efdeportes.com

As mulheres e a ciência

Las mujeres y la ciencia

 

Bibliotecária da Escola de Educação Física da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul. Mestre em Ciência da Informação

Doutoranda em Ciência do Movimento Humano da UFRGS

Ivone Job

ivonejob@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo traz um panorama da presença feminina na distribuição de prêmios, principalmente do Premio Nobel, que ilustra a trajetória das pesquisadoras, cientistas num mundo de representação predominantemente masculina. Este é o pano de fundo para abrir espaço às manifestações de cientistas brasileiras atualmente com destaque na ciência internacional. Observa-se que há possibilidades de crescimento dessa representação ao levarmos em consideração a distribuição de bolsas solicitadas e concedidas pelo CNPq às mulheres brasileiras pesquisadoras.

          Unitermos: Mulheres. Ciência. Premio Nobel.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 158 - Julio de 2011. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

1.     Introdução

    Cientistas mulheres existem e sempre existiram, mas o reconhecimento de seu trabalho representados em prêmios, melhores postos e salários, deixam a desejar. Trazemos a marca de séculos de predomínio masculino, de desempenho de coadjuvantes nos trabalhos de laboratórios, de escolas e de tantos outros locais de atividade científica. Há muitos obstáculos para que uma mulher atinja os patamares do merecimento e reconhecimento na sociedade. Será isso uma conseqüência de acomodamento de nós mulheres, ou do longo período do predomínio social masculino? Provavelmente a questão esteja situada na mesma categoria de outras minorias, assim como a discriminação contra negros, índios, imigrantes, homossexuais, e outros que sofrem um tratamento de desigualdade social.

    Muito tempo se passou da época das caças às bruxas, da idade Média, da Inquisição, em que as mulheres eram submetidas a torturas, e mortes violentas. Guerra et al. (2006) fazem referencia a algumas cientistas como Maria, a Judia (aprox. 273 a.C.) alquimista que vivia no Egito e inventou o processo de banho-maria. As pesquisadoras que viviam por trás dos homens por causa dos preconceitos enfrentados como Anne-Marie Lavoisier (1758-1836) casada com Antoine Lavoisier. Ela traduzia os trabalhos do marido do inglês para o francês, acompanhava as experiências, fazia anotações e ilustrou inúmeras publicações. A primeira mulher de Einstein, Mileva Maric (1875-1948), física servia que resolvia os problemas matemáticos para o marido. Alguns cientistas a consideram co-autora da teoria da relatividade.

    De acordo com física Márcia Cristina Bernardes Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), organizadora do primeiro Congresso Mulheres Latino-americanas nas Ciências Exatas e da Vida, realizado em 2004 no Rio de Janeiro, a vida da cientista atual é marcada por preconceito e falta de apoio, pouca perspectiva no mercado; dupla jornada de trabalho e imagem feminina de fragilidade. É necessário criar ações afirmativas como ter um percentual de mulheres nos comitês que julgam projetos. Ela diz: “Eu gostaria que todos os processos de julgar as pessoas não tivessem nome e sobrenome, que não fossem focados na pessoa e nem baseados no perfil masculino” (BARATA, 2005). No mesmo encontro, Dora Ventura, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirma que as cientistas femininas representam apenas 30% dos que estão no topo da pirâmide da carreira acadêmica (LEMLE, 2004) e na Academia Brasileira de Ciências (ABC) o ranking de 2003 indica que apenas 7,3% dos 353 acadêmicos titulares são mulheres.

    O governo brasileiro lançou em 2004 uma Secretaria Especial da Mulher que poderá trazer mais discussões acerca da temática gênero, mas os resultados são lentos. A partir de um melhor entendimento do assunto a participação da mulher na ciência será uma das decorrências. A carreira profissional da mulher não é um problema localizado, geográfico, do Brasil e da América Latina, mas é cultural. Estamos longe de vermos as mulheres premiadas em maioria nas varias instâncias cientificas internacionais.

    Começando pelo Prêmio Nobel, uma homenagem atribuída desde 1901 e criada pelo inventor da dinamite Albert Nobel e que distingue as pessoas que realizaram algo importante em cinco áreas: Paz, Diplomacia, Literatura, Química, Fisiologia ou Medicina e Física.

