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O gênero, a Educação Física e o esporte: 

análise de uma escola na zona leste de São Paulo

Género, Educación Física y el deporte: análisis de una escuela en la zona este de Sao Paulo

Gender, Physical Education and sport: analysis of a school zone east of Sao Paulo

 

*Graduando EACH-USP

Financiamento: CNPq PIBIC

**Universidade de São Paulo

Financiamento: LUDENS – NAP – USP

Rodrigo Pelissari*

Prof. Dr. Marco Antonio Bettine de Almeida**

marcobettine@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente texto busca analisar e compreender o Gênero como uma categoria social, que possibilita a construção, relação e interação entre os indivíduos. Para fins deste artigo o gênero é definido como uma construção social dos papeis dos indivíduos machos e fêmeas. Foram observadas aulas de Educação Física na rede Estadual de Ensino no Estado de São Paulo, Brasil, constitui-se categorias de análise. Como conclusão percebeu-se uma diferenciação de gênero nas aulas, onde as meninas são colocadas como frágeis ou estigmatizadas nas aulas. Esta pesquisa confirma os estudos de outros autores sobre a diferenciação de gênero nas aulas de Educação Física.

          Unitermos: Gênero. Corpo. Educação Física.

 

Resumen

          Este trabajo busca analizar y entender el género como una categoría social, que permite la construcción, la relación e interacción entre los individuos. A los efectos de este artículo, el género se define como una construcción social de roles para hombres y mujeres. Se observaron las clases de educación física en la red estatal de educación del Estado de Sao Paulo, Brasil, que constituye una categoría de análisis. En conclusión, se realizó una diferenciación de género en el aula, donde las chicas son consideradas como frágiles o estigmatizadas en las clases. Esta investigación confirma los resultados de otros autores sobre la diferenciación de género en las clases de educación física.

          Palabras clave: Género. Cuerpo. Educación Física.

 

Abstract

          This paper seeks to analyze and understand gender as a social category, which allows for the construction, relation and interaction between individuals. For purposes of this article, the genre is defined as a social construction of roles for males and females. Were observed physical education classes in state education network in the State of São Paulo, Brazil, constitutes a category of analysis. In conclusion it was realized a gender differentiation in the classroom, where the girls are placed as fragile or stigmatized in the classroom. This research confirms the findings of other authors on gender differentiation in physical education classes.

          Keywords: Gender. Body. Physical Education.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 159, Agosto de 2011. http://www.efdeportes.com

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Considerações iniciais

    As relações entre os homens e as mulheres foram desiguais. Aos homens foi dada quase que naturalmente a função de dominador e com isso colocaram as mulheres em constante posição de subalternidade em relação aos homens. Às mulheres foi herdada a função de donas de casa e de reprodutora, não apenas biologicamente, mas muito mais socialmente. A partir da função de geradora, tanto fragilidade e fraqueza quanto doçura e beleza foram sendo incorporadas socialmente ao corpo das mulheres, como justificativa para a pouca inserção social que lhe foi “herdada”.

    Enquanto os homens dominavam o espaço público, as mulheres se mantinham em práticas mais intimistas em suas casas e com pouco convívio social ou como acompanhantes de seus maridos nos espaços públicos.

    Chegando à Educação Física e ao Esporte, as mulheres, primeiramente, iam para as práticas acompanhando seus maridos (GOLLNER, 2009). Mais tarde, alguns desses esportes foram sendo legitimados para a prática das mulheres, pois eles não exigiam contato, não representavam danos para o corpo feminino nem para a sua função de mãe geradora. Sua inserção nas modalidades esportivas foi ocorrendo durante os anos em modalidades com um caráter mais artístico, como as ginásticas e as danças.

    Após romper barreiras e lutarem pelo seu espaço em esportes, que anteriormente eram espaços de macho, como o futebol e as lutas, as mulheres vivem com uma maior liberdade nas práticas e tem sua presença legitimada pela sociedade, não apenas nos esportes, mas no campo profissional e social.

    A escola, que ajuda na construção e manutenção do gênero, a partir das aulas de Educação Física, é capaz de espelhar as mudanças que ocorreram e estão ocorrendo na sociedade, e, também, os alunos vivenciam estas mudanças, transpondo limites e escrevendo histórias.

