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Análise do futebol no Brasil como um fenômeno sociocultural

Análisis del fútbol en Brasil como un fenómeno sociocultural

 

*Graduanda/o do curso de Educação Física

da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Campus Jequié/BA

Voluntário do Núcleo de Estudos e Pesquisa

em Educação Física, Esportes e Lazer –NEPEEL/UESB

**Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA

Professor assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

***Ms. em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos

Doutorando no Programa de Pós-graduação em Sociologia

pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor

de Sociologia junto ao Departamento de Ciências Humanas e Letras (DCHL)

da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Adriano Lopes de Souza*

César Pimentel Figueiredo Primo**

Rafaela Gomes dos Santos*

Silvano da Conceição***

Adrielle Lopes de Souza*

drikofenomeno@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo tem como objetivo analisar e discutir o futebol como um dos principais fenômenos socioculturais do Brasil que, historicamente construído, é capaz de movimentar a vida de inúmeras pessoas ao redor do país. Para tanto, procurou-se levantar dados sobre diversos aspectos, que vão desde o seu surgimento na Inglaterra até a sua disseminação e espetacularização pelo mundo, evidenciando a sua chegada e relevância no cenário nacional. O futebol tem uma grande significância social e cultural no mundo. Na sociedade brasileira, especificamente, os autores apontam que o futebol ultrapassa a visão utilitarista de esporte das multidões, representando um estilo de vida do seu povo, com suas características peculiares, como: ludicidade, dinamismo, imprevisibilidade e intensidade, as quais são responsáveis por encantar a população brasileira e atrair a mídia, que sempre o coloca em posição de destaque nacional, impulsionando a paixão e devoção dos torcedores por seus clubes de coração. Estes são os principais indicadores que levaram o futebol a este posto de relevância sociocultural para o Brasil. Por fim, entendemos que seja importante a realização de outros estudos acerca deste fenômeno para explicar esta ligação entre o povo brasileiro e o futebol.

          Unitermos: Futebol. Fenômeno sociocultural. Espetacularização. Mídia.

 

Abstract

          The present study has like objective to analyse and to discuss about the football like an important sociocultural phenomenon in Brazil, that historically constructed, is able to move the lives of countless people around the country. Therefore, we attempted to collect data on various aspects, ranging from its appearance in England until its spread and spetacularization the world, showing their arrival and in the national scenario. Football has a great significance in social and cultural world. In Brazilian society, specifically, the authors point out that football goes beyond the utilitarian view of crowds of sports, representing a lifestyle of its people, with their peculiar characteristics, such as playfulness, dynamism, intensity and unpredictability, which are responsible for enchant the Brazilian population and to attract the media, which always puts him in a position of national prominence, driving passion and devotion of the fans for their clubs at heart. These are the main indicators that led the football this post sociocultural relevance to Brazil. Finally, we believe it is important to conduct further studies on this phenomenon to explain this link between the Brazilian people and football.

          Keywords: Football. Sociocultural phenomenon. Spectacularization. Media.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 159, Agosto de 2011. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    O futebol como um dos principais fenômenos socioculturais do século XXI, é capaz de influenciar diversos segmentos da sociedade (econômico, político, cultural, social, etc.), abarcando uma gama de elementos subjetivos ao homem, como: paixão, emoção, empolgação, expectativa, frustração, etc., levando-o a sentir uma diversidade de reações físicas: suor, lágrimas, sorrisos, tremedeiras, palpitações, expressões faciais, entre outros. Devido a tais características subjetivas, o tema futebol não é fácil de ser analisado ou mensurado fielmente.

    O pesquisador Freitas Júnior (2007), por exemplo, em uma de suas pesquisas, salienta as dificuldades em se trabalhar de forma acadêmica com este tema, por este ser carregado de uma diversidade sentimental, como a paixão, a vergonha, o ressentimento, o ódio, a solidariedade, etc. Para ele, compreendê-los é um grande desafio para o pesquisador das ciências sociais e humanas, pois, comumente, estes sentimentos contradizem as ações racionais, e nas pesquisas, há uma supervalorização da razão sobre a emoção.

