O atletismo na escola: uma possibilidade pedagógica El atletismo en la escuela: una posibilidad pedagógica |
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Professor/a do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Membro do Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento – GEPEC, doutor em Educação (Brasil) |
Antônio de Pádua dos Santos Maria Aparecida Dias |
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Resumo O presente artigo dialoga com a Educação Física Escolar, considerando sua prática pedagógica a partir de concepções que norteiam esta prática e como é fundamental abrir novas perspectivas metodológicas, especificamente, no ensino do Atletismo tendo como tema gerador o Salto em Distância. Esta experiência pedagógica foi vivenciada na escola Estadual Professor Josino Macêdo na cidade de Natal/RN. O texto busca provocar ao leitor uma reflexão sobre o fazer pedagógico do professor de Educação Física na escola, considerando a Educação Física enquanto componente curricular. Procuramos mostrar que é possível pensar e executar uma modalidade esportiva sem ter por objetivo principal a competição. O resultado da experiência vivida não somente pelos alunos, como também, pelo professor que mediou todo processo, mostrou que as crianças apresentaram outros interesses durante a prática do salto em Distância, entre eles, o prazer de viver o próprio salto, o desafio de ordem pessoal e o lúdico. Unitermos: Atletismo. Educação Física Escolar. Prática pedagógica.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 159, Agosto de 2011. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
Historicamente, a escola apresenta-se como uma instituição importante para gerar transformações em uma sociedade. Acreditamos que este fato não se modificou nos dias de hoje. Sua responsabilidade não se reduz à transmissão de conhecimentos, mas alarga-se quando incentiva a criatividade dos atores sociais que a configuram, como também, pela formação de um espírito crítico junto aos seus alunos.
Tais elementos tornam a Escola facilitadora na construção do saber, um saber que envolve o domínio do conhecimento sobre a natureza, do funcionamento da sociedade e do conhecimento acumulado nas diversas áreas da ciência. Sendo capaz de sistematizar métodos e técnicas que possam dialogar e efetivar a aquisição do conhecimento e de geração de novos saberes. A Educação Física, enquanto componente curricular deve estar atenta a estes processos, para que possa ir além das práticas pedagógicas do transmitir e do transferir conhecimentos.
Nesse sentido é que compreendemos que uma ação metodológica inovadora na área pedagógica da Educação Física, deva ser direcionada para criar e recriar situações de ensino que estimulem o aluno a agir e a resolver problemas e questionamentos, tomando como base suas condições e experiências. Hildebrandt (2005, p. 39), enfatiza nas suas pesquisas que é necessário “dotar os alunos de uma competência social que lhes permita agir autonomamente, a aprender a co-determinar, a comunicar e a cooperar em decisões de grupo”. Esta competência social acoplada à autonomia que dela se manifesta, deve levar ao professor de Educação Física a certeza de que sua ação pedagógica deve estar associada ao cotidiano do aluno, sua realidade, seu desejo e necessidade de novas experiências que façam sentido e que tenham significado para ele e para o seu grupo social. Nesse sentido, acreditamos em um modelo de ensino e como nos afirma Nóbrega (2005, p.81), capaz de “despertar e incentivar a autonomia e a criatividade dos alunos, através da incerteza como caminho para a percepção de diferentes possibilidades de respostas”.
A Educação Física no Brasil tem características históricas, influenciada pelo paradigma newtoniano-cartesiano que incorpora uma pedagogia de cunho tecnicista, que teve inspiração nos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, estes sendo características, da classe dominante, a burguesia capitalista (NÓBREGA, 2005).
Podemos constatar, dessa maneira, que a Educação Física, privilegiou, efetivamente, uma elite, característica esta, observada desde a Educação Física Militarista, passando pela a higienista até a concepção esportiva direcionada para a preparação de atletas de alto nível, valorizando os mais habilidosos e deixando de lado os menos habilidosos. Traduzindo-se dessa maneira, uma “prática pela prática”, resultando num fazer sem compreender que Freire (1989) denuncia como sendo uma opção de reprodução sem a preocupação de uma aprendizagem corporal significativa, para os educandos.
