Esporte, mídia e sociedade contemporânea Sport, media and contemporary society El deporte, los medios de comunicación y la sociedad contemporánea |
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Professor Doutor da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo Pesquisador, membro da equipe da USP do Núcleo de Estudos, Ensino e Pesquisa do Programa de Assistência Primária de Saúde Escolar – PROASE |
José Eduardo Costa de Oliveira (Brasil) |
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Resumo Ao se analisar o esporte enquanto fenômeno sócio-cultural, não se pode fazê-lo isoladamente, sem se considerar os fatores econômicos, políticos e sociais que o influenciam, particularmente quando estes se relacionam diretamente com - a mídia – e, conseqüentemente, com o sistema econômico vigente (BETTI, 2004). Na intencionalidade de discutir e analisar o esporte e suas interfaces com a mídia, o presente ensaio apresenta três perspectivas para aqui tratar o tema. A primeira, analisando a relação entre esporte, mídia e o sistema econômico vigente; noutra, analisando as características desse esporte tido como "midiático", e, por fim, o conceito denominado de “monocultura de transmissão esportiva”. Numa perspectiva de uma análise conclusiva, o presente ensaio afirma o fato de observa-se que à medida que os trabalhos de abordagem teórica crítico-reflexiva sobre as relações entre mídia e o esporte vão se ampliando, diversificando e aprofundando, mais visível se torna à ausência e ainda mais necessária se faz à produção de estudos que formulem e experimentem propostas metodológicas de trato pedagógico sobre o tema. Sendo que, para tanto, seria necessário ressignificar o pensamento e a cultura social em relação ao esporte e suas interfaces com a mídia, pois, implantá-lo apenas vislumbrando o rendimento, o resultado e a ascensão social, numa população como a brasileira, onde a maioria é pobre e se alimenta mal, talvez até seja viável para alguns, mas, nessa perspectiva, o esporte, com certeza se torna excludente. Unitermos: Esporte. Mídia. Sociedade.
Abstract When analyzing the sport as a socio-cultural phenomenon, one can not do it alone, without considering the economic, political and social influence it, particularly when they relate directly to - the media - and, consequently, with the current economic system (BETTI, 2004). The intent to discuss and analyze the sport and its interfaces with the media, this paper presents three perspectives to address the issue here. The first, analyzing the relationship between sport, media and the current economic system; another by analyzing the characteristics of the sport considered "media", and finally, the concept called "monoculture of sports broadcasting." Looking for a conclusive analysis, this paper says the fact it is observed that as the work of critical-theoretical approach reflective on the relationship between media and the sport will be expanding, diversifying and deepening, becomes more visible to the absence and becomes even more necessary to the production of studies and experience to formulate proposals for dealing methodological teaching on the subject. Since so much, it would be necessary to reframe the thinking and social culture in relation to sport and its interfaces with the media, therefore, deploy it only glimpse of the income, social mobility and result in a population like Brazil, where most is poor and badly nourished, it might even be feasible for some, but this perspective, the sport, certainly becomes exclusive. Keywords: Sport. Media. Society.