    No entanto, apesar dessas dificuldades, muitos estudos têm sido desenvolvidos acerca deste tema, isto se explica devido à grande relevância que o futebol possui no meio social. Segundo o sociólogo Maurício Murad (2007), o futebol representa o esporte mais popular do planeta, pois, envolve de forma direta, ou não, bilhões de pessoas ao redor do mundo, que vão desde os jogadores amadores até os mais variados recursos humanos empregados a nível profissional (cozinheiro, preparador físico, porteiro, pedreiro, conselheiro, etc.), isso sem contar com os inúmeros torcedores espalhados pelo planeta.

    De acordo com Reis (2006), o futebol tem uma função significativa nas sociedades modernas, ao ponto em que representa um dos poucos fatores de empolgação das mesmas. Reforçando essa tese, Murad (2007) ressalta que a FIFA (Fédération Internacionale de Football Association) fundada em 21 de maio de 1904, em Paris, congrega mais países associados do que qualquer outra entidade, superando até mesmo a ONU (Organização das Nações Unidas). De forma semelhante, é possível observar, no caso específico do Brasil, que o então presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), o senhor Ricardo Teixeira, parece possuir maior prestígio e poder do que o próprio ministro dos esportes, o senhor Orlando Silva. Esses exemplos nos fornecem um parâmetro a respeito da dimensão deste esporte no cenário nacional e mundial.

    De fato, o futebol mobiliza uma grande parcela da humanidade, não há como, simplesmente, negar a sua existência, pois, ele está em toda parte, através das conversas diárias entre as pessoas, seja nas ruas, no trabalho, na escola ou no ambiente de lazer. Além disso, ele também tem uma presença muito forte na mídia – internet, rádio, jornais, TV, etc. – enfim, ele, simplesmente, faz parte do convívio humano e social das pessoas, quer elas queiram, quer não.

    Com efeito, pode-se articular que o futebol é capaz de expressar a cultura predominante em diversas sociedades. Logo, é considerado um elemento proeminente na formação da identidade nacional de diferentes países, incluindo o Brasil. Para Silva (2001), o futebol é uma forma particular de cultura que norteia a vida de muitos brasileiros, pois, diversos vínculos são criados tendo este esporte como pano de fundo, seja assistindo os jogos, debatendo-os ou, até mesmo, praticando-os.

    Sendo assim, a presente pesquisa se faz relevante na medida em que busca levantar algumas considerações pertinentes que envolvem um fenômeno enraizado nas sociedades modernas: o futebol.

    O questionamento que nos propomos a responder aqui é: quais os principais indicadores que converteram o futebol em um dos principais fenômenos socioculturais do Brasil no século XXI?

    Então, o objetivo deste estudo consiste em analisar e discutir o futebol como um dos principais fenômenos socioculturais do Brasil, capaz de movimentar a vida de inúmeras pessoas ao redor do país.

    Portanto, o que nos motivou na escolha deste tema foi, justamente, a necessidade de compreendê-lo como um fenômeno social e cultural, historicamente construído, o qual exerce um determinado controle na vida das pessoas, mantendo-se presente não apenas nas ruas espalhadas pelo mundo afora, mas, na alma, no sangue e no coração dos seus torcedores e adeptos, em especial, dos vibrantes e apaixonados torcedores brasileiros. Não é a toa que o Brasil carrega a imagem de país do futebol.

Metodologia

    Trata-se de um estudo bibliográfico que, de acordo com Gil (1991) é elaborado a partir de um material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na internet. O presente artigo é de caráter qualitativo, pois, aqui, a minuciosa coleta de dados, para compreender e interpretar um determinado fenômeno, é mais significante do que a objetividade numérica dos mesmos.

    Deste modo, foi feita uma análise bibliográfica na literatura de língua portuguesa, publicadas no Brasil, presente em livros, periódicos e publicações eletrônicas na busca de uma aproximação maior com o fenômeno em questão. Procurou-se coletar dados quanto aos seguintes aspectos: Surgimento do futebol; Chegada do futebol no Brasil; O futebol como comércio e espetáculo; e a Relevância do futebol no cenário brasileiro.

Surgimento do futebol

    Diferentes esportes praticados atualmente foram originados na Inglaterra, mais precisamente, na segunda metade do século XIX, porém, aqueles praticados com bola somente se alastraram para outros países do mundo no final do mesmo século, como por exemplo: o futebol. Portanto, no que diz respeito ao nascimento do futebol como esporte, a versão mais aceita e difundida é a de que, este esporte foi organizado e regulamentado na Inglaterra, em 26 de outubro de 1863, com a fundação, em Londres, da Football Association, a instituição que criou as regras do jogo, a qual representa a instituição futebolística mais antiga do mundo (REIS, 2006).

