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Masculinidades e Educação Física escolar: interlocuções

Masculinidades y Educación Física escolar: diálogos

 

PPGE – UFRJ (Mestrado)

(Brasil)

Leandro Teófilo de Brito

teofilo.leandro@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          As investigações sobre Gênero na Educação Física, em evidência nos últimos anos, pouco tem abordado em suas discussões, questões que enfocam especificamente as representações de masculinidades por meio das práticas corporais e esportivas. Desta forma buscou-se por meio da utilização de revisão de literatura na área, discutir como construção da identidade de gênero masculina na Educação Física escolar tem sido investigada. Constatou-se a reprodução do modelo hegemônico de masculinidade nas aulas, onde a perpetuação de atividades diferenciadas para meninos e meninas e o conteúdo esporte, legitimado como área de reserva masculina contribui para a manutenção de valores sexistas e generificados na Educação Física escolar, influenciando diretamente a construção da identidade masculina. Faz-se necessário o desenvolvimento de mais pesquisas que abordem a problemática Gênero, masculinidades e Educação Física escolar.

          Unitermos: Masculinidades. Educação Física escolar. Gênero.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 161, Octubre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    As investigações sobre Gênero na Educação Física, em evidência nos últimos anos, pouco tem abordado em suas discussões, questões que enfocam especificamente as representações de masculinidades por meio das práticas corporais e esportivas. Pereira (2008) afirma que historicamente os homens não são protagonistas nos estudos de gênero de uma forma geral, e que quando o são, as pesquisas trazem grande contribuição ao apresentar a problemática do gênero relacionada à formação da masculinidade. Mais recentemente, Devide e Batista (2010) também apontaram para uma escassez nos estudos nacionais de gênero sobre a construção social da masculinidade via práticas corporais.

    Há pouca discussão, como já citado, e também em desenvolvimento recente no meio acadêmico, as pesquisas que trazem como temática central a construção da identidade de gênero masculina com enfoque na Educação Física escolar. (MORAES E SILVA, 2008; PEREIRA & FERNANDES FILHO, 2009; PEREIRA, 2010; CAVALEIRO & VIANNA, 2010; MORAES E SILVA & CÉSAR, 2010; FONSECA JÚNIOR E DEVIDE, 2010).

    Baseando-se em preceitos dos estudos feministas e dos estudos culturais, as identidades - classe, raça, sexual, gênero, etc. - se constituem como plurais, não fixas e até mesmo contraditórias nos dias atuais, sendo sempre construídas, reconstruídas e nunca acabadas. (LOURO, 2008).

    O esporte como conteúdo hegemônico das aulas de Educação Física e área de reserva masculina (DUNNING, 1992), incita a produção e reprodução de papéis sociais masculinos na construção de suas identidades culturais, seja através de atitudes, condutas, maneiras de ser e agir manifestadas no âmbito escolar. A constituição de masculinidades em variados contextos esportivos, inclusive na escola, é algo totalmente concretizado e íntimo. (KNIJNIK & FALCÃO-DEFINO, 2010).

    A identidade masculina, no âmbito da Educação Física escolar, é formada na associação com uma competência nos esportes, promovendo nos meninos posições de poder dentro das comunidades de práticas de masculinidades, onde existem formas de masculinidades dominantes e subordinadas. (PAECHTER, 2009).

    Classificando-se como uma pesquisa bibliográfica (OLIVEIRA, 2009), esse artigo tem como objetivo, através da utilização de revisão de literatura na área, discutir como construção da identidade de gênero masculina na Educação Física escolar tem sido investigada.

A identidade de gênero masculina

    Hall (2006) argumenta que os sujeitos assumem identidades diferentes em diferentes momentos da vida. As identidades culturais encontram-se sempre em constante reconstrução.

    Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. [...] na medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 2006, p.13)

    Para Moreira & Câmara (2008) nossas identidades são formadas em interação e identificação com diferentes pessoas e diferentes situações que travamos contato ao longo da vida, tais como, familiares, amigos, personalidades famosas, times de futebol, religião, escola, etc.

