Adequações, dificuldades e auxílios necessários para o engajamento de um autista em atividade motora Adecuaciones, dificultades y ayudas necesarias para la participación de una persona con autismo en la actividad motora |
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*Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente Professora do Curso de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) **Mestre em Ciência do Movimento Humano ***Doutor em Ciência do Movimento Humano |
Angela Teresinha Zuchetto* Cristiani de França** John Nasser*** (Brasil) |
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Resumo O objetivo deste estudo foi verificar a necessidade de adequações, dificuldades e auxílios necessários para o engajamento de uma pessoa com autismo em um programa de atividade motora adaptada. O participante, do sexo masculino, foi acompanhado no programa durante três anos. Para a coleta de dados utilizou-se: entrevistas com os pais; filmagens das aulas, registro cursivo e notas de campo. Foram analisadas 16 aulas com diferentes atividades e níveis de complexidade. Analisaram-se os dados através de uma matriz que verifica a capacidade do sujeito em realizar as atividades, principais dificuldades e a necessidade de auxílio pessoal e de objetos durante as tarefas. Foi possível observar que não houve necessidade de mudanças ou adaptações específicas para o seu engajamento efetivo nas atividades. As dificuldades apresentadas foram em atividades que exigiam coordenação, equilíbrio, saltos, ritmo, assim como, as que necessitavam interagir com diferentes objetos e seus pares. Estas foram minimizadas com a presença de um auxiliar acompanhando e incentivando ao longo das aulas. As dificuldades apresentadas justificam a participação efetiva em programas de atividade motora, que pode auxiliar no desenvolvimento motor, assim como na aprendizagem e prática das habilidades sociais e comunicativas. Unitermos: Autismo. Atividade motora adaptada.
Resumen El objetivo de este estudio fue verificar la necesidad de adecuaciones, las dificultades y las ayudas necesarias para lograr la participación de una persona con autismo en un programa de actividad motora adaptada. El participante, de sexo masculino, fue acompañado en el programa durante tres años. Para la recolección de datos fueron utilizadas: entrevistas con los padres, filmaciones de las clases, registro de la conducta y notas de campo. Fueron analizadas 16 clases con diferentes actividades y niveles de complejidad. Se analizaron los datos a través de una matriz que verifica la capacidad del sujeto para realizar las actividades, las principales dificultades y las necesidades de asistencia personal y de objetos durante las tareas. Fue posible observar que no hubo necesidad de modificaciones o adaptaciones específicas para comprometer efectivamente al sujeto en las actividades. Las dificultades se presentaron en actividades que exigían coordinación, equilibrio, saltos, ritmos, y también en las que se requería que el sujeto interactúe con objetos o con sus pares. Estas fueron minimizadas con la presencia de un auxiliar que acompañó e incentivó al sujeto a lo largo de las clases. Las dificultades presentadas justifican la participación efectiva en programas de actividad motora, que puede colaborar en el desarrollo motor, así como en el aprendizaje y la práctica de las habilidades sociales y comunicativas. Palabras clave: Autismo. Actividad motora adaptada.
Apoio: PIBIC/CNPq-UFSC. Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão - RPE/UFSC, AMA / CDS / UFSC.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 158 - Julio de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou autismo é um dos mais conhecidos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD). Klin (2006), considerando dados de estudos epidemiológicos realizados no mundo todo, indica a prevalência de um indivíduo com autismo para cada mil nascimentos, com proporções médias de cerca de três a quatro meninos para cada menina. No Brasil há somente uma estimativa de 2007, indicando a existência de um indivíduo com este transtorno para cada 190 habitantes (JUNIOR, 2010). Desde a década de 60, os índices de prevalência vêm aumentando, credita-se a mudanças dos diagnósticos, como por exemplo: adoção de definições mais amplas, conscientização sobre as diferentes formas de manifestação, melhor diagnóstico de casos sem deficiência mental e investigação com base populacional (KLIN, 2006).
