnívoros passando próximo a ele e sua bicicleta.

    Em outra fala, Lavoisier, destaca que o risco faz parte das viagens, o risco move-o, fazendo parte do contexto por si só, juntando a isso, paisagens fantásticas, como a cordilheira com gelo, deserto, lagoas com águas cristalinas encontradas no meio do deserto, terrenos pedregosos. Uma sensação presente após o final do dia de pedalada é que a noite o braço pulsava pelo mesmo movimento frenético com o guidon todo o dia percorrido. Outro ponto, foi o fato dele pedalar 300 quilômetros sem encontrar nenhuma pessoa ou carro no deserto, apenas animais selvagens como cavalo, coelho, escorpião, cobra, pumas, lobos, experenciando o quão natural se configurou a paisagem visitada.

    Retornando da Patagônia, Lavoisier percorreu denominada por ele a Volta Ciclística do Estado do Paraná, trajeto literal priorizando fronteiras e divisas do estado, contornando rios como o Paranapanema, Paraná e Iguaçu, indo até regiões fronteiriças de estados como o de Santa Catarina e até de países como do Paraguai e Argentina. Logo após, ele se dirigiu até Curitiba, passando pelo litoral em cidades como Guaratuba, Matinhos e Paranaguá, terminando em Londrina, ponto de partida, totalizando dezessete dias de pedalada, passando por 84 cidades, travando contato com várias culturas, considerado por ele como um caldeirão étnico com muitos povos e sotaques diferentes para cada região, conhecendo assim paisagens por todo o Paraná menos o interior/núcleo do estado, cruzando divisas e fronteiras percorridas pela bicicleta.

    Voltando dessa segunda Hard Bike Tour, partiu-se em abril de 2008 para o Gran Chaco Americano na Planície de Gualamba, região de belas paisagens no extremo norte da Argentina com fronteira entre o Paraguai e Bolívia. Destacou-se fatores deste lugar como uma experiência vista e relatada de paisagens lindas, porém, perigosa e selvagem, composta por animais selvagens como cobras, jacarés e pássaros. A vegetação para ele era como um deserto verde, parecido ao Pantanal Mato-grossense, percorrendo retas de 700 quilômetros por asfalto, saindo do rio Paraná que divide a Argentina com o estado do Paraná com destino a uma cidade chamada Las Lomitas próximo da Bolívia totalizando uma pedalada de 1600 quilômetros percorrida em 8 dias.

    A última viagem relatada aconteceu em agosto de 2009, onde Lavoisier percorreu a BR – 116, saindo da cidade de São Paulo/SP às margens rio do Pinheiros com destino às margens do rio Guaíba em Porto Alegre/RS, considerada uma das rodovias mais perigosa do mundo por causa do número excessivo de curvas, atravessando três cadeias de serras, a do Mar, a Geral e a Gaúcha, estrada de características sinuosas, sendo o único corredor de São Paulo ao sul do Brasil, resultando em um movimento por dia de milhares de caminhões. Uma característica particular desse trajeto é a misticidade da estrada, por se encontrar cruzes ao longo da rodovia no acostamento, e ainda, lendas dizendo não existir um lugar inédito para capotar. Para Lavoisier, foi a viagem mais perigosa pelo difícil trajeto percorrido, pois além da rodovia ter sido construída em um terreno irregular, há ainda a grande quantidade de veículos automotores dificultando a via.

    Nesse discurso, Lavoisier descreve para ele o sentido que o cicloturismo se traduziu em sua vida:

    O ciclismo está na minha vida desde pequeno e eu acho muito legal o desafio que eu faço pelo seguinte: é muito legal você pegar uma moto de alta cilindrada, um carro e fazer um passeio, mas acredito que não exista um meio de transporte que te dê mais satisfação do que a bicicleta, de atingir um objetivo de atravessar um percurso de 1000 quilômetros porque é você que ta fazendo, é seu corpo, não depende de uma máquina, só depende de você mesmo, de seu preparo, determinação, vontade, da sua força de vontade porque esse desafio que eu faço se você não tiver força de vontade você desiste porque é um dia atrás do outro pedalando 180 a 200 quilômetros numa região difícil de condições de temperatura extremas e de ambiente, vou para neve, calor, vento, enfrento bicho selvagem, então se você não tem uma determinação muito forte, se você não ta focado naquilo, tem que ir indo.

