efdeportes.com

O lugar do futebol no discurso do seu torcedor

El lugar del fútbol en el discurso del hincha

 

*Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul, RS

**Professora Adjunta do Centro de Ciências Humanas da Universidade

de Caxias do Sul. Membro do Corpo Permanente do Núcleo de Pesquisa

em Ciências e Artes do Movimento Humano- Universidade de Caxias do Sul

Psicóloga; Doutora em Ciências Pneumológicas (UFRGS)

Mestre em Ciências do Movimento Humano (UFRGS)

Claudia Maria Crocoli Antunes*

Rossane Frizzo de Godoy**

rossanegodoy@terra.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O futebol é um dos esportes mais populares do mundo. No Brasil, é conhecido como “a paixão nacional”. Cria representações sociais e faz parte do imaginário social dos torcedores. Estes se agregam nas chamadas torcidas organizadas, nas quais compartilham emoções, expectativas e também vivenciam alguns fenômenos de grupo. O objetivo deste trabalho é identificar as representações sociais presentes nas manifestações de pertencimento do torcedor a um determinado clube de futebol e à sua torcida. Foi realizada uma pesquisa qualitativa e exploratória, através de vídeos do endereço eletrônico Youtube, com as palavras-chave “depoimento torcedor Flamengo” e “depoimento torcedor Corinthians”, postados em 2009. No total, foram coletados nove vídeos, com o depoimento de vinte sujeitos. A análise dos dados foi realizada através do método do Discurso do Sujeito Coletivo. Foram criados oito discursos, sendo seis relacionados ao clube e dois à torcida. Os resultados obtidos mostraram que o torcedor representa o clube e a torcida como uma figura idealizada, especial e heróica; como um local de expressão de sentimentos positivos e de religiosidade; como parte importante da vida do torcedor que identifica com o clube; como um objeto de fidelidade e abnegação; como um meio de socialização e formação de vínculos e como uma escolha involuntária.

          Unitermos: Futebol. Torcedor. Torcida. Representação social. Imaginário social.

 

Abstract

          Football is one of the most popular sports in the world. In Brazil it is known as ‘the national passion’. It creates social representations and it is part of the social imaginary of its fans. They gather together in fan clubs, in which emotions, expectations and some group phenomena are shared. The aim of this study is to identify the social representations which are present in the fan belonging to a certain football club and to its fan club. A qualitative and explorative video research throughout YouTube website was done, with the key-words ‘depoimento torcedor Flamengo (Flamengo fan speech)’ and ‘depoimento torcedor Corinthians (Corinthians fan speech)’. Only videos posted in 2009 were selected. A total of nine videos and twenty different speeches were collected. As for the data analysis, the Collective Subject Discourse Method was used. It was created eight speeches, six related to the football club and two related to the fan club. Results show that the fan represents the football club and its fan club as an idealized, special and heroic figure; as a site for positive feelings and religiosity expression; as an important part of the fan life due to their identification with the football club; as an object of fidelity and abnegation; as a mean of socialization, bonding and as an involuntary choice.

          Keywords: Football. Fan. Fan Club. Social representation. Social imaginary.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 161, Octubre de 2011. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    O futebol é um dos esportes mais populares do mundo. No Brasil, tornou-se mais conhecido por volta de 1894, quando o brasileiro Charles Miller, descendente de ingleses, retornou ao país com a primeira bola de futebol e um conjunto de regras. O primeiro jogo foi realizado em 15 de Abril de 1895, entre funcionários da empresas inglesas que atuavam em São Paulo. Inicialmente, o jogo era praticado apenas por pessoas de elite, sendo vedada a participação de negros em times de futebol. (Galeano, 1997)

    Atualmente, o futebol brasileiro é conhecido como “a paixão nacional”. As torcidas organizadas também são um exemplo desta “paixão”, compartilhada entre os seus milhares de associados. Elas demonstram de diversas formas o amor e fidelidade pelo seu clube, bem como a competitividade e ódio pelos clubes adversários. O pertencimento à torcida de uma determinada equipe pode significar mais do que uma simples simpatia ou passatempo. Parece estar ligada a uma subjetividade individual e coletiva. (Pinsky, 2004)