Os indivíduos com TGD caracterizam-se por apresentarem uma interrupção precoce dos processos normais de desenvolvimento das habilidades de socialização; comunicação e presença de estereotipias comportamentais, de interesses ou atividades, sendo que estas características apresentam-se antes do três anos de idade (DSM-IV-TR - APA, 2002; KLIN, 2006). É importante salientar que a maioria das crianças autistas não apresenta atraso em todas as áreas de desenvolvimento e que muitas possuem “um ou mais comportamentos disfuncionais por breves períodos de tempo ou em situações específicas” (BOSA, 2006, p. 48).
É importante salientar que um diagnóstico de TEA requer a presença de seis critérios comportamentais, sendo que, ao considerar os três agrupamentos de distúrbios: (1) prejuízo qualitativo nas interações sociais, (2) prejuízo qualitativo na comunicação e (3) padrões restritivos repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, a criança deve apresentar pelo menos dois de (1), um de (2) e um de (3) (APA, 2002). As crianças apresentam, na primeira infância, uma dificuldade de brincar em grupo ou desenvolver laços de amizade que é observada quando é incapaz ou deixa de participar e envolver-se ativamente em brincadeiras espontâneas, jogos sociais e simbólicos (LEBOYER, 1995; SCHEUER, 2002; LOOVIS, 2004). Além disso, podem apresentar atrasos ou déficits no desenvolvimento do comportamento motor e aquisição de habilidades motoras finas e amplas (OZONOFF et al., 2008; PAN, TSAI e CHU; 2009; ZACHOR, ILANIT e ITZCHAK, 2010), que podem ser exacerbadas devido às reduzidas oportunidades de se engajarem em programas de atividades motoras (LANG et al, 2010).
Estes déficits, associados ao transtorno do espectro autista, podem limitar as oportunidades de desempenhar com sucesso atividades físicas regulares com seus pares, além de interferir na motivação para a prática e refinamento destas habilidades (PAN, TSAI e CHU; 2009). Até hoje não existe um tratamento que seja capaz de curar o autismo e as abordagens são realizadas atendendo as especificidades de cada indivíduo, podendo ter impactos diferenciados.
Estudos demonstram a importância da prática de atividades físicas regulares para pessoas com deficiência (FRANÇA e ZUCHETTO, 2004; BLOCK e OBRUSNIKOVA, 2007, ZUCHETTO, 2008; SCHMITT et. al., 2011), pois além de promoverem o funcionamento adequado dos sistemas corporais, necessário a produção de movimentos desejados, busca proporcionar também um ajustamento social do indivíduo, estímulo à criatividade, liberdade de auto-expressão, assim como a habilidade de explorar, descobrir e entender o mundo ao seu redor (ADAMS, DANIEL, MC CUBBIN e RULLMAN, 1985). Estudos realizados com indivíduos com autismo destacam que a participação em atividades físicas auxilia na diminuição de estereotipias gestuais e comportamentos agressivos, e melhora não só o engajamento nas atividades, mas também, o comportamento motor (LANG et. al., 2010).
O que diferencia esses programas é a organização, procedimentos e regras empregadas pelo profissional de Educação Física. Por isso a importância de planejar e executar programas de intervenção motora, assim como propostas pedagógicas na Educação Física, e considerar as reais necessidades e possibilidades da pessoa a fim de efetivar o engajamento nas atividades motoras (ZUCHETTO, 2008). Cabe aos educadores aperfeiçoar a aprendizagem dos alunos (SCHMITT et. al., 2011) e descobrir novas possibilidades de atividades adequadas (SILVEIRA e ZUCHETTO, 2002), criando ambientes favoráveis à prática pedagógica. Como sugerem Lang et. al. (2010), após revisão sistemática sobre exercício físico e indivíduos com TEA, uma área importante para futuras pesquisas envolve a avaliação de diferentes procedimentos usados para a aprendizagem de exercícios e a prática regular de atividade física. Por isso, considerando o respeito às possibilidades da pessoa, constitui-se como objetivo da pesquisa verificar a necessidade de adequações, dificuldades e auxílios necessários para o engajamento de uma pessoa com autismo em um programa de atividade motora adaptada.
