Cultura circense, corpo e suas relações com o capitalismo La cultura circense, el cuerpo y sus relaciones con el capitalismo |
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Universidade Federal de Santa Maria, UFSM Especializandas em Educação Física Escolar (Brasil) |
Aline de Souza Caramês Daiane Oliveira da Silva |
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Resumo O sistema capitalista promoveu inúmeras transformações na sociedade atual que parte desde seu modo de produção, na política, na economia e até mesmo na cultura. Circo cujas atividades envolvem interpretações, acrobacias, malabarismos e atividades aéreas, por ser parte da cultura também sofreu modificações, tanto em seu meio social e histórico como no processo de construção e modificação da Cultura Corporal que envolve o mundo circense. O objetivo desse estudo é abordar sobre o elo entre o desenvolvimento do capitalismo, cultura circense e a relação que eles têm com a Cultura Corporal, realizando uma reflexão sobre o que diz respeito à influência que o sistema vigente trouxe ao mundo do circo, envolvendo relações históricas, culturais e sociais e corporais. Unitermos: Circo. Capitalismo. Corpo. Cultura.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 160, Septiembre de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O capitalismo é um sistema econômico caracterizado pela propriedade privada dos meios de produção e a existência de mercados livres, ou seja, todos os utensílios, ferramentas, matérias-primas e edificações utilizadas na produção pertencem a alguns indivíduos. Esse sistema econômico está voltado para a fabricação de produtos comercializáveis, denominados mercadorias, com o objetivo de obter o lucro. O grande aliado a esse sistema vigente é a mídia, que é responsável pelos meios de comunicação, relacionada à produção, recepção e transmissão de informações dos mais variados temas incluindo a divulgação de produtos para a comercialização.
Em virtude do capitalismo, sistema vigente na sociedade atual, o mundo contemporâneo sofreu inúmeras alterações em seu modo de produção, na política governamental, na economia e na cultura. Inserido na questão cultural, temos a cultura da arte circense caracterizada por espetáculos que envolvem acrobacias, malabarismos e apresentações teatrais. Segundo Bortoleto (2008) corroborando com a argumentação anterior, não existe circo único, ele foi e sempre será uma arte de múltiplas origens e influências presentes em quase todas as culturas.
Esse estudo visa abordar sobre o elo entre o desenvolvimento do capitalismo, cultura circense e a relação que eles têm com a Cultura Corporal, trata da influência que o sistema vigente trouxe ao mundo do circo, envolvendo relações históricas, culturais e sociais.
Cultura Circense
Há diferentes culturas que cultivaram o circo e a arte circense. Como exemplo, as atividades circenses já haviam na Grécia, onde acrobatas se apresentavam nas Olimpíadas da Antiguidade e também há registros de jogos de malabarismo praticados no Egito Antigo. Já em Roma haviam apresentações e exibições de diversas atrações, haviam teatros, lutas de gladiadores, exibições de animais estranhos. Os espectadores eram cidadãos ricos que homenageavam os mortos, as vitórias militares e até mesmo em honra aos deuses. Há 300 anos, na China já existiam artistas que se contorciam e equilibravam objetos entretendo imperadores e visitantes estrangeiros. No século V, no fim do Império Romano e início da Idade Média, trupes de mímicos, ilusionistas, equilibristas começaram a fazer apresentações em feiras e praças pela Europa, ganhavam a vida com contribuições de espectadores. Então só no século XVIII, Philip Astley (que era adestrador de cavalos) percebeu que as pessoas pagariam para ver esses espetáculos teve a idéia de criar uma pequena arena para as apresentações que fazia com seus cavalos, convocou mais artistas para participarem. Eis que surgiu o circo.
Com base em Bortoleto (2008), essa arte dividiu-se em quatro grandes blocos, o de interpretação (constituída de palhaços e atividades teatrais), o de acrobacias (ginástica, parada de mão, acrobacia de solo), o de atividades aéreas (trapézio, tecido, báscula) e de atividades de manipulação de objetos (malabarismo com ioiô, bolas, claves e devil stick). Muitas dessas "modalidades“ do circo surgiram há pouco tempo. "O circo é patrimônio cultural da humanidade. Como a música, oferece um leque repleto de texturas, reflexo de cada cultura, e ao mesmo tempo de uma grande cultura em comum. O circo florescerá no século XXI, alcançará sua plenitude como arte cênica, e será graças ao alicerce instituído pelos predecessores.” (LEHN, 08).
