Corrida de rua e sociabilidade Carreras de calle y sociabilidad |
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*Discente do Departamento de Educação Física **Docente Doutor do Departamento de Educação Física Instituto de Biociências. Campus de Rio Claro (Brasil) |
Marcelo Augusti* Carmen Maria Aguiar** |
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Resumo A corrida de rua é a modalidade esportiva que mais se desenvolveu nas principais cidades do mundo. No Brasil, tomou impulso a partir da década de 1990 e se consolidou, nos últimos dez anos, como prática cultural urbana que mais tem evoluído em número de participantes ou em eventos realizados. Ao se estabelecer como manifestação cultural da cidade contemporânea, a corrida possibilitou uma nova dinâmica para a função social da rua como meio propício à interação entre desconhecidos. O objetivo deste artigo é promover o debate sobre a corrida de rua como possibilidade de experiência urbana favorável à sociabilidade. Unitermos: Corrida de rua. Sociabilidade. Experiência urbana.
Abstract The street run is the sporting modality that more it grew in the main cities of the world. In Brazil, it took pulse starting from the decade of 1990 and it consolidated, in the last ten years, as urban cultural practice that more has been developing in number of participants or in accomplished events. When settling down as cultural manifestation of the contemporary city, the run made possible a new dynamics for the social function of the street as half favorable to the interaction among ignored. The objective of this article is to promote the debate on the street run as possibility of favorable urban experience to the sociability. Keywords: Street Run. Sociability. Urban experience.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 159, Agosto de 2011. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
A corrida de rua é um fenômeno urbano que se inicia a partir dos anos 1970, nos Estados Unidos, principalmente com o advento do jogging, e consolida-se nesse início de século, no Brasil, como prática cultural urbana que mais tem se desenvolvido nesse início de século.
O grande número de adeptos e de eventos organizados dessa modalidade esportiva aponta para o fato de que, entrementes às pesquisas de caráter biológico ou de rendimento atlético, pouco se diz na área das ciências humanas sobre o tema. Entretanto, a sua representatividade social no cenário urbano é algo relevante, principalmente no que concerne à sociabilidade e às formas de ocupação dos espaços públicos, o que a torna digna de consideração em pesquisas de caráter cultural.
Na busca da compreensão dos significados desta prática cultural contemporânea, o presente artigo tem como objetivo proporcionar um breve olhar sobre a corrida de rua como modalidade esportiva aberta à participação popular, e o modo como a interação corrida-rua pode contribuir como experiência urbana favorável à sociabilidade.
A corrida e a sociabilidade
A corrida de rua, modalidade esportiva também conhecida como pedestrianismo, é uma prática cultural que mais tem se desenvolvido nos principais centros urbanos do mundo. Originada na Inglaterra do século XVIII, obteve popularidade principalmente após maratona1 realizada nos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, em Atenas, 1896. Considerado como o mais comum e praticado dos exercícios físicos, a corrida está associada à promoção de um estado de euforia em seus praticantes e ao prazer em competir e vencer (NEWSHOLME, 2006).
É a partir da década de 1970, nos Estados Unidos, principalmente com o advento do jogging e a contribuição decisiva do Dr. Kenneth Cooper2 que o desenvolvimento da modalidade alcançou índices surpreendentes e a sua expansão ocorreu na direção de vários países. No Brasil, tomou impulso a partir de meados da década de 1990 e se consolidou, definitivamente, nos últimos dez anos, com modalidade esportiva e prática cultural urbana que mais tem evoluído em número de participantes ou em eventos realizados.
O sucesso da corrida de rua e o lugar de destaque que ocupa dentre as práticas culturais urbanas na atualidade são decorrentes de diversos fatores, que tanto podem ter como causa a sua popularização ou a sua elitização. Pode tratar-se de algo objetivado, um produto das invenções históricas gerados pelas metamorfoses culturais dos gostos, que promove a paixão súbita pelo reencontro fantástico entre uma espera e a sua realização (BOURDIEU, 1983), como uma oferta irrecusável que preenche a lacuna de uma possível associação entre vida saudável e competitividade.
A busca pela qualidade de vida talvez seja o maior atrativo oferecido pela corrida de rua atualmente. Isso porque correr na rua não é apenas exercício físico. Trata-se, antes de tudo, do ser humano em ação, o que compreende a relação entre corpo e movimento no contexto sociocultural. É por razões diversas que ela integra a agenda de pessoas de várias idades, de ambos os sexos, de padrões econômicos, socioculturais e profissões distintas, seja por questões relacionadas à saúde, à estética, ao lazer ou ao desempenho esportivo.
Mas, afinal, por que as pessoas correm? Por que a corrida de rua exerce tanta influência no cotidiano das pessoas? Como manifestação cultural tipicamente urbana, a corrida de rua não se tornou um atrativo para a sociedade moderna apenas e unicamente por ser transformada em valor mercadológico pelo capital e seus vínculos com a mídia. Muito mais do que isso trata-se de uma atividade livre, incerta, improdutiva e fictícia que, apesar de delimitada e regulamentada, proporciona a fuga da realidade. Trata-se, portanto, de um jogo, um algo lúdico que encanta, persuade e arrebata (CAILLOIS, 1990).
Esse jogo, proporcionado pela interação corredor-rua, exercita a subjetividade humana, pois para se jogar não é necessário outro jogador / corredor, mas algo que responda de contra-golpe às tentativas do jogador em superar o desafio. Isso é o jogo, que permite a quem joga a opção do decidir-se por isto ou aquilo na circunstância tal ou qual, e de jogar apenas seriamente com possibilidades reais e que são proporcionadas pela liberdade inapelável e restrita do risco da escolha (GADAMER, 1999).
