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As concepções metodológicas da 

Educação Física / Ginástica: uma visão histórica

Las concepciones metodológicas de la Educación Física / Gimnasia: una visión histórica

 

Mestre em Educação Física pela UNICAMP

Docente do Centro Universitário N. S. do Patrocínio de Itu e Salto/SP

e da ESAMC Sorocaba/ SP

Ms. Rita de Cassia Fernandes

rita.fernandes@aes.edu.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo de revisão tem como objetivo discutir alguns aspectos históricos das concepções metodológicas da educação física/ ginástica, percebendo suas contradições e correlações de forças, entremeando discursos que permeiam as diferentes “versões históricas” que até hoje nos chegam. É assim que nos atrevemos a trilhar os caminhos da educação física/ ginástica que especialmente, no final do século XVIII e XIX, na Europa, experimenta um decisivo impulso para sua sistematização e institucionalização, como forma de promover a educação do corpo, a retidão moral das condutas (SOARES, 2002). A partir deste exercício do pensamento reflexivo, tencionamos contribuir para a fundamentação de práticas pedagógicas críticas, inclusivas e potencialmente lúdicas retomando o núcleo primordial da ginástica, suscitando diferentes olhares, novas utopias.

          Unitermos: Ginástica. História. Educação Física.

 

Abstract

          This review article aims to discuss some historical aspects of methodological conceptions of physical education/ gym, realizing its contradictions and correlations of forces, interweaving discourses that permeate the different "versions of history" that we receive today. This is how we dare to tread the paths of physical education/ gym especially in the late eighteenth and nineteenth centuries in Europe, experiencing a decisive boost to its systematization and institutionalization as a means to promote education of the body, the moral rectitude of conduct (SOARES, 2002). From this exercise of reflective thought, we intend to contribute to the foundation of critical pedagogical practices, inclusive and potentially returning to play the primordial nucleus of the gym, raising different perspectives, new utopias.

          Keywords: Gymnastics. History. Physical Education.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 160, Septiembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Num primeiro momento, entendemos ser relevante situar nossa concepção sobre a tarefa de realizarmos análises de cunho histórico, bem como sobre qual a contribuição destes na formação de professores. Partimos do pressuposto de que qualquer leitura que se faça do passado é uma reconstrução, uma possível “versão” embasada num determinado tempo-espaço e contexto social. Análises que estarão sempre por serem completadas, e que não menos, deixam de ser parciais e subjetivas.

    Com base na concepção apresentada, discutiremos aspectos históricos das concepções metodológicas da educação física/ ginástica. Não temos a pretensão de escrever algo oficial sobre “a história da ginástica/ educação física”, mas deixaremos transparecer nuances que nos tenham passado despercebidas no entrecruzamento passado-presente-futuro.

    É Benjamin (1993) que nos chama atenção para a necessidade de narrarmos o passado como obra inacabada, com suas descontinuidades, a fim de que possamos assumir a posição de sujeitos históricos, apontando de maneira figurada que

    O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa aos nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso. (BENJAMIN, 1993, p. 226)

    Neste solo repleto de contradições e correlações de forças, de discursos do poder, que nos atrevemos a trilhar os caminhos da ginástica que especialmente, no final do século XVIII e no século XIX, na Europa, experimenta um decisivo impulso para sua sistematização e institucionalização, como forma de promover a educação do corpo, a retidão moral, ou seja, a padronização das condutas pautada nos preceitos de utilidade e economia (SOARES, 2002).

Aspectos históricos da Ginástica / Educação Física

    Cabe discutirmos neste momento que a ginástica entendida por Ramos (1982, p.15) como a prática do exercício físico “vem da Pré-história, afirma-se na Antigüidade, fica latente na Idade Média, fundamenta-se na Idade Moderna e sistematiza-se nos primórdios da Idade Contemporânea”. Na pré-história, por exemplo, os exercícios físicos estavam voltados para atender a necessidade de sobrevivência, pois era fundamental manter-se preparado para as intempéries da vida nômade daquele período. Portanto, os mesmos possuíam o caráter utilitário, sendo transmitidos através das gerações.

    Entretanto, foi na Antiguidade, principalmente no Oriente, que os exercícios físicos aparecem nas várias formas de luta, na natação, no remo, no hipismo, na arte de atirar com o arco, nos jogos, nos rituais religiosos e na preparação para a guerra (RAMOS, 1982).

    Na Grécia, berço do ideal de beleza, estes foram muito valorizados como educação corporal e como preparação para a guerra, principalmente em Esparta. A própria origem etimológica do termo nos fornece significados interessantes, “Gymnastiké”, arte de fortificar o corpo e dar-lhe agilidade, e “Gimnos” que significa nu, no sentido de desprovido de maldade, neutro, imparcial (AYOUB, 2003, p.31). Já em Roma, tinham como objetivos principais a preparação militar e num segundo plano a prática de atividades esportivas, como as corridas de carros e os combates de gladiadores que estavam sempre ligados às questões bélicas.