    O termo gênero, segundo a historiadora Joan Scott (1995), surgiu entre as feministas norte-americanas: “[...] que queriam enfatizar o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo”.(p.72). Inicialmente o termo gênero era comumente confundido como sinônimo de mulher.

    Ao compreender gênero como pertencente às identidades dos sujeitos, Louro (2008) afirma que: “[...] pretende-se referir, portanto, a algo que transcende o mero desempenho de papéis, a idéia é perceber o gênero fazendo parte do sujeito, constituindo-o”.(p.25). Desta forma o termo gênero refere-se tanto às mulheres quanto aos homens, através das relações sociais constituídas entre ambos.

    Análises que se referem à construção da identidade de gênero masculina passaram então a serem abordadas pelas teorias feministas, pois quando se discutiam as relações entre os sexos, situavam-se também nestas análises os homens, considerados como o pólo de poder destas relações. (SILVA, 2007).

    De acordo com Pereira (2009): “A partir dos anos 80, emerge uma série de inquietações acerca da formação social e cultural da masculinidade, que apresentavam vínculos com as conquistas dos movimentos feministas e homossexuais”.(p.39).

    Connell (1995) conceitua o termo masculinidade como: “[...] uma configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero”.(p.188). Para o autor diferentes masculinidades são produzidas dentro do mesmo contexto social, girando em torno de um tipo de masculinidade, denominada de hegemônica. Apesar de existir uma narrativa convencional de como as masculinidades são formadas, através de condutas e sentimentos apropriados para cada homem, Connell (1995) aponta que a masculinidade hegemônica sempre será formada juntamente e em relação a outros tipos de masculinidades.

    Complementando essa questão Monteiro (2008) afirma que as masculinidades passam por um processo de: “des-universalização” (p.105), onde novas identidades estão se firmando discursivamente.

    Ora, a partir do momento em que o homem patriarcal se vê questionado na sua legitimidade única, tendo que lidar com contestações vindas de todos os lados, perde-se a percepção de que exista, por exemplo, somente uma forma de vivenciar a masculinidade. Homens gays, homens feministas, entre outros tipos que se multiplicam, passam a buscar a sua legitimidade frente a uma obrigação de ser “macho” a todo custo, sendo questionado um padrão único ao qual todo homem deve adequar-se. (MONTEIRO, 2008, p.105).

    De acordo com Pereira (2008):

    O conceito de masculinidade hegemônica permite uma concepção mais dinâmica de masculinidade, entendida como uma estrutura de relações sociais em que várias masculinidades não-hegemônicas subsistem, ainda que reprimidas e auto-reprimidas por esse consenso e senso-comum hegemônico, sustentados pelos significados simbólicos incorporados. [...]. Há portanto, tantas masculinidades quanto hajam diferentes contextos de vida. (p.94).

    Oliveira (2004) destaca a estreita relação da identidade masculina com a prática dos esportes, configurando-se no início da modernidade até os dias de hoje. A Ginástica teve papel preponderante, ao fim do século XVIII, segundo Oliveira (2004), como meio de se atingir força e vigor de forma disciplinada, sendo submetida constantemente aos meninos como parte da formação de um ideal de masculinidade. As práticas corporais disseminadas nas aulas de Educação Física escolar, com destaque para os esportes, produzem símbolos e signos que definem e constituem a identidade masculina.

Masculinidades e a Educação Física escolar

    Padrões sociais direcionam a Educação Física escolar a determinar que atividades e conteúdos sejam classificados como pertencentes aos gêneros masculino ou feminino. O esporte neste contexto, considerado como uma prática corporal generificada, é internalizado desde muito cedo nos meninos através dos processos de socialização, sendo imposto culturalmente e reafirmado nas aulas de Educação Física escolar como pertencente ao mundo masculino. Knijnik & Falcão-Defino (2010) destacam que:

    No esporte, atividade corporal por excelência, as masculinidades não apenas se produzem por meio da incorporação de atitudes, condutas, gestos, maneiras de ser, de correr e de suar dos próprios corpos exaustos, produzindo-se e reproduzindo-se as identidades de gênero. (p.171).