    No relato acima, percebe-se que a distância percorrida é algo que caracteriza essa atividade. Bruhns (2009) relata que as noções de distância, podem alterar-se em uma caminhada e neste caso, em uma pedalada, pois é a partir desse deslocamento que percebemos quão grande o mundo é enorme, de um modo que apenas os que compreendem uma jornada dessas tem essa noção, ou seja, a escala planetária torna-se um segredo daqueles que transpõem seus limites.

    Interessante notar que o discurso remete a várias características do tradicional cicloturismo, porém, além da viagem em si ser cansativa, as intempéries do clima e superação do desafio, denotando imposições ao risco em si do ato de viajar com uma bicicleta. Para Bruhns (2009), os riscos na nossa sociedade são compreendidos como um perigo assumido pela pessoa, como uma forma de individualização, de fazer algo novo e se significar por algo. Laermans (1992) averigua que como o discurso sobre o tempo suposto de liberdade individual sustenta-se em uma conjuntura social no qual a necessidade psicológica de construção ou reconstrução de uma auto-imagem requer a necessidade de uma confirmação social dessa identidade, envolve-se em sentidos de obrigatoriedade e cobrança.

    O que me motiva é sair da rotina, não gosto muito de rotina, não gosto muito de uma vida feijão com arroz, essa coisa trabalho-casa, casa trabalho, recebe, para a conta, volta pra casa, lógico que tem que agradecer a Deus que tem um bom emprego, saúde, mas a vida é mais do que isso, é mais do que seus olhos vêem, mais do aquilo que conhecemos, então se você fica bitolado, fica arrestado a uma situação, a um “mundinho” que é a vida normal, lógico pode ser feliz na sua vida normal, mas na minha concepção eu acho que é pouco, então se eu tenho condições e posso fazer algo diferente que me agrade e que esteja praticando um esporte, eu acho que é legal, vale a pena você fazer. Sinto uma sensação de liberdade incrível. Eu já penso que a bicicleta te dá uma sensação de liberdade e de autonomia, você faz seus percursos e distancia dependendo apenas de si mesmo tendo apenas uma autonomia própria que eu acho bacana e a sensação de estar um ambiente diferente, estar conhecendo uma região geralmente bonita porque escolho regiões que tenham atrativos turísticos peculiares.

    Nesse discurso, antes de começar a viagem, há toda uma preparação como a descrita abaixo:

    Eu pratico o ciclismo de resistência, não o de velocidade. Nessas aventuras eu pedalo 20 horas diretas, mas o no meu ritmo, cadenciado, num ritmo que me permita pedalar todo esse tempo. Eu pratico mountain bike de estrada, pra praticar acredito que não seja muito difícil, agora praticar esse esporte tem que se dedicar muito, treinar muito porque se for para um país como eu fui, saí daqui e ir em direção a Patagônia, 5000 quilômetros de ônibus, 4 dias dentro de um ônibus, chegar lá e não tem condição de cumprir o desafio ou cumpre fora do prazo, é uma decepção e frustração, então não compensa todo o tempo gasto, dinheiro, logística que é uma coisa complicada por estar em um país diferente, então você tem que vencer o desafio e pra vencer esse desafio tem que estar preparado fisicamente e muita determinação, força de vontade e tem que gostar do negócio.

    Para uma hard bike tour, Lavoisier define o roteiro pela beleza da paisagem, dificuldade do terreno e a pedalada em si. Então se escolhe uma região e uma determinada área a ser percorrida, que a partir disso, estuda-se a geografia, geologia, condições da estrada, temperatura, condições de vento, hospedagens durante o percurso e traço uma rota dentro da área definida como a próxima meta. Para isso, primeiramente, pesquisa-se na internet ou em livros e mapas, para cercear-se de informações possíveis sobre regiões inóspitas, perigosas e desconhecidas gerando uma gama de informações úteis que se enquadrem nos aspectos dessa viagem.

    Após delimitado o programa a ser aplicado durante o período programado, traça-se uma quilometragem acima do pré-determinado, pelo objetivo de contemplar e aproveitar uma paisagem em especial, já que vários fatores podem atrapalhar como as intempéries climáticas, ou seja, a dificuldade é exaltada e enfrentada em uma Hard Bike Tour, uma jornada difícil de bicicleta.