    Sob o ponto de vista sociológico, este sentimento de pertencimento a um grupo de pessoas e suas respectivas manifestações pode estar relacionado a um movimento de massa. Este oferece aos seus associados uma oportunidade de adquirir novos elementos de orgulho, confiança, esperança, um senso de objetividade e valor, mediante a identificação com uma causa. Da mesma forma, um movimento de massa atrai seu seguidor não para que ele satisfaça seu desejo de progresso próprio e individual, mas para que ele possa satisfazer a paixão pela auto-renúncia. (Hoffer, 1968)

    A área da psicologia do esporte já desenvolveu estudos abordando a influência da torcida sobre o desempenho dos atletas. No entanto, estudos que buscassem identificar os aspectos psicológicos e sociais dos próprios torcedores de futebol não foram tão explorados. Portanto, esta investigação tem como objetivos identificar as representações sociais presentes nas manifestações de pertencimento do torcedor a um determinado clube de futebol e à sua torcida e relacionar as representações sociais ao imaginário social observado nos depoimentos dos torcedores.

Método

    Pesquisa qualitativa e exploratória, realizada por meio de vídeos do endereço eletrônico Youtube através das palavras de busca: “depoimento torcedor Corinthians” e “depoimento torcedor Flamengo”, por se tratar dos dois clubes com maior número de torcedores do Brasil. Foram selecionados apenas os vídeos postados em 2009 (visto ser o ano de maior número de postagens) que retratassem depoimentos onde os sujeitos estivessem descrevendo seu clube/torcida; relatando experiências pessoais e justificando a sua escolha pelo determinado clube/torcida. Os vídeos que não preenchessem estes requisitos foram excluídos.

Procedimentos

    Os vídeos foram pré- selecionados, assistidos e transcritos de forma literal de acordo com os critérios referidos. A tabulação e análise dos dados obtidos foram realizadas por meio do método do Discurso do Sujeito Coletivo.

    Este método visa à organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal, a fim de expressar uma referência coletiva através da união de discursos individuais. Cria-se um discurso único, em primeira pessoa, que transmite uma referência coletiva, uma forma de expressão do imaginário social e das representações sociais em determinado assunto (Lefèvre & Lefèvre, 2003).

    Para a elaboração da análise dos dados cada vídeo foi transcrito e analisado individualmente, identificando-se as expressões-chave e sua respectiva idéia central, para a formulação dos temas. Por fim, a composição dos discursos do sujeito coletivo. (Lefèvre & Lefèvre, 2003).

Resultados

    Na pesquisa com a expressão de busca “depoimento torcedor Flamengo” e “depoimento torcedor Corinthians”, realizada em março de 2011, foram encontrados 93 vídeos. Destes, apenas 9 estavam de acordo com os critérios de inclusão.

    Os nove vídeos foram transcritos de forma literal e sublinhadas as expressões-chave, através do discurso de 20 sujeitos. Após, as expressões-chave foram divididas em duas categorias: 1) Manifestação de Pertencimento ao Clube de Futebol e 2) Manifestação de Pertencimento à Torcida. Em seguida, foram selecionados os grandes temas de cada categoria, expressos através das expressões-chaves e suas respectivas idéias centrais, criando-se o Discurso do Sujeito Coletivo para cada tema. No total, foram criados seis temas para a categoria 1 e dois temas para a categoria 2.

Categoria 1.     Representações sociais nas manifestações de pertencimento ao clube de futebol

Tema 1. É mais que um clube, é especial, é o melhor, é o que tem o maior número de torcedores.

Expressão- chave

Idéia central

Na minha cidade, 95% é flamenguista

95% são do clube

(…) é um milhão de flamenguista...

É um milhão de torcedores

Mengão dominando

Este clube domina

Flamengo é igual a pardal: tem no mundo todo.

