Atividades circenses como possibilidade para a Educação Física. Um relato de experiência Actividades circenses como posibilidad para la Educación Física. Un relato de experiencia |
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Universidade Federal de Santa Maria, UFSM Especializandas em Educação Física Escolar (Brasil) |
Aline de Souza Caramês Daiane Oliveira da Silva |
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Resumo O trabalho surgiu a partir de um projeto de extensão da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) intitulado “Circus Magia e Arte” onde eram desenvolvidas atividades circenses durante as aulas de Educação Física para alunos com faixa etária entre sete e catorze anos. As atividades foram divididas em blocos (interpretações, acrobacias e malabarismos). O objetivo foi possibilitar aos participantes, significativas aprendizagens para vencer desafios e manifestações por meio de expressões e gestos motores. Esse Relato de Experiência mostra a importância da possibilidade de trabalhar com as atividades circenses no âmbito da Educação Física para contribuir no desenvolvimento dos alunos. Unitermos: Atividades circenses. Educação Física. Relato de experiência.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 161, Octubre de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O Projeto de Extensão “Circus Magia e Arte” foi desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no ano de 2007 e 2008, onde buscou tratar a Educação Física Escolar com base em uma nova perspectiva, cujo aprendizado se faz por meio da promoção da Cultura Corporal onde foi produzido partindo da vivência nas artes circenses.
De modo geral, destaca-se a percepção e compreensão das artes circenses como um conteúdo e/ou instrumento pedagógico a ser também explorado nas aulas de Educação Física Escolar. As artes circenses foram levadas em consideração, haja vista a riqueza do seu universo de possibilidades de aprendizagens, não somente nas relações sociais, afetivas e discussões de valores que se efetivam, mas, sobretudo, no pleno desenvolvimento de suas habilidades motoras.
Nesse sentido, apreendemos as atividades circenses como um veículo promissor de aquisição de conhecimentos, uma ferramenta de motivação, onde se estabelecem acima de tudo, relações de conquistas e desafios, norteadores do projeto.
Justificativa
A arte circense pode ser um instrumento que possibilita diversos aprendizados. Tais possibilidades vão desde a relação com outros temas vinculados com o desenvolvimento de habilidades motoras e também na discussão de valores.
Apesar disso, não podemos esquecer que a arte circense deve ser tratada pela Educação Física como um conteúdo. Sem desconsiderar os possíveis aprendizados que podem ser estimulados num processo pedagógico que tenha o circo como tema, em nossa opinião seria um erro encararmos a arte circense prioritariamente como um instrumento a ser utilizado, ou seja, somente como um meio para atingirmos determinados objetivos. Este tipo de abordagem seria inadequado, em primeiro lugar, porque não justificaria a presença da arte circense na escola, já que outros tipos de atividade poderiam dar conta de tais objetivos.
Além disso, e ainda mais importante, é preciso perceber que, tratando a arte circense exclusivamente como um instrumento, corre-se o risco de abordá-la de forma descontextualizada e desvinculada de seus significados, o que acarretaria até mesmo em sua desvalorização.
Como nos lembra Bracht (1992), o movimento a ser tratado pela Educação Física, como disciplina escolar, é aquele que carrega determinado sentido/significado conferido por um contexto histórico-cultural. É justamente por ser dotada de sentido e significado, como manifestação artística e parte da cultura corporal, que a arte circense pode ter justificada sua presença na Educação Física Escolar.
Assim, acreditamos que a arte circense deva ser tratada pela Educação Física como um saber relativo à cultura corporal a ser trabalhado com nossos alunos, de maneira que possamos promover a compreensão, valorização e apropriação desta manifestação artística, através de uma abordagem lúdica no âmbito pedagógico e, que também possibilite, a cada aluno, a descoberta de suas possibilidades físicas e expressivas.
Objetivos
Objetivo geral
Favorecer um ambiente físico e social que possibilite um espaço de novas e significativas aprendizagens proporcionando um espaço onde a criança aprenda a vencer desafios. Visamos à promoção por experiências e incorporações de práticas corporais do mundo circense, vindo a contemplar a multiplicidade das funções e manifestações por meio de expressões e gestos motores.
Objetivos específicos
Proporcionar o amplo desenvolvimento no que tange aos aspectos da motricidade dos alunos participantes do projeto;
Proporcionar uma reflexão acerca das posturas corporais implicadas às atividades cotidianas, bem como atividades voltadas para a aplicação da cultura corporal.
Referencial teórico
É importante salientar que a Educação Física é entendida enquanto ato educativo que se relaciona diretamente ao trabalho do corpo e ao movimento do ser humano. Implicando assim, uma atuação intencional sobre o homem como ser corpóreo e motriz, abrangendo as mais variadas formas/linguagens corporais. Sob essa perspectiva, a Educação Física é aqui vista enquanto elemento da Cultura Corporal e, para tanto, repensada a partir da gestualidade lúdica presente na arte circense.