    O futebol teve uma rápida e surpreendente disseminação pelo mundo, passando a ser vivenciado com fervor por distintas sociedades, em diferentes épocas históricas, regimes políticos, faixas etárias, gerando uma enormidade de empregos e serviços temporários, os quais atuavam diretamente, como: jogadores, comissões, gestores, etc., ou indiretamente, como redes de transporte, turismo e hotelaria, setores alimentícios, etc. Além disso, ele conseguiu mobilizar recursos significativos de patrocínios, publicidade, transmissões televisivas, etc. (MURAD, 2007). Ou seja, o jogo que antes apresentava características lúdicas e divertidas, foi se transformando em coisa séria e, envolvido pela espetacularização crescente, tornou-se um negócio cada vez mais rentável, especialmente para a mídia, que passou a investir pesado neste empreendimento.

    No entender de Murad (2009), o esporte é o lúdico socialmente institucionalizado, com regras aceitas internacionalmente, apresentando hierarquias, papéis e funções, como se pode observar em todas as instituições. Para ele, a vida em sociedade quase sempre e em todas as épocas tem um jogo, um esporte ou algo similar a estes, representando um dos elementos de sua representação cultural e social.

    Portanto, como vimos, o esporte surge como uma necessidade do ser humano de vivenciar, em seu cotidiano, momentos de prazer, paixão e distração, representando uma marca da cultura específica de cada local. Nesse sentido, pelo menos no que diz respeito ao Brasil, o futebol consegue preencher essa necessidade com maestria. Pois, gera uma excitação quase insubstituível nos amantes da bola.

Da Europa ao Brasil: nasce um novo futebol

    O futebol chegou ao Brasil no final do século XIX, com características, predominantemente, burguesas e elitizadas. No entanto, em pouco tempo, toda essa aristocracia deu lugar para o jeito quente, vibrante e apaixonante de ser do povo brasileiro (SILVA, 2005). Parece que foi amor a primeira vista. Portanto, o que no início, representava um amor platônico, particularmente, para as classes desfavorecidas – devido à falta de acessibilidade – na base de muitas lutas e entraves sociais, se transformou em uma paixão avassaladora, sem distinção de classes, e, um pouco mais tarde, sem distinção de cor.

    No Brasil, tudo começou em outubro de 1894, quando um jovem paulista, filho de ingleses, desembarcou com duas bolas de couro na bagagem: Trata-se de Charles Miller, o fundador do futebol brasileiro (SANTOS, 1993). Charles Miller nem imaginava que o esporte trazido por ele seria reinventado, aperfeiçoado, idolatrado e adotado pelo povo brasileiro de tal maneira e com tamanha intensidade, que chegaria a ser mundialmente conhecido como o esporte do Brasil, e o Brasil, por sua vez, conhecido em nível mundial como país do futebol.

    Tal como enuncia Daolio (2005, p.4), “parece ter havido uma combinação entre os códigos do futebol e o contexto cultural brasileiro”. Em outra obra – As contradições do futebol brasileiro – este autor expressa de forma mais específica tal relação entre o futebol e o povo brasileiro. Para ele:

    [...] o novo esporte que chegava da Inglaterra não oferecia apenas momentos lúdicos de lazer aos seus praticantes, mas permitia, principalmente, a vivência de uma série de situações e emoções típicas do homem brasileiro. Isso explicaria o alto poder simbólico que o futebol foi adquirindo ao longo deste século [século xx], passando a representar o homem brasileiro, da mesma forma como fazem outros fenômenos nacionais, como o carnaval, por exemplo. (DAOLIO, 2000, p.33)

    A partir deste entendimento, pode-se observar que o futebol – oriundo da Inglaterra – e a sociedade brasileira formaram um casamento quase perfeito, de tal modo que um parece completar o outro. Portanto, ao mesmo tempo em que este fenômeno de massas influencia a sociedade brasileira, ele também é influenciado por ela. Por isso, Daolio (2005), chega a afirmar que o futebol representa uma das principais manifestações culturais brasileiras.