Tem no mundo todo

Quando você experimenta o que é melhor, você não quer o mais ou menos

Você quer sempre o melhor

(…) oportunidade extraordinária que o Corinthians teve pra mostrar que puxança que esse time tem

Esse time tem puxança

É alguma coisa de fabuloso

É fabuloso

(…) uma vitória de raça

Vitória de raça

O Corinthians é muito mais que um clube

É mais que um clube

Corinthians é uma voz

É uma voz

(…) o Corinthians é uma força

É uma força

(…) essa camisa que não tem igual

Não tem igual

    Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) 1: Na minha cidade, 95% são do clube. Este clube domina, é um milhão de torcedores, é igual pardal: tem no mundo todo. É muito mais que um clube de futebol, é uma vitória de raça; é uma voz; é uma força, tem puxança. É alguma coisa de fabuloso, que não tem igual. Quando você experimenta o que é melhor, você não quer o mais ou menos, você quer sempre o melhor.

Tema 2. O clube é minha paixão, é amor, é uma emoção difícil de explicar. É algo sagrado, espiritual e fui agraciado por Deus.

Expressão-chave

Idéia central

Ser flamenguista pra mim é uma emoção que não tem preço.

É uma emoção que não tem preço

(…) é meio, é meio difícil de definir, é alma, é paixão, é glória,

É difícil de definir ,é alma, paixão e glória

É aquela sensação de acelerar o coração, 

é o frio praticamente quando tem o 

primeiro amor, o primeiro encontro

É sensação de acelerar o coração, o frio quando tem o primeiro amor da sua vida

(…) ao término do jogo eu tive uma crise de choro ouvindo radinho de pilha

Eu tive uma crise de choro

(…) é uma verdadeira paixão nacional.

É paixão nacional

Pra mim, a minha maior emoção é ser Flamengo, não adianta

É a minha maior emoção

Pra mim vai ser sempre a maior paixão vestir essa camisa

É a minha maior paixão vestir essa camisa

Só sabe quem é flamenguista, isto não se explica

Isto não se explica

(..) o amor que eu sinto pelo Corinthians 

também me ajudou a recuperar o trauma

O amor me ajudou a recuperar o trauma

(…) é muita emoção,

É emoção

(…) então a emoção, eu sempre choro

Eu sempre choro

O amor que eu tenho pelo Corinthians cara, é difícil eu falar

É difícil explicar

(…) defender o manto sagrado, mas defendendo torcendo

Defender o clube em qualquer lugar

Eu, graças a Deus, sou flamenguista

Sou agraciado por Deus

(…) vestir esse manto sagrado não é pra qualquer um.

Não é para qualquer um

(…) rubro negro desde que nasci, graças a Deus.

Desde que nasci,graças a Deus

(…) é o estado da alma

É estado de alma

(…) eu fui agraciado por Deus

Fui agraciado por Deus

(…) foi sendo lapidado espiritualmente...

Foi lapidado espiritualmente

(…) graças a Deus

Graças a Deus

O Corinthians é uma religião

É uma religião

Tamo lá preparado com muita fé.

Tamo com fé

    DSC 2: Ser deste clube pra mim é uma emoção que não tem preço. É meio difícil de explicar, não se explica, é alma, é minha paixão, é paixão nacional, é glória. É uma emoção, é aquela sensação de acelerar o coração, é o frio praticamente quando tem o primeiro amor, o primeiro encontro. Ao término do jogo eu tive uma crise de choro ouvindo radinho de pilha, eu sempre choro. O amor que eu sinto também me ajudou a recuperar o trauma. Eu fui lapidado espiritualmente e, graças a Deus, sou deste clube. Vestir e defender esse manto sagrado não é para qualquer um, é o estado da alma, é uma religião.

Tema 3. Identifico-me e faço parte da equipe. O clube faz parte da minha vida

Expressão-chave

Idéia central

É você saber que você faz parte desse

 jogo, desse time, que você é o 12ª

Faço parte do jogo, sou o 12º jogador

(…) isso foi a maior glória da minha vida pô, porque a primeira vez vi e venci, é lindo

Foi a maior gloria da

 minha vida, vi e venci.

