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A interferência dos pais na forma de brincar de meninos e meninas

La interferencia de los padres en la forma de juego de los niños y las niñas

Interference of parents in the form of play of boys and girls

 

Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, Montes Claros, MG

Grupo Integrado de Pesquisa em Psicologia do Esporte/Exercício

e Saúde, Saúde Ocupacional e Mídia

(Brasil)

Mauricio Veloso Neves Oliveira

Berenilde Valéria de Oliveira Sousa

Maria Christina Soares Gomes

Maria de Fatima de Matos Maia

Renato Rodrigues de Souza

macsgomes@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          A criança aprende a brincar de acordo com o meio em que vive, podendo sofrer forte influência dos pais nesse processo. Neste estudo, procura-se discutir como a interferência dos pais reflete no ato de brincar e na formação do gênero de crianças. Foram investigadas 72 crianças de 3 a 5 anos de idade de uma creche em Montes Claros-MG. Para tal, foi elaborado um questionário a ser respondido pelos pais que abordava questões referentes à forma dos filhos brincarem. Os resultados apontam que um grande percentual de pais não deixa que seu filho brinque de boneca e/ou sua filha de luta, apresentando preferência de que os meninos brinquem com meninos e as meninas possam brincar com ambos os sexos, e que um percentual maior de pais ensinava seu filho a brincar quando comparado com os pais de meninas. Diante do observado, conclui-se que os pais são fortes transmissores de cultura no que diz respeito ao brincar, influenciando a forma de brincar dos filhos.

          Unitermos: Cultura. Pais. Brincadeira. Gênero. Infância.

 

Abstract
          The child learns to play according to the environment they live in can be subjected to strong influences of parents in this process. In this study we will discuss how the interference of parents reflected in the play and formation of gender. We investigated 72 children aged 3 to 5 years old from a daycare center in Montes Claros-MG. For this purpose a questionnaire was designed to be answered by parents that addressed issues concerning the form of children's play. The results show that a large percentage of parents do not let your child play with dolls and her daughter to fight, giving preference to boys play with boys and girls can play with both sexes and a higher percentage of parents teaching their son kidding when compared with parents of girls. It is concluded that parents are powerful transmitters of culture with regard to play in influencing the form of play for children.

          Keywords: Culture. Parents. Fun. Gender. Children.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 158 - Julio de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Falar de infância é falar do início da vida em que voluntária ou involuntariamente nos aventuramos no mundo por experiências e nos desenvolvemos. Segundo Markus (1978) apud Duarte (2004), o ser humano se forma a partir da caracterização daquilo que é próprio ao mundo construído historicamente pelos seres humanos. Assim, a infância é grandemente influenciada pelo que está ao seu redor seja na forma de brincar, seja na forma de adotar determinadas posturas e comportamentos. Entretanto, Tomazzetti (2004) ressalta que novos estudos colocam a criança como alguém com modos próprios de ser e pôr-se no mundo, diferente dos adultos, porque a criança se expressa de forma diferente dos adultos e, por não fazerem coisas que os adultos fazem, tornam-se produtora de uma cultura infantil, uma infância transitória específica tornando-se veículos de cultura para as gerações seguintes.

    Assim, a brincadeira atua de forma importante na formação da criança enquanto indivíduo, pois permite a ela vivenciar experiências que serão necessárias para o bom desenvolvimento da aprendizagem e também melhora nas relações sociais.

    Um menino e uma menina são criados juntos, mas existem algumas características que podem ser diferentes como: força, aparência, capacidade física, intelectual e personalidade, além de órgãos sexuais diferentes. Assim, o que iria determinar ser “o menino” e ser “a menina”?

    Papalia e Olds (2000) definem a identidade de gênero como consciência do nosso gênero e de tudo que ele implica, sendo importante na formação do autoconceito, que pode ser influenciado pela socialização e cultura. Assim, os papéis sexuais (comportamentos, interesses, atitudes, traços de personalidade) são influenciados segundo o que uma cultura julga apropriada para homens e mulheres.

    Com base nas ideias de Oliveira e Francischini (2003), o brincar é uma atividade considerada como linguagem infantil que ocorre no plano da imaginação. Para a criança poder imaginar, é preciso ter o domínio da linguagem simbólica, ou seja, a criança deve apropriar-se de elementos da realidade e atribuir-lhes novos significados, sendo pelo brinquedo que a criança aprende a agir cognitivamente. Percebe-se que na segunda infância a criança começa a perceber que o brinquedo pode ter vários significados de acordo com o que ela preferir.

