Aspectos metodológicos da Educação Física escolar no Brasil: equívocos de uma profissão Aspectos metodológicos de la Educación Física escolar en Brasil: equívocos de una profesión Methodological aspects of the school Physical Education in Brazil: mistakes of a profession |
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EEFM Prof. Paulo Freire, Fortaleza (Brasil) |
Werlayne Stuart Soares Leite |
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Resumo Este trabalho é uma meta análise discursiva de caráter crítico-reflexivo e tem como objetivo discutir sobre os problemas atuais que afligem a Educação Física escolar no Brasil. Atualmente a Educação Física está sofrendo uma desvalorização no espaço escolar, este fato deve-se, principalmente, a dois fatores: a esportivização pelo qual passou sua metodologia durante boa parte do século 20; e os problemas atuais que foram influenciados por estes fatos históricos, onde podemos citar a prática pedagógica de alguns professores que ainda é pautada, principalmente, nas modalidades esportivas, a falta de uma matriz curricular para os conteúdos da disciplina e, também, a visão distorcida de professores de outras disciplinas sobre a Educação Física. O que devemos concluir com estas reflexões é que ainda temos muito a melhorar, para que esta disciplina conquiste de fato seu espaço na escola e nos currículos escolares. Unitermos: Educação Física. Escola. Metodologia.
Resumen Este trabajo es un análisis discursivo de carácter crítico-reflexivo y tiene como objetivo debatir sobre los problemas actuales que afectan a la Educación Física escolar en Brasil. Actualmente la Educación Física está sufriendo una desvalorización en el espacio escolar. Este hecho se debe, principalmente, a dos factores: la deportivización de las clases por el cual pasó su metodología durante buena parte del siglo XX; y los problemas actuales que fueran influenciados por estos hechos históricos, donde podemos mencionar la práctica pedagógica de algunos profesores que aun es pautada, principalmente, en las modalidades deportivas, la escasez de una matriz curricular para los contenidos de la asignatura y, también, la visión distorsionada de los profesores de otras asignaturas sobre la Educación Física. Podemos concluir con las reflexiones que aun tenemos mucho a mejorar, para que esta asignatura conquiste de hecho su espacio en la escuela y en los currículos escolares. Palabras clave: Educación Física. Escuela. Metodología.
Abstract This work is a meta-discourse analysis of reflexive and critical character and aims to discuss the current problems that afflict the school Physical Education in Brazil. Nowadays, Physical Education is suffering a devaluation inside the school environment, it is due, mainly, to two reasons: the sportivization that has gone through its methodology during great part of the twentieth century; and the current problems that have been influenced by these historical facts, where we can cite the pedagogical practice of some teachers that is still regulated, mainly in the sporting modalities, the lack of a curriculum for the course content and also the distorted view of teachers of other subjects on Physical Education. What we must conclude with these reflections is that we still have a lot to improve in order to make this subject gain indeed its space at school and in the school curricula. Keywords: Physical Education. School. Methodology.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 159, Agosto de 2011. http://www.efdeportes.com |
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“Esta não é mais uma carta de amor, são sentimentos soltos traduzidos em palavras,
pra que você possa entender o que eu também não entendo...”
Música “O Que Eu Também Não Entendo” - Jota Quest
“... a natureza é mudança, a parte que nós podemos influenciar, e começa quando nós decidimos...”.
Trecho extraído do filme “Ratatouille”
Introdução
Atualmente, a Educação Física, como disciplina obrigatória integrante da grade curricular brasileira, está sofrendo uma grande desvalorização no espaço escolar. Como afirma Santos (2010), diante do panorama encontrado atualmente nas escolas brasileiras, no que tange à Educação Física como disciplina curricular, torna-se preocupante para nós educadores a importância que a ela se tem dado.
Essa desvalorização ocorre devido a uma ação multifatorial, mas que podemos apontar como principais aspectos: alguns fatores históricos da Educação Física brasileira durante o século 20 e os problemas atuais que foram influenciados por esses fatores históricos. Isto porque, na sociedade contemporânea, toda escola assume a tarefa de sistematizar, transmitir e transformar um saber historicamente produzido. Dentre outras razões, isso ocorre devido à própria natureza da instituição escolar, vista em sua historicidade.