    Ratificando a afirmação, Louro (2000) aponta que na formação do garoto jovem, vencer e ser bom em alguma área é um requisito primordial para tornar-se um adulto bem sucedido, e o esporte – no caso do brasileiro o Futebol – é classificado como a forma mais fácil de se obter esse objetivo, pelo fato: [...] de ser um interesse masculino “obrigatório”. (p.18).

    Ao investigar as percepções e práticas de masculinidades nas aulas de Educação Física da educação infantil, Pereira & Fernandes Filho (2009) e Pereira (2010) constataram que as relações de gênero no espaço escolar encontram-se repletas de valores e atitudes que permeiam visões dominantes entre homens e mulheres na sociedade. Ao utilizarem-se da observação das aulas e de entrevistas com responsáveis e professores dos alunos, os autores concluíram que há uma educação diferenciada para os indivíduos do sexo masculino, além da valorização de um comportamento masculino normativo.

    [...] os dados evidenciam a persistência determinante de normas, crenças, tabus, estereótipos e valores socioculturais que interferem na construção do corpo masculino. [...] Presenciamos, ainda, a influência do paradigma biológico, do sexismo e de estereótipos sexistas presentes nas imagens e nos discursos dos entrevistados, o que contribui no conjunto de mecanismos que auxiliam e reforçam a construção sociocultural e histórica dos corpos; no caso presente – o corpo masculino. (PEREIRA, 2010, p.77).

    Para Cunha (2010) a masculinidade hegemônica se forma nos meninos bem cedo, pelas teias subjetivas das relações entre as crianças: “Bem cedo meninos e meninas já tem seus espaços, palavras e ritmos bem definidos”. (p.185).

    Moraes e Silva & César (2010) através de artigo baseado na dissertação de mestrado de Moraes e Silva (2008) buscaram mapear as percepções de professores de Educação Física sobre as representações de masculinidades produzidas nas aulas. Dentre os resultados encontraram nas falas dos professores, além da visão “tradicional” sobre as questões de gênero, outros discursos que possibilitavam haver a existência de formas diferenciadas de ser homem e mulher, e conseqüentemente formas de masculinidades diferentes da hegemônica. Os professores participantes da pesquisa também assinalaram que a escola e a Educação Física mostram-se como produtoras de “corpos generificados” (p.172) e colocaram-se a favor de que outras formas de masculinidades fossem construídas no contexto escolar. Os pesquisadores finalizam a investigação propondo que novas pesquisas dentro dessa temática sejam realizadas, a fim de se ampliar a discussão sobre o assunto.

    Cavaleiro & Vianna (2010) em trabalho que propunha um dialogo entre a Educação Física escolar, gênero e masculinidades, apontam que muitos estudiosos destacam o papel da ginástica e principalmente dos esportes, no processo de formação dos sujeitos como um ideal de masculinidade.

    O esporte é visto, assim, como parte da existência masculina. Essas conexões são perceptíveis em nossa sociedade e na escola: gostar de futebol ou de exercícios físicos pesados, jogar duro, mostrar-se rude e desprezar a dor, isto é, jogar sem se importar em ser ferido é considerado quase uma “obrigação” para qualquer menino ou garoto “normal e sadio”. (CAVALEIRO & VIANNA, 2010, p.140).

    Paechter (2009) afirma que a Educação Física e o esporte escolar contribuem para a construção de identidades masculinas, onde vigor, força física e boa forma corporal classificam-se como valores simbólicos que representam culturalmente o que é ser homem. A autora aponta que meninos que se mostram resistentes à sua pratica nas escolas, acabam sendo excluídos de comunidades de masculinidades dominantes e hegemônicas, configurando-se desta forma uma obrigação do sexo masculino em internalizar o esporte como um dever na sua formação.

