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Implicações vygotskyanas para a Educação Física

Vygotskyan implications for Physical Education

 

Doutorando em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal

de Pernambuco, UFPE. Mestre em Psicologia Cognitiva, UFPE

Lic. em Educação Física pela ESEF/UPE e Professor Assistente

do Instituto Brasileiro de Gestão e Marketing, IBGM

Marcilio Ângelo e Silva

marcilioangelo@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho tenta inicialmente contextualizar Lev Vygotsky tomando como referência sua origem sócio-cultural, as influências teóricas de outros acadêmicos da época como Karl Marx e Engels e a relação dessas influências com o tripé conceitual onde Vygotsky se apóia para desenvolver conceitos-chave de seus escritos: (1) O método genético ou de desenvolvimento; (2) a idéia de que as mais profundas funções mentais são decorrência de processos sociais; (3) e que os processos sociais e psicológicos humanos se dão a partir do uso de ferramentas ou artefatos culturais que medeiam as interações entre indivíduos e o meio. À luz de elaborações atuais sobre a evolução humana, analisa criticamente aspectos que versam sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) e, finalmente, aponta limitações principalmente no que concerne ao conceito de ZDP e sua difícil aplicação na prática no campo da educação ao largo.

          Unitermos: Vygotsky. Tripé conceitual. ZDP. Desenvolvimento motor.

 

Abstract

          This article tries to initially contextualize Lev Vygotsky taking as a guideline his sociocultural background, other author's theoretical influences from his time, such as Karl Marx and Engels, and the relation of these to the triadic conceptual framework which Vygotsky took as a basis to develop some of his key ideas: (1)the genetic method; (2)the idea that the deepest mental functions are the result of social processes and (3)that the social and human psychological processes only take place with the use of cultural tools which mediates the interactions between men and the environment. In light of recent thoughts about human evolution, it critically covers aspects related to the Zone of Proximal Development (ZPD) as well as it conclusively points out some limitations regarding the very concept of ZPD and its difficult practical applicability.

          Keywords: Vygotsky. Triadic conceptual. Framework. ZPD.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 160, Septiembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Nas primeiras décadas do século XX, a psicologia já era uma disciplina cientifica reconhecida e em crescente processo de institucionalização na América do Norte e em muitos países europeus. Tinham sido publicados importantes estudos sobre o desenvolvimento das capacidades durante a infância e gozava de grande prestígio a pesquisa experimental sobre a aprendizagem animal e a humana. Produzira-se, inclusive, uma notável literatura sobre a aplicação de tais descobertas da psicologia evolutiva e da psicologia da aprendizagem na educação das crianças. Entretanto, nenhum dos sistemas teóricos construídos antes de 1925 tinha considerado a educação como processo decisivo na gênese das capacidades psicológicas que nos caracterizam como seres humanos (COLL, MARCHESI e PALACIOS, 2004, p.94).

    Lev Semionovitch Vygotsky (1896 – 1934) nasceu na antiga União Soviética num período onde grandes transformações político-econômico-sociais estavam acontecendo na Europa. Na sua fase adulta, vivenciou a primeira guerra mundial e a Revolução Russa pelas quais Vygotsky foi bastante influenciado (FINO, 2001). Teve uma educação muito ampla e na universidade de Moscou estudou direito, filosofia e historia, e era muito interessado por manifestações artísticas e culturais (COLL, MARCHESI e PALACIOS, 2004). Mas foi apenas em 1924 que começou a desenvolver trabalhos na área da psicologia, educação e psicopatologia (SCHUETZ, 2004). Toda aquela rica aquisição de conhecimento certamente teve um papel marcante nos pensamentos de Vygotsky que sempre enfatizou a interação social como principio norteador de seus escritos (RIDDLE, 1999). Infelizmente, suas obras só vieram a ser publicadas décadas depois de sua morte devido às restrições impostas pelo sistema “comunista”. A obra “Pensamento e Linguagem”, por exemplo, foi publicada em inglês somente em 1962, como também a “Mente e Sociedade” apenas em 1978 (FINO, 2001) – As obras de Vygotsky foram originalmente escritas no seu idioma natural, o Bielo-Russo.

