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Corpo, boa forma e mídia

Cuerpo, aptitud física y medios de comunicación

 

*Discente do Departamento de Educação Física

Ciências da Motricidade Humana – UNESP, Rio Claro

**Docente Dr. do Departamento de Educação Física

Ciências da Motricidade Humana – UNESP, Rio Claro

Marcelo Augusti*

Carmen Maria Aguiar**

marceloaugusti@uol.com.br
(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo trata das questões relativas ao impacto da propaganda e do consumo na construção sociocultural do corpo na contemporaneidade, e o apelo que se faz à aquisição da boa forma por intermédio do exercício físico.

          Unitermos: Corpo. Mídia. Propaganda.

 

Abstract

          This article deals with issues concerning the impact of advertising and consumption in the sociocultural construction of the body in contemporary society, and the appeal that makes the acquisition of fitness through exercise.

          Keywords: Body. Media. Advertising.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 160, Septiembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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    O esporte é a arte pelo qual o homem se liberta

 de si e liberta seu próximo da pior das acusações,

 a menos digna, a mais incômoda: o corpo 

desleixado de um homem. 

Jean Giraudoux

Introdução

    O culto ao corpo, à aparência e boa forma física, são preceitos fundamentais para o alcance do sucesso profissional, afetivo e social na contemporaneidade. A propaganda dita a moda, dissemina as determinações da indústria e do consumo e propaga o padrão estético ideal.

    O corpo sofre as influências do meio cultural e se constrói pelos seus pressupostos, que lhe confere identidade ao seu portador. Na sociedade contemporânea, o músculo é um estilo de vida e o corpo, como centro das atenções, deve submeter-se à tirania do exercício físico.

    Em tal contexto, saúde e boa forma se associam à beleza de um corpo esculpido no rigor e prazer da “malhação”, no “puxar o ferro”, no uso de recursos dietéticos e tecnológicos, na cosmética e na obsessão pelo controle da balança.

    O padrão estético ideal – a imagem do belo, jovem e saudável – se faz pelo consumo, pelo efêmero e pela artificialidade que modela a consciência e prevalece sobre os desejos dos indivíduos.

    O objetivo desse artigo é fazer uma breve análise do impacto da propaganda e do consumo na construção sociocultural do corpo na contemporaneidade, e o apelo que se faz à aquisição da boa forma por intermédio do exercício físico.

O “eu” corpo e a “tirania do exercício físico”

    O ser humano é um ser corporal. Ele é o dono do seu corpo e deve adaptar-se ao ambiente pelo seu corpo. A aceitação de si como pessoa, portanto, passa pela aceitação das limitações do seu corpo1. No corpo humano a natureza e a cultura se interrelacionam, onde conceitos, arquétipos e modelos se criam e se renovam para novas referências e orientações da condição humana. Assim, o corpo humano, modelado por preceitos culturais, se configura como realidade objetiva dos nossos desejos, ideais e fantasias – deixa de ser a natureza primeira (biológica) e se constitui como construção cultural (BENTO, 2007).

    Conforme pressupostos filosóficos contemporâneos, portanto, o indivíduo é o corpo e o corpo é o indivíduo2, e é nesse ser humano ‘corpo’, que se constrói a sua identidade, sua história. Esse corpo ‘ser humano’, por fim, é aquele que submete a sua natureza primeira às intervenções culturais ao qual se situa. E para os padrões estéticos contemporâneos, o corpo – o indivíduo – deve expressar saúde, beleza e perfeição, ideais que podem ser alcançados pelo exercício físico, pelas tecnologias, pelo consumo exacerbado de suplementos alimentares e produtos diets, lights, cosméticos e uso de hormônios. No contexto da boa forma – que se observa em constante difusão nas mídias – o corpo é o centro das atenções e, para o alcance da estética perfeita e da sua identidade, nele se estabelece uma “tirania do exercício físico”.

O músculo como estilo de vida

    O culto à boa forma física e o ritual que dele emana e que se observa em academias de ginástica, parques públicos e calçadões à beira-mar, invadiu os domínios da vida social norte-americana a partir dos anos 1920-30, onde o espírito competitivo se arraigou nos indivíduos, propagado por uma moral do esporte e o desejo de vencer. Era na compleição robusta, obtido à custa do exercício físico intenso, que se buscava uma gratificação e prazer corporal, um modo utilitarista de se alcançar o bem-estar pessoal. O “sentir-se bem” com a boa forma física passa a ter sentido ao romper-se a moral puritana religiosa que proibia, ao corpo, o prazer (COURTINE, 2005).