Nessa lógica, é fiel afirmar conforme Betti e Zuliani (2002):
[...] que a Educação Física enquanto componente curricular da Educação Básica deve assumir então outra tarefa: introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir do jogo, do esporte, das atividades rítmicas e da dança, das ginásticas e práticas de aptidão física, em benefício da qualidade de vida. A integração que possibilitará o usufruto da cultura corporal de movimento há de ser plena – é afetiva, social, cognitiva e motora. Vale dizer, é a integração de sua personalidade.
A busca da cultura corporal de movimento possibilita o desenvolvimento do educando como um todo, no desenvolvimento de habilidades e potencialidades e, no culto ao respeito às individualidades de cada um. Para tanto, ao que tudo indica tal aquisição somente encontrará um resultado satisfatório se for permeado pela gestualidade lúdica. Pois, é no manifesto do gesto lúdico, no ato de brincar, no fazer de conta, que o educando cria e recria um mundo próprio, incomum, surreal. Um mundo imaginário onde a liberdade de expressão corporal é a única verdade absoluta.
De acordo com Marcellino (2000):
[...] deve-se levar em conta ainda, que se o conteúdo das atividades de lazer pode ser altamente 'educativo', também a forma como são desenvolvidas as possibilidades 'pedagógicas' muito grandes, uma vez que o componente lúdico, com o seu 'faz de conta', que permeia o lazer, pode se constituir numa espécie de denúncia da realidade à medida que contribui para mostrar em forma de sentimento, a contradição entre obrigação e prazer.
O corpo é visto como móvel, livre, leve, ágil. Muitas vezes cômico, que é instigado e desafiado a um exercício de olhar, que se constrói, que informa, envolve e encanta, apresentando de maneira inteiramente rica e original, uma trama de imagens, figuras, formas, sons, fantasias, gestos, sonhos... Possíveis no mundo circense.
Assim como afirma Soares (2002):
[...] o corpo não é um limite das potencialidades humanas, mas, pelo contrário, é o seu ponto de partida; [...] e os atores do circo projetam esses signos a partir do corpo. O seu talento ancora-se em qualidades físicas e é a partir delas que procuram a superação de si mesmos; [...] apresentam a concepção grotesca de corpo em uma singular utilização de seus orifícios. Ignoram a concepção de corpo fechado e os limites espaciais definidos pelas regras de civilidade da sociedade; [...] desprezam o peso de seus corpos [...] desenham no vazio do espaço, com seus corpos, linhas imaginárias [...] exibem o requinte do equilíbrio móvel... tudo se apresenta em uma espantosa harmonia estável; [...] as possibilidades do artista encontram-se no corpo.
Nesse sentido, a relevância da arte circense está contida na lógica da sua movimentação corporal. Tal evidência pode ser constatada a partir da sua própria origem histórica. Concebida como uma das mais antigas histórias da humanidade, a arte circense teve origem em povos viajantes, que além de trazerem consigo uma cultura própria, tradicional, levavam a alegria e o fascínio ao povo, através de seus espetáculos de rua.
[...] qual era o seu lugar? O seu lugar era o mundo inteiro conhecido e, principalmente, imaginado. Era sempre o lugar onde houvesse gente que se dispusesse a rir, a aplaudir, a se embevecer com as peripécias do corpo, de um corpo ágil, alegre, cheio de vida porque expressão de liberdade e, sobretudo, resistente as regras e normas. Estes artistas viviam na contramão, fora da idéia de utilidade de ação. O seu mundo era desinteressado. Suas vidas faziam-se mais de trajetos do que de lugares a se chegar e, assim, desterritorizavam a ordem do espaço. Suas apresentações aproveitavam os dias de festa, feiras, mantendo uma tradição de representar e de apresentar-se nos lugares onde houvesse concentração de pessoas do povo [...] (SOARES, 2002).
Entretanto, é importante ressaltar que o circo, é muitas vezes, percebido como a exploração dos limites físicos e expressivos do ser humano, um lugar em que artistas realizam feitos praticamente impossíveis. Esta percepção é perfeitamente válida quando estamos falando do universo performático e de alto nível dos artistas circenses, visto hoje no circo contemporâneo. Porém, precisamos ter claro que as modalidades circenses, podem sim ser vivenciadas e aprendidas por todos, desde que respeitadas às características dos indivíduos e do grupo. A quebra do distanciamento com a arte circense é o primeiro passo para podermos pensar num processo de ensino-aprendizagem que se dê não necessariamente sob uma lona, mas também em outros ambientes, como por exemplo, na escola.
Quando trazemos a arte circense para a escola, tratando-a como um conteúdo da Educação Física, deve-se ter claro que o objetivo não é de formar ou revelar pequenos artistas, assim como não deve ser o objetivo do esporte escolar revelar e treinar atletas. Se não refletirmos sobre esta questão, corremos o risco de cometer os mesmo erros tão recorrentes quando o conteúdo esporte é tratado nas aulas de Educação Física os quais, muitas vezes, privilegia a técnica e os movimentos mecanizados, um corpo controlado, construído, modelado.