Nesta perspectiva, o que acontece hoje na Educação Física escolar é, dentre outras coisas, resultado de um longo processo histórico e que ainda passa também por uma grande “acomodação” por parte de muitos professores. Para entender como esta área vem sofrendo atualmente com esta desvalorização, faz-se necessário, inicialmente, um resgate histórico dos fatos que ainda influenciam esta realidade.
Breve histórico da Educação Física brasileira no século 20
Dentre os fatores históricos que contribuem para o quadro atual de desvalorização da Educação Física escolar está, em primeiro lugar, sua estreita relação com o esporte, o processo de esportivização pelo qual passou sua metodologia no Brasil, durante grande parte do século 20.
Na visão de González (2005), o termo esportivização pode ser entendido como a união dos propósitos e práticas pedagógicas da Educação Física escolar pela lógica do esporte de rendimento. Bracht (apud González, 2005) aponta que a esportivização acontece quando a Educação Física assume os códigos do esporte de rendimento, e dessa maneira, se tem “[...] não o esporte da escola e sim o esporte na escola...”
Assim entende-se que nesse processo de esportivização da Educação Física:
“o esporte na escola é um braço prolongado da própria instituição esportiva” (Bracht apud González, 2005), fazendo que os papéis dos sujeitos envolvidos no processo de ensino não se diferenciem entre a escola e o clube, adotando uma condição indiferenciada de professor/treinador e aluno/atleta, junto com outros efeitos tais como: seleção dos melhores alunos/atletas em detrimento dos de menor rendimento, especialização dos alunos/atletas em modalidades esportivas, abandono ou subordinação da tematização de outras manifestações da cultura corporal de movimento, organização do programa curricular pautado pelas competições escolares (González, 2005).
Embora já presente (apesar de forma tímida) na Educação Física no século 19, será como seu vertiginoso desenvolvimento no século 20 que o esporte a ela se incorporará. E, em função da importância cultural e político-social que assume ao longo do século 20, torna-se a manifestação da cultura corporal de movimento hegemônica – ele se imporá à Educação Física, a ponto de no senso comum ser plenamente possível confundir Educação Física escolar com prática esportiva, processo que ficou conhecido como a esportivização da Educação Física escolar (Bracht & González, 2005).
Essa influência do esporte no sistema escolar é de tal magnitude que temos, então, não o esporte da escola, mas sim o esporte na escola. Isto indica a subordinação da Educação Física aos códigos/sentidos da instituição esportiva, caracterizando-se o esporte na escola como um prolongamento da instituição esportiva: esporte olímpico, sistema desportivo nacional e internacional. Esses códigos podem ser resumidos em: princípios de rendimento atlético/desportivos, competição, comparação de rendimento e recordes, regulamentação rígida, sucesso no esporte como sinônimo de vitória, racionalização dos meios e técnicas, etc. (Castellani Filho et. al., 1993).
Após a Segunda Guerra, começou a surgir o modelo esportivista, sendo que os principais aspectos abordados pelos professores eram o rendimento esportivo, recordes, competição ao extremo e a vitória no esporte como sinônimo de sucesso pessoal. Nesse momento, a pedagogia tecnicista era a que mais permeava as aulas de Educação Física (Castellani Filho et. al., 1993). Para Soares, Taffarel e Escobar (1993 apud Maldonado & Limongelli) neste momento, o esporte tem espaço garantido em todas as aulas de Educação Física ministrada pelos professores, sendo que os outros conteúdos da cultura corporal do movimento: ginástica, jogo, dança e lutas são colocados de lado no planejamento das mesmas. Com isso, as aulas ficam pautadas nas técnicas e limites físicos que cada modalidade esportiva exigia para que os alunos pudessem realizá-la (Maldonado & Limongelli).