    Os reis suecos já entregaram 320 prêmios desde 1901 a 2010 a físicos e químicos, mas só em cinco ocasiões para mulheres. Mesmo assim a membros de uma mesma família em três ocasiões: a Marie Curie (2 vezes) e sua filha Irene Curie. Marie Curie, primeira ocasião em 1903, dividiu o prêmio de física com seu marido Pierre Curie, com um trabalho sobre e radioterapia. No começo de sua carreira ela teve sua admissão negada na Universidade da Polônia, por ser mulher. (AGRELLO; GARG, 2009), mas foi a primeira professora titular na Universidade de Paris e a única laureada a receber duas vezes o premio Nobel em áreas diferentes. Em 1911, recebeu o Prêmio Nobel de Química, por ter descoberto os elementos químicos rádio e polônio. Em 1935, sua filha Irene Curie recebeu o Prêmio Nobel de Química, dividindo o trabalho com o marido Frederic Joliot. Em 1963 Maria Goeppert-Mayer recebeu o Prêmio de Física ao lado de Eugene Wigner e J. Hans D. Jensen. Em 1964, Dorothy Mary Crowfoot Hodgkin recebeu o Prêmio de Química. Nas outras áreas, que não a de ciências, houve uma distribuição mais generosa de prêmios a mulheres.

    Em 2009 aconteceu um recorde de distribuição de prêmios a mulheres e pela primeira vez desde 1901, cinco mulheres se destacaram entre os 13 vencedores. Premio de Economia1 para Elinor Ostrom, cientista política e professora norte-americana de 76 anos e primeira a receber tal honraria, mas, também, compartilhado com o economista Oliver Williamson. O Premio Nobel de Literatura foi recebido por Herta Muller, novelista romena naturalizada alemã de 56 anos e é a 12ª mulher a receber este premio. O Prêmio Nobel de Medicina foi para Elizabeth H. Blackburn de 61 anos e Carol W. Greider de 48 anos dividido com o britânico Jack Szostak. É a primeira vez que duas mulheres são agraciadas juntas. O Prêmio Nobel de Química de 2009 foi para Ada Yonath de 70 anos, cientista israelense que desvendou as funções dos ribossomos. Dividiu o prêmio com os norte-americanos Venkatraman Ramakrishnan e Thomas Steitz.

    A seguir um quadro com as vencedoras dos prêmios desde que foi instituído, em 1901:

Ano de premiação

Nome/País

Premio

Motivo

1903

Marie Curie. França

Física

Pesquisas sobre o fenômeno da radioatividade espontânea.

1905

Berta von Suttner. Áustria

Paz

Escritora e presidente honorária do Gabinete Internacional para a Paz

1909

Selma Lagerlof. Suécia

Literatura

"Pelo idealismo sublime, imaginação vívida e percepção espiritual que caracterizam seus escritos"

1911

Marie Curie. França

Química

Descobriu os elementos químicos rádio e polônio.

1926

Grazia Deledda. Itália

Literatura

“descreve a vida na sua ilha natal e com profundidade e simpatia trata dos problemas humanos em geral”

1928

Sigrid Undset. Noruega

Literatura

“pelas suas fortes descrições da vida nórdica durante a Idade Média.”

1931

Jane Addams. Estados Unidos.

Paz

Presidente honorária Internacional da Liga Feminina para a Paz e a Liberdade

1935

Irene Joliot-Curie. França

Química

Descobriu a existência do nêutron e da radioatividade artificial.

1938

Pearl Buck. Estados Unidos

Literatura

“por suas ricas e verdadeiras descrições épicas da vida dos camponeses na China e por seus trabalhos biográficos”

1945

Gabriela Mistral. Chile

Literatura

“por sua poesia lírica, inspirada por fortes emoções, que fez de seu nome um símbolo das aspirações idealistas de todo o mundo latino-americano.”

1946

Emily Greene Balch. Estados Unidos

Paz

Presidente honorária Internacional da Liga Feminina para a Paz e a Liberdade

1963

Maria Goeppert-Mayer. Alemanha

Física

Descobertas relacionadas à estrutura das camadas nucleares.