Por fim, acreditamos que seja pertinente, propor que a arte circense venha a ampliar o conteúdo da Educação física, sendo encarada, antes de tudo, como uma manifestação da cultura corporal, ampliando as possibilidades do uso significativo de gestos e posturas corporais. Onde o movimento humano seja, portanto, mais do que um simples deslocamento do corpo no espaço, e sim se constituindo em uma linguagem, uma forma de expressão, possível de ser aprendida e sistematizada num processo pedagógico.
Metodologia
O projeto foi desenvolvido com crianças na faixa etária de 7 a 14 anos de uma Instituição Não Governamental (ONG), onde estava sendo realizado o Programa financiado pelo governo federal, PETI (Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil), que proporciona um reforço escolar e assistencial no turno oposto às aulas da Educação Básica. O público-alvo do referido projeto é composto por crianças de uma comunidade carente do município de Santa Maria - RS.
Para tanto, foram realizadas pesquisas de campo junto a esta Instituição, com o intuito de coletar dados pessoais, sócio-econômicos e de cunho familiar, através de questionários e entrevistas com perguntas abertas e fechadas. Somado a isso, buscou-se saber o entendimento dos alunos a respeito do tema aqui proposto - atividades circenses -, levando-se em conta que nosso projeto está estruturado essencialmente no entendimento que os alunos têm sobre o assunto e suas preferências.
O projeto foi desenvolvido a partir da utilização de três dos blocos de manifestações das atividades circenses, onde o corpo é o protagonista e que podem ser aplicadas na Educação Física Escolar, conforme descrito por Bortoletto (2008): Interpretações, Acrobacias e Atividades de manipulação de objetos (equilíbrio de objetos e equilíbrio sobre objetos). Esses blocos foram ensinados especificamente em níveis crescentes de complexidade, mas que têm como essência um trabalho voltado a ludicidade em sua aprendizagem. O bloco de Atividades Aéreas não foi desenvolvido devido à precariedade do ambiente onde as aulas foram desenvolvidas, pois poderia comprometer a segurança dos alunos.
Durante as aulas foram utilizados recursos metodológicos por meio do uso de materiais alternativos: jornais, lenços, sacolas, balões, garrafas pet, roupas e fantasias, colchonetes e tatames.
Para se ter clareza do que foi desenvolvido, alguns exemplos referentes a cada bloco serão apresentadas:
Interpretação
Em equipes, os alunos recebem temas de novela, filmes, e devem por meio de mímica realizar o movimento, os demais colegas devem tentar descobrir a representação (Exercício de Mímica);
Um aluno modela o colega como se fosse massinha de modelar, o aluno modelado deve ficar flexível (Marionete);
Os alunos terão diversas roupas para usar, após devem apresentar-se aos colegas criando personagens (Situações cômicas);
O aluno receberá um objeto qualquer, e deverá realizar uma cena em torno desse objeto (Improvisação).
Acrobacias
Rolamento para frente e para trás;
Paradas de 2 e 3 apoios;
Rodante;
Ponte para trás.
Manipulação de objetos
Manipulação de objetos com as mãos;
Construção de materiais (bolas);
Manipulação do material construído (com uma, duas e depois três bolas).
Considerações finais
O referente estudo trouxe contribuições importantes para uma nova perspectiva em relação ao trabalho da Educação Física na escola. O grande interesse dos alunos por meio das atividades propostas, a união entre o Programa (PETI) e o Projeto de Extensão Circus Magia e Arte foram fundamentais para o processo de construção dos saberes sociais, cognitivos, afetivos e motores, tais quais os aspectos físicos e expressivos dos mesmos.
Um ponto de suma importância foi o desenvolvimento da expressão corporal dos alunos, incluindo sua capacidade criativa, de propor resoluções de problemas. Atividades circense na escola possibilitaram uma relação mais direta e afetiva entre as crianças do projeto pela aceitação estabelecida, permitiram desenvolver um processo educativo através das atividades circenses nos blocos trabalhados durante as aulas interpretação, malabarismos e acrobacia. Através das linguagens artísticas desenvolvidas, as crianças tiveram a oportunidade de expressar seus sentimentos; ter novas experiências e aumentar sua auto-estima por perceber que é um ser capaz de realizar atividades artísticas e de produzir, fazendo com que possam acreditar em si mesmos e em seu potencial. É a vivência deste coletivo que permite desenvolver sentimentos solidários e fraternos, com os aspectos motores os quais foram buscados dentro desse projeto.
Referências
BETTI, Mauro; ZULIANI, Luiz Roberto. Educação física escolar: uma proposta de diretrizes pedagógicas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo: Editora Mackenzie, Ano 1, n. 1, p. 73-81, 2002.
BORTOLETO, Marco Antônio. Introdução à pedagogia das artes circenses. 1. ed. Jundiaí: Fontoura, 2008.
BRACHT, Valter. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: educação física. Secretaria de Ensino Fundamental. Brasília, MEC/SEF, 1997.
DUPRAT, R. M. Atividades circenses: possibilidades e perspectivas para educação física escolar. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2007.
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. 2. ed., ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.
SOARES, C. L. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.
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