Resumen Al analizar el deporte como fenómeno socio-cultural, no se lo puede hacer sin tener en cuenta la influencia económica, política y social, en particular cuando se relacionan directamente con los medios de comunicación y, en consecuencia, con la actual sistema económico (BETTI, 2004). Con la intención de discutir y analizar el deporte y sus vinculaciones con los medios de comunicación, este documento presenta tres perspectivas para abordar el tema. El primero, analizar la relación entre el deporte, los medios de comunicación y el sistema económico actual, "Monocultura de la transmisión de los deportes", otra mediante el análisis de las características de este deporte considerado "medio" y, finalmente, el concepto llamado “En busca de un análisis concluyente”. Este documento plantea el hecho que se observa que a medida que el trabajo de crítico-teórico de enfoque reflexivo sobre la relación entre los medios de comunicación y el deporte se va a expandir, diversificar y profundizar, se hace más visible la ausencia y se hace aún más necesaria para la elaboración de estudios y la experiencia para formular propuestas para hacer frente a la enseñanza metodológica sobre el tema. Dado que gran parte, sería necesario replantear el pensamiento y la cultura social en relación con el deporte y sus interrelaciones con los medios de comunicación, por lo tanto, se implementa sólo idea de los ingresos, la movilidad social y el resultado en una población como Brasil, donde la mayoría es pobre y mal alimentada, incluso podría ser factible para algunos, pero desde esta perspectiva, el deporte, sin duda se convierte en exclusiva. Palabras clave: Deporte. Medios de comunicación. Sociedad.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 159, Agosto de 2011. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
Enceta-seo pelos prórpios conceitos dos unitermos que balizam as discussões do presente ensaio. Sendo que, em relação ao – Esporte – há três condições a considerar no desenvolvimento de uma definição: a primeira refere-se a tipos específicos de atividades; na segunda, que o Esporte depende das condições sob as quais as atividades acontecem; e, por fim, que ele depende da orientação subjetiva dos participantes envolvidos nas atividades.
Estas, por sua vez, devem ocorrer sob um conjunto particular de circunstâncias, onde a participação em atividades físicas pode acontecer em situações que vão do informal e desestruturado ao formal e o organizado. Outro aspecto a ser considerado são as orientações subjetivas dos participantes.
Muitas definições de esporte incluem a noção de uma atividade física. Em outras palavras, ele envolve o uso de atividades motoras, proeza física ou esforço físico. Isto, por si só, já delimitaria o próprio conceito, mas, diferentes atividades físicas claramente variam na sua caracterização de habilidade motora, proeza ou esforço (BARBANTI, 2010).
Numa ótica sociocultural, uma sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes e que interagem entre si, constituindo uma comunidade. A origem da palavra sociedade vem do latim - "societas", uma associação amistosa com outros. "Societas" é derivado de "socius", que significa "companheiro", e assim o significado esta intimamente relacionado àquilo que é social.
Portanto, está implícito no significado de sociedade que seus membros compartilham interesses ou preocupação mútuas sobre um objetivo comum. Como tal, sociedade é muitas vezes usado como sinônimo para o coletivo de cidadãos de um país, governados por instituições nacionais que lidam com o bem-estar cívico (MAUSS, 1974).
O termo “mídia” deriva do inglês "media", que vem do latim, também, "media", plural de "medium" e que significa - meio ou forma. No Brasil usa-se mais comumente a palavra "mídia", derivada da pronúncia inglesa, ainda que alguns prefiram a forma latina, "média", a qual também é usada preferencialmente em Portugal (PILATTI e VLASTUIN, 2008).
Seu significado deriva do processo de comunicação, que por sua vez é viabilizado pelos diversos – meios de comunicação – que, quer sejam eles escrito televisivo ou falado, deve conter três elementos principais desse processo. Sendo eles:
Primeiro, o elemento – emissor - que é a pessoa que pretende comunicar uma mensagem e pode ser chamada de fonte ou de origem (um anunciante de um produto ou serviço esportivo qualquer, por exemplo); segundo a – mensagem - que é a idéia que o emissor deseja comunicar (as qualidades e benefícios de seu produto ou serviço); e, terceiro, o – receptor - que é a etapa que recebe a mensagem a quem é destinada (os consumidores potenciais de produtos e serviços esportivos).
Tudo isto, transmitido por um - meio de comunicação - que pode ser a televisão, um jornal, o radio e etc., mas, que junto ao produto vincula a imagem de um esporte e/ou de um atleta, vislumbrando potencializar as chances de venda ou atrelar a ele todos os valores positivos para a sociedade que o esporte carrega em seu bojo (BETTI, 2010). Quando isto ocorre, denomina-se - mídia esportiva.