Mas foi, principalmente, durante o regime militar que aumentou a esportivização das aulas de Educação Física. Segundo Betti (1991 apud Maldonado & Limongelli) entre 1969 e 1974 o Brasil observa a associação intensiva do esporte com a Educação Física. Nessa época, a ditadura militar estava implantada no país e os militares passavam a investir forte no esporte. O Brasil começa a participar de competições de alto nível de maneira concreta. Essa estratégia de Estado de conciliar Educação Física e esportes serviu para alienar as pessoas, pois nesse momento a ditadura militar era muito forte no país, e os governantes conseguiam fazer o que queriam sem manifestação da população, muitas vezes mais preocupadas com a copa do mundo do que com os problemas que estavam ocorrendo naquele momento (Maldonado & Limongelli). Nos anos 70, a Educação Física era usada, não para fins educativos, mas de propaganda do governo, sendo todos os ramos e níveis de ensino voltado para os esportes de alto rendimento (Santos, 2010).
Argumentamos [...] que a assimilação do esporte pela Educação Física escolar não só provocou rupturas nos princípios básicos que a orientavam como [...], em função das intersecções sociais do fenômeno esportivo, novos sentidos/significados puderam ser atribuídos à Educação Física escolar, como o de preparar novas gerações para representar o país no campo esportivo (internacional) (Bracht & González, 2005).
Segundo Bracht (2000), o esporte foi escolarizado devido a diversos interesses: o interesse do sistema esportivo em conquistar novos consumidores e ajudar na produção de futuros atletas, o interesse do poder público de que o esporte fosse bem representado em competições internacionais. É importante ressaltar que para esses interesses serem atendidos, o esporte escolar deveria ser realizado com a maior proximidade possível do esporte realizado no alto rendimento. Um dos principais objetivos era a descoberta de novos talentos que pudessem representar o Brasil em competições internacionais e tornar o país uma potência esportiva olímpica e mundial.
O esporte foi elemento importante no quadro brasileiro do período e cumpriu [também], além do aprimoramento físico, a tarefa de desviar a atenção do ambiente coercitivo vivido pelo povo durante a ditadura militar. Dessa forma, o investimento e o apelo feito pelo Estado à instituição esportiva foi na direção do quesito "segurança", por meio do mascaramento da realidade (Santos, 2010). Este modelo ou estes princípios orientadores da Educação Física escolar somente vão sofrer um abalo maior no Brasil na década de 80 do século 20, a partir daquilo que ficou conhecido como o movimento renovador da Educação Física brasileira (Bracht & González, 2005), quando houve uma discussão sobre a identidade da Educação Física escolar.
O campo acadêmico da Educação Física iniciou [...] um movimento denominado de “crise” (Pich & Albano, 2010). Na década de 80 o modelo esportivista começa a ser muito criticado pelos acadêmicos e a Educação Física passa por um período de valorização dos conhecimentos produzidos pela ciência. Neste momento rompe-se, ao menos ao nível de discurso, a valorização excessiva do desempenho como objetivo único da escola (Darido, 2003 apud Maldonado & Limongelli).
Nos anos 80 a Educação Física viveu uma crise existencial à procura de propósitos voltados à sociedade. É a época da Educação Física humanista e da psicomotricidade, abordagem essa que se baseia na interdependência do desenvolvimento cognitivo e motor, critica o dualismo predominante na Educação Física e propõe-se, por meio de jogos e exercícios, contribuir para a educação integral do indivíduo. Nos anos 90 o esporte passa a ser visto como meio de promoção à saúde acessível a todos manifestada de três formas: esporte educação, esporte participação e esporte performance (Santos, 2010).
Na década de 90 a Educação Física escolar passou a ser concebida a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei 9.394/96) como “componente curricular”, deixando de ser considerada uma “prática”. Essa mudança colocou novos desafios para a essa área de conhecimento no campo escolar, qual seja a de construir a sua legitimação a partir de referenciais próprios e não mais externos. Nesse contexto ganha relevância a construção teórica e a apropriação desse referencial como caminho necessário para sustentar o espaço da Educação Física no campo escolar (Pich & Albano, 2010).
Desta forma, fica claro que um processo histórico e longo de esportivização, como o que passou a Educação Física escolar brasileira nos últimos 60-70 anos, não será mudado de repente, de uma hora para outra. Entretanto, nós professores não podemos utilizar este discurso e continuar perpetuando estes ideais tecnicistas e esportivistas. Temos que ter consciência que a Educação Física escolar no Brasil precisa de novos rumos, e para isso, devemos todos nós assumir nossas responsabilidades como agentes transformadores da sociedade.