    Em verdade, o futebol é capaz de expressar dentro de campo, algumas características peculiares do povo brasileiro – alegria, empolgação, espontaneidade, etc. – e, mais ainda, de cada região. Como exemplo identifica-se que o futebol praticado na Região Sul do Brasil é mais aguerrido e defensivo, semelhante aos países vizinhos como Argentina e Uruguai que expressam tais características; enquanto o futebol praticado nas Regiões Sudeste e Nordeste, é mais ousado e ofensivo, pois nestas, prioriza-se mais os dribles, as jogadas de efeito, a malandragem, etc.

    Enfim, apesar da diferença regional – devido à grande riqueza cultural e territorial do Brasil – o estilo de jogo brasileiro é representado pelo futebol arte ou espetáculo, enquanto o estilo de jogo europeu é representado pelo futebol força ou pragmático. Segundo Daolio (2005), em tempos de copa os países expressam suas principais características culturais por meio do futebol que apresentam em campo. Nesse sentido, o estilo brasileiro é aquele que mais chama a atenção do público, devido a uma habilidade singular dos seus jogadores (DAOLIO, 2005).

    Entretanto, tal capacidade individual dos jogadores brasileiros parece ter ficado no país, enquanto a seleção dirigia-se para a África do Sul para disputar a copa de 2010 e tentar o tão sonhado hexacampeonato, pois, liderados por um técnico extremamente previsível e pragmático, os atletas mostraram um futebol pouco criativo e, acabaram decepcionando os seus apaixonados torcedores, que desejavam ver o tão esperado talento dos seus representantes em campo, evidenciando que o futebol-força em detrimento do futebol-arte, não condiz com o estilo brasileiro de jogo.

    É óbvio que nós não queremos dizer, com isso, que a nossa seleção vencerá todas as competições que disputar quando apresentar um futebol-arte, vide a copa de 1982, realizada na Espanha, na qual a equipe brasileira, comandada pelo Mestre Telê, foi eliminada pela equipe italiana, mesmo apresentando um futebol ofensivo, dinâmico e criativo. Enfim, essa é uma outra discussão que não cabe ser aprofundada no presente estudo, mas, em pesquisas posteriores.

O futebol como comércio e espetáculo

    O espetáculo futebolístico vem se consolidando, cada vez mais, como um produto abundantemente rentável, por isso, ele é explorado e comercializado dentro da sociedade. A própria mídia pode expressá-lo claramente, na medida em que destina uma grande parte da sua programação para os eventos e/ou programas esportivos, onde, sem dúvida, o futebol é unanimidade. Com efeito, refletir sobre a questão da mercantilização e espetacularização do futebol torna-se um ponto preponderante para se articular a respeito da sua manifestação social e cultural.

    Lovisolo (2002), entende que os meios de comunicação usam o esporte espetáculo devido à audiência, lazer e emoção que este proporciona, e, além disso, por combater o tédio e aliviar o estresse do mundo contemporâneo. Aqui, o futebol se encaixa perfeitamente, pois é considerado o esporte das multidões, envolvendo e influenciando uma grande parcela da população mundial.

    Deste modo, para comprovar o poder econômico do referido esporte, pode-se citar a existência de alguns canais de TV por assinatura, cujo conteúdo é destinado 100% para os esportes, em especial, para o futebol, como no caso do Premiere Futebol Club (PFC). Eis aqui a presença de um fenômeno conhecido como espetacularização do futebol (MEZZADRI, 2007).

    No entender de Pierre Bourdieu (1983, apud MEZZADRI, 2007), o esporte deve ser compreendido sob a ótica da espetacularização, destinado ao consumo de massa e estruturado a partir do campo esportivo, onde cada modalidade possui suas normas específicas, porém todas visam o consumo de bens e serviços esportivos, isto é, obedecem às mesmas leis de mercado. Esse entendimento nos permite entender a necessidade da contratação de profissionais competentes e especializados na gerência, administração e manutenção das equipes esportivas, com o intuito de aprimorar a produtividade nos seus distintos setores, e, consequentemente, aumentar os lucros destas empresas em potencial.

    Evidentemente, o futebol, por sua vez, não foge dessa lógica de mercado, pois, trata-se de um fenômeno sociocultural que abrange uma grande parcela de torcedores fanáticos e apaixonados, dispostos a fazerem uma série de sacrifícios por seus clubes. Por isso, ele é considerado como um grande negócio.