Nesse mesmo contexto, ao se analisar o esporte, enquanto fenômeno sócio-cultural, e suas interfaces com a sociedade contemporânea, não se pode fazê-lo isoladamente, sem se considerar os fatores econômicos, políticos e sociais que o influenciam, particularmente quando estes se relacionam diretamente com - a mídia – e, conseqüentemente, com o sistema econômico vigente (BETTI, 2004).
A mídia, por sua vez, vai atuar de forma decisiva e importante como principal alicerce do sistema capitalista, produzindo e justificando como verdadeira a idéia de esporte enquanto tábua de salvação da sociedade, principalmente quando relacionada às questões afetas a ascensão econômica e social das camadas mais desprovidas educacionalmente. Pois, as mídias escrita e falada são atualmente as principais fontes de produção e transmissão de formas simbólicas e construção de sentidos no mundo de hoje (BETTI, 1998).
Nesse sentido, o esporte de alto nível contemporâneo tornou-se parte integrante da milionária indústria de entretenimento, que tem ficado cada vez mais atenta à sua vocação em atrair pessoas para seus eventos. Assim, impulsionado pelo advento da televisão, transformou-se num verdadeiro espetáculo (DURÃES E FERES NETO, 2008).
Considerando o exposto, na intencionalidade de discutir e analisar o esporte e suas interfaces com a mídia, o presente ensaio apresenta duas perspectivas para aqui tratar o tema. A primeira, analisando a relação entre esporte, mídia e o sistema econômico vigente e a concepção desse esporte tido como "midiático", e, por fim, o conceito denominado de “monocultura de transmissão esportiva”.
O esporte midiático
Inicia-se afirmando que o jornalismo esportivo, com parte fundamental da mídia e, quer seja ele televisivo, ouvido ou escrito, forma um fator importante na divulgação do fenômeno observado no mundo todo acerca do esporte, enquanto espetáculo.
É este "esporte-espetáculo", definido por Betti (2004), que vai atuar como ferramenta de marketing (entenda-se: uma estratégia de venda) para os mais diversos produtos e serviços da sociedade capitalista, que através da mídia vincula suas marcas aos esportes, na busca por uma identidade saudável, jovial, viril, de credibilidades e etc.
Assim, a mídia atua na concepção e no fomento da visão do esporte, que é passada às sociedades, não somente como espetáculo, mas, sobretudo como possibilidade de ascensão sócio-econômica. Assim, ela opera de forma decisiva e importante como as principais fontes de produção, reprodução e transmissão de formas simbólicas e construção de sentidos no mundo de hoje (BETTI, 1998).
A visão de esporte imposta por esta mídia, principalmente em países em desenvolvimento, como o caso brasileiro, atualmente a sétima economia mundial, mas, ainda com abismos sociais nas áreas da saúde, educação e etc., onde as pessoas não dispõem de grandes oportunidades educacionais, de ascensão social, a função desta passa a ser, mostrar a sociedade à possibilidade do esporte como uma das poucas, rápida, sem muito esforço e prazerosa de ascensão.
Assim, pode-se afirmar que ela aliena a sociedade, ao inocular esta visão de que as pessoas conseguirão “salvação”, somente através do esporte, ao procurar ratificar a falácia de que ele é o principal fator de mudança social no Brasil, inoculado como um dos poucos disponíveis às camadas mais desprovidas socialmente (BOURDIEU, 1997).
Conforme assevera Betti (1998), o sistema televisivo, por exemplo, têm como função basilar à criação de uma geração composta de gente passiva, pouca disposta à reflexão, e que está preparada a vivenciar uma realidade que não é sua, através da propagação desses valores equivocados.
Portanto, à medida que a mídia vai promovendo a repetição deste pensamento, a sociedade vai aceitando e encarando-o como verdadeiro. Pois nada melhor do que algo repetido constantemente, para se tornar uma verdade absoluta, um dogma na sociedade. Para tanto, a indústria midiática contribui decisivamente pela força do apelo da imagem do esporte, por seu efeito multiplicador, para que estas interpretações se tornem familiares e sejam incorporadas à cultura esportiva e a cultura da sociedade como um todo.