No final a pele fica totalmente vermelho e preta, 

é a minha primeira pele, o Flamengo

O clube é minha primeira pele

(…) e foi se criando toda uma identificação 

né em torno de Corinthians.

Foi se criando uma identificação

(…) realmente o corinthiano tenha

 passado a se identificar mais,

O torcedor tenha passado a

 se identificar e se resignar

Então, a minha vida é isso,

 é plantada no Flamengo.

A minha vida é plantada no clube

(…) to realizando o maior sonho da minha vida

O maior sonho da minha vida

(…) aquele amor da sua vida.

Aquele amor da sua vida

(…) isso ai faz parte da minha vida

Faz parte da minha vida

Se eu sou alguém na minha 

vida eu devo ao Corinthians

Se eu sou alguém eu devo ao clube

As tatuagens todo dia eu estou

bolando uma homenagem

Estou todo dia bolando uma homenagem

    DSC 3 :Então, a minha vida é isso, é plantada no clube. Se eu sou alguém eu devo a ele. É o amor, o sonho, a maior glória da minha vida, porque a primeira vez vi e venci, é lindo. É a minha primeira pele, é você saber que você faz parte desse jogo, desse time, que você é o 12ª jogador. Então foi se criando toda uma identificação em torno do clube, passando a se identificar mais com ele. As tatuagens todo dia eu estou bolando uma homenagem.

Tema 4. Acompanho, defendo e lago tudo pelo clube

Expressão-chave

Idéia central

Uma vez Flamengo, sempre Flamengo.

Sempre este clube

Acompanho o Flamengo a mais de 36 anos.

Acompanho o clube a mais de 36 anos

Meu hobby, minha paixão, meu amor, é acompanhar o Flamengo onde o Flamengo for.

Meu hobby, minha paixão, meu

 amor, é acompanhar o clube

Eu sempre te amarei, onde estiver 

eu estarei, e tem tudo a vê comigo.

Eu sempre te amarei, 

onde estiver eu estarei

(…) saímos daqui e fomos lá longe vê o Flamengo, largá tudo, largá tudo e vamo lá.

Largá tudo pelo clube

Ela mesmo, na gravidez, ela não 

ia ficar em casa, veio pro estádio

Ela veio pro estádio mesmo na gravidez

(…) é só Flamengo o nosso objetivo aqui

É só o clube nosso objetivo

É, independe só do futebol, a gente é Flamengo

A gente é do clube 

independente do futebol

(…) defender o Flamengo em qualquer lugar

Defender o clube em qualquer lugar

Mas o objetivo é esse, defender o manto 

sagrado, mas defendendo torcendo

O objetivo é defender o 

manto sagrado torcendo

(…) eu fui pra Argentina só com 

dinheiro de ida, eu não tinha dinheiro 

pra voltar. Fui vê Flamengo e Boca lá

Eu fui só com o dinheiro de ida,

 não tinha dinheiro pra voltar

Vendi camisa, vendi casaco pra poder voltar, 

sem dinheiro nenhum, mas tinha que ta lá

Tive que vender minha camisa 

pra voltar, sem dinheiro nenhum.

Desde 1965, corro atrás do Flamengo

Corro atrás

Eu sei de uma coisa: a cada dia que a gente acorda e tem a obrigação, é normal, é natural amar mais o Flamengo do que o dia de ontem

A gente tem a obrigação, é natural amar mais o clube do que o dia de ontem

Deixo de pagar uma conta, deixo até de 

comer, de viver para ir atrás do Flamengo

Deixo de pagar uma conta, 

de comer, pra ir atrás

Quatro mil quilômetros, ida e volta, quatro dias em cima da moto, sozinho, solitário, mas vale a pena