    Nesse sentido, pode-se alegar que todas as manifestações ocorridas dentro das quatro linhas, de alguma forma, acabam influenciando no consumo de bens e serviços oferecidos pelos clubes, desde a compra de ingressos para os jogos até a aquisição de produtos ou acessórios relacionados ao mesmo. Ora, se a equipe tiver boas atuações dento de campo e corresponder às expectativas dos seus torcedores, certamente a marca do clube será bem valorizada e, consequentemente, obterá um sucesso de vendas. Portanto, no que se refere a ao esporte em questão, Luiz Ribeiro (2007), aponta:

    O futebol é uma instituição social umbilicalmente ligada à história do capitalismo contemporâneo. Logo, não há como pensa-la fora desse contexto. Ele surge como um esporte moderno, de massas e mundializado, desde o processo da expansão capitalista do final do século XIX. A expansão capitalista que reordenou de forma radical as sociedades, trouxe consigo transformações tecnológicas, econômicas e culturais, dentre as quais a prática dos esportes como significação de ser moderno e civilizado. Logo, o processo de mundialização do futebol coincide com a expansão civilizatória da cultura capitalista, desde o final do XIX até os tempos atuais (p.49).

    Para este autor, o futebol surgiu com um grande potencial para o espetáculo e, por isso, está diretamente relacionado com capitalismo. Trata-se de um esporte muito dinâmico e empolgante que, comumente, é resolvido nos detalhes, e rapidamente caiu nas graças do esperançoso e vibrante torcedor brasileiro. Assim, pode-se articular que o futebol tenciona a sociedade, ao mesmo tempo em que é tencionado por ela. “Trata-se de um reflexo das atitudes, manifestações e anseios de nossa sociedade” (GIGLIO, 2005, p. 53).

    Nesse contexto, criou-se uma entidade para representar os principais clubes do país, o Clube dos Treze, cujos principais objetivos são voltados para as questões econômicas e de mercado, conferindo ao futebol responsabilidades mercadológicas, ou seja, compreendendo-o como um ótimo produto a ser vendido e consumido (MEZZADRI, 2007).

    Fernando Mezzadri ainda acrescenta:

    Para corroborar ainda mais com a proposta de espetacularização do futebol, já sob a administração do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Governo Federal aprovou a Lei N° 10.671, em 15 de maio de 2003, conhecida como estatuto do torcedor. No bojo da compreensão da Lei do Estatuto do torcedor, têm-se como objetivo central estabelecer normas de proteção e defesa do torcedor (MEZZADRI, 2007, p.125)

    O poder público, por meio de outra iniciativa do Governo Federal, também intervem no futebol, através da criação e aprovação da Loteria Federal, conhecida como Timemania – Lei N° 11.345 – para amenizar as dívidas dos grandes clubes nacionais. Por meio desta medida, o Governo confere uma ampliação da competitividade econômica dos mesmos (MEZZADRI, 2007). Ora, tal como acontece no sistema de mercado, quanto maior for à concorrência, maior será a qualidade dos produtos e serviços oferecidos.

    Ou seja, quanto mais amparados financeiramente os clubes de futebol estiverem, mais condições terão para formar equipes competitivas, e, conseqüentemente, proporcionar grandes espetáculos dentro das quatro linhas, tal como tem ocorrido atualmente, onde o futebol brasileiro deixou de ser apenas um celeiro de craques ou uma vitrine para o futebol europeu e passou a bancar a volta das suas grandes estrelas (Ronaldo, Robinho, Ronaldinho, Adriano, Luís Fabiano, etc.).

    Corroborando com esse entendimento, Reis (2006), salienta que em jogos onde a diferença técnica das equipes é desproporcional, o jogo tende a tornar-se chato e desmotivante. “Sendo assim, são fundamentais para o sucesso do futebol-espetáculo campeonatos em que as equipes estabeleçam um equilíbrio” (p.9).

    Não obstante, o fenômeno de mercantilização do futebol apresenta certa ambigüidade. Por um lado, tal como enuncia Moraes (2007), é notório que a grande maioria dos jogadores de futebol não joga mais por amor à camisa e sim, por amor aos seus valores no mercado, visando uma transferência internacional para clubes que lhe ofereçam melhores condições financeiras, contribuindo, de forma significativa, para a perda progressiva do sentido de honra e lealdade, presente nas antigas organizações dos clubes de futebol.