    O autor acima cita uma grande evolução da primeira infância em que é notável nesta parte do desenvolvimento humano o crescimento rápido da criança em peso e altura. A criança, através da maturação do sistema nervoso central e do sistema motor, vai progredindo e começa a coordenar melhor os movimentos. Os meninos comparados com as meninas compreendem uma maior porção de músculos e massa óssea, sendo que ambos tendem a diminuir gradualmente seu tecido adiposo e ambos tendem a correr desajeitadamente.

    É nesta evolução da primeira infância que chegamos à segunda, período chave de nossa discussão. A segunda infância é delimitada, segundo Papalia e Olds (2000), pelo período de três a seis anos de idade, período também chamado de anos pré-escolares, nos quais as aparências mudam, as habilidades motoras e mentais florescem e as personalidades tornam-se mais complexas assim como continuam inter-relacionados os aspectos do desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social. Uma grande característica dessa fase é a competência e independência, além do desenvolvimento da capacidade dos músculos maiores em um aumento no vigor muscular, refletindo no pular, correr, saltar e também nas tarefas motoras mais refinadas como amarrar os cadarços dos sapatos, desenhar com giz de cera e o início da preferência pela mão direita ou esquerda.

    É nessa fase que acontece a compreensão de si mesmos, de suas emoções e como desenvolvem sua iniciativa e a autoestima. O brincar é a atividade mais importante que as crianças jovens mais se dedicam, sendo um forte fator no crescimento, estimulação dos sentidos, uso dos músculos e coordenação do que veem com o que fazem, adquirindo domínio sobre seus corpos, explorando o mundo e elas mesmas, manejando emoções complexas. Além disso, um fator que afeta seu comportamento é a identificação das crianças como meninos e meninas, desenvolvendo os relacionamentos com irmãos, outras crianças e pais (PAPALIA; OLDS, 2000).

    Na terceira infância, Papalia e Olds (2000) definem como uma fase compreendida dos seis aos doze anos em que a autoconfiança aumenta à medida que se lê, pensa, conversa, brinca de uma maneira que estava muito além da sua capacidade, adquire-se maior tamanho, rapidez e coordenação, ou seja, o corpo desenvolve e toma proporções como um pequeno adulto, em que há uma diferenciação de crescimento das meninas e dos meninos até a idade dos nove anos.

    Neste trabalho, a segunda infância irá ser o grande alvo de nossa análise, pois é nesse momento da vida que as crianças são influenciadas por fatores como ambiente, cultura e outros. Assim, pretende-se discutir como a interferência dos pais reflete no ato de brincar e na formação do gênero de crianças da segunda infância de uma creche da cidade de Montes Claros – MG.

Método

    O estudo se caracterizou por ser do tipo descritivo e de corte transversal. Esse método tem como fator principal descrever características, propriedades ou relações existentes no grupo ou da realidade em que foi realizada a pesquisa (MATTOS; JR; BLECHER, 2004).

    Foi investigada uma creche em Montes Claros-MG que atendia 264 crianças. A amostra foi aleatória, sendo composta por 72 crianças de 3 a 5 anos de idade, nas quais 50% eram do sexo masculino e 50% do sexo feminino, sendo 24 crianças com 3 anos de idade, 24 com 4 e 24 com 5.

    Foram elaborados dois questionários, sendo um direcionado aos pais de meninos e um direcionado aos pais de meninas. Os questionários contavam com questões referentes à influência dos pais ao escolher o brinquedo e/ou tipo de brincadeiras consideradas aceitas por eles. As crianças levavam para casa os questionários para que os mesmos fossem respondidos pelos pais e devolvidos à creche.

    Na análise dos dados, foi utilizado o programa SPSS versão 13.0, submetendo os dados para a estatística descritiva com utilização de frequência de resposta. Esse trabalho conta com o parecer consubstanciado do comitê de Ética em Pesquisa da Unimontes Processo número 2057 de 09 de Julho de 2010.

Apresentação e discussão dos resultados

    Inicialmente foram levantadas informações acerca da idade e escolaridade dos pais em que a média de idade encontrada foi de 29.2 anos e quanto à escolaridade 62.5% apresentavam o Ensino Fundamental, 30.5% o Ensino Médio, 5.6% eram analfabetos e 2.8% com curso superior incompleto.

    Com relação ao questionário elaborado para este estudo, primeiramente foi abordado aos pais se os mesmos permitiam que seus filhos brincassem de boneca e 55.6% afirmaram que não deixariam. Percebemos a influência sexista da cultura na formação de gênero em que os pais discriminam brincadeiras construídas socialmente como adequadas ao sexo feminino em função da mulher antigamente nascer para procriar e cuidar dos filhos.