1.     Gênero como objeto das humanidades

    A palavra gênero foi utilizada durante a história tendo vários significados. Até chegar à definição que se tem hoje, séculos passaram e muitos estudos foram realizados, o que mostra que até o significado das palavras é histórico, que necessita de mudanças na sociedade e sofre, portanto, influências culturais.

    Na França, por exemplo, em seu dicionário de 1878, fazia-se menção a essa palavra como se ela significasse algo relacionado intimamente a características sexuais – macho ou fêmea – ou seja, como se significasse algo em relação às características biológicas (SCOTT, 1996).

    As primeiras feministas e seus movimentos surgem já no século XVIII, na tentativa de se oporem à situação subordinada das mulheres na sociedade daquela época. Anteriormente, no século XVII, conforme Santos (2010), já havia no meio acadêmico francês uma visão contra a visão essencialista que considerava as diferenças entre homens e mulheres pelas anatômicas, contrapondo defensores da inferioridade feminina, dizendo que as desigualdades são conseqüências de desigualdades sociais e políticas de sua época (SANTOS, 2010).

    Em um primeiro período, o termo gênero foi sinônimo do termo “mulher” e, nesse momento, em 1980, os estudos sobre o feminino buscavam a legitimidade acadêmica. Logo depois, tornou-se uma área da sociologia que descrevia o estudo das coisas relativas às mulheres. As feministas americanas conduziam seus estudos considerando as distinções baseadas no sexo e negavam o biológico, onde o sexo também é algo construído socialmente (SCOTT, 1996).

    No entendimento contemporâneo, gênero é definido pelas questões socioculturais de construção de indivíduos machos e fêmeas, sendo, portanto, uma construção social e histórica das relações e construções dos papéis sociais entregues aos homens e às mulheres, que criam masculinidades e feminilidades, como o resultado de interações sociais, indicando construções sociais estabelecidas em locais específicos, negando o aspecto biológico anteriormente associado (CONSTANCIO, HENN & POHL, 2010).

    O gênero dá aos indivíduos funções sociais, papéis sociais, que são legitimados pela sociedade. Ainda é caracterizado como “uma categoria relacional de caráter histórico”, já que para o entendimento do feminino, o masculino deve ser considerado (CONSTANCIO, HENN & POHL, 2010). A autora Helen Tavares (2010) diz que o gênero é um processo relacional, que depende do outro, onde homem e mulher são complementares, mas se excluem mutuamente, pois o que está presente em um gênero não está presente no outro, mas para a sua definição, um depende do outro. A autora afirma que o estudo do gênero permite compreender a construção da feminilidade e masculinidade, bem como as relações entre homens e mulheres e os seus papéis na sociedade, incluindo as relações de poder entre eles, não podendo ser inata ou natural (TAVARES, 2010).

    O gênero é a base para todas as outras relações da vida humana, o que é nomeado por Tavares como “poder articulado”, que quer dizer que todas as outras relações sociais que os indivíduos tenham são determinadas a partir do gênero. Por exemplo, a relação entre um professor e um aluno é diferente da relação entre um professor e uma aluna. A proximidade, a maneira como se fala, o toque, são características da construção social do gênero, já que uma conversa mais próxima e com movimentos mais bruscos entre professor e aluno são permitidas socialmente e uma maior proximidade entre um professor e uma aluna pode causar situações constrangedoras.

    Essa legitimidade de comportamentos diferente entre os gêneros vem de práticas reprodutivas que refletem a construção do sexo na qual a representação simbólica da masculinidade tem papel importante na definição dos comportamentos e atitudes dos homens, relacionados à sexualidade e à reprodução (ARILHA, UNBEHAUM & MEDRADO, 2001).

    Existe outra identidade construída socialmente, a identidade sexual, que também é uma representação cultural, que depende do gênero, já que é ele que dá significado para o corpo (TAVARES, 2010), e, portanto, o uso desse corpo. O discurso cultural constrói o sexo e o gênero, o masculino e o feminino, o homem e a mulher, sempre em oposição (TAVARES, 2010).

    Então, o gênero cria as relações entre homens e mulheres, onde a categoria gênero é pautada em relações de poder e dominação (CONSTANCIO, HENN & POHL, 2010) que geram desigualdades.

