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Educação sobre saúde bucal em comunidade 

rural quilombola: relato de experiência

Educación sobre salud bucal en una comunidad quilombola: relato de experiencia

Dental health education in quilombolas communities: experience report

 

*Odontólogo. Mestre em Odontologia

Professor do Curso de Odontologia da SOEBRÁS/FUNORTE

**Odontóloga. Mestre em Epidemiologia

Professora do Curso de Odontologia da UNIMONTES

***Acadêmica, bolsista de Iniciação Científica

do Curso de Odontologia da SOEBRÁS/FUNORTE

****Acadêmica, jovem pesquisadora do Curso de Odontologia da UNIMONTES

*****Odontóloga. Especialista em Saúde Pública

Referência Técnica em Saúde Bucal da SES-MG

******Fonoaudióloga. Sistema Público de Saúde

Pesquisadora de Iniciação Científica da SOEBRÁS/FUNORTE

Daniel Antunes Freitas*

Tânia Coelho Rocha Caldeira**

Jéssica Camila Santos Silveira***

Ana Carolina Amaral Pereira****

Jacqueline Silva Santos*****

Stéffany Lara Nunes Oliveira Antunes******

danielmestradounincor@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Os quilombos fazem parte de uma época triste da história do Brasil. A escravidão deixou profundas marcas no país; feridas que ainda insistem em não cicatrizar. Neste enredo de exclusão, desigualdades e racismo institucionalizado, emergem as comunidades de remanescentes quilombolas, lutando por acesso e políticas inclusivas para suas populações. O acesso em saúde no Brasil é, ainda, uma questão muito polêmica desde a criação do Sistema Único de Saúde. As populações quilombolas reivindicam direito à saúde plena e integral. O objetivo deste trabalho é relatar uma experiência de educação em saúde bucal em uma comunidade rural quilombola no Brasil.

          Unitermos: Saúde oral. Vulnerabilidade em saúde. Saúde pública. Etnia e saúde.

 

Abstract

          Quilombos are part of a sad time in the history of Brazil. Slavery has left deep marks in the country; wounds that still insist on not healing. In this story of exclusion, inequality and institutionalized racism, emerging communities of afro-descendents, fighting for access and inclusion policies for their populations. Access to health care in Brazil is still a very controversial issue since the creation of the Unified Health System (SUS). The quilombolas claim full right and access to complete health care. The objective of this study is to report an experience of oral health education in a rural community in Brazil maroon.

          Keywords: Oral health. Health vulnerability. Public health. Ethnic group and health.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 161, Octubre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A cor da pele pode ser vista como manifestação biológica na figura humana, mas também pode se mascarar em expressão racializada da biologia, quando exposta à atitudes segregadoras dentro da sociedade. Os termos raça e etnicidade são categorias sociais, mais do que biológica, referente a grupos que têm em comum uma herança cultural. As desigualdades raciais, nas condições de saúde das populações, permanecem sendo um grande problema de saúde pública em vários países, como expressão de diferenças biológicas, disparidades sociais e discriminação étnica1,2.

    Durante séculos, as comunidades negras rurais constituíram processos que possibilitaram a construção de uma significativa rede de relações socioculturais, econômicas e políticas; a formação de quilombos está no cerne destes acontecimentos1,3.

    Reconhecidas oficialmente pelo Estado brasileiro em 1988, principalmente com a afirmação de seus direitos territoriais por meio do Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição (ADCT), as comunidades quilombolas despertam uma série de questões socioeconômicas, espaciais, jurídicas e culturais que fazem parte da discussão sobre o que representam os quilombos contemporâneos na atualidade e sobre a sua efetiva inserção cidadã1,4.

    É preciso ampliar a discussão do direito à saúde, que é uma das premissas básicas do SUS, levando-se em conta que o acesso ao mesmo, passa ainda pelas condições sociais e econômicas da população e não apenas de sua condição étnica. Mas sem perdermos de vista que a universalidade do SUS, que seria o pleno acesso aos serviços públicos de saúde e de qualidade, para toda a população brasileira ainda não se efetivou na prática. Para o Ministério da Saúde, a política de inclusão da população quilombola inicia-se, efetivamente, em 2004 com a Portaria n.º 1.434, de 14/7/20045, que criou um incentivo para a ampliação de equipes de estratégia da saúde para as comunidades quilombolas3,5.

    A população quilombola ainda luta por igualdade de direitos, pela posse e regularização fundiária de suas terras, pela ampliação de uma cidadania plena e pela equidade na saúde pública no nosso país. Os quilombolas estão distribuídos por todo território nacional, e muitos ainda vivem em comunidades formadas por forte vínculo de parentesco, mantendo ainda vivas tradições culturais e religiosas. Os membros da comunidade estão ligados a trabalhos rurais, ou culturas de subsistência, e muitos dependem de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, entre outros6-8.

