Educação Física e a heterogeneidade das atuações docentes: La Educación Física y la heterogeneidad de las intervenciones docentes: la identidad epistemológica de la Educación Física en el proyecto social de la modernidad líquida |
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*Graduando em Educação Física pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. Bolsista Pibic/CNPq. **Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná – UFPR Professor do Departamento de Humanidades e Educação da Unijuí (Brasil) |
Daniel Bardini Dürks* Sidinei Pithan da Silva** |
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Resumo O presente estudo bibliográfico pretende compreender as teorizações acerca da identidade epistemológica da Educação Física na transição dos projetos sociais da modernidade sólida para a líquida. Na modernidade sólida a Educação Física assumiu um caráter educacional funcional/repressor, sendo o corpo considerado um aparato mecânico e biológico. Esta primeira realidade da modernidade é característica da realidade social constituída pelo nascimento do Estado-Nação e pela emergência do capitalismo em sua fase industrial, a qual prometia certa estabilidade à vida social em meio ao caos das mudanças. Na modernidade líquida, com a fragilização da lógica do Estado-Nação e a crescente complexificação social, em função do rearranjo da economia capitalista, a nova condição social, marcada pela crise da política e dos ideais modernos, é geradora de profundo sentimento de insegurança, caos e incerteza. Neste contexto, compreende-se a crise de identidade que ronda a Educação Física. Ela entra crise no momento em que sua identidade forjada no auge do mecanicismo já não dá conta das complexidades emergentes no contexto da modernidade líquida. Por fim, o estudo insinua a problemática de como dos profissionais situados no campo docente estão compreendendo esse momento histórico em que vivemos, e em que medida incorporam essas inovações/problemáticas no campo epistemológico para dentro de suas aulas. Unitermos: Educação Física. Identidade epistemológica. Modernidade líquida.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 161, Octubre de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A pesquisa pretende compreender as transformações no âmbito da área da Educação Física, analisando as novas teorizações acerca de sua identidade epistemológica, bem como sua legitimidade pedagógica. Essas transformações segundo Bauman (2001) são entendidas como a transição de um projeto social da modernidade sólida para uma modernidade líquida ou fluída.
Nesse processo de transição social, a Educação Física vinculou sua identidade epistemológica, primeiramente, às ciências biológicas. Isso permitiu legitima - lá perante a sociedade assumindo uma intervenção pedagógica no corpo realizando exercícios físicos; uma prática vinculada com os conhecimentos advindos da medicina. Esse contexto levou a entender que a identidade da Educação Física fosse “algo preexistente e também imutável, fixo, concluído, se quisermos, inscrita na natureza ou na necessidade que está inscrita na natureza” (BRACHT; CRISÓRIO, 2003, p. 8). No entanto, esse discurso é tensionado no sentido de fundamentar a Educação Física como uma construção sócio-histórica, e sua identidade epistemológica não se encontra em um conhecimento científico próprio, por isso não há como mencionar qual é a “verdadeira” identidade da Educação Física, mas sim se reconstruir diante das necessidades impostas pelo contexto social (BRACHT; CRISÓRIO, 2003).
Bauman (2001) é um autor importante para esta compreensão porque constrói sua teoria social na transição da modernidade da sólida para a líquida. Para o autor essa transição está embasada pelo rompimento da ordem definitiva (solidez) das coisas. De um lado a modernidade sólida fundamentada pela razão (ciência) e permeada pelos pressupostos de ordem, da certeza e do progresso, todos sobre forte regulamentação social do Estado. Em contrapartida a modernidade líquida “desconstruindo” os fundamentos da razão, e afirmando novos pressupostos, como desordem, incerteza e diferença, onde o Estado já não atua com grande vigilância sobre a sociedade.
Esse novo contexto remete a necessária e permanente ressignificação das concepções acerca da identidade e legitimidade social da Educação Física, realizando o exercício de compreensão das implicações das transformações sociais para as atuações dos profissionais no campo da Educação Física. Portanto, compreender como a educação física vem constituindo sua identidade epistemológica, bem como se legitimando nesses dois contextos (modernidade sólida e líquida) permite ampliar a visão acerca das atuações dos profissionais nela envolvidos e entender como os mesmos vem traduzindo essas mudanças sociais, culturais e epistemológicas para seu contexto de trabalho.
Metodologia
A pesquisa é de cunho bibliográfico, baseando-se em teorizações de autores que buscaram compreender a identidade epistemológica da Educação Física no contexto da modernidade líquida. A discussão segue nos moldes de compreender, como pano de fundo, a teorização de Bauman (2001) sobre as transformações sociais, vinculando seu conceito de modernidade para a realidade de intervenção da Educação Física. De outra forma, investiga os diferentes discursos/teorias que procuram delimitar e circunscrever o campo teórico-epistemológico da Educação Física, procurando encontrar neles pistas para compreender as transformações da área em seu aspecto epistemológico identitário e legitimátorio. Aspecto que possibilita, em momento posterior, investigar as manifestações práticas do novo momento histórico da modernidade líquida no contexto de atuação dos professores de Educação Física.
