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Meninas na Educação Física: porque elas não jogam?

Las niñas en la Educación Física. ¿Por qué ellas no juegan?

 

*Graduando em Licenciatura em Educação Física

Escola Superior de Educação Física, Universidade Federal de Pelotas,

**Graduada em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal

de Pelotas. Mestranda em Educação Física, Universidade Federal de Pelotas

***Graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria

Mestrado em Ciência do Movimento Humano pela mesma Universidade

Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas

Atualmente é professor associado da Escola Superior de Educação Física

da Universidade Federal de Pelotas (Graduação, Especialização e Mestrado)

Também é Tutor do Grupo PET/ESEF

Francisco de Assis Furtado de Oliveira*

Fabiane de Oliveira Schellin**

Luiz Carlos Rigo***

fafo.oliveira@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O estudo trata-se de um relato de experiência do estágio de 1° a 4° série, realizado no segundo semestre letivo de 2010, em uma escola da rede pública de Pelotas. Durante as aulas notou-se que as meninas não participavam muito das mesmas, dessa forma, tentando entender quais os motivos para a ocorrência desse fato, buscou-se através de um questionário composto por dez perguntas referentes às aulas de Educação Física, ao professor e aos colegas, além de perguntas sobre suas atividades extraclasse, analisar quais fatores poderiam colaborar para a falta de participação das meninas. Responderam ao questionário trinta e nove meninas de cinco turmas diferentes, sendo três quartas séries e duas terceiras séries, todas com professores estagiários na área de Educação Física, os quais não interferiram nas respostas. Através dos questionários podemos notar que as meninas não participavam devido a não estarem com roupa adequada, pela relação com os colegas e pelo conteúdo desenvolvido nas aulas. Dessa forma, o texto traz relações com a participação das meninas nas aulas, destacando que diversos motivos contribuem para uma baixa participação, relacionados não somente aos colegas, mas também de certa forma a fatores estruturais e organizacionais das aulas, tendo o professor um papel importante durante a minimização desses fatores.

          Unitermos: Gênero. Educação Física. Escola.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 160, Septiembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este ensaio é realizado baseando-se em uma experiência vivida durante o estágio supervisionado de 1º a 4º série, do curso de Licenciatura em Educação Física, da Escola Superior de Educação Física de Pelotas. O estágio foi realizado na Rede Municipal de Educação, durante o segundo semestre do ano de dois mil e dez, em uma turma de 4º série, a qual era constituída de vinte e dois alunos, sendo dez meninas e doze meninos, com idade entre nove e doze anos.

    O interesse pelo tema surgiu durante minhas intervenções na turma, uma vez que, pude observar algumas meninas pouco participativas durante as aulas. Partindo desse aspecto, busquei observar, identificar e tentar relacionar os acontecimentos ocorridos nas aulas com outros trabalhos que enfocam os motivos pelos quais as meninas demonstram menos interesse que os meninos pelas práticas da Educação Física (EF). A justificativa para o estudo se dá pela necessidade de investigar esses agentes, procurando alternativas que possam contribuir para a melhora da participação das meninas nas aulas, pois concordando com Epstein (1988), Winterstein (1992) e Treasure (2001), quando enfatizam que o ambiente deve servir para que todos, de forma igual, possam aprender, praticar e vivenciar atividades que permitam o sucesso, bem como participar de experiências não traumatizantes, levando assim para a vida futura as práticas do movimento como lembranças saudáveis e divertidas que estimulem uma vida ativa.

    Dessa forma, após uma conversa com a professora supervisora do estágio, foi elaborado e aplicado um questionário às meninas de cinco turmas, sendo três quartas séries e duas terceiras, com o intuito de avaliar se a situação ocorria nas demais turmas que tinham a presença de professores estagiários. O questionário foi composto por dez perguntas, todas abertas, não havendo necessidade de colocarem seu nome ou podendo optar por um nome fictício. As turmas eram compostas de aproximadamente 25 alunos cada. Responderam ao questionário 39 meninas, com faixa etária de nove a quinze anos. O mesmo foi aplicado, como atividade em uma das aulas de EF, pelos professores estagiários responsáveis pelas turmas, os quais não interferiram na construção das respostas.