    Interessantemente, ao que parece, toda produção conceitual de Vygotsky nada mais é do que uma “transcrição”, ou melhor, uma leitura daquilo que ele mesmo vivenciou durante seu desenvolvimento humano. Poder-se-ia até dizer que ele mesmo foi objeto de seus estudos. Considerando o contexto em que vivia, seus escritos tampouco poderiam ter sido privados da influência sociocultural sobre a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo. Seria plausível afirmar que o pensamento Vygotskyano reforça a premissa de Karl Max que o homem é produto do meio. No entanto, existe uma diferença crucial entre estas. Segundo Vygotsky, não só o meio influencia e modifica o homem, como também o homem modifica o meio onde vive.

    É considerando a contextualização acima que o presente trabalho agora se dirige a uma abordagem mais profunda sobre Vygotsky no que concerne às relações entre aprendizagem e desenvolvimento.

O tripé conceitual de Vygotsky

    Segundo Fino (2001), a teoria de Vygotsky se desenvolve em um tripé conceitual que inclui: o método genético ou de desenvolvimento; a concepção de que as mais profundas funções mentais são decorrência de processos sociais; e que os processos sociais e psicológicos humanos se dão a partir do uso de ferramentas ou artefatos culturais que medeiam as interações entre indivíduos e o meio. Mediação é, sem dúvida, um dos aspectos centrais da teoria Vygotskyana, pois é através dela que ocorre a aprendizagem, o que por sua vez é a mola propulsora do desenvolvimento. “De acordo com Vygotsky, os seres humanos usam ferramentas que surgem da cultura, como a fala e a escrita, para mediar seus ambientes sociais” (RIDDLE, 1999, p.3). É importante lembrar que o conceito de ferramentas culturais é bastante presente nas idéias de Marx e Engels.

    ...Vygotsky acreditava que a internalização de sistemas de signos culturalmente produzidos ocasionam transformações comportamentais e formam a ponte entre formas iniciais e posteriores de desenvolvimento individual. Portanto, para Vygotsky, assim como na tradição de Marx e Engels, o mecanismo de mudança individual do desenvolvimento está enraizado na sociedade e na cultura (COLE e SCRIBNER, 1978 apud FINO, 2001, p.7).

    A idéia de que as funções mentais superiores são decorrentes de processos sociais deve-se ao fato de que é impossível descontextualizar o ser humano da sua realidade sócio-cultural. Não há como romper a influência que o mesmo tem sobre a cultura e vice-versa. Portanto, não faz sentido estudar o desenvolvimento psicológico humano sem considerar fatores sociais, históricos e culturais.

    De acordo com Vygotsky, todas as atividades cognitivas fundamentais se moldam numa matriz de história social e formam os produtos do desenvolvimento sócio-histórico (LURIA, 1976). Ou seja, habilidades cognitivas e linhas de pensamento não são, primordialmente, determinados por fatores inatos, mas por produtos de atividades praticadas em instituições sociais da cultura na qual o indivíduo cresce (SCHUETZ, 2004, p.3).

    Três pontos importantes emergem dos argumentos acima. Primeiro, a premissa de que o desenvolvimento não é influenciado única e exclusivamente por fatores biológicos ou genéticos, mas, sobretudo, por fatores culturais. Aliás, um ponto crucial da teoria de Vygotsky sobre o desenvolvimento é justamente o fato de que a interação social e a influência cultural direcionam o desenvolvimento cognitivo (VYGOTSKY, 2003) – este argumento ficará mais claro adiante, quando o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal for abordado. Os seres humanos são fundamentalmente seres sociais que se relacionam porque precisam suprir necessidades emocionais, biológicas e sociais e na maioria das vezes estas necessidades só podem ser supridas coletivamente. É através desta relação mútua, desta interação social que ocorre o desenvolvimento contínuo humano e o trabalho coletivo desempenha um papel especial neste processo de desenvolvimento.