    A historiadora Joan Scott descreve que as feministas durante a história assumiram posições teóricas para explicar o conceito de gênero e que todas as teorias podem ser divididas em três: (a) a primeira tenta explicar a origem do patriarcado e se concentra na subordinação delas por eles, explicando as diferenças e a dominação na necessidade do macho dominar as fêmeas e que a dominação partia da necessidade de se desalienarem dos meios de reprodução da espécie. Outras encontraram a resposta na sexualidade, e encontraram que a fonte das relações desiguais entre os sexos são suas relações desiguais, sem explicar como esse sistema funciona. Ou seja, essas teorias apresentavam um olhar mais naturalizador para as diferenças entre os gêneros. (b) Já as feministas explicavam de maneira mais histórica, tentando encontrar uma explicação mais material para o gênero. Havia análises que eram baseadas nos sistemas duais (patriarcado e capitalismo) e análises que se apoiavam sobre os modos de produção e a partir destas duas formas, estas feministas sempre encontravam explicação para a origem e tranformação do gênero fora da divisão sexual do trabalho. (c) A terceira parte da psicanálise, que explica o gênero como processos que criam a identidade de gênero, na fase de aprendizagem, e que aprende a partir do que vê, criando os símbolos e a linguagem, mais tarde, cria a significação. Por exemplo, divisões em casa, como a divisão do trabalho, onde a mãe cuida dos serviços domésticos e o pai trabalha fora de casa, já cria na criança uma identidade, uma simbologia de seu papel na sociedade, dependente de seu sexo. Se essas relações forem diferentes, pais mais próximos domesticamente, com divisão de trabalho, farão com que a identidade se construa diferentemente, ou como diz a autora, com uma construção do drama edipiano diferente (SCOTT, 1996).

Gênero e Corporeidade

    Como o desenvolvimento deste estudo se remete às diferenças do gênero, as que partem de outras categorias relacionais não serão descritas com detalhes, mas salienta-se a importância de cada uma delas e que esse processo de diferenciação e hierarquização ocorre a partir da interação de todas as categorias.

    Na escola, os alunos possuem a oportunidade de se interagirem e de realizarem experiências corporais nas aulas de Educação Física. Constâncio et al (2010) cita em seu estudo a maneira como a educação física proporciona o acentuamento das diferenças entre os gêneros de forma hierarquizada. Nas aulas, podemos dizer que essa hierarquização vem das aptidões físicas aceitas socialmente e das características construídas pela sociedade, onde se considera as meninas frágeis e os meninos brutos. Isso cria comportamento e habilidade considerados normais para cada gênero, sendo explicada com a biologia, ou seja, naturalizando os comportamentos e as práticas, criando assim habilidades e modalidades na educação física e no esporte que são específicos de cada gênero. As escolas refletem a visão de masculinidade e feminilidade heterossexuais que são hierarquizadas socialmente. Logo, refletem o aspecto social aceito em relação à heterossexualidade e negado à homossexualidade (ALTMAN & SOUSA, 1999). Essa frase reflete o significado que o corpo tem e dá para os movimentos corporais de cada gênero. Uma modalidade considerada masculina quando praticada por uma menina pode levar a uma interpretação social de homossexualidade.

    Da mesma maneira que na sociedade há papéis que são considerados como exclusivos masculinos e outros exclusivos femininos, na escola e, portanto, na Educação Física, não pode ser diferente, já que o sistema educacional é representação da sociedade (OLIVEIRA, 2008). Na sociedade, esses papéis são opostos e binários, e da mesma maneira nas aulas, as expecitativas corporais e as modalidades esperadas por um e por outro também são opostas e binárias, buscando fortalecer as características marcadas na sociedade pelas pessoas em relação aos gêneros. Diz-se que esses papéis são binários porque fazem relação a dois grandes grupos que estão separados, assim como o gênero, que classifica os seres humanos em homens e mulheres ou em masculino e feminino.

    Os movimentos esperados socialmente para cada um dos gêneros são dicotômicos. Padrões são assumidos e esperados para homens e para mulheres. O andar balançando os quadris, por exemplo, é assumido como feminino e para os homens se espera um caminhar mais firme.

    Portanto, a divisão dos corpos em dois sexos, como já citado, é produto sócio-histórico (LESSA, 2005); logo, se os corpos são responsáveis pelos movimentos de cada modalidade, a participação de cada gênero em cada uma das práticas que eles estão marcados a realizarem também são produtos sociais e históricos.