O capitalismo, por sua vez, através das políticas neoliberais, impõe às pessoas a buscarem – prioritariamente – por uma melhor posição social. O papel da mídia, como uma das representantes legítimas desse tipo de ideologia política, é idolatrar alguns pouquíssimos atletas que conseguiram obter sucesso através do esporte, e fazer com que estes sirvam de - modelos - para outros que tentarão - em vão - este mesmo objetivo. Já que a educação costuma não ser prioridade política nem cultural em países como o Brasil.
Contribuindo com a discussão, o texto propõe o seguinte questionamento: entre os atuais 200.000.000 de habitantes, aproximadamente, quantos "Neymares" ou "Ronaldinhos" são encontrados por ano? Respondendo, afirma-se que, em face ao que se apresentou até aqui, a mídia esportiva tenta incutir na sociedade, que o brasileiro nasceu para jogar futebol, e, portanto, que os talentos futebolísticos estão todos por aí, prontos a serem colhidos a qualquer momento! Portanto, quem nasce para fazer algo, deve buscar de forma inabalável esse objetivo.
Hoje, é fácil para os profissionais de Educação Física que trabalham com a área escolar, particularmente na rede pública, comprovarem essas afirmações, pois, vê-se a grande “moda” do momento de jovens que abandonam os estudos, na busca pelas famigeradas “peneiras” que as escolinhas de futebol promovem, visando angariar jogadores para suas categorias de base. E, muitas vezes, procedimento fomentado pelos próprios pais desses jovens, que vêem, na possibilidade dos filhos destacarem-se enquanto jogadores de futebol, uma forma para também ascenderem economicamente. Mesmo que isto custe o sacrifício da educação do próprio filho!
Levando esses mesmos sujeitos a desinteressarem-se de outros assuntos (educação, política, saúde pública e etc.) que poderiam contribuir para mudanças individuais e coletivas mais substantivas. Ratificando o interesse de poucos em manter a sociedade como ela está.
Analisando a afirmativa de Betti (2004), que diz que o atleta “super star” é valorizado comercialmente como espaço publicitário, por onde podem ser veiculadas as mensagens dos patrocinadores. Divulga-se o campeão e, junto a ele, uma imagem símbolo, valorizada socialmente de beleza, saúde, força, poder, dinheiro, fama, vitória, prestígio e perfeição. O atleta transforma-se num verdadeiro "outdoor" ambulante.
Cita-se o exemplo de atletas que não podem aparecer em público, mesmo em momentos de lazer, sem a camiseta, o boné, o tênis ou algo que esteja estampado a logomarca do patrocinador. Na opinião do presente ensaio, quase que como o gado marcado com as iniciais do fazendeiro. Talvez a intenção seja a mesma!
Sendo assim, nesse panorama é possível destacar a decisiva influência das mídias, em especial a televisiva, no direcionamento de tendências da cultura corporal de movimento, com importantes repercussões para a Educação Física, para o esporte e para a sociedade (KENSKI, 1995).
A Educação Física, aqui entendida como uma disciplina acadêmica, e não só como um campo de atuação profissional, mas, quando nesse último viés da área, abre mão de tomar como objeto privilegiado de suas intervenções – a formação do sujeito crítico e reflexivo - quer seja no ambiente escolar e/ou nos outros diversos estrados de atuação (ou seja, tanto nas intervenções do bacharel como do licenciado), acaba por auxiliar a propagação desses valores equivocados (OLIVEIRA, 2011).
Nesse sentido, para se ter uma visão geral da idéia do esporte no mundo capitalista e entender porque isso acontece, faz-se necessário compreender que a mídia televisiva se alia aos outros meios de comunicação para explorar a imagem do sucesso esportivo, no momento e consumi-la como mais um produto descartável (PILATTI E VLASTUIN, 2008).