    Deste modo, a atividade física se estabeleceu como um dos meios mais importantes para se compreender o fenômeno da corporeidade na sociedade contemporânea. É nas academias de ginástica e musculação, que o culto ao corpo se dramatiza, onde o indivíduo se entrega de “corpo e alma” à multiplicidade de opções que se lhe apresenta3, e que se renovam continuamente, o que remete a uma obsolescência programada4. E esse indivíduo contemporâneo torna-se o responsável pela construção da sua identidade pessoal que se faz a partir dos contornos do seu corpo5. Tal corpo, que se faz identidade na sua individualidade, é o produto da dedicação por horas a fio às atividades físicas, aos hábitos alimentares rigorosos, consumo de cosméticos e tecnologias. Em suma, é o resultado da (auto) disciplina, da austeridade, da ‘escravidão’ à imagem de um corpo saudável, definido e eternamente jovem.

    O espetáculo do corpo começa com a exposição dos músculos. Nas ruas, nas praias, nos shoppings centers, nos concursos de beleza, de fitness e fisiculturismo, o músculo desponta, desperta a curiosidade, admiração e inveja alheia. Ele é o centro das atenções nas propagandas que promovem a boa forma física, a saúde e o bem-estar. O músculo está em todas as mídias; ele é um dos modos privilegiados de visibilidade do corpo no anonimato urbano das fisionomias, pois é o elemento central da cultura do corpo, se relaciona com ela, revela-a em seus extremos (COURTINE, 2005, p. 83). Tal a sua influência nos valores da sociedade contemporânea, o músculo determina o corpo e este, por sua vez, a identidade pessoal.

    Você descobrirá, como eu, que o desenvolvimento dos músculos o ajuda em todos os aspectos da sua vida. O que você aprender aqui afetará qualquer coisa que fizer em sua vida. À medida que você comprovar os frutos do seu trabalho, seu valor próprio e autoconfiança aumentam, e essas características influenciarão seu trabalho e suas relações interpessoais (...). SCHWARZENEGGER, Arnold. Prefácio. Enciclopédia de Fisiculturismo e Musculação. 2º ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.

    Observa-se na citação que o desenvolvimento muscular é considerado como fator determinante para o sucesso na vida afetiva, social e profissional. Assim, o músculo torna-se um estilo de vida (COURTINE, 2005). O culto ao corpo, ou o culto à aparência, a exaltação do ‘deus músculo’ é estimulada pelas mídias6 por meio de imagens de celebridades esbeltas, musculosas e “definidas” – diria delineadas, esculpidas como os fisiculturistas e adeptos do fitness competitivo – e a isto se associa beleza, inteligência e sucesso pessoal. É a busca desesperada pelo padrão estético, o modelo de beleza (determinado pela própria mídia e indústria) que se observa em revistas destinadas à atividade física e esportes7. Tudo isso é vendido como mercadoria preciosa, lucrativa – esse corpo sinônimo de saúde, forma física e beleza – e que pode ser obtido com uma rapidez sem precedentes8, o verdadeiro culto à satisfação instantânea. E, na tentativa de tornarem-se diferentes, autênticos, a influência da propaganda reduz os indivíduos a meros reflexos de padrões culturais instituídos por uma economia de consumo corporativista em um mundo globalizado (LIPOVETSKY; SERROY, 2011).

O corpo no ideal contemporâneo

    Essas modificações do contorno corporal, o predomínio da potência muscular e da atividade física na contemporaneidade como expressões simbólicas de saúde, tem seu início entre 1840-50, nos Estados Unidos, com a calistenia, o halterofilismo e o boxe. A partir de então, a atividade física regular é introduzida nas escolas americanas e passa a fazer parte do cotidiano dos adultos, que são estimulados à remodelação de seus corpos. No final do século XIX, o corpo ideal é o do tipo atlético, do esportista bem-sucedido – o padrão estético de beleza a ser perseguido – e o culto ao corpo torna-se uma paixão americana (COURTINE, 2005), a referência de um estilo de vida saudável.

    O mundo contemporâneo, imerso pela sistematização dos meios técnicos e tecnológicos, pela informatização e propaganda, fez da experiência do viver um simulacro da existência9. É assim que, para se alcançar o padrão estético ideal – a imagem do belo, do sempre jovem e saudável – necessário se faz consumir tal ou qual produto, ainda que impere o efêmero nesse mundo de artificialidades que modela a consciência e exerce domínio sobre as vontades e desejos dos indivíduos. No contexto do mundo contemporâneo, o consumo e a competitividade pertencem ao mesmo sistema de ideologias, que estancam a inteligência, imobilizam a percepção e estreitam a visão.

    O consumo é o grande emoliente, produtor de imobilismos. Ele é, também, um veículo de narcisismos, por meio dos seus estímulos estéticos, morais, sociais; e aparece como o grande fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança e envolve toda gente. (SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2010, p.49).

    Conforme a citação, pode-se dizer que o corpo, que se sujeita à (re) modelação pelo exercício físico, é fartamente influenciado pelo poder das mídias e por ideologias de consumo; portanto, ele se faz território da cultura, pois que se relaciona com a condição humana na contemporaneidade na sua busca por qualidade de vida, propagada por uma geração saúde desde os anos 80 do século XX, e que se mantém fiel aos preceitos de uma cultura de consumo.