Métodos
Estratégia de pesquisa
Essa pesquisa, caracterizada como descritiva, qualitativa e longitudinal, foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade sede do programa, sob processo n° 165/05. Os responsáveis pelo participante assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Contexto do estudo
O contexto escolhido para a realização da pesquisa foi um programa de atividade motora adaptada, em por uma Universidade Pública que oferece suas dependências e ações gratuitamente, desde março de 1995. Em toda sua trajetória, procurou se fundamentar na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O programa tem como objetivo: oferecer atividades motoras adaptadas a pessoas com deficiência; oportunizar vivências práticas aos alunos do curso de Educação Física com esta população; estimular processos de educação continuada; desenvolver pesquisas na área de atividade motora adaptada e elaborar material didático. Tem como pressuposto teórico a questão de que “toda criança é capaz de aprender e todo professor é capaz de ensinar” (ZUCHETTO, 2008, p. 69). As atividades propostas ocorrem em dois encontros semanais e pretendem desenvolver os aspectos orgânicos, neuromusculares, interpretativos, sociais e emocionais propostos por Adams, Daniel, Mc Cubbin e Rullman (1985).
Participante
A escolha do participante foi intencional em razão de ter Transtorno do Espectro Autista e por participar do programa há mais de três anos. Neste estudo o participante, do sexo masculino, foi acompanhado no programa dos 10 aos 13 anos de idade, e no mesmo período frequentou instituições especializadas, participando de atividades como ecoterapia e o ensino fundamental em classe regular.
O participante se caracteriza como educado, pouco cooperativo, muito teimoso, alegre, receptivo e carinhoso. Não apresenta comportamentos agressivos ou egoístas. É dócil, pouco independente e não é possessivo. Possui uma boa memória, gosta de rotina, cantar, ouvir música e de assistir televisão. Nas suas atividades de tempo livre joga videogame, mexe no computador e assiste vídeos de desenhos.
Participaram das aulas analisadas, alunos com diferentes deficiências e graus de comprometimento, a professora coordenadora do programa e acadêmicos do curso de graduação em educação física denominados: ministrantes das aulas, auxiliares, bolsistas de pesquisa, extensão e monitoria, procurando manter a proporção de um acadêmico para cada criança, considerada ideal no programa.
Coleta dos dados
Para a coleta de dados, recorreu-se ao banco de dados do programa (ZUCHETTO, 2008), utilizando para este estudo: entrevistas com os pais para caracterização do participante; filmagens das aulas, registro cursivo e notas de campo. No programa todas as aulas são filmadas e estas permitem a obtenção das descrições detalhadas dos fenômenos observados através dos registros cursivos, que consiste na transcrição de todas as ocorrências, inclusive os diálogos, minuto a minuto. As notas de campo são anotações não sistematizadas de conversas informais com os pais, observações realizadas e fatos que chamam atenção do pesquisador no contexto das atividades, independentemente do seu grau de relevância aparente (ZUCHETTO, 2008). Assim, cria-se o banco de dados que contém os planejamentos de todas as aulas ocorridas no semestre (nome dos participantes presentes, nome das atividades propostas, objetivos das atividades, tempo total da aula, duração de cada atividade e materiais necessários).
Análise dos dados
Optou-se por analisar seis aulas no primeiro ano (Ano 1), quatro no segundo (Ano 2) e seis no terceiro (Ano 3), totalizando 16 aulas com diferentes atividades e níveis de complexidade. Os níveis de organização e complexidade das atividades propostas aumentaram gradativamente do primeiro para o terceiro ano.