Quatro mil quilômetros, quatro dias, sozinho, mas vale a pena

(…) realmente o corinthiano tenha passado a

(…) perder, conseguir ser resignar mais

O torcedor tenha passado a se identificar, perder e se resignar

Eu largo tudo pra ir atrás do Flamengo

Eu largo tudo pelo clube

    DSC 4: Acompanho o clube há mais de 36 anos. Meu hobby, minha paixão, meu amor, é acompanhá-lo e defendê-lo onde ele for. Eu sei de uma coisa: a cada dia que a gente acorda e tem a obrigação, é normal, é natural amá-lo mais do que o dia de ontem. E eu largo tudo pra ir atrás dele: saímos daqui e fomos lá longe; ela mesmo, na gravidez, ela não ia ficar em casa, veio pro estádio; eu fui pra Argentina só com dinheiro de ida, eu não tinha dinheiro pra voltar. Vendi camisa, vendi casaco pra poder voltar, sem dinheiro nenhum, mas tinha que ta lá. Quatro mil quilômetros, ida e volta, quatro dias em cima da moto, sozinho, solitário, mas vale a pena. Deixo de pagar uma conta, deixo até de comer, de viver para ir atrás. Eu sempre o amarei, onde estiver eu estarei, conseguir se resignar mais, é o meu único objetivo.

Tema 5. O clube promove a formação e união da família e amigos

Expressão-chave

Idéia central

Se o Flamengo não existisse, eu não teria filho

Eu não teria filho

Eu conheci minha esposa aqui no estádio.

Conheci minha esposa no estádio

Meu filho, a bolsa rompeu aqui

A bolsa rompeu aqui

(…) ele veio de 9 meses na barriga 

da mãe e nós fomos no estádio

Ele veio de 9 meses e fomos pro estádio

Ela, com 6 aninhos, já foi a todos os 

lugares que você possa imaginar, todos

Ela,com 6 aninhos, já 

foi a todos os lugares

O objetivo é a família, é trazer de volta

O objetivo é a família

(…) é o tempo inteiro a garotada, 

chega pai, chega mãe, chega criançada

É o tempo inteiro a garotada

Tenho 6 filhos, 5 são flamenguistas, felizes da vida

Tenho 5 filhos que torcem pelo clube

A mãe dele me transformou em flamenguista

A mãe dele me transformou

(…) o mais sonho da minha vida que é tá vindo com o meu pai assistir o jogo do Flamengo.

O maior sonho da minha vida 

é assistir o jogo com meu pai

Onde encontrares um Flamengo, 

encontra um amigo

Onde encontrares um, encontra um amigo

Novas amizades, isso funciona 

no Brasil todo e no mundo todo.

Novas amizades no Brasil e no mundo

(…) e agora eu tenho o Serginho 

de 9 meses, corinthiano também

Tenho ele de nove meses 

e do mesmo clube

    DSC 5: O objetivo é a família, é trazer de volta, é o tempo inteiro a garotada, chega pai, chega mãe, chega criançada Se o clube não existisse, eu não teria filho. Eu conheci minha esposa aqui no estádio, meu filho, a bolsa rompeu aqui, ele veio de 9 meses na barriga da mãe e nós fomos no estádio. Tenho 6 filhos, 5 são do meu clube, felizes da vida. Ela, com 6 aninhos, já foi a todos lugares que você possa imaginar, todos. E agora eu tenho ele de 9 meses, do mesmo clube também e foi a mãe dele quem me transformou.O maior sonho da minha vida é tá vindo com meu pai assistir o jogo. É fazer novas amizades, isso funciona no Brasil todo e no mundo todo. Onde encontrares um, encontra um amigo.

Tema 6. Eu nasci assim, era para ser deste clube

Expressão-chave

Idéia central

(…) rubro negro desde que nasci, graças a Deus

Desde que nasci,graças a Deus

(…) então eu acho que era pra ser mesmo, 

era pra ser rubro negro, era pra ser 

Flamengo, era pra ser vitorioso.

Era pra ser mesmo, era pra ser vitorioso

O Corinthians não foi uma escolha, 

eu já nasci corinthiano

Não foi uma escolha, eu já nasci assim

O Corinthians é um acontecimento, então aconteceu

É um acontecimento

Eu nasci e sou corinthiano.