    Historicamente, algumas modalidades esportivas foram tiradas das mulheres pela Educação Física a partir da explicação biológica, com a explicação de que seus corpos foram feitos para a reprodução e que eram frágeis para determinadas práticas esportivas. Quando sua prática foi permitida, ressalvas foram aplicadas em relação à quantidade e à modalidade, já que ambos aspectos podiam tirar seus traços femininos, sua graça e beleza. O tênis, o hipismo, a ginástica e as danças foram modalidades consideradas capazes de proporcioná-las melhores condições orgânicas para enfrentar a maternidade e para embelezá-las (GOELLNER, 2009).

    O Conselho Nacional de Desportos em 1941 instituiu leis que impediam as práticas de diversas modalidades esportivas para as mulheres como o futebol, o rúgbi, o polo, o polo aquático, corridas de fundo e lutas, com a explicação de que elas eram violentas e não adaptáveis para o sexo feminino (GOELLNER, 2009). Hoje, essas práticas são legitimadas para as mulheres, sendo que vemos grandes atletas mulheres, não só no Brasil, mas no mundo todo em modalidades que antes não eram permitidas. Percebemos que essas práticas e a sua liberação para as mulheres estão ligadas mais à legitimidade que a sociedade dá para a prática do que nas capacidades biológicas das mulheres.

    Segundo ALTMANN & SOUSA (1999), a mulher e o seu corpo eram dotados de qualidade que não contribuiam para as exigências esportivas. Por sua qualidade de fragilidade corporal diante dos homens, as mulheres ganharam as modalidades artisticas e de dança, por sua suavidade de movimentos e distanciamento de outros corpos, qualidades negadas aos homens.

    A partir daí, treinos específicos foram criados, a fim de se criar exercícios adequados a sua natureza. A ginástica foi uma modalidade considerada ideal para as mulheres, pois suas características permitiam que qualidades femininas fossem aumentadas e exploradas. Percebe-se nessa explicação e em tantas outras semelhantes o grande caráter social construído em cima dessa e de outras modalidades. Em um método criado por Rui Barbosa para a Educação Física escolar dividia-se as atividades físicas para cada gênero, onde os ideais para as mulheres era o corpo saudável e belo sem a competição, que era e ainda é qualidade a ser desenvolvida nos homens (LESSA, 2005).

    Nas aulas de Educação Física, a categoria gênero se intercala com outras categorias como a idade, a força e a habilidade física, onde elas determinam as crianças e adolescentes que serão mais propensas ao sucesso nas aulas. As meninas não são excluidas dos jogos e do espaço da quadra nas aulas e no recreio só por serem meninas (LESSA, 2005), mas também porque são consideradas mais fracas e menos habilidosas que seus colegas meninos. Muitas vezes, essa discriminação acontece entre meninos e entre meninas, sendo que a falta de habilidade ou a diferença entre idade e força criam exclusão intra sexos (ALTMAN E SOUSA, 1999).

    Na escola, o esporte é passado como um conteúdo generificado e acaba se tornando generificador, como afirmam as autoras. Pelo esporte, que é um conteúdo generificado e visto como masculinizado, os meninos conseguem ocupar maior espaço na escola, nas aulas e no recreio (ALTMAN E SOUSA, 1999).

2.     Metodologia

    Foi realizado um estudo Observacional Descritivo em grupos escolares de uma escola específica, situada na zona leste de São Paulo e que visou analisar e interpretar o comportamento de crianças/adolescentes nas aulas de Educação Física e a divisão das atividades físicas nesse mesmo local, para poder confirmar ou não se essa escola reproduz a imagem do esporte generificado e se o acesso ao esporte pelas meninas está sofrendo alterações positivas. A observação ocorreu na instituição escolar Escola Municipal de Ensino Fundamental Oito de Maio, localizada no bairro Cidade A.E Carvalho.

    Para tal, foi marcada uma reunião com uma das coordenadoras da escola. O projeto foi entregue a uma funcionária da secretaria do colégio e foi marcado um horário com a coordenadora. A coordenadora pediu que o objetivo e alguns detalhes do projeto fossem apresentados, sendo considerada de extrema importância a realização do projeto, não só para a conclusão da iniciação científica, mas para melhorar a visão dos alunos e dos próprios professores quanto a essas questões de gênero. Ela colocou a escola à disposição e passou dias e horários em que todas as aulas de Educação Física eram realizadas. Foi observado um conjunto de aulas da 5ª e 6ª séries. As aulas ocorriam no período vespertino e eram uma em seguida da outra. As aulas tinham uma duração aproximada de 50 minutos.

