Oficina pedagógica: refletindo temas como corpo, gênero e sexualidade Talleres pedagógicos: reflexionando sobre temas como cuerpo, género y sexualidad |
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*Graduanda em Educação Física. Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS **Professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria Coordenador do Projeto PIBID- Educação Física (Brasil) |
Suélen de Souza Andrés* Rosalvo Luiz Sawitzki** |
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Resumo Este artigo é um relato de uma oficina pedagógica, pensada a partir de reflexões de minha prática docente dentro do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) numa escola de Santa Maria-RS. A oficina buscou fornecer a partir de atividades práticas algumas discussões relacionadas o corpo, gênero, sexualidade de forma a minimizar algumas barreiras. Esta foi pensada para crianças do terceiro ano do ensino fundamental que participam do Projeto Mais Educação, esse ao qual o PIBID se insere. A metodologia proposta incluía dez encontros com duração de cinqüenta minutos por semana, onde a cada encontro seria trabalhada uma temática, sendo esses divididos em dois momentos, primeiramente uma atividade prática e posteriormente um diálogo sobre esta atividade. A partir dessa oficina foi possível notar que é possível trabalhar temáticas ainda tidas como tabu na escola e que a faixa etária não é empecilho para a mesma, possibilitando notar mudanças no comportamento em relação a questões de corpo, gênero e sexualidade. Unitermos: Oficina pedagógica. Corpo. Gênero. Sexualidade.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 157 - Junio de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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João: - O último a sentar é “bichona” (risos)
Professora: - João1, o que é “bichona”?!
João: - É homem que namora outro homem!
Professora: - E qual o problema de um homem namorar outro homem?!
João: - É errado, tem que ser homem e mulher!
Professora: - E quem te disse isso?
João: - Ninguém!
Professora: - Então como tu sabes se é errado?
João: - Sabendo!
Cena ocorrida numa turma de segundo ano do primário,
com alun@s 2 com uma media de 8 anos.
Esse diálogo foi o ponto de partida para minhas reflexões a partir de minha prática docente, possibilitando ver só a “ponta do iceberg”. As ações inerentes a questão de sexualidade e gênero foram sendo identificadas no decorrer das aulas, então comecei a pensar uma oficina pedagógica que atendesse a questões de corpo, gênero e sexualidade. Nesse sentido pretendo relatar como se deu esta oficina dentro de uma escola pública de Santa Maria-RS.
A oficina buscou fornecer a partir de atividades práticas algumas discussões relacionadas o corpo, gênero, sexualidade de forma a minimizar algumas barreiras. Vendo que o campo da educação se organizou historicamente como um lugar disciplinador, normalizador e reprodutor das desigualdades, sendo passo crucial para promover a desestabilização das lógicas normativas, e dos compromissos clássicos próprios de uma política educacional concebida para estar a serviço de poucos. (JUNQUEIRA, 2009).
Como contra ponto, no âmbito escolar devem-se trabalhar possibilidades de pertencimento, isto é, a inclusão de todos num mesmo espaço de sociabilidade e a promoção da igualdade como principio ético para uma sociedade justa, esta deve primar pelo reconhecimento e respeito à diversidade de valores e comportamentos relativos à sexualidade em suas diferentes formas de expressão. (LIONÇO & DINIZ, 2009)
A produção de conhecimento não pode, em qualquer hipótese, estar distanciada da realidade. Desse modo, esta oficina pedagógica buscou a partir da realidade dessas crianças, que são de vulnerabilidade social
3, estar trabalhando com questões de corpo, gênero, sexualidade.Como a oficina foi pensada para crianças participantes do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), este trabalha em conjunto com o Projeto Mais Educação,
4 foi preciso conversar com a supervisora da escola e o coordenador do PIBID para a realização da oficina, com o total apoio de ambos. Então, começou-se a pensar como seriam as atividades da oficina e a quem elas seriam ofertadas.No primeiro momento a oficina foi pensada para atender a todos os 150 participantes com idade que variam de 8 a 15 anos. Entretanto o tempo não viabilizava o trabalho com todos, pois eu teria somente 50 minutos da terça-feira para realizar as atividades da oficina.