Principais problemas da educação física escolar na atualidade
Prática profissional de alguns professores de Educação Física
O quadro de propostas pedagógicas em Educação Física apresenta-se hoje bem mais diversificado, embora a prática, fundamentalmente, ainda se paute por uma tradição construída e cristalizada, [principalmente], durante as décadas de 70 e 80 do século 20, quando o ensino das destrezas esportivas e a prática dos esportes (basicamente do futebol, voleibol, basquetebol e handebol) eram o carro-chefe (Bracht & González, 2005). Este fato histórico já converge para um quadro atual de desvalorização da Educação Física na escola por ser considerado muito restritivo e repetitivo. Mas também é importante relembrar que a desvalorização desta disciplina é causada por multifatores, dentre eles pelo próprio professor. Não adianta ficar enumerando apenas fatores históricos, estruturais, organizacionais, etc., e não apontar a parcela de culpa do professor.
Ainda, no imaginário docente está fortemente arraigada a idéia de que o pertencimento da unidade escolar à rede privada ou pública é um fator preponderante na qualidade do trabalho docente. Isso porque as instituições privadas teriam melhores condições estruturais para potencializar a prática docente (Pich & Albano, 2010). Por esse motivo, muitos professores ministram um tipo de aula na escola particular e outra, às vezes muito diferente, na escola pública. Apesar de muitas vezes a escola privada ter melhores condições, o fato de uma escola pública ter menos material ou infra-estrutura não deve ser usado como argumento na prática docente.
Segundo Leite (2009) existe também uma questão de ordem filosófico-metodológica, [pois] muitos professores (principalmente os de escolas e universidades públicas) não têm fiscalização e acabam não se preocupando com planejamento, assiduidade, elaboração de aulas e acham que podem ministrar suas aulas de qualquer forma. É muito mais cômodo não perder tempo e não planejar aula, faltar ou fazer o planejamento de qualquer forma, principalmente se não tem a quem prestar contas. Em muitos casos, esta ainda é uma realidade para muitos professores.
Isso tudo, aliado à falta de compromisso e ética de alguns profissionais, acabou por denegrir a imagem da Educação Física na escola, desqualificando-a a ponto de se questionarem sua validade e contribuição na formação holística do indivíduo. Ou seja, necessitava-se averiguar se o trabalho desenvolvido pelos professores vem atingindo seu objetivo de provocar mudança no saber do aluno e se esse saber é utilizado na vida prática de cada um (Mazini Filho et al., 2010).
Falta de uma matriz curricular, de um objeto de estudo definido
Atualmente, do ponto de vista legal, a Educação Física é vista como uma área de conhecimento relevante na formação do cidadão que acontece na instituição escolar (Pich & Albano, 2010). Entretanto, um dos principais problemas da Educação Física escolar na atualidade (senão o principal), como disciplina obrigatória integrante da grade curricular, é a falta de um objeto de estudo definido para esta disciplina durante todos os anos do ensino, principalmente para o ensino médio. Assim como acontece em outras disciplinas como a Matemática, a História, a Geografia, dentre outras, onde existe uma grade curricular com todos os conteúdos a serem estudados durante todas as séries do ensino fundamental e médio, na Educação Física não existe de forma unificada esta divisão curricular de conteúdos. Para Pich e Albano (2010) a legitimação da Educação Física enquanto “componente curricular” conta ainda com sérios problemas, devido à fragilidade em sustentar uma proposta pedagógica consistente.
Segundo Vygotsky (apud Mazini Filho et al., 2010), percebe-se que os profissionais encontram certa dificuldade em posicionarem-se ou adotarem metodologias de trabalho adequadas e condizentes com sua clientela, dada a diversidade de opiniões, experiências pessoais e estudos realizados na área. Tais profissionais vêm confundidos por diferentes tendências e abordagens pedagógicas. Esta “confusão” persegue a Educação Física desde sua inclusão como componente curricular obrigatória no Ensino Fundamental e em outros níveis de ensino, pois, por vezes, faltou-lhe objetividade e clareza na exposição e definição de seus conteúdos específicos, fato este que dificultou a firmação de sua identidade, com função e características própria.