1964

Dorothy Mary Crowfoot Hodgkin. Reino Unido

Química.

 

1966

Nelly Sachs. Alemanha.

Literatura

 

1976

Betty Williams, Maired Corrigan. Reino Unido

Paz

Fundadoras do Movimento das Mulheres para a Paz na Irlanda do Norte, mais tarde chamado de Peace People.

1977

Rosalyn Yalow. Estados Unidos

Medicina

Por vários estudos relacionados aos vários hormônios do hipotálamo.

1979

Madre Teresa de Calcutá. Albânia.

Paz

Pela luta contra a pobreza

1982

Alva Reider Myrdal e Alfonso Garça Robles.

Paz

Delegados da Assembléia Geral de Desarmamento das Nações Unidas

1983

Barbara MClintock. Estados Unidos

Medicina

Pelos seus trabalhos sobre elementos de transposição no estudo do genoma humano.

1986

Rita Levi-Montalcini. Itália

Medicina

Pelos seus trabalhos do fator de crescimento da epiderme

1988

Gertrude Elion. Reino Unido

Medicina

Pelas suas descobertas de princípios fundamentais para o tratamento com drogas.

1991

Aung Sun Suu Kyi. Mianmar

Paz

Líder da oposição ativista dos direitos humanos.

1992

Rigoberta Menchu Tum. Guatemala.

Paz

Campanha pelos direitos humanos, principalmente em favor dos indígenas.

1993

Toni Morrisson. Estados Unidos

Literatura

“romances fortes e pungentes, que relatam as experiências de mulheres negras nos Estados Unidos durante os séculos XIX e XX.”

1995

Christiane Nusslein-Volhard. Alemanha.

Medicina

Pela identificação dos genes que controlam o início do desenvolvimento dos animais.

1996

Wislawa Szymborska. Polônia

Literatura

pela poesia que, com precisão irônica, permite que contextos históricos e biológicos ...”

1997

Jody Williams. Estados Unidos.

Paz

Pela campanha de proibição do uso de minas antipessoais e sua remoção.

2003

Shirim Ebadi. Irã.

Paz

Defensora da implantação da democracia em seu país e ativista pelos direitos humanos.

2004

Wangari Maathai. Quênia.

Paz

Ambientalista e ativista dos direitos humanos

2004

Linda Buck. Estados Unidos.

Medicina

Pelas suas descobertas dos receptores odoríferos e organização do sistema olfativo.

2004

Elfriede Jelinek. Áustria

Literatura

“Com extraordinário zelo lingüístico revelam o absurdo dos clichês da sociedade e o seu poder subjugante"

2007

Doris Lessing. Reino Unido.

Literatura

“com ceticismo, ardor e poder visionário sujeitou uma civilização dividida ao escrutínio"

2008

Françoise Barre-Sinoussi. França.

Medicina

Pelas suas descobertas sobre o vírus da imunodeficiência humana.

2009

Elizabeth Blackburn e Carol Greider. Estados Unidos.

Medicina

Pela descoberta da enzima telomerase e dos telomeros como protetores das extremidades dos cromossomas.

2009

Ada Yonat. Israel.

Química

Por trabalhos sobre a estrutura e a função do ribossoma.

2009

Herta Müller. Alemanha.

Literatura

“Com a densidade da sua poesia e franqueza da prosa, retrata o universo dos desapossados.”

Quadro 1: Ano, vencedoras, área, país e motivo do prêmio de 1901 a 2009. Fonte: Wikipédia

    Em 108 anos de existência do premio houve 634 laureados, sendo 36 mulheres (5,7%). Os prêmios atribuídos às mulheres, mais representativos quantitativamente são os que possuem um caráter social de reconhecimento e trabalho em prol dos direitos humanos como o Premio Nobel da Paz, atribuído a 120 premiados, sendo10 mulheres. No campo da literatura há também há uma maior representação das mulheres, sendo que foram premiados 106 num total 10 mulheres. Mas, nos campos da física e química há um forte predomínio dos homens: em química foram premiados 157, sendo 4 mulheres e em física houve 187 premiados sendo 2 mulheres. Na medicina/fisiologia 7 mulheres receberam o Nobel.

