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A dança do Xondaro Guarani Mbyá em uma instituição 

de ensino não formal: relatos de uma pesquisa

La danza de Xodaro Guaraní Mbyá en una institución de educación no formal: relatos de una investigación

 

Universidade Federal de Santa Catarina

Mestrandos em Educação UFSC

Linha Ed. Movimentos Sociais

(Brasil)

Eliton Clayton Rufino Seara

elitonseara@gmail.com

Antonio Luis Fermino

antonioluisf@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste escrito será apresentar um relato de uma intervenção realizada a partir de um trabalho de conclusão de curso. Buscar-se-á trazer elementos de uma prática corporal do povo indígena Guarani Mbyá, mais precisamente uma dança, conhecida como dança dos Guerreiros ou Xondaro. Apresentar-se-ão os resultados obtidos com os sujeitos pesquisados de forma a dialogar com a temática, bem como com a Educação Física.

          Unitermos: Dança Guarani. Educação Física.

 

Resumen

          El propósito de este escrito es presentar un informe de un relato de una intervención realizada a partir de un trabajo de fin de curso. Se busca aportar elementos de una práctica corporal de las comunidades indígenas Mbyá Guaraní, más precisamente una danza, conocida como Danza de los Guerreros o Xondaro. Estarán presentes los resultados obtenidos así como los sujetos estudiados con el fin de reflexionar sobre el tema, así como sobre la Educación Física.

          Palabras clave: Danza Guaraní. Educación Física.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 162, Noviembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este artigo é um recorte de uma pesquisa1 realizada em 2009, como atribuição de trabalho de conclusão de curso (TCC). Ao resolver optar por um tema2 não muito contingente nos estudos da universidade (UNIVALI), criou-se ao mesmo tempo um desafio e certo receio pela proposta, visto que tudo que se torna novo e desconhecido causa este estranhamento.

    Deu-se muita importância por parte dos autores desta pesquisa sobre a questão de uma visão mais crítica em relação á Ed. Física, e ao reportarmo-nos a esta temática consideramos ser pertinente para obtermos esses diálogos e debates no que tangem novas dimensões de práticas corporais no contexto desta disciplina.

    Este recorte apresentará um relato de uma das intervenções realizadas na instituição que realizamos a pesquisa. Apresentaremos um relato sobre a dança do Xondaro Guarani que foi realizada com os educandos/sujeitos pesquisados. Serão comentados momentos da intervenção, discussões após esta e nossas reflexões sobre o tema abordado, além de apresentar a metodologia utilizada.

Metodologia: caminhos da pesquisa

    Antes mesmo de iniciar nossas intervenções, que no total contabilizaram nove (9), realizamos três (3) visitas a aldeia Mbyá Biguaçu, localizada na cidade de Biguaçu, grande Florianópolis. Essas visitas nos subsidiaram para um melhor entendimento do que iríamos fazer e como iríamos.

    O grupo indígena que optamos trabalhar foram os índios Guarani, mais especificamente os Mbyá, estes são uma das “famílias”, um dos grupos desta etnia. Esses índios atualmente que carregam o estigma de “aculturados”, pois vivem com roupas e tem um contato extremo com a cultura ocidental. Em se tratando do contado desses povos com os “brancos” podemos observar na fala de Marcos Karaí que estes são chamados de ‘’Jurua’’.

    No que diz respeito à abordagem de pesquisa utilizada para a realização deste trabalho, optou-se por uma pesquisa qualitativa. Entendo que este pesquisa preocupa-se com contextualizações das falas dos sujeitos, bem como descrições de suas ações que se tranformam em dados. Neste sentido o trabalho de descrição tem um carater fundamental em um estudo qualitativo, pois é por meio dele que os dados são coletados( MANNING,1979 apud NEVES, 1996, p.1)

    Ainda em questão da metodologia que percorremos, a pesquisa ação uma das abordagens que se enquadram na pesquisa qualitativa, foi utilizada nesta reflexão por entender que criaram-se ações interventivas e com isso decorreu-se um processo de cooperação–participação, que THIOLLENT, 1985 elucida como um :