1.     Análise da participação feminina em aulas de Educação Física

    Após a leitura do instrumento, algumas colocações surpreenderam minhas observações, tais como a de que apenas 10,3% das meninas, o que corresponde a quatro alunas de 39, responderam que não gostam de EF. Esse número me deixou intrigado, apesar de serem poucas as alunas que responderam que não gostam, em geral as meninas não participam das aulas, preferem ficar sentadas ou conversando entre si. Nesse âmbito alguns motivos para isso são discutidos, como por exemplo, o professor. Será que o responsável pela pouca prática das meninas não é o docente? Segundo Ames e Ames (1989) apud Marante e Ferraz (2006):

    O professor demonstra seus interesses e objetivos por vários aspectos em sua prática, como por exemplo: pela maneira que organiza as atividades e agrupa as crianças, pelos critérios e avaliação que aplica, pelas características que ele valoriza nas crianças, pela forma que propõe as tarefas e pelo modo que desempenha a sua autoridade (p. 206).

    Durante minha prática, nas aulas ministradas, pude notar que a participação das meninas decaia quando passávamos dos exercícios educativos para o jogo propriamente dito, no caso o basquete, sendo que em ambas as atividades a prática era mista. A desmotivação relatada por parte das alunas nos questionários e nas observações das aulas deve-se ainda, ao fato de que os meninos não passam a bola ou muitas vezes às machucam, mesmo que sem intenção. Como forma de modificar essas relações procurei intervir por meio de pequenas regras, uma delas era a de que todos deveriam tocar na bola para marcar o ponto ou os passes somente seriam realizados para alunos do sexo oposto. Houve ainda, como tentativa de melhorar a participação das alunas, interações minhas junto com elas, onde durante as atividades procurei jogar, auxiliando na inclusão de todos. Durante essa prática conjunta, as alunas participaram de forma mais efetiva. Em seu estudo Altmann (2002), traz como relações que as meninas para jogarem com os meninos devem jogar muito bem, ou ainda, os meninos que jogam com as meninas são aqueles que não jogam bem ou são escolhidos por último, e certas vezes nem são selecionados. Dessa forma, os meninos não queriam jogar com as meninas, pois não viam um desafio e consideravam que as mesmas não sabiam jogar. A contradição dos gêneros fica exposta quando os meninos jogam com uma menina que joga bem, mas, se perdem a imagem masculina é ameaçada. Durante o estágio observei muitas vezes que os meninos tinham medo de perder para as meninas, o que realmente ocorreu uma vez, nessa ocasião os alunos ficaram extremamente chateados e quietos.

    Outra questão que chamou minha atenção tinha relação com o desenvolvimento das aulas, qual a percepção delas sobre as aulas, como o professor relacionava-se com as meninas e como era a participação dos colegas na aula, a partir da visão das mesmas. Nas respostas, boa parte das alunas (41%), respondeu que as aulas são ótimas, o professor é ótimo e os colegas participam às vezes. Porém, o que mais chamou minha atenção intriga nessa explanação é o fato de que, em minha turma, as meninas costumeiramente não participam da aula. Algumas medidas foram tomadas, a primeira delas foi dar tarefas para aquelas que não participavam das atividades práticas terem que avaliar a aula através da elaboração de relatórios de observação, criar atividades ou fotografar a aula. Com o intuito de fazê-las tentarem participar das práticas, o que funcionou num primeiro momento. Além disso, algumas dessas alunas e alunos que não participavam foram convidados a executar o papel de auxiliares, e em uma das aulas foram incumbidas de fotografar a aula. Mas, das medidas adotadas, a mais relevante foi a tarefa do desenvolvimento de uma atividade para os demais colegas, onde me surpreendi com a inteligência e criatividade do grupo que a realizou. Ainda assim, até o fim de meu estágio, algumas alunas as vezes não participavam da aula. No estudo de Teixeira e Myotin (2001), os autores trazem através de um questionário realizado com alunos e alunas, que os interesses pelas aulas de Educação Física são distintos, os meninos querem se divertir, aprender esportes e jogar futebol, enquanto as meninas se divertiam e aprendiam brincadeiras, com essas respostas diferentes os autores relacionam a dificuldade de trabalhar com turmas mistas.