A metodologia proposta para esta oficina incluía dez encontros onde foram abordadas e discutidas algumas questões relacionadas a corpo, gênero, sexualidade, sendo que esses encontros ocorreram todas as terças-feiras das 11h30 às 12h30, entre as datas de 19/10 a 21/12, totalizando dez encontros com temáticas previamente determinadas.
As temáticas abordadas foram corpo, gênero e sexualidade. No primeiro encontro da oficina teve como tema o corpo sendo trabalhado numa perspectiva de conhecimento desse corpo através do toque, sendo sempre dividida em dois momentos, no primeiro momento uma atividade prática e no segundo momento um debate mediado pela professora.
Na questão de gênero foram tratadas as construções de feminilidades e masculinidades como características dos constructos sociais e culturais das sociedades modernas. O primeiro momento tratou as questões de gênero a partir de atividades cotidianas e no segundo bloco pensou-se em como as brincadeiras infantis e esportes corroboram estas distinções de gênero.
Na temática da sexualidade, problematizou-se o sexo em outros parâmetros que não somente reprodutivo e a partir disso abordou-se as formas dos corpos vivenciarem práticas sexuais diversas.
Como fechamento foi sugerido @s alun@s a construção de cartazes com frases e desenhos em uma das temáticas que problematize o trabalho realizado como proposta para o fechamento da oficina.
Antes de iniciar as atividades, foi feita uma pequena reunião com tod@s @s alun@s para explanar como seria desenvolvida a oficina, falando sobre as temáticas que seriam desenvolvidas e de como essas seriam problematizadas durante os encontros. Feito isso o primeiro tema foi Corpo, a atividade para esse primeiro encontro tinha como objetivo fazê-los perceber seus corpos e o d@s colegas através do toque, onde em duplas mistas e de mesmo sexo, dançariam e em determinados momentos a professora falaria partes do corpo que deveriam ficar encostados durante a dança.
Teve momentos da atividade em que alguns(mas) alun@s se recusaram a continuá-la, os meninos quando dançando juntos, poucos foram os que não viram problemas em estar de mãos dadas ou com as testas grudadas enquanto dançavam. Mas o problema maior foi nas duplas mistas, pois a não possibilidade de escolha da dupla gerou muito desconforto e muitos foram @s que não quiseram mais participar da aula, essa que teve que ser parada para conversar e convencer est@s alun@s a continuarem a atividade. Durante a abordagem para discussão algumas foram as perguntas bases: Com qual sexo se sentem mais a vontade? Por que os meninos não podem se tocar e as meninas sim? O que sentiram com a atividade?
Nesse momento muitos foram os comentários, alguns deles referentes a atitudes de alguns(mas) colegas que não quiseram mais participar ou que reclamaram da atividade, “os meninos não gostam de andar de dar as mãos por causa da reputação deles”. Joana
5, “as meninas sempre andam de mãos dadas, que nem namorados, mas é normal, porque elas demonstram os sentimentos”. Viviane, “menino com menino é coisa de boiola”. Pedro, “eu preferia me atirar de uma ponte a ter que dar a mão para essa guria”. Pedro em relação a sua dupla Larissa.Após esses comentários conversei com el@s que muitas vezes nas aulas de Educação Física perdemos tempo, por existir essa resistência ao/a outr@, que o tocar @ colega durante uma atividade não tem que ter um significado erotizado.(...)
Na segunda temática que foi gênero, trabalhei com el@s como se dão às construções de feminilidades e masculinidades a partir de atividades cotidianas, então fiz uma seleção de fotos de algumas pessoas em atividades diversas como: lavando roupa, cozinhando, dirigindo caminhão, cortando grama, pintando casa, jogando futebol, dançando bale, entre outros, toda via todas as atividades consideradas como sendo de homens, nas fotos eram mulheres que praticavam a ação e vice-versa.