    Segundo, foi baseado na premissa da influência recíproca entre sujeito e cultura que Vygotsky elaborou a lei do desenvolvimento cultural, a qual enfatiza que todas as funções cognitivas surgem duas vezes no desenvolvimento da criança: no nível social ou interpessoal (interpsicologicamente), primeiramente; e no nível individual ou intrapessoal (intrapsicologicamente) (FINO, 2001). Daí decorre também o conceito de interiorização ou internalização, que consiste na capacidade de reconstrução interna das operações externas. Essa capacidade de transformação do processo interpessoal em processo intrapessoal é o resultado do desenvolvimento gradual da criança para “níveis” mais avançados.

    O que era o sinal de operação de fora para dentro... é agora transformado numa nova camada intra-psicológica e produz um novo sistema psicológico, incomparavelmente superior em conteúdo, e cultural-psicológico em gênese (VYGOTSKY e LURIA, 1997, p.109-110).

    Terceiro, Vygotsky (1978) ressalta a existência de dois tipos de conceito: o cientifico e o espontâneo. O primeiro aprendido na escola formal e o último nas atividades cotidianas. Mas, até mesmo o que se aprende na escola formal e o como este conhecimento é internalizado é mediado por ferramentas culturais específicas de um contexto. Ferramentas estas que podem se caracterizar por artefatos culturais tangíveis ou a própria linguagem, mas que não servirão para impulsionar o desenvolvimento se não forem utilizadas dentro de uma zona de desenvolvimento adequada, a qual Vygotsky chama de ZDP. Conceito que será abordado adiante.

    Em relação ao último ponto do tripé da teoria “Vygotskiana”, o método genético é utilizado em suas pesquisas experimentais e, implicitamente, reforça o fato de que para se entender o desenvolvimento cognitivo humano é necessário uma abordagem contextualizada, onde os elementos que dão origem a tal desenvolvimento sejam analisados in locus e de forma interativa e iterativa. Pois, não há como estudar o ser humano e suas nuances sem uma interação que permita a exploração contextualizada de seu mundo pessoal e numa perspectiva histórica – veja-se historicidade aqui não no sentido usual. “Estudar algo do ponto de vista histórico”, segundo o autor [Vygotsky, 1978], não consiste em analisar acontecimentos passados, mas significa “estudá-lo em seu processo de mudança” (COLL, MARCHESI e PALACIOS, 2004, p.95-96).

Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)

    Através de suas pesquisas utilizando o método genético-experimental Vygotsky constatou que existia um “espaço” ou “gap” entre o nível de desenvolvimento atual de uma criança, ou seja, aquilo que lhe é permitido biologicamente de se aprender (por ela mesma), e o nível de desenvolvimento potencial da criança, que seria a capacidade de aprender com a ajuda de adultos ou colegas mais desenvolvidos cognitivamente (DeVRIES, 2009; SCHUETZ, 2004; VYGOSTKY, 2003; COLL, MARCHESI e PALACIOS, 2004; FINO, 2001; RIDDLE, 1999). É justamente a existência de tal espaço entre desenvolvimento atual e potencial que indica a capacidade contínua de desenvolvimento cognitivo humano e que ressalta a importância da interação social. De acordo com Azmitia (1994), a interação social leva a um maior crescimento cognitivo do que o trabalho solitário. Na verdade, é plausível afirmar então que a interação social é a mola propulsora do desenvolvimento cognitivo da criança, como também do adulto.