Nesse contexto e na busca de novas perspectivas pedagógicas que provoquem mudanças no ensino de EF, podemos destacar entre outras, a proposta Crítico-Superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992), a Crítico-emancipatória (KUNZ, 2001) e Taffarel (1985) com estudos centrados na criatividade nas aulas de Educação Física, avançaram no sentido de efetivar uma ação pedagógica que venha provocar nos alunos reflexão sobre a cultura corporal de movimento, situando-o como sujeito sócio-histórico.
Com esse entendimento, não nos basta enquanto professores de Educação Física, permanecermos aplicando metodologias pautadas em concepções de cunho diretivo, centrada na decisão arbitrária do professor, pautadas em estilos de ensino que refletem uma ação apenas de comando ou de tarefas, estilos estes, muito comuns na prática pedagógica da Educação Física Escolar até os dias de hoje.
Nos apoiamos em Freire (1995, p. 45), para ampliar este ponto, quando afirma que:“não basta fazer, é preciso compreender. Fazer e compreender significam integrar, as ações do intelecto com as ações da prática corporal. O vivido é: imaginado, refletido, e o refletido é transformado em expressões corporais”.
Em Paulo Freire (1988), vamos encontrar uma preocupação constante quanto à essência de uma pedagogia com responsabilidade social e política. Coloca o processo de conscientização como mola mestra para qualquer possibilidade de mudança e uma possível efetivação de um projeto pedagógico voltado e direcionado para o desenvolvimento humano, na sua totalidade. No entanto, ele coloca parâmetros importantes para que isso venha a acontecer, entre eles a fé, uma boa dose de esperança e um pensar crítico que possa desencadear na conscientização, esta sendo o objetivo primeiro do ato educativo de uma postura crítica, dotada de reflexão e comprometida com a ação.
Gadotti (1987, p. 82), nos faz pensar a respeito da função política do educador, sem reduzi-la ao simples ato político. Não significando dessa maneira, ignorar os prolongamentos políticos dos atos pedagógicos. O autor ainda nos faz um alerta importante, afirmando que é através da consciência política que nos definimos ou não como educadores, cobrando uma sólida formação política para o ato de educar, pois segundo ele “o educador consciente dos limites de sua ação pedagógica procura educar-se educando, aprender ensinando, sem renunciar ao risco de indicar um caminho [...] o que é essencial à tarefa pedagógica”.
A partir da problemática apresentada, no que se refere à Educação Física, aceitamos o desafio de buscar um referencial pedagógico, a partir de perspectivas metodológicas inovadoras já citadas no texto, para uma práxis que julgamos urgente, fundada na cultura corporal de movimento. Portanto, como se operacionalizar uma proposta pedagógica baseada em tais pressupostos teóricos?
Contextualizando uma prática
Colocaríamos como exemplo a prática do atletismo na escola, utilizando a temática do salto em distância como tema gerador, superando os interesses técnicos do esporte, ampliando o espaço ocupado pela Educação Física no campo de pesquisa e conhecimento, embora o autor saliente que durante as atividades as crianças possam também brincar e se divertir, o que rigorosamente não implica no caráter científico da área (Kunz, 2001).
Dessa maneira, deixa-se de lado a busca das destrezas técnicas tão presentes no ensino do esporte, em especial no atletismo, considerando as descobertas e possibilidades de movimentos que os educandos podem vivenciar nessa prática, como também, oportunizar, como bem orienta Kunz (2001, p.129), a “reflexão e o diálogo sobre essas práticas para conduzir a uma verdadeira superação do ensino tradicional pelas destrezas técnicas”.
Segundo Kunz (2001, p. 128), o “uso de arranjos matérias, no ensino dos saltos do atletismo”, se faz necessário para não atender o “sentido tradicional de ‘maximizar a distância’”, fazendo uso de materiais construído pelo professor e educandos, levando-os a perceber e transformar aquilo que se chama tecnicamente de fase aérea do salto, em um “sentir-se solto no espaço por mais tempo e com isso uma experiência subjetiva mais intensa que, de outra forma, seria difícil ser alcançada”. Isso segundo o autor é o que faz a diferença do ensino fundado na “‘série metodológica de exercícios’, os chamados educativos, para a iniciação esportiva tão utilizada no contexto escolar”.