    Educar e construir a masculinidade hegemônica, aquela que se encontra no topo das relações de gênero, tem sido uma das funções assumidas pelo esporte, deixando seqüelas nos variados contextos esportivos, incluindo a Educação Física escolar nessa discussão. O campo esportivo, em diversos níveis, é sempre um espaço para reafirmação da virilidade masculina. (KNIJNIK & MACHADO, 2010).

    Com o objetivo de compreender a aplicação do conteúdo Dança nas aulas de Educação Física do ensino fundamental, Fonseca Junior & Devide (2010) investigaram entre os alunos do sexo masculino, quais representações faziam-se presentes com a prática da Dança pelos mesmos nas aulas. Constatou-se na pesquisa que os alunos participam da aula apenas por ser mais um conteúdo da Educação Física escolar e não por prazer, existindo uma associação da Dança como um conteúdo predominantemente feminino. Fonseca Júnior e Devide (2010) propõem para superação do quadro, as aulas co-educativas:

    Para otimizar o ensino da dança nas aulas de EFe, sugere-se que o docente adote uma abordagem co-educativa de ensino, onde as questões de gênero sejam discutidas com os discentes de ambos os sexos. [...].Nesse sentido, a co-educação é uma ferramenta desgenerificar os conteúdos, para que todos participem juntos e de forma equitativa das atividades propostas, construindo uma consciência crítica relacionada a seus papéis sexuais na sociedade, tolerando e respeitando as diferenças de gênero. (p.1-1)

    Em pesquisa no sistema educacional português, Silva et. al. (2008) buscaram analisar representações da masculinidade hegemônica nas aulas de Educação Física escolar. Através de entrevistas e observações de aulas, as pesquisadoras identificaram que há uma compreensão de corpo biológico, através de formas e movimentos padronizados para o corpo masculino, condicionando as práticas esportivas ao gênero; ambiente homofóbico no desenvolvimento de práticas desportivas na escola; e a Educação Física confirmando-se como o principal espaço de reprodução da masculinidade hegemônica. Além disso, Silva et. al. (2008) enfatizam que as questões de gênero tornam-se imprescindíveis na formação do docente, em especial quando se objetivam mudanças nesse quadro:

    Aqui saliente-se a imprescindível introdução do tema das questões de gênero na formação inicial e continuada de professores/as. Por sua vez, as políticas educativas, as escolas e os seus projetos educativos, os departamentos e docentes de Educação Física devem providenciar um clima mais equitativo, isento de apreciações e julgamentos de raiz homofóbica. Tal só é operacionável se, antes de tudo, ficarem conscientes e consciencializarem todos e todas acerca de como o heterosexismo e a homofobia atuam para uma limitação, entre outras, na participação das atividades desportivas. (p.229).

Considerações finais

    A identidade de gênero masculina, em associação com as práticas corporais escolares, foi identificada nas pesquisas através da reprodução do modelo hegemônico de masculinidade. A perpetuação de atividades diferenciadas para meninos e meninas e o conteúdo esporte, legitimado como área de reserva masculina, contribuem para a manutenção de valores sexistas e generificados na Educação Física escolar, influenciando diretamente a construção da identidade masculina.

    Como base nos trabalhos analisados retomo as afirmações iniciais apresentadas, onde investigações que refletem sobre as representações sociais de masculinidades no contexto escolar, com ênfase nas práticas corporais ainda são escassas, tornando-se necessário o desenvolvimento de mais estudos que tratem das interlocuções entre Masculinidades e Educação Física escolar. Destacando a afirmação de Moraes e Silva (2008), onde o currículo e a Educação Física escolar são altamente generificados e produtores de masculinidades, têm-se um campo rico para que surjam pesquisas que objetivem contribuir com novos dados às investigações de Gênero, masculinidades e práticas corporais no espaço escolar.

Referências

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