    O Premio de Economia é atribuído desde 1969 e somente um mulher foi contemplada entre os 64 premiados.

    O Brasil, como sabemos, não foi agraciado com nenhum prêmio Nobel apesar de ter indicado alguns nomes do decorrer dos anos. Para o Nobel da Paz foram indicadas: Maria da Conceição Maia de Oliveira (Concita Maia), ativista política do Acre, em 2005; Zilda Arns e Pastoral da Criança foram indicadas três vezes e Abdias Nascimento em 2010. Carlos Chagas, para o Nobel de Medicina em 1913 e 1921; Jorge Amado, para o Prêmio de Literatura, em vários anos e Johanna Dobereiner, indicada para premio de química em 2004, entre outros.

2.     Reflexões

    Observa-se que nos últimos anos têm sido registrados aumentos substanciais no número de mulheres matriculadas nos cursos superiores. “A situação, entretanto, é menos encorajadora sob o ponto de vista da eqüidade de proporções entre gêneros quando se trata do ensino de pós-graduação.” (VELHO, LÉON, 1998, p. 311). As causas apontadas pelas autoras são: predomínio em determinadas áreas, nas engenharias, física e matemática, por exemplo, a procura diminui drasticamente; evasão das alunas e não obtendo, portanto, o título; desencorajamento social originado na família, principalmente para desempenhar atividade “de menino”.

    “Historicamente as mulheres foram afastadas do circulo criativo e líder da produção cientifica e tecnológica.” (CABRAL; BAZZO, 2005, p. 4). Desde muito cedo as meninas ouvem que as áreas como física, química, biologia, matemática, engenharia e computação se desenvolveram calcados em valores masculinos tais como certeza, eficiência, controle e ordem. Outro fator marcante foi o acesso tardio das mulheres à leitura e escrita, ocorrido somente em meados do século XVIII, quando então elas tiveram acesso ao universo dito masculino. Esta trajetória, segundo Simone de Beauvoir escreveu em 1949, não foi lenta somente em decorrência da ditadura masculina, mas da constatação de que a mulher é escrava de sua própria situação, não tem passado, não tem história, não tem religião própria e não produziu como protagonista, nenhuma civilização.

    Os pais ainda educam suas filhas antes com vistas ao casamento do que favorecendo seu desenvolvimento pessoal. E elas vêem nisso tais vantagens, que o desejam elas próprias e desse estado de espírito resulta serem elas o mais das vezes menos especializadas, menos solidamente formadas do que seus irmãos, e não se empenham integralmente em suas profissões; desse modo destinam-se a permanecer inferiores e o circulo vicioso fecha-se pois essa inferioridade reforça nela o desejo de encontrar um marido. (BEAUVOIR, 1991, p.176)

    Somente no século XIX as mulheres tiveram acesso ao ensino superior, e no início do século XX deu-se o ingresso das mulheres nas carreiras universitárias. Mas, um salto marcante ocorreu nas décadas de 60 do século XX com os estudos que refletiam sobre os motivos pelos quais tão poucas mulheres estudavam, trabalhavam e lideravam. Estas reflexões se deram a partir dos estudos de gênero relacionados à ciência e tecnologia e que se dedicaram, principalmente, a discutir as diferenças expressivas entre homens e mulheres. Em 2005, por incrível que pareça, houve uma manifestação do Reitor de Harvard, Lawrence H. Summers, questionando a capacidade intelectual das mulheres para a física e a matemática. Houve grande reação das organizações envolvidas com a temática de gênero que protestaram e esta pressão acabou por provocar um pedido de renúncia de Summers. O tratamento profissional desigual entre gêneros tem se dado em todos os níveis, áreas e em quase todos os países. “Entre as diversas esferas profissionais, a ausência das mulheres parece especialmente notável na ciência e na tecnologia, particularmente nos campos da física e da química.” (AGRELLO; GARG, 2009, p. 1). Estes autores verificaram que à medida que os cursos de graduação avançam, uma proporção grande de mulheres vai desistindo e isto ocorre também à medida que avançam na carreira. O que ocorre é que em quase todos os países, a porcentagem de mulheres decresce a cada etapa da carreira acadêmica e a cada nível de promoção no exercício profissional. No mundo, menos de 15% de físicos são mulheres. Os autores consideram importante a participação das mulheres na área da física e para tanto elas devem adquirir maior auto-confiança, é necessária uma mudança na percepção das meninas sobre a mulher cientista (por quê crianças de ambos os sexos só desenham homens quando solicitadas a desenhar cientista?). Encorajar, na família e na escola: os brinquedos infantis de meninas com bola e meninos com bonecas; estimular as escolhas de carreiras científicas, independentes de seu caráter masculino ou feminino, é preciso mais professoras mulheres nas matemáticas, químicas e físicas. As mulheres não precisam de um tratamento especial, senão de oportunidades iguais, de reconhecimento e aprovação. Como exemplo de estudo os autores sugerem a área da medicina que hoje em quase todos os países, tem em seus cursos de formação tanto mulheres quanto homens competindo em condições de igualdade.