    No que se refere aos pais deixarem suas filhas brincarem de futebol, 97.2% relataram que sim. Esse percentual elevado mostra certa mudança na forma de pensar dos pais, podendo esta resposta ser fortemente influenciada pela mídia e pela própria escola, que vem trabalhando o futebol feminino nas aulas de Educação Física.

    Portanto, o estereótipo do menino é formado desde cedo (menino brinca de carrinho), sendo forte e assertivo, e a menina não tem esse estereótipo definido tão cedo, sendo mais flexível refletindo na mulher ter vários papéis significativos (brinca de dirigir um carrinho, ser mãe e ser professora) (BEE, 2003).

    Posteriormente foram colocadas outras situações que na nossa sociedade são atitudes características do sexo feminino ou do sexo masculino. Quando questionados sobre permitir que o filho ninasse uma boneca, 66.7% afirmaram que não. Embora o percentual seja acima da metade dos investigados, já se percebe uma mudança na forma de pensar dos pais, já que 33.3% consideraram não ver problema algum em um menino ninar uma boneca até porque a criança não vê maldade nessa atitude. Na nossa sociedade, já encontramos muitos casos de homens que cuidam dos afazeres domésticos enquanto a mulher trabalha fora de casa.

    Ao observar o posicionamento dos pais no que se refere à menina brincar de luta, 61.1% afirmaram não permitir tal comportamento apesar dessa brincadeira prepará-la para algumas profissões nas quais a mulher já ocupa espaço no mercado de trabalho como, por exemplo, polícia militar. As diferenças de gênero são socialmente construídas não existindo um padrão universal para comportamentos sexual ou de gênero (BRASIL, 2009).

    Sobre a preferência dos pais com relação às companhias durante as brincadeiras, 54.2% dos pais afirmaram que preferem que seu filho brinque com meninos, 44.4% com meninos e meninas e 1.4% com meninas. Já com relação à filha, 61.1% preferem que brinquem com meninos e meninas, 37.5% com meninas e 1.4 com meninos. Os pais, na sua maioria, relataram que meninos devem brincar com meninos, embora um percentual alto considerasse que deveriam brincar com meninos e meninas. A interação de meninos com meninas deve ser estimulada, experimentar essas diferenças é enriquecedor na formação do indivíduo e diminui a estereotipização.

    Segundo Silva et al. (2006), uma menina brincar em um grupo de meninos pode ter dois resultados. O primeiro, o grupo de meninos rejeitarem essa menina, fazendo com que ela tenha “atitude de menina”. Segundo, igualar-se aos meninos para conquistar e usufruir poder e status dentro dos grupos mistos, além de adquirirem mais experiência desse grupo, mais oportunidade de vivenciar comportamentos e regras do sexo masculino, estando mais exposta à cultura dos meninos, conhecendo melhor os meninos e tendo essa experiência que contribuiria para uma menor diferenciação. Sendo muito importante na formação do indivíduo (menina), é a chamada Hipótese da Aproximação Unilateral.

    Outro ponto abordado na pesquisa foi sobre a interferência dos pais no tipo de brinquedo a ser comprado para seu filho em situações nas quais o financeiro não pudesse influenciar. Os pais foram categóricos ao afirmar que não interferem nessa escolha, sendo representado por 83% dos investigados. Fatores importantes como segurança do brinquedo e o objetivo do brinquedo como estímulo pedagógico e educativo não é fator influente, podendo ser justificada essa característica dos pais pelo baixo nível de escolaridades dos mesmos.

    As brincadeiras são aprendidas nos diferentes grupos nos quais a criança está inserida, e uma das possibilidades de aprendizagem se dá na relação com os pais, já que nos primeiros anos de vida o maior contato da criança está na relação familiar, sendo um aspecto positivo para que novas atividades sejam estimuladas, perpetuando ou valorizando as diferentes brincadeiras criadas ao longo do tempo. Essa relação influencia positivamente na forma de brincar da criança. Diante desse contexto, questionamos aos investigados se os mesmos ensinavam brincadeiras que aprenderam na infância para seus filhos e os resultados seguem na tabela abaixo:

Tabela 1. Percentual de pais que ensinavam brincadeiras aos filhos

    Ensinar brincadeiras para seus filhos é um forte transmissor de cultura. Nos dados acima, o pai, em relação ao filho, ensina mais brincadeiras do que o pai em relação à filha. Isso pode ocorrer pelo fato de a maioria dos pais terem afinidade por futebol e brincadeiras em que se utilize a bola, influenciando de forma evidente na formação do estereótipo do menino. O que não ocorre com meninas, pois o pai percebe que menino brinca diferente de menina e que, não tendo muita afinidade, não saberia como brincar com as meninas. Já em relação à mãe, devido à proximidade de mãe e filho (a), não há essa distinção como ocorre com o pai. A cultura tem papel importante nas formas de brincar e dessa forma, na formação do indivíduo como um todo, bem como na reprodução das formas de brincar entre gerações de avós, pais e filhos, tendo como característica marcante a prática de atividades em que para os meninos predominam as ações sensório-motoras e para as meninas as atividades afetivas (CONTI; SPERB, 2001). “É através do brincar que a criança aprende conceitos básicos de sua cultura e da natureza que a cerca, treinando, ainda, as relações sociais que pautarão sua vida adulta com seus semelhantes” (MACIEL e FILHO, 2004, p. 02). No Brasil, por exemplo, estudos sobre o gênero têm dado destaque ao modelo hegemônico patriarcal, hierarquizado, espelho dos padrões mediterrâneos e demarcador da dominação masculina (RIBEIRO, 2006). Esse modelo é tão influente que começa a ter efeito desde cedo quando a criança começa a brincar.

    Quando perguntado aos pais se eles reprimiriam o carinho do seu filho como, por exemplo, um abraço em outra criança do mesmo sexo, 91.0% apontaram que não. Este percentual é bastante satisfatório, pois as crianças sentem-se livres para socializar independentemente do seu sexo. A interação da criança com outras é um dos principais elementos para uma ideal estimulação no espaço familiar, fazendo com que a criança adquira conhecimentos e habilidades, estabelecendo relações, e construa seu próprio ambiente físico e social, além da melhora de estímulos cognitivos positivos (ANDRADE et al. 2005). Além de que, a aprendizagem é construída por meio das interações sociais entre as crianças, pais, mães, educadores.

    Não há possibilidade de aprendizagem fora do convívio social. A inteligência é essencialmente interativa, aprende a lidar com as frustrações de perder, de ter que esperar sua vez, de nem sempre poder dirigir as brincadeiras e, com isso, passa a ter uma postura mais flexível e começa a perceber outras possibilidades de interação, sendo levada a aprender a ceder, improvisar, usar sua imaginação e intuição em equipe (ARANEGA et al. 2006).

    Diante da importância do brincar para a vida da criança, foi questionado aos pais o valor dado por ele à brincadeira dos filhos, e 96.5% responderam que brincar é importante. Ter a consciência de que o brincar é importante para os seus filhos é fundamental no desenvolvimento da criança, pois é a partir do brincar, da vivência de experiências, da exploração do ambiente ao seu redor e da estimulação frequente que há um fator essencial ao desenvolvimento físico e cognitivo da criança como, por exemplo, o jogo. A atividade de brincar é o aspecto mais importante da infância. Assim, o ato de brincar é relevante na formação do sujeito, uma vez que atua na construção da individualidade e serve de meio para a compreensão e introdução do sujeito à sua cultura (ARANEGA et al. 2006).

    O jogo pode influenciar na construção do indivíduo por aproximar a criança da realidade da vida pelas regras do jogo. Vygotsky (1979) apud Castro (2005) relatam a teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal, que consiste nas qualidades especificamente humanas do cérebro de conduzir a criança a atingir novos níveis de desenvolvimento. Assim, deve-se ter por objetivo não as funções maduras, mas as funções em vias de maturação. E o brincar é fundamental por possibilitar essas estimulações. Dessa forma, os educadores devem estimular atividades lúdicas à criança, onde o fator principal seja a criatividade e improvisação.

Conclusão

    Os pais definem a forma de brincar de seus filhos estabelecendo o que é brinquedo ou brincadeira de menino e de menina. As formas de brincar das crianças são influenciadas pelo que é julgado correto ou não pelos progenitores.

    O fato de a menina utilizar uma bola para brincar não causou tanto impacto ao pai quanto o fato de o menino usar uma boneca, esse comportamento determina uma estereotipização muito forte em relação ao menino. Os pais preferem que seus filhos brinquem com crianças do mesmo sexo e/ou em grupos mistos.

    Não é somente a escolha dos pais sobre com quem seus filhos brincam, mas também sobre as brincadeiras que são ensinadas pelos mesmos, ocorrendo uma forte transmissão de cultura principalmente entre os pais e seus filhos (meninos).

Referências

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