    [...] tipo de pesquisa com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (2005, p. 16)

    O nosso campo de pesquisa foi o Parque Dom Bosco, Rua Brusque n° 1333, bairro Dom Bosco da cidade de Itajaí – SC. O Ambiente onde eram ministradas as aulas aconteceram no parque, sala de aula, auditório, quadra coberta, pátio e estúdio de música. Com relação aos materiais utilizados nas intervenções alguns os educadores levaram como, por exemplo: filmadora, cd´s contendo vídeos indígenas, violão elétrico, chocalho e pau - de - chuva (instrumentos da tribo Mbyá Biguaçu), outros instrumentos foram confeccionados pelos educandos como por exemplo: tambores e chocalhos e outros instrumentos a instituição e a oficina de música nos emprestou, carrilhão, pandeiro, violões e tambores.

    Para que pudéssemos realizar nossas aulas foram construídos de planos de aula, os quais explicavam nossos objetivos de cada dia, e as atividades que seriam propostas aos alunos. Após as nossas aulas, realizamos a construção de um relatório que descrevia todos os acontecimentos ocasionados nas intervenções. Estes relatórios serviram para a construção de novos planos de aula.

Contextualização da pesquisa: dançando e refletindo

    Após a última intervenção onde mostramos os vídeos com nossas visitas e vivências com os índios Guarani, nossa proposta foi à dança dos Macacos/ Guerreiros. Podendo expressar para os educandos que esta dança tem relação estrita com os mitos da cultura Guarani, sendo que alguns, nós pudemos escutar em nossa pesquisa de campo com o professor Guarani Marcos Karai da aldeia M’Biguaçu dos Mbyá. E Em relação aos mitos Lévi-Strauss apud Mendes (2006, p.26) considera que é:

    Um sistema de comunicação, todavia diferente da linguagem verbal, pois o mito propõe uma grade definível somente por suas regras de construção. Essa grade confere um sentido para os participantes da cultura de onde provém este mito; não somente a ele, o mito, mas também as imagens do mundo da sociedade e da história da qual os membros do grupo têm maior ou menor consciência.

    Quando pensamos em mitos, nos remetemos a algo fabuloso, que aconteceu em tempos que cronologicamente não podemos demarcar, ou seja, impreciso. São histórias contadas para que algo possa ser relatado sobre aquela cultura. Segundo Ramos os mitos nas culturas indígenas:

    São veículos de informação sobre a concepção do Universo, incluindo temas sobre a criação do mundo, a origem da agricultura, as relações ecológicas entre animais, plantas e outros elementos, a metamorfose de seres humanos e animais e vice-versa e de ambos em espíritos e índoles, a razão de ser de certas relações sociais culturalmente importantes e até mesmo o surgimento do ‘‘homem branco’’ e a avalanche de fatores desagregadores que o acompanham. (1986. p.85)

    Analisando o que a citação acima nos trás sobre os mitos nas culturas indígenas em geral, e trazendo especificamente para a cultura Guarani, e ainda para a aldeia M’Biguaçu dos Guarani Mbyá, podemos constatar que segundo nossa pesquisa feita com os mesmos o que nos é trazido acima é algo realmente correto. Sendo que alguns mitos que escutamos do professor Marcos condizem com as concepções acima citadas. Além do que os Mbyá têm a concepção da criação do Universo disseminada em narrativas mitológicas, seguidos de seus ritos religiosos conduzidos pelo líder espiritual.