5.     Considerações finais

    Interpretar possíveis sentidos que produzem a vontade de Lavoisier em se deslocar por intermédio de sua companheira bicicleta mountain bike, gerou inúmeros sentidos. Será que Lavoisier buscou a partir dessa experiência, criar uma identidade própria por meio de um processo de subjetivação no momento que pedalava para encontrar um caminho a percorrer? Ou até mesmo, foi um desejo de ser diferente de tantos que reclamam dos seus cotidianos tediosos?

    Como nos mostra Bruhns (2009), talvez incluir esse tribalismo e nas novas formas de companheirismo em uma perspectiva da política de identidade, no qual simbolismo e informalidade assumiriam um perfil significativo na organização da existência habitual. Este desejo de estar em contato com paisagens onde a natureza impera, percorrendo distâncias consideráveis que, de carro, já seria um momento inesquecível, agora estar imerso nestes contextos com uma bicicleta, é algo incomum e inimaginável para muitos, mas que para Lavoisier é a sua forma de se expressar no seu lazer. Dentro dessa motivação, há um sentido de buscar o limite físico em lugares que a mente não está preocupada em olhar para algo comum como casas, prédios, indústrias, carros e barulhos comuns de uma grande cidade, mas sim, para uma Cordilheira dos Andes, paisagem que causa um reencontro com o divino e consigo mesmo.

    Em muitos casos, os cicloturistas são comparados a peregrinos movidos pela fé e sofrimento. Por ora, são questionados se a viagem trata-se de determinada promessa, dado o esforço e a dificuldade de se realizá-la, ou até mesmo, de coragem para se concretizar uma façanha como esta. Acredito que Lavoisier não é nenhum super-herói no sentido de outra pessoa não poder realizar algo parecido como uma viagem dessas ou até mais, e que esta conquista, sirva como uma forma de conscientização para as pessoas em geral, pois praticando cicloturismo, acaba-se atingindo um grau de domínio sobre o mundo por meio de uma simples bicicleta, podendo se desvelar inúmeros significados da realidade.

    Em seu livro, Bruhns (2009, p. 12) trata do termo "novo naturalismo" , asserção que propõe a união entre natureza e cultura baseando-se em três idéias: o homem é produtor e produto do seu meio, a natureza faz parte da história e a relação do homem com a natureza não opera-se individualmente, mas sim coletiva. Este termo representa uma possibilidade de desenvolvimento humano envolvendo a participação social, idéias que estão de acordo com a concepção do que é uma bicicleta e do que ela representaria se fosse inserida em ações no nosso cotidiano, estando de total acordo com este contexto.

    Portanto, para que o cicloturismo seja amplamente difundido em nosso país, necessita-se de maiores estudos e reflexões sobre um tema importante para o desenvolvimento do ser-humano contemporâneo e de uma prática que está imersa em muitos contextos, políticas públicas voltadas ao incentivo do uso da bicicleta para fins laborais e, ainda, a educação pela conscientização principalmente nas grandes cidades sobre os benefícios da bicicleta para o ser-humano, para as pessoas a sua volta e a cidade em si.

Referências

  • BRUHNS, H. T. A Busca pela Natureza: turismo e aventura. Barueri, SP: Manole, 2009.

  • CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. Coordenação da Traduação Fabiana Komesu. 2. ed., 3a reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008.

  • GALLEGOS, A. G. Una aproximación conceptual y taxonómica a las actividades físicas en el medio natural. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires v. 12, Nº 107. Ab. 2007. http://www.efdeportes.com/efd107/aproximacion-conceptual-y-taxonomica-a-las-actividades-fisicas-en-el-medio-natural.htm

  • GRANDE, J. M. El cicloturismo y el transporte público (Experiencias, Problemas, Posibilidades...). Asociación Cicloturista Pedalibre de Usuarios de la Bicicleta. Madrid.

  • MARCELLINO, N. C. Estudos do lazer: uma introdução. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2000.

  • MELGAR, J. M. O. El Cicloturismo: Deporte y cultura sobre la bicicleta. Apunts: Educació Física i Esports. Área Técnico Profissional. 2°Trimestre, 1986.

  • RAMALHO, J. A. Guia do Mountain Bike. São Paulo: Gaia, 2007.

  • ROLDAN, T. R. R. Cicloturismo: planejamento e treinamento. Campinas: Faculdade de Educação Física – UNICAMP, 2000. 43 pág. Monografia, (Bacharelado em Educação Física, modalidade Treinamento em Esportes).

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