Os dados foram analisados descritivamente, de acordo com uma matriz de análise, proposta por Zuchetto (2001). Com esta, é possível verificar a capacidade do sujeito em realizar as atividades, principais dificuldades e a necessidade de auxílio pessoal e de objetos durante as tarefas, comportando 12 categorias, entre elas: conseguiu realizar a atividade, que se refere a executar a atividade corretamente ou de acordo com suas possibilidades; não conseguiu realizar a atividade, onde, mesmo sendo incentivado por um acadêmico, não realiza a atividade; não realizou a atividade por outro motivo, que se refere a não executar a atividade por motivos variados, como por exemplo: estar fora do foco da filmadora ou não estar presente no momento de execução da atividade; precisou de auxílio de outra pessoa, quando necessita da ajuda de um acadêmico ou de um aluno participante; precisou de auxílio de um objeto, onde o aluno necessitou da utilização de um objeto para que ele executasse a atividade; dificuldade em manter-se em pé, sem apoio; dificuldade na execução de atividades que exigem habilidade de equilíbrio estático e dinâmico; dificuldade durante a execução das atividades de sentar e levantar; dificuldade em caminhar; dificuldade na realização de atividades que exijam saltos; nenhuma dificuldade, na qual o sujeito não apresenta qualquer dificuldade na execução da atividade proposta, outras dificuldades, que se refere a dificuldades apresentadas pelo sujeito não identificadas neste sistema. Foi excluída do estudo a categoria nenhuma dificuldade por entender que se o aluno executou a atividade, ele conseguiu realizá-la, se não conseguiu foi considerada a ocorrência em categorias relacionadas aos tipos de dificuldades.
Para analisar os dados, calculou-se a média de ocorrências de cada categoria por ano de participação do aluno, obtendo um valor proporcional ao número de aulas analisadas por cada ano. Estes dados foram complementados e discutidos relacionando-os às situações específicas de cada ocorrência, obtidas a partir das transcrições das aulas.
Resultados e discussão
O objetivo da pesquisa foi de verificar as dificuldades e adequações necessárias para o engajamento de crianças com autismo em um programa de atividade motora adaptada. Os dados relativos às categorias que ocorreram nas aulas analisadas por ano são apresentados na figura 1.
Figura 1. Comportamento Motor: facilidades, dificuldades e auxílios necessários durante as atividades
A participação em atividades motoras regulares pode produzir mudanças positivas no comportamento de pessoas com TEA, entretanto, não são claros quais os procedimentos, mecanismos e estratégias utilizados na prática destes exercícios (LOOVIS, 2004; LANG et. al., 2010). Neste estudo foi possível observar que não houve necessidade de modificação ou adequação das atividades para o engajamento do participante nas aulas. Durante os três anos ele realizou a maioria das atividades, e quando não o fez, foi por dispersar-se das atividades que não lhe interessava, olhando através da filmadora ou mexendo no aparelho de som. Durantes estes momentos foi necessário o acompanhamento e incentivo da acadêmica auxiliar, esclarecendo as possíveis dúvidas, demonstrando a atividade quando necessário e o fazendo focar-se na proposta, para compreendê-la (e assim se interessar) e realizá-la. A presença do auxiliar, seguindo a proporção de um auxiliar para cada participante (LOOVIS, 2004; ZUCHETTO, 2008) foi imprescindível para a execução efetiva das atividades, pois assim foi possível fazê-lo manter a atenção direta nas propostas e diminuir os comportamentos de isolamento, característico do TEA (BOSA, 2002). Além disso, este auxiliar media as relações de comunicação entre o aluno e os ministrantes das aulas e colegas. Com os ministrantes esta estratégia facilita o entendimento do que lhe foi proposto já que uma de suas características é a “dificuldade de compreensão de linguagem abstrata ou dificuldade de lidar com sequências complexas de instruções que necessitam ser decompostas em unidades menores (BOSA, 2006 p. 49)”. Com os colegas, também auxilia no desenvolvimento de reciprocidade social e da utilização do olhar como forma de compartilhar experiências (habilidade de atenção conjunta), pois a ausência destes comportamentos está incluso nos critérios diagnósticos dos autistas (APA, 2002; BOSA, 2002; KLIN, 2006). Estas características incitam discussões sobre até que ponto, isto se dá, como associação ao transtorno ou a ausência de participação em contextos de interação social (BOSA, 2002).