    As aulas foram observadas pelo pesquisador, a fim de descrevê-las. Não apenas a conduta dos alunos foi observada, mas tentou-se observar a condução das aulas.

    Para a observação se criou categorias que tentam antecipar alguns modelos que poderão ser encontrados durante as aulas, sendo que a partir deste pensamento prévio em relação ao grupo, possam-se associar de maneira mais precisa as informações obtidas.

Categorias de gênero na escola

    Na revisão bibliográfica e na fase de coleta de dados, pensou-se em categorias de gênero que poderiam ser encontradas nas aulas de Educação Física. Para isso, foram cruzadas informações em relação a como a professora poderia realizar a divisão dos alunos em suas aulas.

    Primeiramente, pensou-se em dois times mistos, onde meninos e meninas estariam no mesmo time, mas em um dos times as regras para meninos são diferentes das regras para as meninas, enquanto que no outro as regras são únicas e válidas para os dois gêneros. Depois, pensou-se em mais duas categorias mistas, mas desta vez colocando meninos contra meninas, um de cada lado da quadra, onde em um dos grupos se altera as regras do lado das meninas a fim de facilitar o jogo para elas ou se mantém as regras a fim de uma “igualdade”. Por último, pensou-se em meninos separados de meninas. Ou seja, meninos jogando contra meninos e meninas jogando contra meninas.

    As diferenças nas regras são interpretadas aqui como uma maneira de tentar atenuar possíveis deficiências nas habilidades motoras e na técnica da modalidade das meninas. Facilitar o jogo a favor das meninas é como tentar diminuir o impacto da menor habilidade por parte das meninas. Muitas vezes, essa facilitação não ocorre mudando as regras, mas ás vezes incluindo algum menino no time das meninas, por exemplo, no gol, dificultando para o outro time a realização de pontos.

    Parece-se, a partir daí, que o discente responsável ou que a Educação Física escolar ao fazer essa diferenciação de regras tenta dizer que as meninas são mais fracas ou que não são tão capazes como os meninos são. O questionamento que se levanta é como tratar meninos e meninas de maneira igual nos jogos, quando um tem embate com o outro ou jogam como time, se as oportunidades oferecidas para cada um dos gêneros não foram e não são iguais?

    Para a última categoria não faz sentido mudança de regras, pois, as meninas jogam entre si e apresentou na média, o mesmo nível de desempenho, fato que não justifica mudança de regras, ao passo que elas ainda devem aprender a modalidade igual aos meninos.

Levantamento dos dados

    Para a realização desta pesquisa, foram agendadas visitas nas aulas de educação física das turmas de 5ª e 6ª séries. A escola escolhida se localiza na zona leste de São Paulo, no bairro A.E. Carvalho. A modalidade desenvolvida nas aulas era o Handball, em todas as turmas.

    Como primeiro resultado obtido nas observações realizadas, vemos que a professora que direcionava as aulas faz separação de gênero durante as aulas de Educação Física na escola.

    Primeiramente, a professora separou os alunos em duas filas, colocando meninos e meninas em lados opostos. Após fazer a seleção dos times, dois para cada sexo, os jogos foram iniciados. Primeiro, as meninas jogavam entre si e depois os meninos. Os vencedores de cada um dos jogos realizavam um último jogo “misto”, colocando meninos e meninas um contra o outro.

    Foram observados padrões motores diferentes para cada um dos sexos bem como diferenças no desempenho nos jogos. As meninas apresentaram jogos menos movimentados que os jogos apresentados pelos meninos, em todas as salas observadas, e uma iniciativa e disposição maior em relação ao jogo e ao contato com a bola também diferente e maior no grupo dos meninos. Esse fato acabou fazendo com que a professora adicionasse, durante os jogos das meninas, estímulos a fim de fazê-las se movimentarem mais na quadra, dominarem mais o espaço, ao mesmo tempo, que por vezes parava os jogos das meninas para ensiná-las fundamentos básicos da modalidade do Handball.

    Quando as meninas foram jogar contra os meninos, elas agiram com um pouco de desânimo, como se elas já soubessem que a vitória fosse deles. Nesse momento, os meninos do time que haviam perdido e estavam fora da quadra assistindo ao jogo demonstravam algumas expressões preconceituosas como: “Que vergonha! Tomou gol de menina!”. Isso pode nos apontar que no imaginário dos meninos, as meninas são mais fracas que os meninos, e por isso é uma vergonha perder para elas. Uma prova desse pensamento de fraqueza em relação às meninas é que os meninos, a princípio, quando iam arremessar a bola para o gol, o faziam de maneira mais suave, como se colocassem menos força, para não machucar as meninas. Esse fato se alterou quando as meninas viraram o jogo. A partir desse momento, a bola começou a ser arremessada com mais força pelos meninos.