    A situação oposta entre aprendizagem e desenvolvimento, ou seja, aprendizagem sendo somente possível depois que certo nível de desenvolvimento seja alcançado, só seria possível se o que se aprende com ajuda dos outros não fosse passível de reprodução por parte da criança, ainda que esta reprodução seja caracterizada como condicionamento – o que não deixa de ser uma forma de aprendizagem (SKINNER, 1974). Por outro lado, o fato de que sem a ajuda de outros, uma criança não seria capaz de executar operações que estariam além de sua capacidade (no que diz respeito ao nível de desenvolvimento atual), pode simplesmente indicar que a definição separada de desenvolvimento atual e potencial não seja pertinente. Mas sim que, na verdade, o contato com uma nova atividade / habilidade não seja suficientemente “personalizado” ou individualizado, ou até mesmo contextualizado, uma vez que cada indivíduo pertence a um contexto específico e interpreta o que está ao seu redor de maneiras diferentes; ainda que os indivíduos sejam provenientes de um mesmo ambiente sócio-cultural. Em outras palavras, talvez o problema esteja no como se dá a interação “aprendiz-meio”. Ademais, se tomarmos como exemplo os nossos primeiros ancestrais, qual seria a explicação para seu desenvolvimento, se nos tempos mais primitivos artefatos de caça e o próprio fogo não surgiram através do ensino formal, tampouco por imitação de atividades cotidianas pré-estabelecidas? Voltando o olhar para a origem dos artefatos culturais, e ainda mais, se nos voltarmos para origem do conhecimento ou da linguagem, é plausível dizer que o conceito de ZDP se perde em essência, restando somente o conceito de desenvolvimento atual que, diga-se de passagem, poderia simplesmente ser chamado de desenvolvimento potencial (a questão aqui é apenas conceitual e depende do sentido que uma pessoa confere às palavras: atual e potencial). Já que o ato de produzir fogo em sua essência foi nada mais que um simples “acidente” cultural, como muitas das mais geniais descobertas da história da humanidade. Insinuar que o fogo só pôde ser produzido porque o desenvolvimento atual do homem primitivo o permitiu parece ser uma falácia, uma vez que está imbuída no conceito de desenvolvimento atual a idéia do ato deliberado e independente do aprendiz ao executar uma operação. A intenção operacional é fundamental para justificar um determinado nível de desenvolvimento.

    Ainda levando em conta nossos primeiros ancestrais, se recorrermos ao conceito de fases pré-verbal e pré-intelectual, discutidas anteriormente; fases estas que estão presentes no período inicial de desenvolvimento da criança, assim como nos primatas superiores, como também se antecedem ao surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos (OLIVEIRA, 2005). Aqui tampouco seria possível falar de ZDP, já que o que existiria neste período seria uma espécie de inteligência “motora” ou, como Vygotsky (1989) denomina, uma inteligência prática que leva ao aprendizado, mas que, aparentemente, num grupo não é transmissível de um membro para o outro e nem, tampouco, é munida de intencionalidade prévia. A “intransmissibilidade” de tal “conhecimento” além de tornar o desenvolvimento potencial inócuo como conceito, teria sua explicação justamente no fato de a linguagem e o pensamento verbal não terem ainda se inter-relacionado num dado momento filogenético da história do indivíduo, pois a linguagem, como o pensamento verbal, são elementos básicos para que ocorra aprendizagem num contexto social. Ademais, o conceito sobre as fases pré-verbal e pré-intelectual é “Vygotskyamente” aplicável apenas ao período inicial de desenvolvimento, ou seja, para crianças – o que dizer então dos nossos primeiros ancestrais adultos, mesmo que se considere o fato de que não somos descendentes dos primatas superiores? Ademais, se a afirmação mais atual sobre a evolução humana estiver correta, afirmar que tantos os primatas superiores como os seres humanos ainda em sua fase inicial de desenvolvimento (antes da aquisição da linguagem) encontram-se em fases pré-verbais e pré-intelectuais similarmente, seria o mesmo que dizer que seres humanos e primatas superiores só perdem seu parentesco num momento específico de seu desenvolvimento ontológico. Assim, a aquisição da linguagem seria então o momento em que o ser humano recebe seu status de humano e se desliga definitivamente do parentesco com primatas superiores. No entanto, ao se considerar essa hipótese, retorna-se ao dilema anterior sobre limitação biológica para o desenvolvimento dos primatas superiores. Se se considera que a limitação biológica corrobora a idéia atual sobre a evolução humana, então equiparar o desenvolvimento do ser humano nos seus primeiros dois ou três anos de vida com o desenvolvimento dos primatas superiores, seria na verdade alocá-los num mesmo sistema de signos e linguagem; o que passa a ser potencialmente contraditório com o próprio conceito de interação social. E ainda, se se considera que a limitação biológica é equivalente para os primatas superiores e os seres humanos até antes da aquisição da linguagem destes, então o conceito de ZDP só é aplicável para o período humano pós-aquisição da linguagem; o que outra vez passa a ser uma contradição, pois aceitar esse argumento é o mesmo que dizer que Piaget (WADSWORTH, 2003) tinha razão em relação à predominância do biológico sobre a aprendizagem, mas somente na fase de desenvolvimento humano antes da aquisição da linguagem.