No circo havia um ponto de suma importância que caracteriza as atividades circenses, onde o saber circense, era passado de pai para filho, de geração a geração mas com o passar do tempo esse modo de fazer circo foi dissipado, ocorrendo em apenas algumas raras famílias. De acordo com Silva (2004), o circo família era constituído por elementos fundamentais definidores do conjunto formado pelo processo de socialização/ formação/ aprendizagem e organização do trabalho, que são a tradição, a família e a transmissão do saber. A importância do trabalho com o corpo é muito visado na Arte Circense, incluindo elementos presentes na Educação Física, a expressão corporal, a aprendizagem motora, a força, a resistência, as capacidades físicas, a superação dos limites a cada ação corporal e também podendo estar incluído o trabalho cooperativo das acrobacias.
Corpo Circense
O corpo no âmbito circense é um corpo móvel, livre, leve, ágil. Muitas vezes cômico que é instigado, desafiado a um exercício de olhar, que se constrói, que informa, envolve encanta, apresentando de maneira inteiramente rica e original, uma trama de imagens, figuras, formas, sons, fantasias, gestos e sonhos que são possíveis no mundo circense.
Assim como afirma SOARES , 2002:
“[...] o corpo não é um limite das potencialidades humanas, mas, pelo contrário, é o seu ponto de partida; [...] e os atores do circo projetam esses signos a partir do corpo." O seu talento ancora-se em qualidades físicas e é a partir delas que procuram à superação de si mesmos; [...] apresentam a concepção grotesca de corpo em uma singular utilização de seus orifícios. Ignoram a concepção de corpo fechado e os limites espaciais definidos pelas regras de civilidade da sociedade; [...] desprezam o peso de seus corpos [...] desenham no vazio do espaço, com seus corpos, linhas imaginárias [...] exibem o requinte do equilíbrio móvel... Tudo se apresenta em uma espantosa harmonia estável; [...] as possibilidades do artista encontram-se no corpo.
Nesse sentido, a relevância da arte circense está contida na lógica da sua movimentação corporal. Tal evidência pode ser constatada a partir da sua própria origem histórica. Concebida como uma das mais antigas histórias da humanidade, a arte circense teve origem em povos viajantes, que além de trazerem consigo uma cultura própria, tradicional, levavam a alegria e o fascínio ao povo, através de seus espetáculos de rua.
“[...] qual era o seu lugar? O seu lugar era o mundo inteiro conhecido e, principalmente, imaginado. Era sempre o lugar onde houvesse gente que se dispusesse a rir, a aplaudir, a se embevecer com as peripécias do corpo, de um corpo ágil, alegre, cheio de vida porque expressão de liberdade e, sobretudo, resistente às regras e normas. Estes artistas viviam na contramão, fora da idéia de utilidade de ação. O seu mundo era desinteressado. Suas vidas faziam-se mais de trajetos do que de lugares a se chegar e, assim, “desterritorizavam” a ordem do espaço. Suas apresentações aproveitavam os dias de festa, feiras, mantendo uma tradição de representar e de apresentar-se nos lugares onde houvesse concentração de pessoas do povo [...]” (SOARES, 2002).
Entretanto, é importante ressaltar que o circo, é muitas vezes, percebido como a exploração dos limites físicos e expressivos do ser humano, um lugar em que pessoas muito 'especiais' realizam feitos praticamente impossíveis. Esta percepção é perfeitamente válida quando estamos falando do universo performático e de alto nível dos artistas circenses, visto hoje no circo contemporâneo.
Capitalismo
A riqueza da sociedade que domina o modo de produção capitalista apresenta-se como uma imensa acumulação de mercadorias e tem como conseqüência, o lucro. Mészáros (2002) coloca que o sistema do capital é orientado para a expansão e movido pela acumulação, mostrando que o domínio desse sistema é realizado de maneira exacerbada e ocorre como um ciclo entre a sua expansão e a acumulação, tornando-se um diretamente proporcional ao outro. O componente fundamental para o desenvolvimento desse sistema é o capital que é aplicado para a construção de empresas, criação e compra de máquinas, distribuição e venda das mercadorias, e a compra de mão de obra dos trabalhadores que se tornam compradores da mercadoria.
Relações entre Capitalismo e a Cultura Circense
Com o desenvolvimento do sistema capitalista, a sociedade sofreu uma grande evolução em todos os sentidos, principalmente na área tecnológica. A tecnologia proporcionou que fossem criados vários meios de comunicação, assim como mais variadas formas de diversão e lazer para as pessoas. É possível constarmos as mais diferentes transformações do meio circense em relação às estruturas do circo e a maneira como os artistas fazem para tentar manter essa arte cultiva por muitos anos.
O mundo circense acabou dividido em razão as transformações da sociedade de consumo. O circo tradicional, que trata de uma maneira clássica, nômade, com os saberes passados de geração a geração, e novo circo, instalou-se em algumas cidades e criou escolas. Pistolato (2005) mostra que o circo ao longo de 30 anos sofreu algumas modificações no Brasil. Os artistas da escola fazem parte de um novo conceito, algumas pessoas o chamam de “novo circo”, ou “circo contemporâneo”, ou “circo híbrido”, que traz um pouco de artes como o teatro, a música, a dança; de alguns esportes como exemplo trampolim acrobático e a ginástica olímpica. Então, acabam criando perspectivas novas para viver com o circo.