    Outro fato interessante foi que no meio de um dos jogos, um menino precisou ir para o time das meninas e ficar no gol. Quando os meninos faziam um gol, mesmo ele sendo o goleiro e responsável pelo gol, ele vibrava com a vitória dos meninos, mesmo estando no time oposto a eles. Isso nos mostra uma identidade de gênero mesmo quando os meninos estão em times de meninas, como se não importasse o time que se pertence, mas sim a sua identidade de gênero, ser menino e de sexo, ter características sexuais masculinas.

    Em determinado momento, quando as meninas estavam jogando contra os meninos a professora fez um círculo e perguntou se os meninos jogavam melhor que as meninas. Ela mesma responde a pergunta dizendo que não, “Nunca!”.

3.     Análise dos dados

    A principal discussão deste estudo foi que as aulas de educação física, na instituição escolar pesquisada, são separadas e separam os alunos por gênero. Os dados corroboram com de outros estudos realizados em aulas de educação física de outros autores e vai ao encontro das teorias sobre as construções de gênero nas aulas de educação física, discutidos no item 1.

    Alguns autores são usados como referência para se discutir o papel da educação física na educação e na constituição da identidade de gênero. Sousa e Altmann (1999) se utilizam de conhecimentos vindos de outros autores para explicar a relação da educação física com a categoria de gênero, afirmando que a educação física é o campo onde se acentua de forma hierarquizada as diferenças entre homens e mulheres e que a tentativa de um trabalho de “co-educação” dentro da educação física parece sofrer resistências sejam mais persistentes, ou seja, renovadas a partir de novas argumentações. As resistências encontradas na educação física escolar são constantes ao longo da história, principalmente pelo seu forte aspecto biologicista e positivista.

    Dessa forma, a partir das diferenças biológicas entre os sexos sempre foram ocultadas relações de poder, que fizeram com que o homem, em um padrão específico – branco, heterossexual, de classe média – dominassem espaços, criando uma dominação masculina, mantendo a hierarquização entre homens e mulheres, quando intersexo, e uma hierarquização entre homens e homens, quando intrasexos. Criou-se e mantém-se até hoje, no subconsciente social, a imagem e a simbologia da mulher como um ser dominado pelo lado emocional e frágil, e do homem como o lado racional e dotado de força física (SOUSA & ALTMANN, 1999). Desta maneira, homens e mulheres são vistos como seres binários dentro da sociedade, e por conseqüência dentro da educação física escolar.

    Dentro da observação das aulas, houve momentos em que essa visão binária entre homens e mulheres e meninos e meninos, se tornaram explícitas. A ação docente de colocar meninos e meninas em filas separadas pode ser vista como algo natural, já que irão compor times separados, mas mostra que no subconsciente, até mesmo do professor, homens ocupam lugares sociais diferentes das mulheres, e as mulheres lugares diferentes dos homens, não podendo estar juntos nem mesmo na mesma fila. O momento em que os meninos jogam primeiro e as meninas depois, ou quando estão jogando juntos, mas em lados opostos da quadra também nos mostra a posição social de que meninos e meninas são diferentes, a partir de uma visão social, e devem ser mantidos separados.

Considerações finais

    As aulas de educação física escolar que serviram de objeto para análise sobre a questão do Gênero mostraram que na escola pesquisada, as aulas de educação física tentam por meio de discursos e ações docentes diminuir as diferenças de gênero, mas que apesar da tentativa acaba aumentando as diferenças entre meninos e meninas.

    É interessante observar como as questões do gênero, da naturalização dos papéis sociais e a interligação da sociedade com as instituições criadas por ela, por exemplo a escola, se relacionam e acabam criando comportamentos e ações em seus sujeitos sociais. E que apesar de toda a consciência que a sociedade tenha sobre as diferenças entre homens e mulheres, ainda seja um pensamento pouco maduro para ser realmente colocado em prática, já que durante a história, e por um longo período de tempo, essas diferenças foram sendo inseridas e naturalizadas em nossa cultura que nesse momento, as barreiras que foram construídas são sólidas demais para serem quebradas.

Referências bibliográficas

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