No que se referem ao repertório motor, às pessoas com TEA podem apresentar atrasos ou dificuldades na execução de habilidades motoras fundamentais, em graus variados (SCHWARTZMAN, 1994; LANG et. al., 2010). Mesmo não havendo modificações nas propostas, foram observadas diferentes dificuldades motoras ao executar as tarefas. No Ano 1 o aluno não precisou de auxílio de outra pessoa para realizar as atividades. Entretanto, apresentou dificuldades nas habilidades de equilíbrio e saltos, quando, ao saltar dentro dos arcos ou deslocar-se mudando de direção, o aluno executou rapidamente e desequilibrou-se. Nas atividades de saltar sobre os bastões, desequilibrou-se quando elevou e girou os braços, inclinando o tronco para frente.
No Ano 2 o participante apresentou um maior número de dificuldades. Dentre estas, estão as habilidades de equilíbrio como: deslocar-se sobre a corda, onde ao olhar para o chão ou perder o equilíbrio, segurou na barra de apoio; subir e descer os steps; deslocar-se pelos círculos colocando os pés ou mãos nas figuras respectivas e caminhar pelos círculos. O participante também apresentou dificuldade em saltar: sem a utilização de um objeto, tanto coletivamente quanto individualmente; sobre os obstáculos e o banco sueco, e dentro dos arcos com um pé só. Foram consideradas como outras dificuldades quando: o participante caminhou de frente e retornou de costas tocando no balão, sendo que não conseguiu coordenar a passada com o toque no balão; tocou no balão com os joelhos; passou por baixo da corda, sendo que ao iniciar a seqüência de atividades o fez com o tronco inclinado, caminhou até a corda, passou por baixo e não percebeu que deveria inclinar o tronco apenas quando chegasse próximo a corda; quando o participante devia conduzir a bola com o bastão fazendo zigue-zague por entre os cones e, as vezes, deixava de passar por algum. Outra dificuldade se refere ao pegar apenas as bolas que vinham em suas mãos e não corria atrás das bolas que passavam ao seu lado. É importante considerar que ao longo dos anos, o grau de dificuldade das atividades aumentou, desafiando-o a novas vivencias motoras a cada aula.
Diferente dos anos anteriores, cujas atividades mantinham formas semelhantes de organização e estrutura, durante o terceiro ano analisado, foram propostas atividades esportivas e rítmicas, com diferentes graus de complexidade, exigindo do participante, diferentes habilidades motoras, interpretativas e sociais. E ainda, disponibilidade para o imprevisto e necessidade de interagir mais, com diferentes objetos e, principalmente, com seus pares. Em relação às atividades rítmicas, o participante teve dificuldade de caminhar em forma de círculo sem uma linha de referência e esta foi observada na mesma atividade de coreografia com música clássica, em diferentes aulas. Além desta, ele apresentou dificuldade ao: acompanhar o ritmo da coreografia, necessitando coordenar seus movimentos; e passar os objetos para a pessoa ao lado no ritmo da música Escravos de Jó. Sobre as habilidades de deslocamento, o participante teve dificuldades em realizar movimentos rápidos (como a corrida) em que apenas caminhava o mais rápido que conseguia, e correr atrás das bolas que passavam ao seu lado (ele pegava apenas as que as acadêmicas colocavam em suas mãos). Outras dificuldades ocorreram sendo: receber a bola (especialmente quando alguém jogava alta e/ou forte); quicar a bola várias vezes seguidas (precisava parar e iniciar a atividade novamente, pois a bola saía de seu controle, distanciando-se); roubar a bola de seus colegas (normalmente porque eles eram mais rápidos, impossibilitando acompanhá-los), e jogar a bola por cima da corda para o outro lado da sala. Na organização de equipes com a utilização de uniformes (babeiros), o participante teve dificuldade em vesti-lo sozinho. Estes achados referentes às dificuldades ou atrasos motores, especialmente em habilidades de equilíbrio, coordenação e saltos, corroboram com os dados encontrados em estudos prévios (KLIN et. al., 2003, PAN, TSAI e CHU, 2009; LEE, ODOM, LOFTIN, 2007; LANG et al, 2010; JANSIEWICS et al, 2006). Os ambientes em que se propõem atividades motoras para pessoas com autismo devem ser estruturados, sendo a conduta da aula consistente e previsível, sempre com os alunos incluídos no processo de desenvolvimento (LOOVIS, 2004).