Há uma dificuldade por parte dos artistas circenses em manter o circo, a sociedade muitas vezes utiliza outras formas de entretenimento e lazer como, DVDs, internet, televisão, vídeo games, deixando de lado a formas de cultura que dizem respeito a teatro, cinema e circo. Isso mostra que as pessoas estão mais relacionadas às questões das mídias, onde a referência principal é a imagem do que as maneiras de se expressarem corporalmente, considerando isso como uma negação à cultura circense.
Dentro dessa perspectiva é também incluída a dificuldade que os circos têm em entrar em algumas cidades por conta da exigência feita por prefeituras, vigilância sanitária e bombeiros o que dificulta ainda mais manter o circo. Ao chegarem a cidades utilizam os meios midiáticos para divulgarem seu trabalho. Ao firmarem compromisso com a prefeitura de determinado município, já utilizam a internet para divulgação através de blogs e sites de relacionamento para que a sociedade tenha conhecimento e compareçam às apresentações. Em virtude disso, é observada a dificuldade em divulgar o espetáculo através da televisão justamente por ser um meio de comunicação em que o custo é muito alto por isso, a divulgação é maior pela internet por ser o meio de comunicação que possui custos mais baixos.
Além disso, há contribuições da mídia e o capitalismo na arte circense que transformou as visões sobre o circo, tornando-o performático, através da facilidade de comunicação e relação entre os artistas circenses de diferentes meios, o que possibilita a criação de novos números para os espetáculos com base em comunicação com artistas de todas as partes do mundo através de vídeos e músicas propícias para cada espetáculo, buscando sempre trazer inovação e qualidade para os espectadores. As facilidades do mundo tecnológico também proporcionam os artistas circenses inserir a possibilidade maior de desenvolver suas habilidades sendo elas nas acrobacias, nos figurinos utilizados, pelas capacidades de movimento descobertas com o trabalho e domínio do corpo, no malabarismo com a grande variedade de jogos e instrumentos para a manipulação de objetos. Novas escolas de circo vieram para criar uma nova linguagem onde os próprios artistas sentiram a necessidades de mudança, de renovação, de democratizar o saber que antes era restrito as famílias. E a nova geração veio reviver a arte. Esses são fatores que ajudaram a desenvolver o trabalho de artistas que contribuíram para o desenvolvimento do mundo circense.
Conclusões
Com tudo isso, é possível perceber que o avanço tecnológico em virtude do sistema capitalista, trouxe muitas mudanças até mesmo nas manifestações culturais. Essas transformações são positivas e negativas, que influenciaram nos sistemas de organização do trabalho e nas relações profissionais até mesmo no âmbito circense.
As transformações ocorreram dentro do circo de diversas maneiras, utilizando outros recursos para promover a arte circense que trouxeram inovações ao público como o aparecimento do Circo Novo, contrapondo-se ao Circo Tradicional com modos diferenciados de trabalhar com o corpo, promovendo transições durante o processo de construção no modo de percebermos a Cultura Circense.
Referências Bibliográficas
BORTOLETO, M. A. C. Perna-de-Pau Circense: O Mundo Sob Outra Perspectiva. Revista Motriz. Rio Claro, 2003, n. 3, v. 9. p. 125-133.
BORTOLETO, M. A. Introdução à pedagogia das artes circenses. 1. ed. Jundiaí: Fontoura. 2008.
Na corda bamba: as dores e as delícias da arte circense Parte I. Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=a8ZMniSLy8E&feature=related Acesso em 21/05/2011
Na corda bamba: as dores e as delícias da arte circense Parte II. Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=be3KtAEV40g Acesso em 21/05/2011
Na corda bamba: as dores e as delícias da arte circense Parte II. Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=XIY4czM8l74&feature=related Acesso em 21/05/2011
MÉSZÁROS, Istvan. Para além do capital: rumo a uma teoria de transição. São Paulo: Boitempo, 2002.
PISTOLATO, Aneri. Circo X Mídia. Encontros, desencontros. Possível sintonia? Monografia apresentada a Universidade estadual de Londrina. 2005.
TORRES, Antônio. O circo no Brasil. Atrações Produções Limitadas. RJ, 1998.
SILVA, Ermínia. O circo "- sua arte e seus saberes - o circo no Brasil do final do século XIX a meados do XX. Dissertação Mestrado Março 1996, Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.
SOARES, C. Imagens da educação no corpo. Campinas: Autores Associados, 2002.
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