    Para sintetizar um pouco sobre a questão dos mitos e a religiosidade dos Mbyá, podemos observar o quadro cosmológico (Universo) que Aldo Litaiff (2004), nos traz definindo as principais divindades Mbyá:

    NhanderuTenondegua, “nosso primeiro e verdadeiro pai", considerado o Deus supremo, num plano sempre tridimensional, situado acima, ao centro do céu; Jakaira, também situado ao centro do céu, ao lado de Nhanderu; Kuaray,o sol, filho de Nhanderu, circulando em tomo da terra; Tupã,ocupando a metade oeste do corte diametral; e Karai,o leste do mapa cosmológico. Logo abaixo destes deuses considerados maiores, vêm os Ne'engRu Etee Ne'eng CyEte, “pais e mães das palavras-almas" (Litaiff 2004, p. 22-23)

    Após estas reflexões sobre o mito realizamos a dança dos Macacos ou também conhecida como dança dos Guerreiros, que como já citada tem relação com os mitos da Cultura Mbyá. Levamos os instrumentos confeccionados pelos educandos em uma das intervenções anteriores e nos dirigimos ao pátio. Antes mesmo de iniciar a dança propriamente dita, problematizamos a questão do uso do violão pelos Guarani em suas canções, visto que um dos educandos nos questionou: educando X: ‘’Como eles tocam violão se são índios’’ achando estranho que eles tocassem este instrumento, sendo que este educando nunca havia ter falado de sua utilização por parte dos mesmos. A partir dessa questão podemos relatar aos demais educandos sobre a utilização de instrumentos da cultura ocidental pelos Guarani, como nos diz Coelho (2004):

    A proximidade dos Guarani com a música ocidental é tão antiga quanto o contato com os invasores europeus, especialmente missionários, que vem desde o século XVII. Uma característica marcante de seu sistema musical atual é o uso de instrumentos de cordas como o violão (mbaraka) e a rabeca (rave, ou guyrapa-pe), de utilização largamente difundida, ao lado do ãgua-pu (tambor), takua-pu (bastão de ritmo) e mbaraka-mirin (chocalho).

    Após trazer esta problematização iniciamos a dança, foi utilizado o cavaquinho, pois o violão que iríamos utilizar não se assemelhava ao som e a afinação, que é diferente do comum, assim o cavaquinho mostrava um som mais semelhante a afinação dos Mbyá. A dança inicialmente começou tranquila, a partir de um momento os educandos começaram a se divertir e entra no espírito da atividade. Após seis ou sete minutos aconteceu um acidente, ou melhor, duas cordas do cavaquinho arrebentaram, e assim ficou difícil dar continuidade, no entanto já havia sido feita quase toda à dança seguindo os vídeos de nossa vivência na aldeia.

    O principal da atividade era contextualizar o porquê da dança, ou seja, seu significado, seu contexto histórico e também qual era a relação que poderíamos obter da EF escolar. Um dos educandos relacionou a prática realizada com a EF no âmbito do exercício físico, e dessa forma pudemos trazer que a dança realizada havia sim uma relação no contexto do exercício, porém mais que isso que esta por sua vez tinha uma significação de quem faz, pois segundo o professor Marcos Karai, esta dança faz parte da cultura Guarani, faz parte de uma preparação tanto física como mental, sem separar o corpo do pensamento, pois com a preparação de seus praticantes faz com que estes estejam sempre alerta para as dificuldades da mata e da caça, podendo ser obstáculos ou animais que terão que ser enfrentados.

    Neste contexto sobre como a dança é realizada, o professor Marcos Karaí relata que o Xondaro é:

    Uma dança, mas ao mesmo tempo um treinamento de habilidades. Os guerreiros aprendem a se defender e o Xondaro é feito somente pra defesa. Tem que começar a dançar desde pequeno, ai vai crescendo e aprimorando o jeito de ser um Xondaro. O Xondaro é uma arte Guarani, é dançando em semi circulo e com um guerreiro no meio que ira comandar os movimentos dos outros, pois ele vai fazer com que eles tenham que se defender. (Professor Marcos Karaí)3.