Nasci e sou

    DSC 6: É um acontecimento, então aconteceu. Não foi uma escolha, eu já nasci assim, sou assim desde que nasci. Então, eu acho que era pra ser mesmo, era pra ser deste clube, era pra ser vitorioso.

Categoria 2.     Representações sociais nas manifestações de pertencimento à torcida do clube de futebol

Tema 1. É a maior torcida do Brasil e do mundo. É poderosa, contagiante, animada, é especial.

Expressão-chave

Idéia central

(…) que nossa torcida é a maior do mundo

A nossa torcida é a maior do mundo

Você participar da maior 

torcida do Brasil,do mundo

Da maior torcida do Brasil e do mundo

(…) o time de maior torcida do mundo,

 logo a maior torcida é a maior 

torcida organizada do Brasil

maior torcida do mundo

(…) é uma grande nação

É uma grande nação

É simplesmente você ouvir a arquibancada, 

o grito da torcida, sentir a arquibancada

tremendo, coração, arrepio na galera

Ouvir a arquibancada, tremendo, 

o grito da torcida, arrepio na galera

Você vê a torcida, aquela torcida 

maravilhosa, contagiante

Aquela torcida maravilhosa e contagiante

Torcida única, uma raça, uma nação, 

a nação rubro negra, é de coração, 

não tem explicação o Flamengo

Torcida única, uma raça, uma nação,

de coração, não tem explicação

(…) uma torcida que sempre 

foi de alegrar estádio sempre

Torcida que sempre foi de alegrar

(...) sempre foi a torcida mais animada.

A torcida mais animada

(…) fica 22 anos sem ganhar um título e 

tem uma torcida que tem a do Corinthians,

Fica 22 anos sem ganha 

e tem uma torcida assim

A torcida do Corinthians ganha 

muita coisa, não ganha só jogo

A torcida ganha muita coisa

A torcida do Corinthians é uma força que 

não só é respeitada pela diretoria, como é 

temida pela própria diretoria do Corinthians

A torcida é uma força respeitada e temida

A diretoria que bobiar com 

a torcida do Corinthians tá roubada, 

essa que é a pura verdade.

A diretoria que bobiar 

com a torcida tá roubada

De todas as formas, nós nos dopamos, mas 

nos dopamos de entusiasmo, de alegria

Nos dopamos de entusiasmo, de alegria

A Raça é minha paixão

É minha paixão

Porque o que essa torcida fez por mim

O que essa torcida fez pro mim

    DSC 1: A nossa torcida é a maior do Brasil e do mundo, é uma grande nação, é minha paixão. Torcida especial, única, uma raça, uma nação, é de coração, não tem explicação. É simplesmente você ouvir a arquibancada, o grito da torcida, sentir a arquibancada tremendo, coração, arrepio na galera, aquela torcida maravilhosa, a mais animada, contagiante, que sempre foi de alegrar estádio. De todas as formas, nós nos dopamos, mas nos dopamos de entusiasmo, de alegria. A torcida ganha muita coisa, não ganha só jogo. É uma força que não só é respeitada pela diretoria, como é temida pela própria diretoria.E a que bobiar tá roubada. Essa torcida fez muito por mim.

Tema 2. Eu me dedico e ajudo a torcida

Expressão-chave

Idéia central

Eu tive a felicidade de fazer um hino que 

a torcida canta: “Raça, Amor e Paixão”.

Tive a felicidade de fazer um hino

A gente começa na sexta-feira a organizar a festa

Começa na sexta-feira organizar

quantos sábados eu acabo 

de dar aula e venho pra cá

Eu acabo de dar aula e venho

As crianças já tão aqui picotando papel, 

já tão fazendo bandeirinha, já tão fazendo 

bola, já tão, tá todo mundo desde o 

pré-jogo de sexta até domingo

As crianças já estão aqui desde 

o pré-jogo de sexta até domingo

    DSC 2: Eu tive a felicidade de fazer um hino que a torcida canta. Quantos sábados eu acabo de dar aula e venho pra cá… A gente começa na sexta-feira a organizar a festa. As crianças já tão aqui picotando papel, já tão fazendo bandeirinha, já tão fazendo bola, já tão, tá todo mundo desde o pré-jogo de sexta até domingo.