Pois a mídia não tem o mesmo compromisso que os profissionais da Educação Física devem ter, ou ao menos deveriam, por terem no esporte, uma de suas principais ferramentas de trabalho, de educação, de promoção da saúde, de construção de possibilidades de lazer, de cidadania, enfim, de ressignificação social. O único compromisso da mídia com o esporte é o de usá-lo!
Acrescenta-se ainda que tudo isso seja passado para a população, fomentando uma idéia alienante, uma forma de espetáculo e diversão, uma nova política romana do “pão e circo”, para tentar amenizar os gravíssimos problemas sociais da contemporaneidade, onde assim, o capitalismo usa a mídia e o esporte para a criação, disseminação e a manutenção de uma ordem social perversa e excludente (BETTI, 1998).
O sistema televisivo, por sua vez, compõe uma trama alienante de grande espectro, utilizando-se de aspectos pontuais da realidade, a exemplo dos raríssimos casos bem-sucedidos dos atletas anteriormente citados, que apesar de emergirem de situações sociais desprivilegiadas, como o pouco acesso a educação, oriundos de favelas, de famílias desestruturadas, e que conseguiram superar as dificuldades através da única “tábua de salvação social” brasileira – o futebol. Assim, esses valores falaciosos são transmitidos como se fossem a própria e a única realidade disponível ao jovem brasileiro.
Analisa-se isto afirmando que é através da mídia que o indivíduo pode ser controlado à distância, sem questionamento, reflexão, pois ele próprio se deixa controlar, graças à interiorização de normas e valores que constituem os interesses, o modo organizacional da vida capitalista, e que são passados e ratificados através da mídia esportiva.
O espetáculo esportivo que antes acontecia apenas para a apreciação de poucos (os que compareciam fisicamente aos certames), foi globalizado e multiplicado. As mídias agregaram à limitada platéia das arquibancadas, para criar a audiência e o mercado de milhões (particularmente com o advento televisivo, onde, agregou-se um sem número de espectadores, que consomem os espetáculos esportivos pela televisão, quer seja pelos canais abertos e/ou pelos modos: pay-per-view, que movimenta milhões na venda dos espetáculos esportivos na contemporaneidade).
A indústria do esporte cresceu, misturou-se com a própria indústria do entretenimento, e com ela, multiplicou a qualidade dos eventos e dos equipamentos esportivos. Os espetáculos esportivos estão cada vez mais elaborados, mais espetaculares, e, ao mesmo tempo, mais ajustados ao formato exigido pela mídia. O esporte foi metamorfoseado definitivamente pelo dinheiro (DURÃES e FERES NETO, 2008).
Modificou-se tudo que foi necessário para seu novo formato, desde os seus objetivos, até as regras, e uma nova equação foi produzida: espetáculo esportivo + mídia = a lucros milionários (PILATTI; VLASTUIN, 2008).
Pelo de se perceber que, atualmente, não é a mídia capitalista que se adéqua ao esporte, é o esporte que tem, por obrigação, que se adequar à mídia e a sociedade a ambos. A exemplo disto cita-se o fato dos eventos esportivos que devem ser transmitidos nos dias e horários previamente determinados, a serviço dos interesses dos canais de televisão e dos patrocinadores. E não servindo aos interesses dos clubes, atletas e espectadores. Este último, os verdadeiros beneficiários do esporte. É possível comprovar o fato, quando se percebe que um determinado jogo de futebol está aguardando o término da novela das oito pra ter o seu início!
Está nesta cobertura esportiva, a chave para desmontar uma das charadas do jornalismo em televisão. O telejornalismo promove – financia, organiza e monta – os eventos que fingem cobrir com objetividade e imparcialidade.
É no esporte que esse fenômeno é mais transparente. As técnicas jornalísticas, dentro das coberturas do esporte pela TV são cada vez mais uma representação. Aquele espetáculo que aparece é uma notícia auferida pela reportagem, e sim, é uma encomenda paga (DURÃES e FERES NETO, 2008).