    Considerado o que foi dito até agora, não seria ousado afirmar que o conceito de desenvolvimento atual poderia ser visto como uma repetição sistemática de fases pré-verbais e pré-intelectuais que se estabilizam ou “interagem” através do processo de internalização produzindo linguagem e pensamento, e, ao mesmo tempo, criando formas mais complexas ou superiores de desenvolvimento cognitivo produzindo novos sistemas de signos. Neste sentido, o desenvolvimento humano, na verdade, seria influenciado continuamente por um mix biológico e sócio-histórico inextricavelmente relacionado; sendo o fator biológico neste processo mais influente do que o sócio-histórico – Ironicamente, Piaget não teria dificuldades em concordar com esta suposição. Em outras palavras, o contexto sócio-histórico só pode exercer uma influência no desenvolvimento do individuo se o biológico o permitir. Portanto, aqui também conceito de ZDP não faz sentido.

Considerações finais

    A ZDP também se caracteriza como um elo contínuo e dinâmico que impulsiona o desenvolvimento cognitivo do sujeito para níveis sempre mais altos e complexos, e não regressivos. Este conceito teve uma repercussão enorme na psicologia da educação e na pedagogia e tem influenciado estes até o momento presente. Através do entendimento da ZDP se tornou mais evidente a importância de se elaborar conteúdos programáticos para a escola que desafiem o nível atual de desenvolvimento das crianças para que as mesmas aprendam conteúdos não só relevantes, mas, sobretudo, que pavimentem o próximo nível de seu desenvolvimento cognitivo. Em outras palavras, ensinar conteúdos que não desafiam o nível atual de desenvolvimento da criança não contribui de forma proativa para o alcance de níveis cognitivos superiores e mais complexos, para o desenvolvimento da criança como um todo. Ainda é necessário ressaltar a necessidade de uma abordagem sócio-interativa, já que isto seria condição sine qua non para a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo da criança.