Discussão

    O primeiro DSC da primeira categoria é composto de adjetivos superlativos. Da mesma forma, o discurso presente na segunda categoria traz a idéia de poder, grandiosidade e de contágio da torcida. Esta idealização impede que se veja o outro grupo como melhor, ou com características tão positivas. Ele nega qualquer falha, visto que o objeto (nesse caso o clube e a torcida) é colocado no lugar do ideal do ego e por isso é imbatível (Freud, 1921/1976).

    No campo do Imaginário Social, a idealização não é compreendida como um falseamento da realidade, mas como uma visão de mundo que vai além do verdadeiro e falso e é legitimada por sua eficácia social, não por sua veracidade (Retondar, 2007).

    O futebol, como representante imaginário, revela os desejos, anseios e expectativas dos seus torcedores. Sendo o Brasil um país de desigualdades sociais, valoriza-se aquele que é bem sucedido. Desta forma, os personagens idealizados e o heroísmo presentes no esporte desempenham um papel importante no processo de construção da paixão do povo pelo futebol (Giglio, 2007). Como fenômeno de massa, o futebol não conseguiria se sustentar por muito tempo sem a presença de um herói – neste caso, o clube, uma vez que é ele o objeto de identificação e projeção (Rubio, 2001).

    Na segunda categoria também aparecem o sentimentalismo e a emoção à torcida. Ao mesmo tempo, mostra ser um sentimento difícil de explicar, associado à espiritualidade e a um ser superior.

    Os sentimentos presenciados em um grupo, como uma alma coletiva, são simples e exagerados, indo sempre a extremos (Le Bon, 19--). Este mecanismo de intensificação da emoção é favorecido pela idéia de poder ilimitado que o grupo proporciona ao indivíduo perante o resto da sociedade e faz com que ele perca sua “antiga consciência” e se entregue à atração do prazer aumentado. A torcida precisa ser notada, percebida e exprimir respeito. (Toledo, 1996; Toledo, 1999).

    Valente (2007) refere que a presença do sobrenatural e do divino é uma tendência constante do ser humano. Sob o ponto de vista do imaginário social, a religiosidade e o sagrado possibilitam ao sujeito justificar-se no mundo (Retondar, 2007). Durkheim (citado por Valente, 2007) afirma que os fenômenos religiosos estariam sempre relacionados a uma figura de onipotência inexprimível (neste caso, o clube e a torcida), ao mesmo tempo em que une as pessoas através destas crenças e rituais. O jogo possui as peculiaridades de um culto religioso (gestos regulares, simbolismo, rituais, etc.), serve como campo de identidades tribalísticas, simbologias, cantos mágicos, aumentando o estado de êxtase (Valente, 2007).

    No terceiro DSC da primeira categoria, pode-se perceber o mecanismo de pertencimento e identificação com a figura do clube, a inserção deste clube como parte importante da vida do torcedor e até uma forma de internalização simbólica do mesmo.

    Os torcedores se expressam e vêem no clube características suas, sentindo-se parte dele e criando uma identidade coletiva (Damo, 2002).

    No quarto DSC da primeira categoria, o clube aparece como um objeto de dedicação, de fidelidade, pelo qual se deve fazer sacrifícios. A mesma idéia de dedicação aparece no discurso sobre a torcida, segunda categoria. A solidariedade é constantemente resgatada pelo esporte (Giulianotti, 2002).

    Por se sentirem pertencentes ao clube e à torcida, os torcedores sentem-se na obrigação de serem fiéis e troca de clube é vista como traição (Damo, 2002). Sob o ponto de vista do imaginário social, o jogo seria uma forma de celebrar sacrifícios, superação e batalhas (Farjalla, 2007).

    No quinto discurso da primeira categoria, O clube promove a formação e união da família e amigos, torcer pelo clube é visto como uma forma de lazer, representando necessidades simbólicas de relacionar-se com a coletividade, para além do sentido funcional e imediatista (Farjalla, 2007).