    A visão de vulnerabilidade social é, usualmente, referida nos quilombos em relação à saúde e à doença. A morbimortalidade, tanto de origem infectocontagiosa quanto crônico-degenerativa, compõe o repertório de reflexão desta rede de causalidade da insegurança. A importância do recorte étnico/racial na assistência e na atenção em saúde relativa às doenças e às condições de vida da população negra, permite que sejam identificados contingentes populacionais mais suscetíveis a agravos à saúde, como hipertensão e anemia falciforme3,6,9.

    A política governamental brasileira para a Saúde Bucal compreendeu que se deve "ampliar e qualificar o acesso ao atendimento básico", garantindo serviços odontológicos em todas as unidades básicas de saúde, incluindo áreas rurais, de difícil acesso e de fronteiras nacionais, com atendimentos em horários que possibilitem o acesso de adultos e trabalhadores a esse tipo de assistência, inclusive com a implantação, pelo setor público, de laboratórios de próteses dentárias de âmbito regional ou municipal. Foi enfatizada a importância de "implementar ações de saúde bucal junto às populações remanescentes de quilombos, após ampla discussão com as suas organizações, a fim de se garantir o estabelecimento de um programa de atendimento de caráter não-mutilador, universal, integral e com equidade, e que considere as experiências e os valores culturais relacionados às práticas higiênicas e dietéticas de cada povo quilombola5,7,9,10.

    Quando se pensa nas comunidades quilombolas e seu acesso às políticas de saúde, não há como fechar os olhos ao grave problema das crianças. As comunidades, em sua maioria, caracterizam-se pelo forte vínculo com o meio ambiente. As famílias destas comunidades vivem da agricultura de subsistência, sendo a atividade econômica baseada na mão de obra familiar, para assegurar os produtos básicos para o consumo. As crianças aprendem a lida na roça desde muito tenra idade. As condições sanitárias destas populações são insuficientes; a maior parte não possui água tratada e nem esgoto sanitário3,7.

    Outra característica importante dessas comunidades é a ausência de serviços de saúde locais, fazendo com que, ao surgirem doenças, seus habitantes sejam obrigados a percorrer grandes distâncias em busca de ajuda. Todas estas questões acabam por aumentar o baixo índice de indicadores de saúde entre as crianças quilombolas. A doença falciforme e a hipertensão arterial têm sido registradas com freqüência nos dados coletados junto às comunidades quilombolas. Evidentemente que, a ausência de água tratada e a falta de condições sanitárias ideais, tem provocado o relato substancial de surtos de diarréia e doenças dermatológicas entre grande quantidade das populações remanescentes de quilombos. A grande problemática está em oferecer saúde integral combinada com a manutenção das crenças e tradições destes grupos. Cabe aqui ressaltar que, muitos povos quilombolas, ainda se utilizam de práticas alternativas e do uso de plantas consideradas por eles como medicinais11.

    O objetivo deste trabalho é apresentar o relato de uma experiência de educação em saúde bucal realizada em uma comunidade rural quilombola do norte de Minas Gerais, Brasil.

Comunidade Rural Quilombola de Bomjardim da Prata12

    São Francisco é um município situado no norte de Minas Gerais, fundado entre 1700 e 1702 por Domingos do Prado e Oliveira, a partir da Fazenda Pedras de Cima, entre a beleza do rio, das pedras e dos angicos. Em sua história, foi batizada por vários nomes, como: Pedras de Cima, Pedras dos Angicos, São José das Pedras dos Angicos, São Francisco das Pedras e, em homenagem ao rio, o chamado “rio da integração nacional”, foi sacramentado o nome definitivo de “São Francisco”, pela Lei 2.416, em 5 de novembro de 1877. A cidade possui cerca de 55.000 habitantes, em um território de 3.300 km². No município há oito quilombos, dentre eles a Comunidade Rural Quilombola de Bom Jardim da Prata, que dista muitos quilômetros da sede municipal; para chegar lá é preciso atravessar uma balsa sobre o Rio da Integração Nacional: o velho Chico.

    Na Comunidade Rural Quilombola de Bomjardim da Prata as casas de algumas famílias são de pau-a-pique, cobertas de amianto ou palha. Outras são de alvenaria, com telhado cerâmico, sem reboco e piso em cimento. Muitas delas ainda não possuem instalações sanitárias completas, aumentando o índice de verminoses.

    A água da comunidade não é tratada para consumo humano. Há duas fontes de água: uma é o rio São Francisco, de onde a água é tirada com latas e a outra é um poço artesiano, que beneficia 14 famílias. As maiores queixas dos moradores são a poluição do rio e a má qualidade da água consumida. Atualmente a população é abastecida por carros pipas da Defesa Civil, mas o armazenamento da água é feito em condições precárias. As condições de saneamento e higiene também são inadequadas e a maioria dos moradores possui pocilgas próximas às casas. A comunidade utiliza fossa séptica. A FUNASA instalou um sistema de abastecimento de água no local e realizou melhorias sanitárias domiciliares (MSD) - banheiro com pia, chuveiro e vaso sanitário. As residências são em alvenaria, mas de baixo padrão construtivo, muitas delas ainda de chão batido. Não há coleta de lixo.