    Em contrapartida, a altíssima rentabilidade deste esporte, implica na necessidade de um maior cuidado e atenção com a atuação dos árbitros, jogadores e, particularmente, com a segurança dos torcedores e espectadores de futebol, visto que eles são consumidores ativos do espetáculo em questão, vide a criação do estatuto do consumidor, ou como se preferir, estatuto do torcedor.

    De fato, a partir da criação dos Clubes dos Treze, do Estatuto do Torcedor e da Timemania por parte do Estado, pode-se perceber, nitidamente, que o torcedor passa a ser encarado, de uma vez por todas, como um consumidor em potencial nesse processo de mercantilização e espetacularização de um produto que é extremamente rentável e lucrativo, chamado futebol.

Relevância do futebol no cenário brasileiro

    O futebol no Brasil, em comparação com outros países, tem uma proporção de importância muito maior, pois gera no povo brasileiro uma sensação inigualável de pertencimento, orgulho e patriotismo. Este fato pode ser evidenciado e escancarado através dos grandes eventos esportivos como as olimpíadas, e, em particular, a copa do mundo de futebol.

    Com efeito, em tempos de copa, parece haver um incrível e singular nivelamento de classes, religiões, etnias, sexo, gênero, etc., principalmente se a seleção nacional for campeã. Nestes casos, nos parece que o preconceito gerado por tais diferenças é enterrado e/ou escondido atrás do troféu. Infelizmente, quando o título não vem, ou com o passar do tempo, tudo volta para o que consideramos normal, e o preconceito ressurge das cinzas, voltando a fazer parte do nosso meio social.

    Nesse contexto, o cronista Mário filho afirma que nós brasileiros nunca tivemos uma seleção como a de 1958 (campeã do mundo na Suécia), que nos orgulhasse com tanta intensidade perante o mundo inteiro. Para ele, os responsáveis por aquela conquista redimiram o Brasil frente aos outros países, apresentando-lhes um Brasil merecedor de respeito, prestígio e admiração de todos (RODRIGUES, 1958).

    Desde aquela época, este autor exaltava o grande feito da nossa seleção e defendia que os atletas responsáveis por este marco histórico deveriam permanecer no país, servindo como um modelo de superação não apenas para as próximas gerações de jogadores, mas para todo o povo brasileiro, que tem que enfrentar verdadeiras batalhas todos os dias contra a fome, o desemprego, a violência, etc.

    Além do caráter patriota, há outro aspecto que não pode ser omitido quando o assunto é futebol brasileiro: trata-se do clubismo ou pertencimento clubístico, como menciona Arlei Damo (2001). Desde que a criança começa a se tornar gente, ela já sente a necessidade de fazer uma das primeiras escolhas importantes da sua vida: o clube de futebol para o qual irá torcer, passando a assumir os códigos e os valores da agremiação contemplada.

    Para este autor, a opção por um clube de futebol deverá ser feita para toda a vida, de tal modo que o ato de trocar de clube, conhecido como virar a casaca seria como uma falta gravíssima perante a sociedade, podendo gerar suspeitas sobre o caráter do indivíduo. Deste modo, pode-se articular que tal identidade clubística assumida pelos diversos torcedores é um dos fatores que mantém viva a paixão pelo futebol.

    Quando se analisa o fenômeno do futebol no Brasil, percebe-se que há ainda um processo de transição entre a nostalgia dos primórdios do esporte e a modernização presente na atualidade. Por exemplo, apesar da mercantilização crescente do futebol, ainda é comum que os torcedores cobrem o chamado amor à camisa dos atletas, esperando que estes permaneçam por muitos anos no mesmo clube (MOSKO, 2007).

    De fato, é presumível que a maioria dos torcedores almejem que o futebol seja tratado de forma mais carinhosa, ou mais romântica, tal como era antigamente. Pois, tratam-se de indivíduos apaixonados, os quais vêem nos seus ídolos, verdadeiros modelos a serem seguidos. Por isso, é importante e necessário que estes ídolos apresentem um comportamento exemplar dentro e fora das quatro linhas.

    A manifestação social do futebol para o povo brasileiro é tão excitante e intensa, que este é capaz de causar profundos impactos sociais e simbólicos na vida de cada indivíduo, sejam positivos (pelas vitórias) ou negativos (pelas derrotas). Um exemplo clássico a ser citado foi à derrota da grande favorita seleção brasileira de futebol para a seleção do Uruguai na final da copa do mundo de 1950, diante de aproximadamente 200.000 torcedores apaixonados, em pleno maracanã.

