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Criatividade: uma dimensão imperativa para um futebol de qualidade

La creatividad: una dimensión imprescindible para un fútbol de calidad

 

Treinador de Futebol e Futsal

Especialista em Metodologia do Treinamento de Futebol e Futsal

Coordenador de Grupo de Estudos - Geffut

Rodrigo Vicenzi Casarin

chip_vic33@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O conceito de criatividade no futebol é insuficientemente discutido e segue entendido como um ato isolado individual descontextualizado de uma forma de jogar e até mesmo como uma dimensão não estimulada em função da aspereza do processo de treino-competição. Este artigo teve como foco apresentar conteúdos para desmistificação e sustentação de um conceito de criatividade pautado na complexidade. Foram descritos especificamente escopos relativos à criação de contextos criativos, a necessidade da organização e modelação do jogo através de jogos e a interação da criatividade individual e coletiva.

          Unitermos: Futebol. Criatividade. Complexidade. Contextos.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 157 - Junio de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A ação de viver é uma sutil manifestação do fabuloso movimento do universo em permanente “expansão criativa” e a criatividade humana pode ser considerada como uma extensão dessa força biocósmica expressada através de cada indivíduo e grupos de indivíduos. Todos os seres-humanos estão aptos para serem criativos, mas poucos atingem a magnitude da criatividade de sua área específica, muitas vezes por falta de estímulos, persistência e entendimento conceitual da natureza complexa da criatividade (ALENCAR; MARTINEZ, 1998; CRAFT, 2003; CROPLEY, 2004).

    Para Csikszentmihalyi (1990), a criatividade deve ser entendida pela complexidade, por meio da interação individual e coletiva com o ambiente específico. Esta tendência enaltece a importância da capacidade de interagir, inovar, resolver problemas, assumir riscos, em contextos marcados por mudanças constantes de ações, que requerem divergência e modificações de pensamento (WOODMAN; SCHOENFELD, 1990; LÓPEZ; NAVARRO, 2008).

    Sendo o futebol um contexto complexo, é necessário que o jogador seja capaz de solucionar problemas, e é na formulação de uma organização não austera e nos planos de resolução dos problemas estabelecido pelos treinadores que reside à magnitude da criatividade.

    Infelizmente em nossa sociedade (futebol) tem-se observado cada vez mais canais de extrema rigidez gerenciados pelos treinadores; jogadores robotizados que não conseguem resolver seus próprios problemas através de sua criatividade individual e muito menos identificar e resolver os problemas coletivos em prol da criatividade coletiva da equipe.

    Como o desenvolvimento da criatividade se articula com elementos que estimulam ou inibem o potencial criativo, observa-se que os elementos utilizados no processo de treino-competição nos últimos anos nitidamente vêm inibindo o potencial criativo dos jogadores e das equipes, tornando-os recursivos e monótonos (SOLER, 2003; JEFFREY, 2006).

    Sendo assim, este artigo tem por objetivo descrever as dimensões que abrangem o entendimento da criatividade dentro do contexto complexo e específico do futebol.

A criação de contextos criativos

    A mudança de “face” do futebol está bloqueando o aparecimento de jogadores criativos, capazes de solucionar os problemas no jogo através de respostas originais, eficazes e imprevisíveis, porque as ações rotineiras treinadas são pouco inovadoras e facilmente bloqueadas pelos adversários (COCA, 1985).

    Tem-se evidenciado prioritariamente uma crença no treino de futebol pela mecanização de gestos técnicos isolados, pela dependência de treinos físicos com moldes de esportes individuais e a utilização jogo 11x11, no espaço total do campo (WEIN, 2005). A degradação dos aspectos criativos ocorre quando os exercícios utilizados tornam-se radicalmente irreais ao contexto do futebol e sem referência ao jogo pretendido.

    O jogo de futebol implica que o treino seja criativo, de forma a modelar o contexto a partir de ações organizacionais controláveis, imprevisíveis e alteráveis, já que a resolução das situações competitivas não será sempre única (ARAÚJO, 2005; WEIN, 2005).

    A falta de qualidade criativa nos jogadores tem a ver com os estímulos onde os jovens aprendem a jogar futebol. Antigamente, a escola mais popular para descobrir os segredos do futebol era a rua, onde as carências eram supridas com imaginação e ilusão; atualmente essa tendência está cada vez menor e as escolas de futebol dos clubes não conhecem importância da criação de contextos criativos e passaram a formar trabalhadores mecânicos ao invés de jogadores de futebol (CRUYFF, 2002).

    A construção de contextos criativos no processo de treino-competição implica reconhecer que a criatividade incorpora uma variedade de dimensões (construção de jogos, regras modificáveis, tamanho do campo, implementação de materiais, variabilidade de decisão), enfim, um conjunto de constrangimentos contextuais criativos (DILLON, 2006).