Resultados e discussão
A Educação Física surgiu no contexto da modernidade como uma área vinculada com a educação / formação dos corpos. Dessa forma o aspecto biológico predominou na formação de uma identidade epistemológica da área, vinculando seus conhecimentos com os provindos das chamadas ciências naturais ou biológicas, entre as quais a anatomia, fisiologia, cinesiologia entre outras. Ao longo dos anos e com as transformações sociais vigentes, a Educação Física se legitimou perante aos objetivos do Estado, mais precisamente ligados com os movimentos higienistas (movimento pela saúde), militar, e esportista (LOVISOLO, 1995; SOARES, 1998).
Essa visão biológica e mecânica do corpo, a qual a Educação Física se sustentava, sofreu uma série de questionamentos por parte de seus próprios profissionais. Esse movimento, denominado como renovador, se instaurou no final do século XX, e foi marcado pela grande produção teórico-científica na área de Educação Física, fruto do aperfeiçoamento desses profissionais em cursos de pós-graduação vinculados às ciências humanas (DARIDO; RANGEL, 2011). Esse movimento fez uma série de tensionamentos em relação à identidade epistemológica da Educação Física na sociedade atual. O modelo antigo estava defasado e as transformações sociais careciam de uma nova concepção metodológica em relação ao conhecimento da Educação Física, superando o paradigma estritamente biológico e mecanicista. Nesse contexto, os conhecimentos próprios das ciências humanas foram amplamente debatidos como forma de construção da identidade e legitimidade da Educação Física. Compreendeu-se, sobretudo, com este movimento que, além da visão biológica (mecânica) havia um corpo carregado de valores histórico-sociais englobando conhecimentos de disciplinas como antropologia, sociologia, psicologia, filosofia (BRACHT, 2003).
Nesse contexto, de reflexão acerca da identidade epistemológica da Educação Física surgiram conceitos importantes para a transformação do conhecimento na área. Santin (2003) defende uma identidade epistemológica baseada em um pensamento filosófico que radica suas determinações na corporeidade humana. A busca pela sua sustentação perante a sociedade deve tentar encontrar seu fundamento básico na dimensão antropológica configurando o sentido de atuação social no “próprio homem ou mais precisamente, no Humano” (SANTIN, 2003, p.34). Essa concepção humanista contempla a Educação do homem como um todo, preocupando-se com seu caráter histórico e social, inserindo-o na sociedade e tornando o individuo autônomo para usufruir das práticas corporais existentes.
O Humano está, para Santin, para além do que a ciência pode capturar. A Educação Física, consiste numa forma, de educação corporal humana. Ela é, por excelência, ligada à vida. Para tanto, precisa se referenciar na estética e na ética. A identidade e a legitimidade da Educação Física encontra-se radicada em Santin, na possibilidade do sentir, do fruir, do viver, do existir corporalmente. Ela não se vincula à razão, ao controle, à determinação causal, mas à capacidade de escolha dos corpos sujeitos. Por isso, a compreensão de Santin, na modernidade líquida, desloca-se do foco de uma intervenção em Educação Física pautada pelo ajuste dos corpos às formas dominantes, para uma intervenção que considere os corpos sujeitos. Santin procura uma saída teórica pela via da estética e da ética, porque considera que o referencial da ciência moderna, o qual produziu a identidade da Educação Física e sustentou sua legitimidade pedagógica, pautou-se numa visão do corpo-objeto. Restabelecer a idéia de que antes de ter corpo, o homem é corpo, consiste na possibilidade inaugurada por Santin, nos rastros de Merleau Ponty, para romper com o formalismo e o cientificismo reinante na Educação Física.
Outro autor que se preocupou em compreender a identidade epistemológica da Educação Física foi Lovisolo (1995). Para o autor a Educação Física encontra sua identidade na execução de práticas corporais ministradas em contextos sociais específicos. Segundo o autor “o educador físico seria um mero mediador, alguém que estabelece um programa de atividades, que distribui um conjunto de meios, para atingir ou satisfazer as demandas do grupo com o qual trabalha” (1995, p. 5). Nessa perspectiva entende-se que não é possível a Educação Física reproduzir um conhecimento científico pré-determinado, mas sim utilizar determinadas ciências para realizar sua intervenção social atingindo os objetivos da sua atuação. Ou seja, sua identidade epistemológica é própria da realidade social existente ou dos objetivos sociais pretendidos a atingir. Dessa forma o profissional de Educação Física assume o papel de mediador de cinco tipos de práticas: as vinculadas à saúde (aspecto biomédico), as estéticas (visão de corpo perfeito), as atividades corporais no tempo livre, esportivas e vinculadas à educação formal (escolar).