Assim, esse é o esporte midiático descrito por Betti (2010). Em relação a este, o presente ensaio afirma que a rigor, não existe esporte na mídia, e sim - esporte da mídia. Se a mídia enfocasse o esporte como cooperação, autoconhecimento, sociabilizacão, saúde, e, principalmente – educação - em vez da habitual ênfase no binômio: vitória x derrota, ainda assim estaria fragmentando e descontextualizando o fenômeno esportivo.
Admitir o esporte na mídia exigiria aceitar o pressuposto de que ela fosse capaz de abordar o esporte em sua inteireza, o que não é possível por dois motivos, ao menos: primeiro, pela própria natureza e limitações de cada mídia; segundo, pelo fato de que cada mídia cumpre funções e atende a interesses específicos.
Ou seja, inevitavelmente o esporte na mídia é sempre mediado pelos olhares interessados dos diversos meios, dentre os quais, destaca-se a televisão, a mais mestiça de todas as mídias, que, manipulando a sociedade, destrói a maioria das formas de cultura, e, pior: representa o interesse de poucos numa sociedade capitalista. Portanto, é a televisão a mídia mais importante para se entender às relações entre as duas instâncias (BETTI, 1998).
O esporte-telespetáculo, a falação esportiva e a monocultura da transmissão esportiva
Em contrapartida, não se pode negligenciar o fato do esporte ter alcançado a importância política, econômica, cultural e até educacional que desfruta hoje, não fosse sua associação com a televisão. Associação esta que criou uma realidade textual autônoma: o "esporte-telespetáculo" (BETTI, 2010).
A cada dia, o esporte, não por si só, mas, por aliar-se com a mídia fica mais dependente dela, deixando de lado suas características essenciais e benefícios, para se adequar ao mundo capitalista.
Assim, a mídia exalta exacerbadamente o campeão e deixa de lado o competidor que não conseguiu obter êxito. Paralelamente, força-o a buscar a vitória, para se enquadrar no modelo de esporte atual, onde apenas o primeiro colocado tem valor. Ratificando os valores neoliberais da sociedade, que só vê possibilidades através do fomento da competição entre os pares. O que contribui para a produtividade desse sistema. Lógica transmitida pelo esporte competitivo, quando metamorfoseado pela mídia na sociedade contemporânea.
Outra analogia que Betti (2004) faz, e que contribui com a presente discussão, é em relação a sua tese da ênfase na “falação esportiva”.
A falação esportiva informa e atualiza quem venceu, quem foi contratado ou vendido (e por quanto), quem se contundiu, quem o jogador está namorando, casando, descasando, que boate o jogador freqüentou na noite anterior. Aspecto que forma uma importante fonte de noticias para a mídia esportiva, mas, também para a mídia em geral, contando as histórias dos certames esportivos; histórias que são manipuladas, construídas ou reconstruídas, de acordo com o interesse de quem a está veiculando. Posteriormente, faz novas previsões para depois tentar explicá-las, e assim auferir novos motes para reportagens; promete mais emoções, cria polêmicas, constrói rivalidades e etc.
Num segundo aspecto dessa mesma caracterização do esporte midiático, cita-se também a "monocultura de transmissão esportiva". Principalmente no caso brasileiro (BETTI, 2010).
A ênfase quantitativa da “falação” das mídias, assim como da transmissão ao vivo de eventos é, no Brasil, evidentemente relacionada – apenas - ao futebol. Tendência que se acentuou nos últimos anos, em função das empresas terem descoberto nesta modalidade esportiva uma melhor relação custo-benefício para a publicidade, face à massificação que o mesmo ganhou durante o século XX.
Para o presente ensaio, esse fenômeno relacionado à monocultura da transmissão esportiva brasileira, quase que exclusiva do futebol, pode ser denominada de – "unitransmissão esportiva".
Fato que sufoca várias modalidades esportivas, a exemplo dos inúmeros esportes tidos como amadores, que enfrentam dificuldades em auferir parceiros, patrocinadores e espaço físico e midiático para transmitirem seus eventos. Espaço este que, via de regra, quando é concedido, é feito pelos canais da televisão fechada (paga); resultando num problema ainda mais grave: a dificuldade de angariar praticantes para essas modalidades, face à dificuldade de disseminação da cultura da prática desses desportos.