    Com um adequado contexto de treino, as ações pretendidas para a equipe constituem-se com uma base para a atividade imaginativa, no qual permite criar novas possibilidades, relações, e explorar espaços desconhecidos. Quanto mais interativas as ações treinadas, mais rica é a rede relacional entre elas, contribuindo para a expansão da criatividade (CSIKSZENTMIHALYI, 1990).

    Também as ações do processo de treino-competição idealizadas pelos contextos criativos devem proporcionar um ambiente de alegria, felicidade, serenidade, motivação e emotividade. A criatividade não apenas vincula-se com variáveis cognitivas e motoras, as emoções também possuem um papel relevante durante o processo criativo (MARINA, 1993). Da mesma forma, a criatividade é associada à amplitude de atenção do participante na tarefa. Amplitude de atenção é um termo usado para se referir à quantidade e variabilidade de estímulos que o participante é capaz de visualizar e absorver na tarefa proposta (MEMMERT, 2007).

    Nesse contexto, a criatividade só é viável se for entendida como um complexo de dimensões, que formula e resolve problemas, sendo trabalhada na realidade criada, ou seja, em um processo de treino-competição de alta qualidade.

Organizar o jogo utilizando jogos para organizar a criatividade

    Para Gomes (2011), o jogo de futebol é uma dinâmica que emerge da interação dos jogadores e o modo como se relacionam é que faz com que haja uma dinâmica mais ou menos organizada, mais ou menos bonita e mais ou menos criativa. A dinâmica que os jogadores desenvolvem no jogo, transporta em si aquilo que o processo de treino-competição modela e um espaço potencial que não se conhece (GOMES, 2011). Deste modo, o jogo é uma dinâmica de interações modelada, que tem que comportar em si um espaço em aberto para o crescimento criativo dos jogadores e da equipe para que se possam constituir sistemas inteligentes (GOMES, 2011).

    Como visto, o futebol é um jogo complexo e requer que as equipes modelem a sua forma de jogar. A modelação é uma antecipação coordenada da tomada de decisão individual e coletiva dos jogadores e só será plenamente eficaz se os jogadores sentirem através de treinos complexos. Talvez o maior equívoco no futebol contemporâneo seja não entender a cararterística complexa do jogo e a necessidade de modelar uma forma de jogar. Também contemporaneamente constata-se a pouca utilização do jogo como veículo principal em ensino no processo de treino-competição. Aqueles que não entendem essa premissa, deixam de estimular a interação, a resolução de prolemas, a comunicação e a criatividade.

    Neste contexto, o jogo funciona como um veículo de construção de uma determinada forma de jogar, como um veículo de expressão individual e coletiva e um instrumento efetivo de desenvolvimento das estruturas cognitivas, emocionais e motoras. Assim, na construção de jogos deve-se por um lado entender o caráter liberto e por outro seguir uma determinada conexão, criando uma organização, que não deve ser excessivamente rígida. É necessário entender que ao utilizar o jogo como veículo metodológico, o jogador não deve ter a ilusão de que tudo é livre. A liberdade será uma consequência de uma ordem intencional organizada pelo treinador; se for estritamente rígida e excessivamente liberta não dará assas a criatividade específica que o jogo requer. Essa ordem deve ser bem entendida e balanceada.

    Para Oliveira (2004), devem-se construir ambientes jogados com diversas possibilidades de resolução de problemas contextuais, indo de encontro ás ações específicas pertencentes à equipe. Os jogos proporcionam a descoberta e produção de algo estabelecido pelo técnico e de algo novo ou original. Ao jogar, os jogadores exploraram, divagam, sonham, corrigem erros, aperfeiçoam a capacidade para enfrentar problemas e mantém certas ligações sistemáticas com as ações pretendias pelo treinador. Por isso, não basta apenas jogar o jogo tradiconal 11 x 11, é necessário modelar uma forma de jogar utilizando jogos, e somente com criatividade o treinador configurará os “seus jogos” para o “seu jogo”, mantendo o prazer, liberdade e a variabilidade de ações necessarias para efrentar a competição.

    Desta forma, os jogos dão sentido à aprendizagem. Ao envolver os jogadores na resolução dos problema propostos, eles habiutam-se e memorizam uma série de ações que no contexto de jogo real serão antecipadas e colocadas em prática.

    Enfim, a criatividade no jogo deve ser entendidada com uma ação que visa decidir, pensar e executar e solucionar o problema em função de determinados contextos, abrindo-se a possibilidade de inovar contantemente sem perda de identidade.

A criatividade individual e coletiva geradora da organização criativa

    Evidente que quanto mais rico o contexto, maior será o desenvolvimento da criatividade. Também é nítido que o desenvolvimento da criatividade depende do conhecimento sobre o ambiente que se está inserido. Fica difícil pensar que alguém poderá trazer contribuições significativas sem conhecer o contexto e as ações pretendidas para a realidade.

    No caso do futebol, após os jogadores conhecerem as particularidades da realidade, são necessário estímulos criativos para fomentar a criatividade individual e interelacioná-los no projeto comum que desenvolverá a criatividade coletiva da equipe.