    Na Idade Média, período de obscurantismo e, portanto, de negação do corpo em detrimento do espírito, numa visão dicotômica, os exercícios físicos foram a base da preparação militar dos soldados nas Cruzadas, durante os séculos XI, XII e XIII. Entre os nobres eram valorizadas a esgrima e a equitação como requisitos para a participação nas Justas que tinham como objetivo o enobrecimento e o fortalecimento do homem (RAMOS, 1982). Outras atividades também foram praticadas, por exemplo, o manejo do arco e flecha, a luta, a escalada, a marcha, a corrida, os saltos.

    O exercício físico na Idade Moderna foi bastante valorizado como meio de educação, inclusive com publicações relacionadas à pedagogia e à fisiologia. A partir desse momento, o processo de sistematização da ginástica/ educação física começa a ser deflagrado, pois segundo Langlade e Langlade (1986), até 1800 eram comuns os jogos populares, as danças folclóricas e regionais, o atletismo, a equitação, o canto, as acrobacias entre outras práticas, onde a preocupação técnica e a padronização dos gestos não se faziam presentes.

    Nesse sentido, é fundamentalmente a partir do século XIX que se lançam as bases da ginástica científica, com as quatro grandes escolas: Inglesa, Alemã, Sueca e Francesa, sendo a primeira mais relacionada aos jogos, atividades atléticas e ao esporte. Portanto, não iremos abordá-la neste trabalho, pois foge ao tema ora apresentado. Tais métodos tinham em comum, guardadas certas especificidades, o objetivo de regenerar a raça, com referências caras a biologia e a anatomia com viés higiênico e eugênico. Além disso, a promoção da saúde, a formação de hábitos e o desenvolvimento da moral predominavam nestas concepções, na tentativa de construção de um indivíduo “abstrato” que deveria acima de tudo defender a pátria. Enfim, os métodos ginásticos possuíam o caráter utilitário, enfatizando a prática de exercícios físicos através de seqüências mecânicas e funcionais.

    Podemos citar que apesar das aproximações citadas entre os métodos ginásticos, torna-se importante mencionarmos alguns distanciamentos, por exemplo, o método alemão dava maior ênfase à defesa da pátria, ao espírito nacionalista, enquanto que o método sueco pregava a extinção dos vícios, assim como, o caráter pedagógico dos movimentos analíticos. Já, a escola francesa tinha como objetivo a educação do homem universal, desenvolvendo a moral, o patriotismo e a saúde, abordando movimentos completos e contínuos, diferentemente da escola sueca.

    Assim, destacamos os três grandes movimentos ginásticos na Europa do século XIX: o Movimento do Oeste na França, o Movimento do Centro na Alemanha, Áustria e Suíça e o Movimento do Norte englobando os países da Escandinávia que perduraram até a primeira Lingiada (1939), iniciando-se, portanto, o período chamado de “Influências recíprocas e universalização dos conceitos ginásticos” (LANGLADE e LANGLADE, 1986).

    Mas, com um olhar um pouco mais atento, poderíamos nos questionar sobre qual foi o cenário do século XIX que possibilitou a estruturação da ginástica científica na Europa? A partir daí enfatizamos os desdobramentos da dupla revolução (Francesa e Industrial) que alteraram significativamente os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais da época. Neste contexto, a ciência e o progresso geravam paradoxalmente condições de vida degradantes a maioria da população.

    A burguesia necessitava construir um novo homem, uma força de trabalho que pudesse suportar horas nas fábricas através da disciplina e da extinção dos vícios, uma educação higiênica nesse “longo processo de organização das condutas destinadas ao endireitamento (ortopédico e moral dos corpos)” (SOARES e FRAGA, 2003, p.80).

    De acordo com Soares (1994), a partir do século XIX, a ginástica passou a desempenhar importantes funções na sociedade industrial, ganhando status na sua aproximação a medicina. E neste contexto, não caberiam práticas corporais avessas, por exemplo, o circo e seus movimentos pouco rígidos, nada convencionais.

    Nos escritos sobre a ginástica científica no século XIX encontra-se de modo sistemático, a negação de elementos cênicos, funambulescos, acrobáticos. Encontra-se, sobretudo, uma retórica de recusa aos espetáculos próprios do mundo circense e das festas populares onde o corpo ocupa o lugar central. (p. 25)

    Os métodos ginásticos foram sendo criados e desenvolvidos por europeus e para os europeus, sendo incorporados também na realidade brasileira. Dentre aqueles que tiveram maior penetração no nosso país destacam-se as escolas alemã, sueca e francesa, processo este analisado por vários autores como Ramos (1982), Marinho (1979), Langlade e Langlade (1986), Castellani Filho (1988), Soares (1994) entre outros, contribuindo decisivamente para sua compreensão de forma contextualizada e crítica.