    Ainda segundo os Mbyá a dança é um elemento sagrado e junto com a música estão inter-relacionadas, partindo deste ponto podemos observar o que MENDES nos diz sobre a dança que esta é uma expressão corporal da emoção autentica por meio de passos sincronizados com a música e o ritmo do movimento, está indissociada da música, do canto e dos instrumentos musicais, indispensáveis desde sua origem até a atualidade (2006, p.74)

    Ainda nessa contextualização um dos educandos nos questionou do por que se preparar através desta dança como supracitado, se na aldeia não havia mais a prática da caça e inserção na floresta por parte dos índios Guarani, como já havíamos relatado, com isso partimos para nossas considerações finais, que serão apresentadas logo abaixo, confira.

Considerações finais

    Costurando e tecendo as linhas que foram trazidas através da agulha que podemos chamar de pesquisa, apontam-se aqui algumas considerações, não diríamos resultados, pois não estamos quantificando números, mas sim propondo reflexões do que foi feito com sujeitos reais, seres humanos, possuidores de conhecimento, cultura e modos de fazer e saber.

    Podemos considerar diversos pontos que se encaixam aqui como pertinentes. Começamos então pela última indagação feita por um dos sujeitos/educando. Por que ainda se pratica esta dança se ela é feita para se proteger dos animais e obstáculos na mata, se não há mais mata? Dai, concretizasse o que o professor Marcos nos disse: manter nossa cultura, tradições, para passar a nossos filhos e para que eles conheçam. Este ponto de partida faz-se substancialmente relevante para compreendermos a questão da diversidade. Um povo, com sua língua, seus costumes, tradições, suas danças e, que caracterizam seu modo de ser e estar na sociedade. Esta reflexão foi a que mais abordamos durante o trabalho. Não se trata de ser um protetor dos indígenas e nem ser romântico, mas sim, observar e debater sobre o respeito à diversidade e as diferenças.

    Estas e muitas outras considerações podem aqui ser ressaltadas, mas o fato de propormos outro olhar para a Ed. Física e, por sua vez tratarmos esta disciplina como um momento de debate, reflexão e principalmente ação sobre diversas práticas corporais (aqui a temática indígena) e, não somente os esportes, estar-se-á considerando um avanço no que diz respeito novas possiblidades e entendimentos desta no campo da educação.

Notas

  1. Dias de índio: vivências e discussões sobre a cultura guarani Mbyá nas aulas de educação física em uma escola não indígena. Pesquisa publicada em forma de artigo completo no congresso Brasileiro de Ciencias do esporte- CONBRACE-2011. Disponível em: http://www.rbceonline.org.br/congressos/index.php/XVII_CONBRACE/2011/paper/view/3176/1644

  2. O tema foi: a temática indígena no contexto da Educação Física.

  3. Todas as entrevistas foram gravadas em vídeo para um melhor aproveitamento das discussões e das falas. Foi concedida uma autorização por escrito para a utilização da mesma através do Cacique Hirao.

Referências bibliográficas

  • COELHO, Luís Fernando Hering Música Indígena no Mercado: Sobre Demandas, Mensagens e Ruídos no (Des) Encontro Intermusical. Acessado em 25 de abril de 2009 disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/campos/article/view/1640

  • LITAIFF, Aldo. Os filhos do sol: mitos e práticas dos índios Mbyá-Guarani do litoral brasileiro. Acessado em 10 de maio de 2009 disponível em: ftp://neppi.ucdb.br/pub/tellus/tellus6/TL6_Aldo_Litaiff.pdf

  • MENDES, Mara Souza Ribeiro. Xondaro - Uma etnografia do mito e da dança Guarani como linguagens étnicas. Dissertação do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem, 2006 disponível em: http:/www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/disserta/index.htm#2006. Acesso em 12/04/2009

  • NEVES, J. L. CADERNO DE PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, SÃO PAULO, V.1 N 3, 2º Semestres./1996 Disponível em: http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/c03-art06.pdf

  • THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. 14ª edição. São Paulo: Cortez Editora, 2005

  • RAMOS, Alcida Rita. Sociedades Indígenas 5ª edição. Série Princípios. (São Paulo: Ática, 1995).

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