    Popper (1995) afirma que, para evitar o anarquismo quando se vive em sociedade, a liberdade de cada indivíduo tem de estar organizada, de forma a permitir a emergência do individual. Transferindo essa ideia ao futebol, percebe-se que se criatividade individual não é especificamente organizada, as ações serão esporádicas e anárquicas, e não corresponderão à capacidade de criar uma intencionalidade prévia e um objetivo comum.

    A criatividade individual pode se tornar uma inovação, sob certas condições específicas, quando a expressão criativa é permitida e quando o apoio ao desenvolvimento de ideias criativas é acompanhado por todos (GLYNN, 1996). Ao estar organizado por um núlceo comum, fica mais fácil de criar; é aí que reside o fato da criatividade individual tornar-se uma ação inovadora em que se processa por uma dinâmica que busca a resolução de determinados problemas (LIEBOWITZ,2000). De fato, a criatividade individual refere-se às decisões cotextualizadas e flexíveis que articula-se com as decisões de toda a equipe (MEMMERT, 2007). 

    Ao falar-se da criatividade coletiva, logo se pensa no somatório das diversas criatividades individuais. Na concepção complexa, ela baseia-se na interação de todas as criatividades, desenvolvida de forma contextual e aberta, guiada por um fio condutor. Essa criatividade coletiva é considerada a capacidade de se comunicar com os outros, trabalhar por uma ideia comum, para definir e resolver problemas, aprender e desaprender, formando uma organização.

    Infelizmente, a palavra organização entendida no futebol de hoje prima pela rigidez e mecanicidade das ações e pela “robotização” dos jogadores. Ela reduz esta individualidade, impedindo a emergência do “eu” individual e, portanto, do “eu” coletivo criador (FONSECA, 2006). Qualquer noção de organização que procure diminuir ou eliminar o imprevisível e a criatividade, acentuando a mecanização das ações de jogo, limita a individualidade e a coletividade da equipe (FONSECA, 2006).

    É notório que no futebol é imprescindível perceber que os interesses do coletivo estão acima dos anseios pessoais. As equipes de futebol não existem para um jogador expor seus malabarismos descontextualizados. O jogo cresce tanto mais quanto mais a capacidade individual interferir positivamente no coletivo e quanto mais à organização coletiva possibilitar a firmação individual e, portanto, a criatividade coletiva (FONSECA, 2006).

    No futebol, a criatividade é singular a cada jogador, a cada posição, a cada equipe e a cada jogo e serve para ser transformada em rendimento e conseqüentemente em vitórias. Por isso, seu entendimento deve ser complexo, pois ela se expressa de diversas maneiras e se inter-relaciona com variadas dimensões. Não há como definir um protótipo para cada posição, para cada equipe; há declaradamente a necessidade de originar estímulos desafiantes aos jogadores, em que a criatividade individual esteja inserida na coletiva e a coletiva na individual, pois a criatividade exprime-se nessas escalas e de diferentes maneiras (FRADE, 2007).

Considerações finais

    Ao tentar desmistificar o conceito de criatividade apenas como um malabarismo ou um lance descontextualizado, não se pretendeu desvalorizar tais situações. É notório que a magia do futebol às vezes encontra-se nessas ocasiões, mas para tal ficar esplêndida, é necessário uma criatividade coletiva, em que todos (jogadores) estejam ligados ao mesmo cerne. Se conseguir-se interligar a criatividade individual com a coletiva e entender a interação entre ambas, certamente conseguirá se entender a complexidade inerente a expressão criatividade.

    Atualmente ainda visualiza-se a estranha rigidez da ordem e a malemolência descontextualizada do malabarismo sem objetivo como os extremos do pólo futebolístico. Para existir uma ponte entre a ordem e o malabarismo, um diferenciado juízo conceitual e metodológico da expressão criatividade e do processo de treino-competição torna-se imperativo.

    Nesse entendimento, a criação de contextos criativos entra em campo com o objetivo de formar jogadores e equipes criativas e com capacidade de resolver problemas, buscar novos desafios, conhecimentos e a diversidade que o futebol necessita. E o contexto só será criativo com o jogo, que incita os jogadores a pensar, aprender, descobrir, antecipar, reconhecer padrões, estimular as emoções e criar caminhos para a transformação. Como é necessário, os jogos devem ser estruturados visando a resolução de determinados problemas pertencentes à forma de jogar que a equipe aspira. Utilizando o jogo contantemente como veículo de treino-competição, a capacidade de estabelecer relações pré-estabelecidas e inusitadas para resolver problemas, além de identificar diversas alternativas para tais resoluções, se bem estruturados, constantemente oferecerão margem ao pensamento criativo.

    Ser criativo é uma condição permanente que dura toda a vida e criar no futebol é fabricar intencionalmente um forma de jogar com inovações que sejam eficazes e eficientes, o que conseqüentemente afetará a capacidade criativa dos jogadores e da equipe.

Referências

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