Considerações Finais

    Na dinâmica cultural contemporânea, o exercício físico constitui-se em instrumento mágico que conduz a metamorfose do corpo humano rumo à beleza, à saúde, ao bem-estar e, ainda mais, o meio de concretização do projeto do self.

    Modelado por preceitos culturais contemporâneos que apelam para o consumismo, o corpo tornou-se, ele próprio, um objeto a ser consumido, cujo prazo de validade de sua aparência, segue os ditames da indústria e das mídias.

    A manutenção de tal estilo de vida, portanto, requer a dedicação aos rigores do exercício físico regular para obter resultados convincentes com a imagem corporal disseminada pela propaganda, ou seja, um corpo que se apresenta sempre jovial e “definido”.

    E isto se torna uma das características da concepção da identidade pessoal na contemporaneidade que, entretanto, tolhe a autenticidade do indivíduo e apenas reflete um padrão estético determinado pela indústria e mídias, um corpo que deve ser sempre musculoso e esbelto para ser valorizado. Nesse contexto, ter vergonha do corpo é ter vergonha de si mesmo.

    A emancipação do corpo dos grilhões do consumismo e da propaganda, portanto, é um processo de reinvenção do viver, de renovar as experiências cotidianas com o exercício físico, pois corpo, natureza e cultura são projetos humanos que ainda se encontram em sua plena capacidade de expansão.

Notas

  1. Conforme pressupostos filosóficos de José María Cagigal. In: RAMACCIOTTI, D.P. Cuerpo, actividad física y salud en obras selectas de José María Cagigal (1957-1981). Lecturas: Educación Física y Deportes. Revista Digital – Buenos Aires - Año 14, Nº 141, Fev, 2010. http://www.efdeportes.com/efd154/analisis-bibliometrico-de-obras-selectas-de-cagigal.htm

  2. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

  3. Conforme o menu de opções de uma academia de grande porte, o cliente / aluno pode escolher, dentre muitas outras atividades (esportivas e/ou tradicionais, como a musculação), algumas dessas: flex circuit, axis, flying cords, hopping, local ball, power abs, prana balls, cardiofit. Disponível em: http://companhiaathletica.com.br/aulas-exclusivas/ Acesso em 22/7/2011.

  4. Trata-se de um conceito econômico, utilizado pela primeira vez na década de 1920, que se refere a uma produção programada para a falha e que, em pouco tempo de uso, torne os produtos obsoletos. Além disso, os novos produtos devem antecipar as necessidades dos consumidores, o que justifica a contínua renovação e a imensa variedade de produtos lançados no mercado por meio das constantes inovações da indústria. Nas academias de ginástica, pode-se observar a obsolescência programada nas férias de verão, onde sempre há novidades ao público, seja em equipamentos, tecnologia ou modalidades esportivas, ainda que tais inovações apenas sejam disfarces de coisas já utilizadas recentemente ou não.

  5. CASTRO, Ana Lúcia. Culto ao corpo: identidades e estilos de vida. In: BUENO, Maria Lúcia; CASTRO, Ana Lúcia (orgs.). Corpo: território da cultura. 2º ed. São Paulo: Annablume, 2005.

  6. A publicidade veiculada na grande mídia exerce influência determinante nas decisões da sociedade de consumo. Tal publicidade é o resultado da crescente produtividade do sistema capitalista, que possibilitou a melhoria do padrão de vida e, assentando suas bases em um marketing agressivo aliado à comunicação em massa, originou uma padronização de gostos – uma cultura de massa – que, dos Estados Unidos da América, alastrou-se inicialmente para a Europa (JUDT, Tony. A Era da Prosperidade. In: JUDT, Tony. Uma história da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008).

  7. GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Cultura corporal: alguns subsídios para sua compreensão na contemporaneidade. Série Apontamentos. São Carlos: EdUFSCAR, 2010.

  8. Conforme o seguinte depoimento: Quem viu o Lucas Malvacini ganhar o concurso de Mister Brasil 2011 nem imagina que dois meses antes ele estava 7 quilos mais gordo e com 6% de gordura a mais no corpo. Quando recebeu o convite para participar do concurso de mister Brasil ele tinha dois meses para se tornar o homem mais bonito do país e conseguiu (Veja o treino que fez o Mister Brasil perder 7 kg em dois meses. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/album/1105_mrbrasil_album.jhtm. Acesso em 19/7/2011).

  9. HABERMAS, Jürgen. A consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

Referências bibliográficas

  • BENTO, Jorge Olímpio. Do “Homo Sportivus”: relações entre natureza, cultura e técnica. Revista Brasileira de Educação Física, São Paulo, v.21, n.4, p.315-30, out/dez 2007.

  • COURTINE, Jean-Jacques. Os stakhanovistas do narcisismo. In: SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de (Org). Políticas do Corpo: elementos para uma história das práticas corporais. 2º ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.

  • LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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