Então era falada a atividade e perguntado para el@s “quem é que faz isso?”, no caso de dirigir o caminhão, quando perguntado “quem é que faz isso?” a resposta de tod@s foi “o homem”, então mostrei a foto com uma mulher dirigindo o caminhão, nesse momento houveram alguns comentários, “ahh prof, mulher nem sabe dirigir caminhão (risos)”, “claro né, caminhão é para homem dirigir”. Em todas as fotos houveram comentários parecidos com os citados acima. E foi partindo desses comentários que foram feitos questionamentos, Por que é coisa de homem/mulher? Por que homem/mulher não podem praticar determinadas atividades? Quem disse que é coisa de homem/mulher?
Com as respostas dos questionamentos acima fui percebendo como muitos preconceitos já estão arraigados desde cedo, e esses preconceitos não são naturais do ser humano, eles vão sendo construídos nas relações com @s outr@s, para isso Cruz e Palmeira nos traz: “As instituições, escola e família, são consideradas as principais responsáveis pela construção e/ou produção de conceitos equivocados, ou melhor, valores estereotipados a cerca de questões de gênero.” (CRUZ e PALMEIRA, 2009, p. 116).
É importante pontuar que as atividades de corpo e gênero foram tiradas de um livro fruto do Projeto Corpos, gêneros e sexualidades: questões possíveis para o currículo escolar, realizado pelo GESE (Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola) da Universidade Federal de Rio Grande.
Na última temática, haviam muitas idéias para se trabalhar com sexualidade, porém as dúvidas em mim se estabeleciam, como iria trabalhar a temática de forma que eu passasse segurança do que eu estava falando e que isso fizesse sentido a tod@s.
Então pensei em algo que preservasse as opiniões de tod@s, a atividade proposta então era bem simples, foi entregue uma folha para cada um/a e nela tinham três casais, um casal de homossexual masculino, um heterossexual e outro casal de homossexual feminino, e no enunciado pedia para que fizessem uma história para cada casal, alguns/mas indagaram “mas são casais de namorados/as?”, falei que sim, e que cada um fizesse o seu na folha, não ia o nome de ninguém somente o sexo de quem estava escrevendo as histórias.
Posteriormente a atividade, as histórias foram analisadas, dentre elas alguns aspectos podem ser tomados como relevantes, um desses aspectos é que boa parte das histórias tem final feliz, e esse final feliz significa casar e ter filhos. Como as histórias relatadas a seguir:
“os homossexual
Era uma vez dois homens, eles eram homossexual, eles eram muito apaixonados um com o outro, eles resolveram se casar. Mas o casamento não dava para acontecer porque eles eram homossexual. Mais eles falaram com o juiz e conseguiram se casar e viverão felizes para sempre.”
Menina
“o mundo dos homossexual
Elas eram um casal de mulher, elas se amavam e tentaram fazer uma menina, mais elas virão que não dava, elas ficarão triste”
Menina
Outras ainda baseavam-se em histórias de suas famílias:
“Eu tenho um primo que é gay e ele namora outro menino, todo mundo da família não aceita o meu primo ser gay, mas a família não podia fazer nada, alias meu primo que quis ser gay, também eles foram para a cama e se pegaram e também se lamberam na cama e começaram a fazer amor,também meu tio fez uma plástica nas partes intimas par se transformar em menina e virar “bicha” e a minha tia se apavorou. Fim”
Menina
Havia ainda muitos textos explicativos de cada casal, ainda que essas explicações se fundamentassem em estereótipos e preconceitos alicerçados na sociedade:
“Casal Gay
Casal gay é homem que namora homem, que beija homem e homem que não gosta de mulher. Ser gay não é só isso é também se vestir de mulher e ficar emocionado.
Menina
Portanto além das explicações “preconceituosas” havia um número significativo de palavras usualmente utilizadas para menosprezar e denegrir os sujeitos homossexuais.
“As “bibas”
Era uma vez um casal de “boiolas” chamados Monete e Raquiele que são muitos felizes, o sexo deles é homossexual.”