    No entanto, cabe ressaltarmos que tal processo de incorporação na realidade brasileira não foi uniforme como destaca os trabalhos de Moreno (2001; 2003).

    Na vida cotidiana do homem comum, no Rio de Janeiro, encontrava-se uma ‘alma’ incompatível com os preceitos de uma ginástica que idealizava e esquadrinhava os corpos, submetendo-os a uma prática que de tão racional, tão cientifica, tornara-se monótona. Uma ginástica que, embebida pela tristeza, não falava ao corpo do homem fluminense – acostumado à alegria das danças, da roda de capoeira, das festas etc. Um povo que tinha, enfim, a alegria como motor de sua história e, portanto, também de suas praticas corporais. (MORENO, 2003, p. 58)

    Como vimos no trecho anterior, a ginástica em determinados contextos, como o Rio de Janeiro do século XIX, encontrou seu “não-lugar”, pois não havia identificação com os valores, com as práticas corporais da cultura fluminense e suas particularidades. Por isso, não encontrou espaço nem tampouco foi aceita como verdade, com seus objetivos e valores característicos voltados ao higienismo e a padronização dos hábitos.

Considerações finais

    A partir do entendimento de alguns elementos históricos e de seus desdobramentos, podemos observar nos dias atuais que a educação física vem passando por transformações didático-metodológicas bastante significativas, revendo e elaborando propostas de ensino, analisando estratégias e modificando seus procedimentos avaliativos. Tais mudanças começaram a ocorrer principalmente a partir da década de 1980, momento de grande debate acadêmico na área, à medida que vimos surgir concepções de ensino na tentativa de romper com o modelo biologista e mecanicista.

    Como prática político-pedagógica, sofre influências de diferentes instituições, influenciando e sendo influenciada pela cultura. No entanto, quando movimentos ditos “humanistas” ou renovadores advindos da pedagogia interferem na educação física, fundamenta-se uma crise de identidade e seus conteúdos de ensino passam a ter outras referências, por exemplo, o esportivismo, a psicomotricidade, a cultura corporal entre outras (SOARES, 1996).

    No cenário atual, com base em Oliveira (1997); Daolio (2004) apontamos as seguintes concepções de ensino: desenvolvimentista, construtivista, ensino-aberto, crítico-superadora, crítico-emancipatória, sistêmica, plural que mesmo fundadas em solos epistemológicos muito diferentes, fazem referências a questão da cultura, conceito-chave para a educação física hoje, mesmo que algumas vezes o façam de forma superficial ou reducionista (DAOLIO, 2004).

    Considerando as limitações deste texto, tencionamos a partir de nossas reflexões, vislumbrar, enfim, uma educação física que se afaste do caráter utilitário, que possa retomar seu núcleo primordial, qual seja, o divertimento, o lúdico, substanciando práticas corporais cada vez mais criativas, inclusivas e potencialmente expressivas, suscitando novos olhares, diferentes práticas.

Referências

  • AYOUB, E. Ginástica geral e educação física escolar. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.

  • BENJAMIN, V. Obras escolhidas. Magia e técnica arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993.

  • CASTELLANI FILHO, L. História da Educação física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus, 1988.

  • DAOLIO, J. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: Autores Associados, 2004.

  • LANGLADE, A.; LANGLADE, A. Teoria general de la gimnasia. 2ª Buenos Aires, Argentina: Editorial Stadium, 1986.

  • MARINHO, I. P. Sistemas e métodos de Educação Física. 5ª ed. São Paulo: Cia Brasil, 1979.

  • MORENO, A. Corpo e ginástica num Rio de Janeiro: mosaico de imagens e textos. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas. Campinas S/P, 2001.

  • __________. O Rio de Janeiro e o corpo do homem fluminense: o “não-lugar” da ginástica sueca. Revista brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v. 25, n.1, p. 7-210, setembro 2003.

  • OLIVEIRA, A. B. Metodologias emergentes no ensino da educação física. Revista de Educação Física da UEM, Maringá, v.8, n.1, p. 21-27, 1997.

  • RAMOS, J. J. Os exercícios físicos na história e na arte. São Paulo: IBRASA, 1982.

  • SOARES, C. L. Educação física escolar: conhecimento e especificidade. Revista Paulista de Educação Física. São Paulo, supl.2, p.6-12, 1996.

  • ___________. Educação física: raízes européias e Brasil. 4ª.ed. Campinas: Autores Associados, 1994.

  • ____________. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa do século XIX. 2ª. ed. Campinas: Autores Associados, 2002.

  • SOARES, C. L.; FRAGA, A. V. Pedagogia dos corpos retos: das morfologias disformes às carnes humanas alinhadas. Pró-Posições. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. Campinas, v.14, n.12, mai-ago. 2003.

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