    No entanto, talvez o conceito de ZDP faça sentido somente para o ambiente escolar onde o conteúdo é planejado de forma sequencial, considerando os níveis do desenvolvimento da criança; ou talvez até nem mesmo isso. Talvez tenha sido justamente influenciado por conceitos semelhantes ao da ZDP que o conteúdo formal escolar siga uma evolução programada, pois pouco mudou na estrutura escolar antes, durante e depois de Vygotsky – à exceção da palmatória física (substituída pelas subjetivas: nota e chamada). Ou, poder-se-ia dizer que Vygotsky apenas “batizou” o que já era uma realidade na prática, mas não tinha sido ainda posto de uma forma conceitual? A própria diferença de níveis de desenvolvimento das crianças, segundo tal conceito, seria um fator positivo em sala de aula, considerando-se o conceito da ZDP. Porém, na prática, pode-se dizer que o benefício seria somente para aqueles com um nível mais baixo de desenvolvimento, enquanto que os outros mais “desenvolvidos” são impedidos de alcançar níveis cognitivos mais complexos. Esse fenômeno pode ser vivenciado nos mais diversos níveis educacionais (ensino fundamental, médio ou superior). No ensino superior é comum se verificar nas turmas de licenciaturas de vários cursos, como é o caso do Centro de Educação da UFPE onde o autor lecionou a disciplina Psicologia da Educação, uma disparidade acentuada de habilidades entre os alunos, por motivos como faixa-etária, origem familiar, tipos de inteligências (tenha-se aqui o conceito de Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (1995)), umas mais desenvolvidas do que outras dependendo da área a qual cada aluno (a) pertence. O grande desafio para o (a) professor (a) é trabalhar o conteúdo de sua disciplina justamente na zona de desenvolvimento proximal de seus alunos. Mas mais do que um desafio, essa tarefa parece ser uma utopia, uma vez que a realidade da estrutura educacional brasileira não favorece em nada a aplicação do conceito da ZDP, se é que este conceito é sustentável. Como trabalhar conteúdos respeitando ao mesmo tempo a zona proximal de desenvolvimento de 50 alunos por turma? E mesmo que na prática o (a) professor (a) só trabalhasse com no máximo 20 alunos por turma, que instrumento preciso poderia ele (a) utilizar para a identificação das ZDPs de cada aluno (a) especificamente, já que não existe nenhum outro além daqueles das avaliações tradicionais conhecidas (ou menos tradicionais)? Considere-se ainda o fato de que tais sistemas avaliativos são mais uma tentativa de mensurar um aspecto qualitativo (a aprendizagem) e muito mais ainda uma tentativa de apontar post-hoc se os alunos (as) atingiram um determinado “patamar ou nível de aprendizado”.

    Outro aspecto que vale ser ressaltado, é que os conceitos de desenvolvimento atual e potencial parecem fazer mais sentido para a aprendizagem motora do ser humano (desenvolvimento motor) do que para a aprendizagem de conteúdos abstratos e não práticos. Isto porque, a aprendizagem motora é muito mais fácil de ser verificada na prática do que a aprendizagem de conceitos formais. Ora, é muito mais preciso e até mesmo visível saber se uma pessoa, que antes engatinhava e passa a caminhar, o faz dentro do período esperado para o desenvolvimento daquela determinada habilidade motora ou não. Ou ainda, se uma pessoa que aprende a jogar basquete, mas não consegue executar um movimento adequadamente para lançar a bola à cesta, consegue assim fazê-lo após o auxílio do professor ou de outro jogador mais experiente. Por outro lado, para o aprendizado de conceitos, há determinados conteúdos que por mais que sejam instruídos por uma pessoa mais “capaz” como o professor ou por um amigo mais “desenvolvido”, e por mais que se siga uma sequência lógica, não são aprendidos. O autor do presente trabalho nunca aprendeu bem como se dão os cálculos de estequiometria em química e pra que servem na prática, por exemplo. A justificativa para isso seria que o autor nunca alcançou um nível de desenvolvimento atual adequado para esta aprendizagem ou que seu nível de desenvolvimento potencial não foi bem explorado pelo meu instrutor? Ou ainda, não seria essa dificuldade de aprender culpa de uma falha no processo de comunicação entre o autor ou seu instrutor, muito mais do que relacionado a um nível desenvolvimento atual ou potencial?

    Destarte, avaliar os níveis de desenvolvimento atual e potencial numa perspectiva motora seria muito mais simples e visivelmente constatável, uma vez que o processo de avaliação do nível de aprendizagem conceitual (intelectual) e, por consequência, do desenvolvimento humano de um indivíduo está longe de ser uma tarefa precisa, pois os modelos oferecidos e usados por muitos professores e pesquisadores são ainda recalcados por uma mentalidade extremamente positivista da realidade. Portanto, nem mesmo estes últimos podem ser usados como referencial imparcial para o estabelecimento de uma zona de desenvolvimento proximal, seja ela atual ou potencial.

Referências bibliográficas

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