    Perdigão (1986) aborda que esta derrota teve uma representatividade muito maior para os brasileiros do que a vitória para os Uruguaios. Segundo ele, “o dia 16 de julho de 1950 provocou uma comoção nacional poucas vezes verificada na vida contemporânea do país, comparável à do suicídio de Getúlio Vargas e à agonia de Tancredo Neves, iniciada no dia de sua posse” (PERDIGÃO, 1986, p.35).

    De fato, a simbologia daquela derrota frente à equipe Uruguaia, representou uma verdadeira catástrofe, não só no Maracanã – palco da final – mas, em todo o território nacional, difundindo na população brasileira um sentimento coletivo de perda, como se estivessem arrancado desta, algo que já era seu por direito.

    Nesse contexto, há outro exemplo que merece um destaque especial, trata-se da crise política instaurada no Brasil com os episódios de corrupção do governo iniciados em 2005, conhecidos como mensalão, os quais parecem ter se intensificados no ano seguinte com a eliminação da seleção brasileira de futebol na copa do mundo de 2006, realizada na Alemanha. Quem duvida, em caso de uma vitória da nossa seleção verde-amarela, que os escândalos referidos seriam camuflados, abafados e postos para segundo plano?

    Portanto, como vimos, em ano de copa do mundo, as torcidas se unem – até mesmo aquelas que são consideradas rivais regionais – para formar uma única torcida: a torcida brasileira. Nesta época, o país inteiro pára, as pessoas abandonam aquilo que estão fazendo e cancelam qualquer tipo de compromisso, não apenas para assistir os jogos da seleção nacional, mas, para senti-los. Ou seja, o futebol no Brasil vai muito além de um simples esporte, é, além disso, uma manifestação popular, capaz de expressar o meio social em que se encontra, através de um conjunto de personagens, regras, valores, ideologias e contradições que lhes são próprios.

    Enfim, de modo geral, pode-se afirmar que os torcedores brasileiros atribuem ao futebol o difícil encargo de aliviar as pressões e decepções sociais do seu cotidiano, de proporcionar momentos de alegria, prazer e descontração. Alguns deles chegam ao ponto de depositar no futebol uma esperança de conquistar vitórias e sucessos que não conseguiram em suas vidas. Para Silva (2001), o clube de futebol, por exemplo, pode representar uma parte da vida de uma pessoa que dá certo – talvez a única. “O Vasco, para seus torcedores, é uma referência de tempo e espaço. A partir da relação construída com esse clube, esses sujeitos se localizam e buscam sentido para suas vidas” (SILVA, 2001, p.136). Certamente, para estes brasileiros, o referido esporte pode ser considerado como uma doutrina, ou, mais ainda, uma razão para viver.

Considerações finais

    Após a revisão bibliográfica de diferentes autores que se debruçam sobre este tema, pode-se mencionar a importância de se analisar o futebol enquanto um fenômeno sociocultural e historicamente construído para compreender a sua significância no cotidiano das sociedades modernas. Na sociedade brasileira, especificamente, os autores apontam que o futebol ultrapassa a visão utilitarista de esporte das multidões, representando um estilo de vida do povo brasileiro, com todas as suas características peculiares. Em outras palavras, tal como afirma Roberto DaMatta (1982), o futebol dramatiza as particularidades do convívio social brasileiro. Portanto, os resultados encontrados apontam que algumas características deste esporte, como: ludicidade, dinamismo, imprevisibilidade e intensidade são responsáveis por seduzir a população brasileira, bem como a própria mídia, que o coloca sempre em destaque nacional. Além disso, a paixão que o brasileiro devota ao seu clube de coração é outro indicador responsável por impulsionar o futebol a este posto de relevância sociocultural. No entanto, analisá-lo como objeto de estudo acadêmico, é um grande desafio para os pesquisadores, justamente, por se tratar de um fenômeno que mexe com o imaginário e o sentimento das pessoas. Por fim, entendemos que seja importante a realização de outros estudos com o enfoque na compreensão desta intensa ligação entre o povo brasileiro e o futebol, haja vista o desafio de racionalizar os aspectos subjetivos que estão em jogo.

Nota

1.     Telê Santana é conhecido como “Mestre” por ter sido um dos treinadores mais vitoriosos e estrategistas do futebol brasileiro, com equipes sempre ofensivas.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 159 | Buenos Aires, Agosto de 2011  
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