Os atores do campo escolar demonstram ainda sérios problemas na construção de um processo argumentativo baseado em uma sólida apropriação teórica, que permita orientar a sua prática pedagógica. Isto é, tanto de conceituar a área de conhecimento à qual pertencem, bem como de identificar os saberes e os objetivos que a caracterizam. Lamentavelmente ainda vemos que a qualidade do professor de Educação Física escolar [geralmente] depende do sucesso alcançado pelas equipes da escola em competições esportivas escolares ou pela disposição do professor em colaborar com outras disciplinas escolares, ou, ainda, pela disponibilidade do docente para organizar e preparar os alunos para as festas folclóricas que anualmente são organizadas na escola (Pich & Albano, 2010).
A Educação Física hoje nas escolas muitas vezes tem se tornado apenas um momento de descontração. Não há uma valorização desta disciplina no currículo escolar. A escola e os profissionais não conseguem justificá-la ou mesmo dar-lhe uma identidade própria capaz de inseri-la no contexto escolar como disciplina com finalidades, objetivos, conteúdos e métodos eficazes para a formação de indivíduos autônomos. Essa realidade precisa se mudada (Santos, 2010).
Geralmente indica que deve-se estudar a motricidade humana, o corpo e sua relação com a sociedade, os esportes, etc. Entretanto, o que realmente existe é um discurso bonito e, ao mesmo tempo, vago. Na verdade não existe uma matriz curricular, uma divisão destes conteúdos, que são amplos e abrangentes, entre as séries e níveis de ensino. Ou seja, o conteúdo que o professor pode trabalhar no 1º ano do ensino médio, pode ser o mesmo trabalhado também no 2º ou no 3º ano, e isso acontece geralmente quando ocorre mudança de professores, de uma série para outra, ou mudança de uma escola para outra.
Atualmente, apesar de serem sugestões, e nem sempre bem definidas, estão surgindo e/ou tentando-se aperfeiçoar alguns modelos propostos de matrizes curriculares para a Educação Física escolar (como em São Paulo, Goiás, etc). Entretanto, estes modelos ainda estão longe de serem bem definidos. Uma destas propostas é a Coleção Escola Aprendente, no estado do Ceará, onde são propostas as matrizes curriculares para o ensino médio “[...] com a intenção de direcionar uma organização do currículo, constituída por competências/habilidades, de forma a orientar as escolas da rede pública” (Ceará, 2008).
Entretanto, estas matrizes têm conteúdos muito parecidos durantes todos os 3 anos do ensino médio e também parecidos durante os 4 bimestres de cada ano letivo, ou seja, os conteúdos que podem ser estudados, praticamente se repetem durante todo o ensino médio, o que muda é uma coisa ou outra. O conteúdo que aparece para ser estudado, repetitivamente, em todos os 12 bimestres (3 anos x 4 bimestres/por ano) do ensino médio são os esportes.
A visão “limitada” de professores de outras disciplinas e da sociedade
Dentro do ambiente escolar, geralmente a direção das escolas e os professores de outras disciplinas também desvalorizam a disciplina de Educação Física por achar que esta não contribui de forma importante com a aquisição de conhecimentos e a educação dos alunos. A visão de muitos destes profissionais é que esta disciplina serve apenas para os alunos “jogarem bola” e se divertirem. O discurso de alguns professores, de outras disciplinas, é que é muito fácil ser professor de Educação Física, afinal, é apenas jogar uma bola para os alunos e está ministrada a aula. Esta visão também é a mesma que a maioria da população, infelizmente, ainda tem da disciplina.
Muitas instituições educacionais, principalmente as de ensino público, preocupam-se apenas com a inclusão desta disciplina no currículo, já que é obrigatória por lei, sem ter qualquer preocupação com a qualidade da mesma. Na verdade, atualmente, pouca ou nenhuma importância é atribuída a essa disciplina nas escolas. Ela é vista apenas como uma forma de descontração e lazer no ambiente escolar. Muitas vezes nem espaço garantido tem no Projeto Político Pedagógico da escola. Então, o que dizer do espaço físico a ela destinado? (Santos, 2010).