No contexto do lúdico que arrebata ela é capaz de mobilizar forças extraordinárias da capacidade humana para a realização de um desejo que não se satisfaz nunca – o desafio da superação, o irracional e o instintivo que prevalece; a corrida de rua está para além do bom senso. Como exemplo dessa corrida-jogo, veja-se o caso do corredor que se depara com condições adversas (clima, relevo), e que se apresentam como contragolpes às suas tentativas de superação: ele terá que decidir por si só o que fazer, como fazer e quando fazer, pois disso dependerá o seu triunfo ou revés.
Ao se estabelecer como manifestação cultural da cidade contemporânea, a corrida possibilitou uma nova dinâmica para a função social da rua – um lugar não apenas de trabalho, comércio e que serve apenas para o incessante fluxo de veículos motorizados ou o local do desencontro de um amontoado de seres humanos, porém, como meio propício à sociabilidade3. A interação entre os indivíduos na busca de determinadas finalidades é o que define a sociabilidade. Deste modo, o indivíduo, ao correr pelas ruas da cidade, recria o espaço urbano e amplia as suas possibilidades de usos e costumes, onde a rua se apresenta como palco e cenário da busca de um mundo melhor – a esperança da melhor qualidade de vida, da aventura e da realização pessoal.
A rua, portanto, é o espaço público onde transcorrem as relações sociais entre os corredores, o local onde eles vivenciam suas semelhanças e diferenças socioculturais. É o palco da expressão da sociabilidade entre os corredores, o termo comum para o cumprimento de tarefas semelhantes (completar o percurso da disputa), em meio a objetivos distintos (vitória, recorde pessoal, estética, lazer, saúde e qualidade de vida, etc.).
Como suporte de sociabilidade para os corredores, a rua adquire significados para além do senso comum. Ela se estabelece como o ponto de encontro entre desconhecidos e do reconhecimento de uma diversidade de usos e costumes proporcionados pela desigualdade social e cultural. É assim que a corrida, que tem a rua como palco e cenário de sua manifestação, possibilita aos corredores o fenômeno da sociabilidade urbana. Esta deve ser capaz de romper com as barreiras sociais, culturais e econômicas que, em outras situações do cotidiano, se erguem imponentes e intransponíveis entre os indivíduos. (MAGNANI, 1993).
É esta sociabilidade, onde os indivíduos compartilham ações no instante mesmo em que ocorrem e em condições semelhantes e que exige a percepção do outro enquanto um corpo que interage comigo no tempo-espaço de um ambiente comum em meio às diferenças individuais (BAUMAN, 2001), que proporciona elementos interessantes para a reflexão acerca da corrida de rua enquanto experiência urbana no contexto de uma prática cultural.
Considerações finais
A corrida de rua proporciona aos corredores a possibilidade de uma experiência urbana distinta daquilo que se observa na regularidade do cotidiano (a rua como incessante fluxo de carros, pessoas que se esbarram e não se percebem, local de exposição de mercadorias, oportunidades), pois ela transforma a rua em espaço público aberto à participação popular – um suporte para a sociabilidade urbana.
Pensar a corrida de rua como expressão de uma experiência urbana que se manifesta como prática cultural, para além de uma modalidade esportiva, é a possibilidade de compreender seus significados sociológicos e antropológicos. Para tanto, torna-se fundamental que a corrida de rua seja vista como símbolo representativo de valores, condutas, usos e costumes que se manifestam no contexto de uma pluralidade sociocultural tipicamente urbana.
Para o profissional da Educação Física, é neste contexto que uma nova perspectiva deve ser adotada diante do fenômeno corrida de rua. Uma abordagem que lhe seja capaz de superar a condição de simples orientador técnico e, com uma participação observante, transformar o familiar em estranho, superar o senso comum e fazer da corrida um instrumento para o autoconhecimento e para a liberdade da busca de si mesmo.
Notas
Evento competitivo tradicional, na distância de 42,195 km, que remonta à guerra entre gregos e persas. Diz a lenda, que o soldado grego Felidípedes correu aproximadamente 40 km pelo planalto de Maratona até Atenas, para dar a notícia da vitória dos gregos sobre os inimigos.
Médico norte-americano, entusiasta do exercício físico como fator de prevenção de doenças, com várias pesquisas realizadas, principalmente nas décadas de 1970-80, e inúmeras publicações sobre a tríade atividade física-saúde-corrida.
Contrapondo-se a idéia de Henry Lefebvre: Lugar de encontro? Talvez, mas quais encontros? Superficiais. Na rua, caminha-se lado a lado, não se encontra. É o “se” que prevalece. A rua não permite a constituição de um grupo. De um “sujeito”, mas se povoa de um amontoado de seres em busca. De quê? O mundo da mercadoria desenvolve-se na rua. (A vida cotidiana no mundo moderno, São Paulo: Editora Ática, 1991).
Referências bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar: 2001.
BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1993.
CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. A rua e a evolução da sociabilidade. Cadernos de História de São Paulo 2, Jan/Dez, 1993.
NEWSHOLME, Eric. Corrida: ciência do treinamento e desempenho. São Paulo: Phorte Editora, 2006.
SALGADO, José Vitor Vieira; CHACON-MIKAHIL, Mara Patrícia Traina. Corrida de rua: análise do crescimento do número de provas e praticantes. CONEXÕES, Revista da Faculdade de Educação Física da Unicamp, Campinas, v. 4, n. 1, 2006 – ISSN 1983 – 9030, 2006.
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