    A renda dos moradores provém de atividades agrícolas e trabalho em centros urbanos próximos. Os jovens não possuem perspectivas de emprego que lhes garantam o sustento e muitos migram sazonalmente para Unaí e São Gotardo, trabalhando na cultura do alho e café. Assim, permanecem distantes por longos períodos e, devido à carência, acabam tendo relações sexuais nos grandes centros urbanos e contraindo doenças venéreas que são introduzidas na comunidade. Além disso, muitas famílias vivem da aposentadoria dos idosos e dos benefícios sociais, como bolsa família e auxílio maternidade.

    As danças e folguedos tradicionais ainda são praticados pelos moradores de Bom Jardim da Prata. O Batuque, o Lundu e a Dança do Carneiro acontecem durante as festas de Santos Reis e São Sebastião. Na comunidade ainda há um antigo cemitério e uma capela.

    A comunidade quilombola de Bom Jardim da Prata não recebe ações permanentes da Secretaria Municipal de Saúde de São Francisco, exceto campanhas esporádicas de vacinação. Não existem dados epidemiológicos oficiais desta população. Suas principais doenças seriam o câncer de estômago, de próstata, anemia, diabetes e hipertensão. Também foi salientada a preocupação com a gravidez na adolescência e o uso de drogas e álcool. Doenças parasitárias também acometem a comunidade, dadas as precárias condições de saneamento e fornecimento de água.

Relato de experiência

    No mês de junho de 2011 foi realizada uma grande ação de saúde na Escola Estadual Barreira dos Índios, localizada na Comunidade Rural Quilombola de Bom Jardim da Prata, em São Francisco-MG. Esta é uma Comunidade Quilombola completamente desassistida pelo poder público municipal; a Secretaria Municipal de Saúde não oferece a menor condição de acesso à saúde aos quilombolas desta região. Preocupados com a situação destas famílias, especialmente com as crianças, pesquisadores em saúde bucal da Universidade Estadual de Montes Claros decidiram promover um dia de assistência preventiva à saúde nesta localidade.

    Durante o dia foram realizadas palestras de educação em saúde bucal para as crianças e seus familiares desta comunidade quilombola. O intuito destas palestras foi o do despertar para a importância da atenção primária à saúde, no que diz respeito à saúde bucal. Nas palestras foram explorados temas muito importantes como: alimentação adequada, placa bacteriana, a cárie, importância da escovação e do uso do fio dental, doenças periodontais e o câncer bucal.

    Foram distribuídos, a todos os presentes nas palestras, kits de higiene bucal contendo escova dental e creme dental com flúor.

    Também foi realizado um levantamento de necessidades do tipo “estimativa rápida”, ocasião em que ficou comprovada a penúria da situação bucal daquela comunidade, causada pelo descaso da Secretaria Municipal de Saúde de São Francisco.

    Os pesquisadores ficaram muito impressionados em ter presenciado uma situação tão caótica e difícil. Constrangeu a todos assistir o sofrimento de tantos brasileiros necessitados e sem a menor perspectiva de atenção.

Conclusão

    É evidente que a Comunidade Rural Quilombola de Bomjardim da Prata está excluída do acesso à saúde preconizada pela Constituição Federal do Brasil. Os governantes tem se omitido à mínima intervenção dos aspectos básicos de saúde para aquele grupo populacional; falta de água, falta de saneamento, ausência de atenção médico-odontológica são apenas retalhos de uma história triste e sombria. Espera-se que o Sistema Público de saúde possa abraçar com dignidade e respeito estas populações, a fim de construir um futuro de equidade e integralidade no panorama brasileiro.

Referências bibliográficas

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  6. Machado CV, Baptista TWF, Lima LD. O planejamento nacional da política de saúde no Brasil: estratégias e instrumentos nos anos 2000. Ciência e Saúde Col. 2010;15(5):2367-82.         

  7. Santos RV, Maio MC. Qual "retrato do Brasil"? Raça, biologia, identidades e política na era da genômica. Mana 2004;10(1):61-95.       

  8. Leite IB. Quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Etnog. 2000;4(2):333-54.

  9. Machado CV, Baptista TWF, Lima LD. O planejamento nacional da política de saúde no Brasil: estratégias e instrumentos nos anos 2000 Ciência & Saúde Coletiva 2010;15(5):2367-82.

  10. Narvai PC. Saúde bucal coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade. Rev Saúde Pública 2006;40(N Esp):141-7.

  11. BRASIL. A saúde da população negra e o SUS: ações afirmativas para avançar na equidade / Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde (Série B. Textos Básicos em Saúde), 60 p, 2005.

  12. Marques AS, Caldeira AP, Souza LR, Zucchi P, Cardoso WDA. População quilombola no Norte de Minas Gerais: invisibilidade, desigualdades e negação de acesso ao sistema público de saúde. BIS 2010;12(2):155-61.

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