    Atualmente não há restrições de acesso às carreiras universitárias tecnológicas, mas estas ocorrem na vida profissional, Quais seriam as barreiras criadas num ambiente androcêntrico de pesquisa e trabalho?

    Historicamente as mulheres não se vincularam à tecnologia e à ciência, portanto, um produto social construído ao longo dos séculos. O trabalho feminino e a figura feminina estiveram sempre relacionados com o artístico artesanal, com a maternidade, algo construído na nossa cultura, uma confusão de valores estigmatizados em gêneros. Gênero é conceituado por Goellner como a:

    Condição social através da qual nós nos identificamos como masculinos e femininos. Não é algo natural que está dado, mas é construído social e culturalmente e envolve um conjunto de processos que vão marcando os sujeitos a partir daquilo que se identifica como masculino e feminino. Exemplificando: jogar futebol é mais masculino do que feminino e dançar é mais feminino do que masculino. Essas afirmações não são ‘naturais’, mas construídas em cada cultura e, por esse motivo, não são iguais em todos os povos e grupos sociais. (GOELLNER, 2009, p.11):

    Portanto, a carreira científica sempre esteve mais identificada com o papel masculino. As profissões tecnológicas e ditas duras como as engenharias, as químicas e físicas não eram e não são incentivadas pelas famílias das meninas, assim como artes, letras, biblioteconomia para os meninos, construindo culturalmente condições sociais para que assim se perpetuassem as diferenças. Nos países mais pobres como o Brasil é abissal a diferença manifestada na educação dos meninos e meninas. Os meninos desde cedo são incentivados a irem para a rua, começam a trabalhar mais cedo, praticam mais esportes. As meninas, por sua vez, devem aprender tarefas mais ‘leves’, artísticas, domésticas, sociais, etc. Portanto, não é difícil de entender, porque países como o Brasil, terão muito mais dificuldade em ter um significativo número de mulheres com carreira reconhecida, premiada e valorizada, em meio a uma cultura predominantemente identificada como masculina.

    A questão da participação das mulheres nas áreas acadêmica e científica no Brasil começou a ser discutida a partir das décadas de 60, 70 do século XX com a publicação de estudos sobre gênero na sociologia, literatura, filosofia e história da ciência, mas ainda é uma bibliografia que carente de mais estudos.

    No Brasil é recente a expansão da comunidade acadêmica e científica. A criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se deu em 1948, a Academia Brasileira de Ciência (ABC) em 1916 e a mais antiga, a Academia Brasileira de Letras (ABL) fundada em 1897.

    Três jornalistas brasileiras publicaram entrevistas que realizaram com 12 renomadas cientistas brasileiras, todas atuando em São Paulo, pois, segundo as autoras, a escolha recaiu sobre o Estado brasileiro com mais investimentos em pesquisas. (GUERRA, ROSSI, PILEGGI, 2006). As entrevistadas são profissionais de diferentes áreas do conhecimento e ligadas a universidades públicas ou privadas e instituições de pesquisa como a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), Instituto de Pesquisas energéticas e nucleares (IPEN) e Instituto Ludwig. As entrevistadas são das seguintes formações de origem: biólogas (3), oceanógrafa, relações públicas, física, médica, química, antropóloga, astrônoma, ecologista e engenheira agrícola. As cientistas contaram sua trajetória acadêmica, seus hobbies e um pouco de sua vida pessoal. Três delas relataram querer seguir a carreira de medicina dos seus pais e que foram desestimuladas por ser muito sacrificada, muito difícil, optando então por outro caminho. Perguntadas sobre se sofreram algum tipo de preconceito no decorrer da carreira, nove delas afirmaram que:

    Não sinto que tenha sofrido preconceito. (p.22)

    Os cargos administrativos ainda são, em sua maioria dos homens. Mas na parte cientifica nunca sofri nenhum tipo de preconceito. (p.38)

    Eu nunca senti discriminação num ambiente universitário e das faculdades por onde passei. (p.49)

    Senti bastante preconceito do meu pai ao escolher minha profissão. Ele falava que eu ia morrer de fome [risos]. (p.52)

    O mundo da física sempre foi muito masculino. Hoje não. Aqui no instituto somos meio a meio. (p.59).

    Aqui nunca [senti preconceito]. Na Europa, como há poucas pesquisadoras, percebi uma discriminação inicial. Era jovem, mulher e vinda do Terceiro Mundo.....Uma mulher pesquisando na área de física não era muito comum lá. (p.59)

    Bia não menciona nenhum obstáculo pelo fato de ser do sexo feminino. A dificuldade é fazer muitas coisas ao mesmo tempo: a casa, os estudos, a aula. p. 65).

    Nem sempre a mulher tem o respaldo de sua família para seguir a carreira científica. E não é só o preconceito familiar que impõe obstáculos à vida profissional de futuras pesquisadoras. A guerra dos sexos na ciência e a inserção de profissionais de outras áreas em medicina, por exemplo, geram desconforto. [...] existe principalmente preconceito dos homens, na área médica, com o profissional da área não médica. Eu tive que lutar para ter meu espaço por ser bióloga e não por ser mulher. p.77)

    Estes são exemplos de mulheres cientistas que persistiram na carreira e se distinguiram num mundo eminentemente masculino, mesmo que este fato não esteja verbalizado de maneira contundente nos depoimentos acima.

    Vários fatores poderiam ser apontados como causadores do sucesso ou não das carreiras escolhidas pelas mulheres. Velho e León (1998) apontam alguns:

    [...] podem-se inferir algumas tendências gerais sobre o tema mulheres na ciência: a primeira é que, a despeito do crescimento significativo da participação feminina na academia nos últimos 20 anos, é raro o país que relata uma porcentagem maior do que 25% de mulheres em seu corpo docente. Além disso, as mulheres tendem a se concentrar em disciplinas tradicionalmente “femininas”, em disciplinas de status mais baixo ou nos setores de menor status das outras disciplinas. Outra refere-se ao fato de que a representatividade das mulheres declina em cada passo superior do sistema educacional e da carreira acadêmica. E, finalmente, que mesmo quando as mulheres conseguem vencer as barreiras e ingressar na carreira acadêmica, elas obtêm sucesso de maneira negativamente proporcional em relação aos homens e isto tem sido constantemente relacionado à menor produção científica originada das mulheres. (VELHO; LEÓN, 1998, p. 317)

    Nas bolsas concedidas a estudantes nos anos de 2001 a 2009, dentro e fora do país, nas 8 analisadas pelo CNPq, as que são superadas pelos homens são: agrárias, exatas e da terra, a engenharia e computação, as denominadas ciências e as predominantemente femininas são as bolsas destinadas as demais áreas.

    Quando a medida para avaliar é o fomento aplicado às bolsas há um sensível predomínio destinado aos homens, a diferença fica evidente: 74% do total de bolsas foram concedidas aos homens. Não dá para inferir que sejam preferências na escolha e seleção dos solicitantes pelo sexo masculino, mais, provavelmente as mulheres se disponibilizem menos a sair do país para se aperfeiçoarem em função de suas tarefas de mães, donas de casa, esposas, etc.