No entanto, não poderíamos deixar de evidenciar que, o simples “fazer” nas atividades, como bem enfatiza o autor referenciado, não possibilita a “compreensão do sentido e a descoberta de novos sentidos no esporte”. Esse “fazer”, deve aliar-se a uma “reflexão e o diálogo” para que ocorra uma “transformação didático-pedagáogico dos esportes”.
Vivenciando o salto a distância
Ao abordar o tema salto a distância com os alunos, apresentamos de inicio a marca dos 8m e elas se organizassem em grupos de 3. Após esta organização, solicitamos que os mesmos individualmente tentassem saltar o mais próximo possível dessa marca. Durante a atividade os alunos que não estiverem executando, estavam de posse de papel e caneta e anotando todo o desenrolar dos colegas saltando. Passaram a observar a forma de corrida, a velocidade que desprendiam e o pé que o colega impulsionava para saltar, o tamanho do salto, a forma que os mesmos caiam no chão.Após todos terem efetuado os saltos, foi feita uma discussão e questionamentos com o grupo como relatado a seguir:
Para saltar mais longe é necessário ser mais veloz?
Podemos saltar de qualquer forma?
É possível saltar 8m?
Todos saltaram a distância?
Que sensações sentiram ao saltarem?
Após as respostas dos questionamentos, ficou evidente que todos responderam que podem “saltar a distância”. Perceberam que, nos dois primeiros saltos correram melhores, e assim, saltaram “mais longe”. O salto pode ser executado de várias maneiras, mas impulsionando com um só pé, “o salto é maior”. Declararam que se sentiram incapazes de saltar 8m. Acharam o percurso de 8m “muito longe, exige um esforço muito grande” e que eles não “têm condições de ir tão longe”. Mas reconheceram que mesmo “não conseguindo saltar os 8m, saltaram dentro das suas condições”. Sentiram prazer e uma sensação muito boa quando “estavam no ar, antes de cair no chão”.
Essa encenação de um salto à distância, nos moldes ao qual foi proposto aos alunos, ou seja, através de um tema gerador, fez do ensino do esporte uma prática prazerosa, sem punição por não terem alcançado os oito metros. Importante que os alunos souberam analisar e questionar o porquê de terem realizado o salto, dentro das condições e das possibilidades individuais.
Considerações finais
Após a conclusão da experiência do salto a distância, vivida não somente pelos alunos, mas também por nós, enquanto um desafio pedagógico, ficou evidente que, o atletismo pode ser praticado na escola desde que, os professores sejam estimulados a recriar a sua prática e o seu sentido, levando os alunos às experiências exitosas, mostrando que não há necessidade de sobrepujar os colegas, como também, sem deixar de compreender – especificamente – o que é saltar dentro das possibilidades individuais e saltar para alcançar ou superar uma marca predeterminada.
Diante da observação e das declarações que os alunos fizeram, ficou evidente a satisfação de praticar o atletismo de forma lúdica, prazerosa e significativa. Proporcionar e oportunizar práticas pedagógicas que considere a experiência dos educandos a partir das suas experiências motoras é um passo importante para transformar a prática e o ensino do esporte, enquanto conteúdo da Educação Física no âmbito da escola, sem deixar de lado a reflexão do trabalho pedagógico inerente ao processo educativo.
Nessa prática, o elemento competitivo de vencer o outro, não aconteceu. O interesse dos alunos eram outros como o prazer, desafiar e se lançar ao ar no ato da realização do salto. O brincar e a algazarra com os outros, foi uma atitude constante durante a aula, desafiando-se uns aos outros, no sentido de fazer mais uma tentativa de saltar a distância.
Referências
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
FREIRE, J. B. Antes de falar de educação motora. In: De Marco, Ademir (org.). Pensando a educação motora. Campinas, SP: Papirus, 1995.
FREIRE, Paulo Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução a pedagogia do conflito. São Paulo: Cortez, 1987.
HIDELBRANDT, Reiner; LAGING, Ralf. Concepções abertas no ensino da educação física. Rio de Janeiro, Ed. Ao livro técnico, 2006.
KUNZ, Eleonor. Transformação didático-pedagógica do esporte. 4ª ed. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2001.
NÓBREGA, Terezinha Petrúcia da. Corporeidade e educação física: do corpo-objeto ao corpo-sujeito. Natal, RN. EDUFRN, 2005.
TAFFAREL, Celi Nelza Züke. Criatividade nas aulas de educação física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985.
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