O ensaio também propõe uma segunda questão que exemplifica e ratifica os prejuízos da tese da "monocultura da transmissão esportiva" de Mauro Betti, ou da “unitransmissão esportiva” no país: quem, na sociedade, mas também aos de dentro da Educação Física, sabe de imediato um – nome – de um jogador de Handebol da seleção brasileira da atualidade (modalidade que sempre fora considerada entre as quatro grandes no Brasil. Muito difundida no ambiente escolar)?
O presente ensaio se atreve a responder que: poucos, talvez pouquíssimos, quiçá ninguém!
A justificativa, com certeza esbarra nessa questão da unitransmissão esportiva! Se poucos assistem, poucos praticam, poucos conhecem!
Outra justificativa é que o Brasil é o país do futebol! Mas, os Estados Unidos também é o país do futebol americano, e, a mídia americana transmite todos os esportes; do poker, do boliche perpassando pelo soccer (nosso futebol) até os esportes mundialmente disseminados. Resultando num número, cada vez maior de praticantes, consumidores, e, talvez, de atletas de alto nível, o que poderia contribuir para parte da explicação da soberania olímpica desta nação.
O esporte tele-espetáculo tende a valorizar a forma em detrimento do conteúdo. Isso decorre do fato do discurso televisivo fazer uso privilegiado da linguagem audiovisual, combinando imagem, som (música, por exemplo) e palavra, com ênfase na primeira (PIRES, 2005).
Cita-se também a superficialidade. As próprias características das mídias impõem à superficialidade. Pois, a cultura das mídias é a cultura do superficial, do efêmero, do breve, do descontínuo; é a cultura "dos eventos em oposição aos processos" (DURÃES E FERES NETO, 2008).
Mas, como a cultura das mídias caracteriza-se também pela interação entre elas, a mesma notícia passa de uma mídia a outra, permitindo a ratificação de todos estes valores discutidos até o momento.
Na mídia televisiva brasileira, após um jogo de futebol, qualquer que seja o canal de televisão eleito para se assistir um programa de jornalismo esportivo, estar-se-á assistindo a mesma discussão, sobre o mesmo assunto, sobre os mesmos valores, levando os espectadores a subtraírem as mesmas conclusões. Resultando numa forma de manipulação.
Também se considera nessa caracterização do esporte midiático, a prevalência dos interesses econômicos. A lógica das mídias, em última instância, atende a interesses econômicos, internalizando na televisão, os índices de audiência, e criando assim um círculo vicioso: os produtores pressupõem o que o público quer (que é visto como homogêneo) e só lhe oferecem aquilo. Aquilo que fora decidido por poucos, como suficiente a todos!
Novidades aparecem, mas, sempre sobre os mesmos temas e sob as mesmas formas. Cita-se, novamente, o futebol, que perante os outros esportes, diferencia-se como se fosse o único esporte de interesse da sociedade, tamanha a sua prevalência na mídia. Como não há opções, o público reafirma a audiência das “fórmulas” tradicionais. Daí a mesmice da cobertura futebolística.
Considerações finais
Face ao que foi exposto, numa perspectiva de uma análise conclusiva, o presente ensaio afirma o fato de observar-se, que à medida que os trabalhos de abordagem teórica crítico-reflexiva sobre as relações entre mídia e o esporte vão se ampliando, diversificando e aprofundando, mais visível se torna à ausência e ainda mais necessária se faz à produção de estudos que formulem e experimentem propostas metodológicas de trato pedagógico sobre o tema.
Sendo que, para tanto, seria necessário ressignificar o pensamento e a cultura social em relação ao esporte e suas interfaces com a mídia, pois, implantá-lo apenas vislumbrando o rendimento, o resultado e a ascensão social, numa população como a brasileira, onde a maioria é pobre e se alimenta mal, talvez até seja viável para alguns, mas, nessa perspectiva, o esporte, com certeza se torna excludente.