Analisando as perspectivas de Santin e Lovisolo é possível compreender a tentativa de construção de uma identidade epistemológica da Educação Física na modernidade líquida. Desdobrando as duas perspectivas em seus pontos convergentes, pode-se compreender, também, que a legitimidade da Educação Física (Escolar) depende de fatores sociais, culturais e políticos que caracterizam certo momento histórico. Na modernidade sólida, o referencial que sustentou a intervenção em Educação Física atrelou-se a uma concepção instrumental de corpo, em que o modelo hegemônico para pensar a intervenção deveria ser o científico, pautado nas ciências da natureza. A identidade do professor de Educação Física sustentar-se-ia, na tradução e aplicação destas ciências para a melhoria do homem rumo ao progresso. Ela estaria pré-definida pela ciência. Esperava-se uma vinculação entre ciência e vida, em que a primeira determinaria o curso da segunda. No contexto da modernidade líquida, Santin e Lovisolo, valendo-se do debate produzido no interior da Filosofia e da Antropologia, põe em suspensão, em análise, este modelo de racionalidade, apontando para o não mensurável, não quantificável do humano. Nele residiria a outra instância da vida, do corpo, não justificada pelo projeto social moderno. Esta instância tematiza, não o problema do corpo-objeto, mas sim o corpo-sujeito, produtor de valores, e capaz de escolha e de liberdade, mais do que de submissão e funcionalidade.
Bracht e Crisório (2003) citam que as crises de identidade e legitimação social da Educação Física, transparecem um possível esgotamento das funções sociais atuais. Os autores aproximam a compreensão das transformações da modernidade sólida para uma modernidade líquida com a seguinte idéia:
O subuniverso simbólico da Educação Física foi legitimado tendo como pano de fundo o universo simbólico da modernidade. Um elemento importante desse universo era a ciência de caráter mecanicista, que fornecia coerência, que legitimava a visão mecânica de corpo, ou seja, integrava coerentemente o significado de corpo e movimento (atividade física) do subuniverso da Educação Física ao universo mais amplo da sociedade moderna, e com isso a legitimava no contexto cultural e societário (p.16).
Essa legitimação social nos orienta a pensar a diferenciação do atual contexto social proposto por Bauman (2001), ou seja, a modernidade líquida. Na modernidade sólida a Educação Física se legitimava e seguia os contornos impostos socialmente em relação à idéia de um corpo regulado, oprimido, seguindo os padrões impostos pela natureza (ciências naturais) e as normativas do Estado. Bracht (2009) relaciona a Educação Física da modernidade sólida com a idéia do militarismo, do higienismo e do esporte competitivo. Todas estas formas foram utilizadas pelo Estado para controle social, e de certa forma enobrecer a sociedade. Neste projeto, o corpo tem enfoque mecanicista e cientificista. Já na modernidade líquida o universo social assume um formato de irracionalidade, de desordem, regulados pelo mercado e pelo capital flexível. Nesse contexto, o subuniverso da Educação Física assume novas teorizações e se apropria de conhecimentos das ciências humanas, construindo novas abordagens e metodologias visando à emancipação e a autonomia dos indivíduos, como relação própria do novo contexto social. Nesse momento, o corpo, o conhecimento e os valores passam a sofrer, no interior do debate epistemológico da Educação Física, o enfoque relativista e esteticista. Isto abre uma brecha para a interrogação se não expressam de forma paradoxal a crise dos valores próprios da sociedade de consumo (modernidade líquida) no interior do próprio debate da área.
Considerações finais
Na realidade social da modernidade líquida, podemos perceber a Educação Física assumindo uma nova formatação teórica no sentido de criar sua identidade epistemológica e legitimar sua intervenção nesse contexto. No contexto social a visão de corpo biológico, reprimido e controlado da modernidade sólida cede espaço à visão de um corpo estetizado, liberado e inseguro na modernidade líquida. Nesse novo contexto, perdemos os sentidos de controle social por parte do Estado, o que predomina é o capitalismo flexível desregulamentando aspectos políticos antigos.
Essa transformação coloca em crise identitária os profissionais envolvidos na Educação Física. Na modernidade sólida as funções sociais estavam definidas, com a Educação Física assumindo o domínio sobre o corpo (biológico) e as práticas de vigilância social (militarismo, higienismo e esportivismo). Na modernidade líquida as concepções culturais sobre o corpo são exploradas além da visão biológica, além do mais a noção de controle dos papéis sociais e de vigilância política perdem sentido, instaurando um sentimento de insegurança, desordem e instabilidade. Diante dessa nova ordem universal, as teorizações acerca da identidade da educação física permeiam uma lógica em valorar o humano pretendendo criar a autonomia para conviver nesse permeado de incertezas e contradições.
No sentido educacional, cabe salientar o que Tardif (2002, p.11) menciona sobre os saberes dos professores: “[...] o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com sua experiência de vida e com sua história profissional [...]”. Nesse sentido fica a dúvida: como os professores de educação física estão compreendendo o momento histórico em que vivemos (modernidade líquida) e em que medida incorporam ou interpretam as inovações no campo epistemológico da educação física? Essa é uma dúvida que necessita de um aprofundamento compreendendo de maneira empírica como os professores se defrontam com essas transformações sociais e epistêmicas.
Referências bibliográficas
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TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
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