Parte superior do formulário

Ano

Feminino

Masculino

2000

6.574.805

14.138.971

2001

15.691.848

27.483.994

2002

21.182.676

34.401.688

2003

15.511.882

24.643.920

2004

14.478.557

22.873.614

2005

11.138.886

19.332.161

2006

7.985.503

17.299.054

2007

11.152.188

20.456.603

2008

12.087.601

20.202.363

2009

13.060.014

19.718.458

2010

4.903.379

8.069.876

Total Geral

133.767.339

228.620.703

Fonte: http://fomentonacional.cnpq.br/dmf.jspParte inferior do formulário

    O CNPq distribui no Brasil o auxílio denominado Produtividade em Pesquisa - PQ que é: “Destinada aos pesquisadores que se destaquem entre seus pares, valorizando sua produção científica segundo critérios normativos, estabelecidos pelo CNPq, e específicos, pelos Comitês de Assessoramento (CAs) do CNPq.”

    Na área 21 do CNPq 18 mulheres estão representadas estão entre os 73 pesquisadores que recebem a Bolsa por produtividade em pesquisa, conforme mostra o Quadro 2.

4.     Conclusões

    Nas duas últimas décadas houve uma tomada de consciência do fato de vivermos numa sociedade patriarcal, em que os homens e mulheres tem papéis e poderes distintos. O “sexismo” tem um papel análogo ao da exploração economicista. Os homens monopolizam as tarefas sociais e as mulheres são confinadas a papeis subalternos de logística (tarefas domésticas). Em nossa sociedade patriarcal, os homens tendem mais a raciocinar de forma dedutiva, com fazem normalmente as pessoas que dominam. As mulheres, como grupo dominado, estão mais atentas às vivencias, ao sofrimento, às contradições da existência. Este predomínio do mundo masculino assim descrito, permite entender certas situações de nossa cultura. Por ex. as questões de violência e de desarmamento nuclear, recebem da analise feminina uma luz que não receberam da análise econômica. A aproximação feminina permite perceber melhor a não racionalidade de nossa sociedade racional. (FOUREZ, 1996, p. 169).

Nota

  1. Conhecido como Premio Nobel de Economia, mas não é concedido pela Fundação Nobel. Sua denominação correta é Premio Sveriges Riksbank de Ciências Econômicas e instituído pelo Banco Central da Suécia.

Referências

  • AGRELLO, D. A. ; GARG, R. Revista brasileira de ensino de física, São Paulo,v. 31, n.1, p. 1305-1310, 2009.

  • BARATA, Germana. Mulheres são maioria na educação, mas não chegam ao topo na carreira profissional. Cienc. Cult., São Paulo, v. 57, n. 3, set. 2005.

  • BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. 8. ed. Trad. Sergio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. Original em francês de 1949.

  • CABRAL, Carla Giovana; BAZZO, Walter Antonio. As mulheres nas escolas de engenharia brasileiras: história, educação e futuro. Revista de ensino de engenharia, Curitiba, v. 24, n.1, p.3-9,2005.

  • CNPq. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Estatísticas. Disponível em: http://www.cnpq.br/estatisticas/TabelasdeQuantitativos/291_SexoModPaisExt_0108_n_v2.xls. Acesso em: 10 jun. 2011.

  • FOUREZ, Gerard. La construcción del conocimiento científico: filosofía y ética de la ciencia. Madrid: Narcea, 1996.

  • GOELLNER, Silvana Vilodre et al. Gênero e raça: inclusão no esporte e no lazer. Porto Alegre: UFRGS, 2009.

  • GUERRA, Graziella; ROSSI, Joice Cristina; PILEGGI, Mônica. Ciência, substantivo feminino. São Paulo: CLA, 2006.

  • LEMLE, Marina. Mulheres cientistas da América Latina debatem obstáculos em comum. Boletim da FAPERJ, Rio de Janeiro, 2004.

  • VELHO, Léa Velho; LEÓN, Elena. A construção social da produção científica por mulheres. Cadernos Pagu, São Paulo,v. 10, p.309-344, 1998.

  • WIKIPÉDIA. Wikimédia Foundation. Premio Nobel. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Premio_nobel. Acesso em: 10 jun. 2011.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 158 | Buenos Aires, Julio de 2011  
© 1997-2011 Derechos reservados