Os déficits nas áreas sociais, comportamentais e motoras, associados ao TEA, podem, segundo Pan, Tsai e Chu (2009), limitar as oportunidades destes indivíduos se engajarem efetivamente na prática de atividades físicas com seus pares, no entanto, foi observado neste estudo, que crianças com autismo, podem participar efetivamente destes contextos especialmente com incentivo e auxílio de um par/tutor/auxiliar/professor. Estes auxílios realizados individualmente se baseiam, fundamentalmente, nas características específicas do participante que, unidos a estratégias de orientações menos invasivas e de formas diferenciadas (física, visual ou verbal), refletem no engajamento na atividade e, consequentemente, na influência positiva nos comportamentos disruptivos (LOOVIS, 2004; ZUCHETTO, 2008). Estas informações são confirmadas neste estudo quando, no Ano 2, o participante necessitou de auxílio nas atividades em que apresentou dificuldade de equilíbrio, mas não deixou de realizá-la. E no Ano 3 o sujeito precisou de auxílio para colocar o uniforme e pegar as bolas, assim como quando as acadêmicas o ajudavam empurrando-o e incentivando-o a caminhar mais rápido, ou correr, e na maioria das vezes os colegas ou os acadêmicos deixavam o participante pegar sua bola para dar continuidade na atividade. Estes comportamentos evidenciam uma dificuldade em explorar o ambiente e esta “ausência de interesse por objetos e a falta de curiosidade sobre como alcançá-lo e o que fazer com eles pode apontar para eventuais dificuldades nesse período de vida com conseqüências para o desenvolvimento lingüístico e cognitivo” (BOSA, 2002 p. 57).
Além destas, foi necessário, a constante intervenção da auxiliar na coreografia com música clássica, onde o sujeito se perdeu na execução rápida dos passos. Esse comportamento pode estar relacionado à dificuldade que as pessoas com transtorno do espectro autista apresentam na coordenação de movimentos complexos, em imitar movimentos finos e complicados e compreender a informação visual (BEREOHFT, 1996; WING apud GAUDERER; 1997). A prática da atividade motora auxilia na melhora das habilidades motoras finas e amplas e estas estão relacionadas a um bom desempenho nas situações de imitação. Estas situações são importantes para o sucesso nas interações sociais e comunicativas, bem como para a aprendizagem complexa (ZACHOR, ILANIT e ITZCHAK, 2010).
Considerações finais
Durante estes três anos de acompanhamento do participante, em um contexto de atividade motora adaptada, é importante considerar que não houve necessidade de mudanças ou adaptações específicas para o seu engajamento efetivo nas atividades, evidenciando as possibilidades reais da pessoa com TEA. Contudo, as dificuldades apresentadas, inclusive a resistência em realizar atividades que exigiam rapidez nos movimentos, foram minimizadas com a presença de um auxiliar acompanhando e incentivando ao longo das aulas. Vale destacar que em momento algum, deixou de realizar a atividade por dificuldades motoras, apesar de precisar de algum tipo auxílio. As atividades nas quais apresentou mais dificuldades foram as que exigiam coordenação, equilíbrio, saltos, ritmo, e também, nas que necessitavam interagir com diferentes objetos e seus pares.
As dificuldades apresentadas justificam a participação efetiva em programas de atividade motora, que pode auxiliar no desenvolvimento motor, assim como na aprendizagem e prática das habilidades sociais e comunicativas, através de jogos e brincadeiras com outras pessoas. Estratégias como as apresentadas no programa estudado são essenciais para facilitar o engajamento do participante nas atividades motoras e a fim de obter seus benefícios, promovendo o desenvolvimento global.
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