Deve-se, portanto, fornecer o esporte para a população, primeiramente como meio de educação, como forma de promoção e manutenção da saúde e do bem-estar, como uma cultura de lazer e etc.
Antes de tudo é preciso que se construa um posicionamento crítico, visando enxergar a realidade de maneira global e os vários aspectos que a influenciam. Cientes de que o tema é amplo e não se esgota aqui, sendo necessárias muitas reflexões e estudos sobre estas questões, sobretudo para que os professores reflitam em qual sociedade se está inserido e qual sociedade se quer ajudar a construir (ou reconstruir).
A maioria dos jovens, principais consumidores do esporte, tanto no que se refere à prática, quanto ao consumo de seus produtos, certamente não tem discernimento suficiente para entender e refletir sobre estas questões filosóficas e sociais, envolvendo o esporte e sua relação com o mundo de bens e de valores.
Então, a responsabilidade recai sobre os professores. Estes sim - têm, ou pelo menos deveriam ter - uma formação acadêmica de qualidade e crítica, onde fossem capazes de entender esta e outras realidades e propor mudanças, entendendo o esporte como fenômeno sócio-cultural e sua relação com os aspectos econômicos, políticos e sociais.
Depreendeu-se, também, das análises que o texto fez, que as interfaces entre esporte e mídia tem relações diretas com o poder nas sociedades, e é fruto da competição exacerbada e fomentada pela sociedade capitalista, que vê nessa competição entre os pares, a única forma de aumentar a produção do sistema.
O ensaio assevera a necessidade de aqui deixar claro que, não se trata de aqui criticar o esporte em sua inteireza, na sua gênese, pois neste, encontra-se um dos alicerces da área, tanto relacionado aos processos de intervenção, como de pesquisa, e, nesse sentido, criticá-lo seria o mesmo que criticar a própria Educação Física! E sim, trata-se de criticar o esporte-espetáculo, metamorfoseado pela mídia, que a ela se aliou; trata-se de criticar a própria mídia, que vê nele uma simples ferramenta de fomento dos seus interesses, sem se preocupar com os efeitos e conseqüências para a sociedade.
Referências bibliográficas
BARBANTI, V. J. Educação Física e Esporte: conceitos, significados e objetivos. USP – Universidade de São Paulo: Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto, 2010.
BETTI, Mauro. Corpo, cultura, mídias e educação física: novas relações no mundo contemporâneo. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 10, n. 79, dez. 2004. http://www.efdeportes.com/efd79/corpo.htm
BETTI, Mauro. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas, SP: Papirus, 1998.
BETTI, Mauro. (Org.) Educação Física e mídia. São Paulo: Hucitec, 2010.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão; seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
DURÃES, Geraldo M.; FERES NETO, Alfredo. Programas esportivos televisivos: contribuições para a Educação Física escolar. EFDeportes.com, Revista Digital, Buenos Aires, ano 10, n. 74, jul. 2004. http://www.efdeportes.com/efd74/tv.htm
KENSKI, Vani M. O impacto das mídias e das novas tecnologias de comunicação na Educação Física. V Simpósio Paulista de Educação Física. In: Revista Motriz. [s.l.:s.n.], vol. 1, n. 2, p. 129-133, dez. 1995.
MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU, 1974.
OLIVEIRA, José Eduardo Costa de. Aspectos socioculturais na atuação do profissional de Educação Física e Esporte. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 158, p. 1-13, 2011.
PILATTI, Luiz A. VLASTUIN, Juliana. Esporte e mídia: projeção de cenários futuros para a programação regional e global. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 10, n. 70, dez. 2004. http://www.efdeportes.com/efd79/midia.htm
PIRES, Giovani de L. Cultura esportiva. In: GONZÁLEZ, Fernando J.; FENSTERSEIFER, Paulo E. (orgs.). Dicionário crítico de Educação Física. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005.
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