    O último DSC da primeira categoria transmite a idéia de algo que não foi uma escolha voluntária. Conforme Daolio (2005), torcer é uma construção cultural baseada nas nossas relações com familiares e amigos. São estas relações estabelecidas desde cedo, como ir ao estádio juntos e a identificação com a história do clube que orientam a escolha do clube e a criação de vínculo afetivo. Portanto, esta escolha não é aleatória.

    Diante da importância que o futebol possui em nossa sociedade, os mitos esportivos expõem parte da esperança dos brasileiros. Esta tradição, passada de geração a geração, é uma tradição inventada e transmitida pelos homens, facilitada pelo relato e recortes de imagens vinculadas pela mídia (Giglio, 2007).

    Por fim, o futebol funciona como o exercício de uma paixão coletiva, como uma força agregadora. Esse imaginário faz parte do real e necessita de uma rede simbólica para que possa existir. E é através deste mecanismo simbólico que o futebol ganha vida fora de sua prática esportiva. O imaginário, com seus mitos e magias, faz com que haja uma grande aceitação do futebol na sociedade, legitimando a idéia de um coletivo, de uma nação em torno do futebol (Giglio, 2007).

Referências

  • Damo, A. S. (2002). Futebol e Identidade Social: uma leitura antropológica das rivalidades entre torcedores e clubes. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS.

  • Daolio, J. (2005). Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados.

  • Farjalla, R. (2007). Lazer, Trabalho e Imaginário Social. In E. Montenegro, L, Retondar & P.C.A. Montenegro, Imaginário e Representações Sociais: Corpo, Educação Física, Cultura e Sociedade. (pp.91 - 105). Maceió: UFAL

  • Freud, S. (1976). Psicologia do grupo e a análise do ego (M.A.M Rego, Trad.). In J. Salomão (Ed.), Edição standart brasileira das obras completas de Sigmund Freud (Vol. 18, pp. 89-179). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em1921).

  • Galeano, R. (1997). Futebol ao Sol e à Sombra. Porto Alegre: L&PM.

  • Giglio, S.S. (2007 ) Futebol: Mitos, Ídolos e heróis. [versão eletrônica]. Dissertação de Mestrado do programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

  • Giulianotti, R. (2002). Sociologia do Futebol: Dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria.

  • Hoffer, E. (1968). Fanatismo e movimentos de massa. Rio de Janeiro: Lidador.

  • Le Bon,G. (19--). Phychologia das multidões. Rio de Janeiro: Garnier.

  • Lefèvre, F. & Lefèvre, A.M.C. (2003). O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS

  • Pinsky, J. (2004). Faces do Fanatismo. São Paulo: Contexto.

  • Retondar, J. (2007). A Noção de Representação Social nas Perspectivas dos Estudos da Psicologia Social e do Imaginário Social: Aproximações e Afastamentos. In E. Montenegro, L, Retondar & P.C.A. Montenegro, Imaginário e Representações Sociais: Corpo, Educação Física, Cultura e Sociedade. (pp.15-43). Maceió: UFAL.

  • Rubio, K. ( 2001 ) O Atleta e o Mito do Herói: O imaginário esportivo contemporâneo. São Paulo: Casa do Psicólogo.

  • Toledo, H.T. (1996). Torcidas Organizadas de Futebol. Campinas: Autores Associados.

  • Toledo, L. H.(1999). A invenção do torcedor de futebol: disputas simbólicas pelos significados do torcer. In M.R. Costa; J.P. Florenzano, E. Quintilho, S.C. D’Allevedo & M.A.S. Santos (Orgs.), Futebol: espetáculo do século (pp. 146- 164). São Paulo: Musa.

  • Valente, J.P. (2007). Desporto e Religião. In E. Montenegro, L, Retondar & P.C.A. Montenegro. Imaginário e Representações Sociais: Corpo, Educação Física, Cultura e Sociedade. (pp.333 - 371). Maceió: UFAL

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 161 | Buenos Aires, Octubre de 2011
© 1997-2011 Derechos reservados