Segundo Darido (2005), é importante salientar que a Educação Física, ao longo de sua história, ao contrário das demais disciplinas escolares, priorizou os conteúdos numa dimensão quase que exclusivamente procedimental, o saber fazer e não o saber sobre a cultura corporal ou como se deve ser, embora esta última categoria aparecesse na forma de currículo oculto. Já segundo Mazini Filho (et al., 2010), no contexto atual, a Educação Física deixou de ser aula onde os alunos “apenas” brincavam ou jogavam para ocupar o tempo (já que estava assegurada no currículo); ou quando muito, servia para auxiliar o trabalho desenvolvido em outras disciplinas.
Esse quadro precisa ser mudado. Os professores precisam engajar-se na luta por melhorias para a Educação Física no currículo escolar, uma vez que sua inserção na educação é garantida por lei e por a mesma estar no mesmo patamar das demais disciplinas. E a melhor maneira para promover essas melhorias é participando ativamente da vida escolar, começando pelo desenvolvimento do PDE. O professor de Educação Física deve participar dessa elaboração tão fundamental ao desenvolvimento da escola e da formação de alunos; deve se preocupar com seu ambiente de trabalho (o espaço destinado às aulas de Educação Física); [com seu planejamento; dentre outras coisas] (Santos, 2010).
A Educação Física escolar pretendida: ficaremos apenas no discurso?
Outro problema da Educação Física é que existe uma diferença muito grande de discursos, entre o que se propõe e realmente o que acontece na prática. Na realidade existe uma grande diferença entre o discurso escrito e falado e a realidade das escolas brasileiras. Muito se fala e, na verdade, pouco se faz...
Devemos primar por uma educação diferenciada, capaz de valorizar essa disciplina que só tem a contribuir com a formação de um individuo autônomo, dono de sua história e de seus atos. É de metodologias diferenciadas que precisamos para as aulas? É de embasamento teórico para aprimorar nossa práxis? Se a problemática da Educação Física escolar está pautada nestes conflitos então tomara que possamos refletir e criar novas propostas de intervenção para mudarmos a realidade de ensino-aprendizagem do currículo educacional escolar (Santos, 2010).
Como afirma Oliveira (apud Mazini Filho et al., 2010), vemos como é grande a responsabilidade da instituição escolar e do professor. Também a Educação Física, enquanto disciplina curricular, tenta resgatar sua função integralista no desenvolvimento do futuro cidadão. Tem amplas e ricas possibilidades de trabalhar as mais diversas inteligências (motora, lógico-matemática, musical, artística, etc.), utilizando diferentes metodologias que favorecem o desenvolvimento das mais diversas potencialidades, desafiando limites.
Se analisarmos bem o papel da Educação Física, se o trabalho for bem executado pelo professor, esta é a principal disciplina na formação de valores e habilidades nos alunos. De um modo geral, além de possibilitar o desenvolvimento da parte intelectual do aluno (assim como faz a Matemática, a História, a Geografia, etc.), esta é a única disciplina que pode desenvolver também a parte física (motora).
Dentre todas as disciplinas do currículo escolar, a Educação Física é uma das mais privilegiadas [...]. É a única disciplina que pode, com tamanha liberdade, envolver o movimento e o sentimento humanos, dando-lhes os enfoques de acordo com os mais variados objetivos. Além disso, a criança sente necessidade de movimentar-se, extravasar suas energias, muitas vezes acumuladas em extenuantes horas passadas em cima de uma cadeira na sala de aula [...] (Mazini Filho et al., 2010).
Como se por si só não bastasse o desenvolvimento motor, seguramente tem função definida nos desenvolvimentos afetivo e cognitivo, sendo a disciplina que, possivelmente, mais pode contribuir na formação integralista do indivíduo. E mais, poucas disciplinas podem e conseguem, com tamanha facilidade, abranger tantos conteúdos e objetivos, numa só aula onde os alunos mais se sentem livres para poderem se expressar, tomar decisões, experimentar situações, se tocarem e darem vazão a seus sentimentos. Chegou a hora de recuperar o que lhe é devido, retomar seu espaço (Mazini Filho et al., 2010).