    A roupa inadequada é um dos motivos que as alunas alegam para não fazerem as aulas. Mesmo sabendo que no dia terão aula de EF, algumas meninas insistem em vestirem-se de forma inadequada, com calças jeans, sandálias e tamancos. Além disso, muitas vezes a escola é uma barreira à prática das aulas de EF, pois proíbem os alunos que não estão de roupa adequada, sem levar em consideração que são alunos de classes populares.

    Realmente, alguns tipos de roupas e calçados, dificultam a prática, segundo Borges (2006) isso é comum nas atividades, os alunos não têm o conhecimento e a consciência da importância do uso de um uniforme adequado na realização das práticas corporais. É necessário avaliar a questão social, pois em muitos casos, especialmente semanas de constantes chuvas e dias nublados, alguns alunos não conseguem vestir-se adequadamente para atividades práticas, assim é necessário relevar alguns fatores no sentido de facilitar o acesso das aulas a todos, pois é preferível fazer as aulas, mesmo que com algumas limitações a ficar olhando os demais colegas. Uma pequena prática de atividade física semanal, por menor que seja é melhor do que nenhuma.

    Na questão seguinte, a referência foi feita a qual atividade as meninas gostavam de fazer em casa. Dezenove, das trinta e nove meninas (48,7%) respondeu olhar televisão ou utilizar o computador, mas o interessante é que dezesseis alunas (41%) relataram praticar algumas atividades como brincar, pular corda, jogar basquete, vôlei ou futebol (41%).

    Um fato interessante foi que, ao contrário do que esperava, as meninas são ativas em suas moradias, praticando atividades que podem e devem melhorar suas capacidades físicas e habilidades motoras. Isso demonstra que, nas aulas muitas delas apresentam-se sem vontade, apáticas e sempre cansadas, talvez o motivo para a desmotivação das alunas, como cita Rangel-Betti (1995) apud Martinelli et al (2006) possa ser o relacionamento com os demais alunos do grupo, desinteresse pelo conteúdo e abordagem adotada pelo professor no desenvolvimento das aulas. Como o autor ressalta, percebo que essas relações desencadeiam alguns outros fatores que desmotivam as meninas, como o fato de os meninos não medirem suas forças e as machucarem, mesmo que de forma involuntária.

    A questão seguinte relaciona-se diretamente com a anterior, trata-se do que as meninas gostavam de fazer na rua. Para tal questão as alunas mostraram-se extremamente ativas, onde 64,1% responderam que gostam de praticar alguma atividade, correr, brincar jogar bola, vôlei, basquete ou outras atividades, como passear. Pode-se perceber agora mais forte, a relação que Rangel-Betti (1995) apud Martinelli et al (2006) fazem, pois essas atividades são realizadas com os amigos ou familiares, os quais possuem um vínculo e uma relação maior com as meninas, o que facilita e motiva tais ações.

    Fazendo relação direta às aulas de EF, houve uma questão que tratava de forma específica o que as alunas não gostavam nas aulas. Para essas eram esperadas como respostas os colegas e os conteúdos trabalhados, confirmando-se após o levantamento dos dados. Assim como apresenta Staviski e Da Cruz (2008):

    O conteúdo das aulas de Educação Física se figura como a principal origem das dificuldades reclamadas pelos alunos. São dos conteúdos orientados basicamente em esportes que surgem muitas das dificuldades, principalmente, para os alunos que não estão interessados pelo rendimento esportivo ou não apresentam destacado desempenho motor. Para estes alunos, a aula tende a se tornar menos motivante, ou mesmo sem atratividade, o que justifica muitos estudantes questionarem a sua obrigatoriedade (p. 4).

    Esses fatores, colegas e conteúdo trabalhados, foram trazidos por todas as alunas entrevistadas, especialmente as de minha turma. Porém, durante as aulas que eram ministradas com base nos jogos cooperativos e pré-desportivos, com intuito de integração social e maior participação, as meninas participavam, algo já relatado por outros professores da turma e observado por mim.

    Por fim, a última questão era referente ao professor estagiário e sua relação com as mesmas, uma vez que, uma relação conturbada com a turma seria um forte agravante na pouca participação das meninas, assim como tratam Ames e Ames (1989) apud Marante e Ferraz (2006), é o professor que elenca o conteúdo, e apresenta seus interesses e objetivos, o que é passado para os alunos em forma de atitudes, quando organiza a atividade e até quando avalia. Porém, apenas três alunas (7,7%), responderam que não gostam do professor. Em minha turma, todas as meninas responderam gostar do professor, mas mesmo assim, a participação das mesmas era pequena.