Menino
Quanto às expectativas em relação à oficina, posso enumerar a ampliação de conhecimento e crescimento pessoal que ess@s alun@s tiveram, pois durante as outras aulas que ocorriam na semana, era possível notar algumas atitudes, reflexo de nossas discussões, como exemplo, numa aula onde foram propostas duas atividades propositalmente para verificar a atitude del@s, uma delas, pular corda que é vista no contexto del@s como sendo de menina e o futebol que é de menino. A inserção tanto de meninas no futebol quanto de meninos no pular corda, foi melhor do que esperado.
Claro, que como toda mudança vai ocorrendo gradualmente. Esse foi um dos momentos onde foi possível notar uma quebra do normativo, no entanto, nem tod@s estão dispostas e repensar essas atitudes de forma não tradicional para os padrões de gênero.
Apesar de a oficina ter conseguido trabalhar todas as temáticas propostas, alguns tópicos não puderam ser trabalhados na sua integra devido ao tempo, pois quando chuvia, as crianças eram liberadas antes e a oficina não ocorria.
A experiência de trabalhar com essas crianças temáticas tão emergentes evidenciaram que é possível abordar esses temas, e que resistências sempre vão ocorrer, porém essas resistências também têm que ser respeitadas e compreendidas, pois o direito de todo ser humano termina onde começa o do outro.
Notas
O nome foi trocado para preservar o aluno.
Ao longo do trabalho adotarei o uso do símbolo @ no lugar do artigo o, trata-se de uma nova grafia para contemplar simultaneamente mulheres e homens em substituição ao sistema de universalização de sujeitos apenas no gênero masculino. Ver SANTOS, p. 16
Para conceito de Vulnerabilidade Social ver BORGES, Z.N. & MEYER, D.E.; SILVA, A.V.
O programa visa fomentar atividades para melhorar o ambiente escolar, tendo como base estudos desenvolvidos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), utilizando os resultados da Prova Brasil de 2005. Nesses estudos destacou-se o uso do “Índice de Efeito Escola – IEE”, indicador do impacto que a escola pode ter na vida e no aprendizado do estudante, cruzando-se informações socioeconômicas do município no qual a escola está localizada. Por esse motivo a área de atuação do programa foi demarcada inicialmente para atender, em caráter prioritário, as escolas que apresentam baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), situadas em capitais e regiões metropolitanas.
Os nomes usados são fictícios para preservar a identidades d@s alun@s citados.
Referências bibliográficas
BORGES, Zulmira Newlands and MEYER, Dagmar Estermann. “Limites e possibilidades de uma ação educativa na redução da vulnerabilidade à violência e à homofobia”. Ensaio: aval.pol.públ.Educ., Mar 2008, vol.16, no.58, p.59-76.
CRUZ, M.M.S.; PALMEIRA, F.C.C. Construção de identidade de gênero na Educação Física escolar. Motriz, Rio Claro, v. 15, n.1, p. 116-131, 2009
JUNQUEIRA, R. D. Políticas de educação para a diversidade sexual: escola como lugar de direitos. In: LIONÇO, M. DINIZ, D.(orgs.). Homofobia & Educação: Um desafio ao silêncio. Brasília: Letras Livres: EdUnB, 2009.
LIONÇO, M. DINIZ, D. Homofobia, silêncio e naturalização: por uma narrativa da diversidade sexual. In: LIONÇO, M. DINIZ, D.(orgs.). Homofobia & Educação: Um desafio ao silêncio. Brasília: Letras Livres: EdUnB, 2009.
RIBEIRO, P.R.C. Corpos, gêneros e sexualidades: questões possíveis para o currículo escolar. 2.ed. revisada e ampliada. Rio Grande: FURG, 2008. 123p. (Caderno Pedagógico – Anos Iniciais).
SANTOS, L.N. Corpo, gênero e sexualidade: educar meninas e meninos para além da homofobia/ Luciene Neves Santos- Florianópolis: Centro de desportos da Universidade Federal de Santa Catarina, 2008.
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