O objetivo desta disciplina deve ser além de mera diversão ou descontração, ela contempla, assim como as outras, a formação de indivíduos autônomos. Traçando metas para o desenvolvimento dos aspectos biológicos, na preparação da parte física, do aspecto psicológico, aumentando sua auto-estima e do aspecto sociológico, proporcionando ao aluno subsídios para sua sociabilidade (Santos, 2010).
Desse modo, se quisermos ser honestos conosco mesmos e com a comunidade da Educação Física, devemos apontar qual é o nosso projeto de Educação Física, e como o vivenciamos e perseguimos no ensino, na pesquisa e na extensão. Mas se continuarmos a negar a possibilidade de redescoberta do projeto da Educação Física a partir do seu próprio interior, condenamo-nos a realizar os projetos dos outros: descobrir os futuros "craques" do esporte (o projeto das mídias), compensar as mazelas de uma sociedade violenta e desigual (o projeto dos políticos profissionais), ou produzir conhecimentos abstratos para a "Ciência" (o projeto ainda hegemônico na comunidade científica) (Betti, 2005a).
Nesta perspectiva, os professores devem:
“[...] ser responsáveis por um saber que extrapola em muito um conjunto de técnicas corporais, alcançando, inclusive, um saber de caráter conceitual que se refere ao conhecimento que temos sobre estas práticas corporais (conhecimentos fisiológicos, sociológicos, filosóficos, etc.), saber esse que o professor deve mobilizar para produzir esclarecimentos sobre o mundo a partir e com a cultura corporal de movimento, o que, convenhamos, para quem entendia que sua função era apenas levar os alunos a uma exercitação física e/ou esportiva, se apresenta como um grande desafio. Não obstante, muitas experiências inovadoras estão sendo construídas por esses mesmos professores, embora a tradição da Educação Física esportivizada ainda se mantenha enraizada em muitos pátios escolares” (Bracht & González, 2005).
Assim, a aula de Educação Física escolar deixa de ser um momento no qual os alunos deveriam desenvolver as capacidades motoras constitutivas da aptidão física ou das capacidades e habilidades motoras voltadas ao rendimento esportivo, para se tornar um espaço de apropriação de conhecimento sobre as práticas da cultura corporal de movimento (Pich & Albano, 2010).
Enquanto os profissionais da Educação Física não abrirem os olhos procurando penetrar em sua realidade de forma concreta através da reflexão crítica e da ação, não serão capazes de promover conscientemente o homem a níveis mais altos de vida, contribuindo assim com sua parcela para a realização da sociedade e das pessoas em busca de sua própria felicidade (Medina apud Santos, 2010). Só assim a Educação Física poderá redescobrir sua tarefa educativa. Só assim a Educação Física, sob um fundo de natureza, poderá, conforme expressão colhida em Carmo Júnior (apud Betti, 2005b) tornar-se elemento dinâmico da cultura, e não mera técnica de intervenção sobre o físico. Só assim ela será tanto educação como física (Betti, 2005b).
Reflexões finais
Por todos esses motivos é que a Educação Física ainda sofre de uma visão errônea sobre sua importância. É natural que ainda demore um tempo para que esta visão possa ser mudada. Afinal, um longo processo histórico não é completamente mudado de um dia para o outro. Entretanto, se quisermos realmente sermos reconhecidos como educadores, não podemos apenas esperar e/ou ficarmos olhando, temos que ser agentes ativos nesse processo de mudança.
A aula de Educação Física deve ser o momento de o aluno ter contato com várias formas de manifestações da cultura corporal. No aspecto motor, não devemos permitir apenas que sejam feitas as modalidades esportivas, afinal, não é uma aula de futsal, de voleibol ou de handebol, é uma aula de Educação Física. No aspecto afetivo, devemos permitir a manifestação dos sentimentos dos nossos alunos.
Nós, educadores e profissionais de Educação Física devemos mudar nossas ações pedagógicas, pautadas na crítica reflexiva de nossos atos educacionais, para que essa disciplina possa alcançar o valor que realmente tem para qualquer ser humano. Afinal, somos agentes renovadores e transformadores de uma comunidade escolar e conseqüentemente de toda uma sociedade. Portanto, cumpramos esse papel que cabe a cada um de nós (Santos, 2010).
Bibliografia
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