Considerações finais

    Assim, como trata Balbé (2008), a motivação é diferente em cada individuo, ela apresenta-se com intensidades distintas. O ideal seria que toda a criança estivesse motivada internamente a praticar alguma atividade, sem precisar de fatores externos. Nessa situação costumeira da nossa carreira, devemos tentar avaliar qual a melhor forma de intervir, visando uma interação do aluno e fazendo com que a prática para ele seja interessante e possibilite uma vontade de cada vez mais participar para procurar aprender coisas novas. Porém, é importante ressaltar que essa motivação dos alunos não é de responsabilidade apenas do professor, diversos fatores podem colaborar para melhora da participação, não somente das meninas. Dentre esses fatores podemos destacar as relações sociais dentro e fora da escola, as relações anteriores com a própria Educação Física, a infra-estrutura e materiais utilizados para as aulas, espaços alternativos para práticas alternativas, como dança, ginásticas, esportes de aventura, entre outros fatores que se aproximam, especialmente da cultura local. Os alunos devem sentir-se ainda como parte integrante e decisiva da aula, podendo construir juntamente com o professor a sua prática e seu aprendizado. Portanto, mesmo sabendo que outros fatores estão associados ao interesse pelas aulas, devemos procurar maneiras de intervir e melhorara a participação especialmente das meninas nas aulas de Educação Física. É papel do educador ensinar ao aluno o valor de cada atividade e seu sentido.

Referências

  • ALMEIDA, P. C.; CAUDURO, T. M. O desinteresse pela Educação Física no Ensino Médio. Lecturas, Educación Física y Deportes, Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 106 - Marzo de 2007. http://www.efdeportes.com/efd106/o-desinteresse-pela-educacao-fisica-no-ensino-medio.htm

  • ALTMANN, H. Meninas e meninos jogando futebol. Revista Verso e Reverso – Ano XVI – N° 34 - 2002/1.

  • BALBÉ, Giovane Pereira. Educação Física escolar: aspectos motivadores. Lecturas, Educación Física y Deportes, Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 124 - Setiembre de 2008. http://www.efdeportes.com/efd124/educacao-fisica-escolar-aspectos-motivadores.htm

  • BORGES, Fernanda Panzenhagen. Educação Física adaptada: o aprendizado, a vivência, e a formação do conhecimento: uma construção acadêmica. Lecturas, Educación Física y Deportes, Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006. http://www.efdeportes.com/efd103/efa.htm

  • CARVALHO, M. P. Mau aluno, boa aluna? Como as profesoras avaliam meninos e meninas.

  • DARIDO, S. D. A educação física na escola e o processo de formação dos não praticantes de atividade física. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, Vol. 18, No 1 (2004).

  • MARANTE, W. O.; FERRAZ, O. L. Clima motivacional e educação física escolar: relações e implicações pedagógicas. Motriz. Revista de Educação Física. UNESP, Vol. 12, No 3 (2006).

  • MARTINELLI, C. R.; MERIDA, M.; RODRIGUES, G. M.; GILLO, D. E.; SOUZA, J. X. Educação Física no Ensino Médio: motivos que levam as alunas a não gostarem de participar das aulas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – 2006.

  • NASCIMENTO, D. E.; FORTES, M. O.; AZEVEDO JUNIOR, M. R. Educação Física, calça jeans e botas: Um estudo focado na fuga de alunos e alunas nas aulas de Educação Física Escolar. Revista Didática Sistêmica, 2010

  • STAVISKI, G.; DA CRUZ, W. M. Aspectos motivadores e desmotivadores e a atividade das aulas de Educação Física na percepção de alunos e alunas. Lecturas, Educación Física y Deportes, Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 119 - Abril de 2008. http://www.efdeportes.com/efd119/aspectos-motivadores-e-desmotivadores-das-aulas-de-educacao-fisica.htm

  • TEIXEIRA, A. G. A.; E, Myotin. Cultura Corporal das Meninas: Análise sob a Perspectiva de Gênero. Revista Motriz – Volume 7 – N°1 – 2001/1.

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