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Ângulo de fase em usuárias e não usuárias de tabaco

Angulo de fase en consumidoras y no consumidoras de tabaco

 

*Médico, Doutorando em Ciência Animal e Professor da UFPI

**Médico veterinário, Doutorando em Ciência Animal - UFPI

***Médico veterinário, Doutorando em Zootecnia – UFMG

(Brasil)

Francisco Teixeira Andrade*

frantean@gmail.com

Antônio Hosmylton Carvalho Ferreira**

hosmylton@hotmail.com

Maurício De Paula Ferreira Teixeira***

maumause@msn.com

 

 

 

 

Resumo

          O tabagismo interessa a todas as especialidades médicas, demais profissões das áreas saúde e social, face ao difuso e precoce início do uso e à gama de doenças relacionadas. O difícil tratamento do problema é inerente ao complexo quadro aditivo, à síndrome de abstinência correlata e a outros fatores como o receio de ganhar peso, sobretudo, em mulheres. Incorporar técnicas de prevenção à recaída, corrigir a alimentação, praticar regularmente atividades físicas e acompanhar a evolução do peso e de composição corporal são itens importantes do tratamento. A bioimpedância elétrica (BIA), possibilita a avaliação da composição corporal e a estimativa do ângulo de fase (ÂF), possível preditor do estado de saúde. Comparou-se o ÂF de mulheres não-fumantes (48), fumantes (49) e ex-fumantes (40). Embora mais elevado nas ex-fumantes, os ÂFs médios dos grupos não diferem significativamente entre si e nem daquele da população referência (ÂF = 5,56º). Comparando-se as freqüências de fumantes e ex-fumantes com ÂF menor ou igual ao da população referência, a odds ratio é de 1,47 (IC 95% = 0,64 a 3,41). Portanto, é 1,47 vezes maior a chance de haver mulheres com ÂF menor ou igual a 5,56º entre as fumantes se comparadas às ex-fumantes. Apesar das limitações, os dados da odds ratio sugerem que a avaliação do ÂF tem valor no acompanhamento e recuperação de ex-fumantes.

          Unitermos: Bioimpedância elétrica. Estado de saúde. Prognóstico. Ex-fumantes. Fumantes.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 157 - Junio de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Trata-se o tabagismo de doença crônica compulsiva, insidiosa e recidivante1 que resulta do repetido uso do tabaco2. O interesse pela doença se inicia desde a pediatria, face ao início precoce do uso por crianças e adolescentes e a negativa perspectiva por conta dos danos advindos das doenças tabaco-relacionadas que, certamente, se desenvolverão com o incremento da carga tabágica e interessarão a muitas especialidades médicas3 e demais profissões das áreas saúde e social. Entre os fatores que dificultam a cessação do uso estão a complexa síndrome de abstinência, que inclui o ganho de peso4,5, ambos exigindo atenção especial no curso do tratamento.

    Trabalhos clássicos assim como pesquisas e revisões recentes revelam a importância da atividade física regular na manutenção da saúde, na redução do risco relativo e na recuperação de doenças como as cerebrovasculares e cardiovasculares, para as quais o tabagismo, a alimentação e outros fatores concorrem em proporções distintas6,7,8.

    Dessa forma, no curso do tratamento, o acompanhamento por parte do educador físico e do nutricionista é de fundamental importância. A análise da composição corporal é útil para ambos os profissionais. Quando realizada por meio da bioimpedância elétrica (BIA), tem entre outras, a vantagem de permitir o acompanhamento das variações do peso, da composição corporal9 e a avaliação de prognósticos10.

    A BIA consiste no estudo das propriedades elétricas de materiais biológicos e suas modificações ao longo do tempo12. Sua mais popular utilidade é a predição da composição corporal humana mediante aplicação de adequada corrente alternada através do corpo, usando-se plessímetro tetrapolar apropriado. O equipamento mede a resistência (R) e reatância (Xc) elétricas do corpo, propiciando o cálculo do ângulo de fase (ÂF ou q) e da impedância elétrica (Z) mediante uso das fórmulas11:

    O parâmetro ÂF apresenta distribuição normal, mostra diferença significativa entre gêneros e decresce com a idade. Seu significado biológico, não totalmente esclarecido, parece ter importante papel prognóstico na clínica em geral10. Evidências quanto à confiança, relevância e utilidade do ÂF como índice prognóstico de sobrevivência e indicador nutricional em diversas situações clínicas, possibilitam a monitoração do estado nutricional quando de intervenções dietoterápicas12. Comparado a outras variáveis nutricionais, o ÂF mostra expressiva importância prognóstica ou preditora de complicações pós-operatórias13. Em pacientes submetidos a programa de reabilitação de diversas patologias, o ÂF é indicador do estado de saúde geral e do estado funcional14, além de mostrar associação com a mortalidade hospitalar15 e com o estado nutricional e de saúde de pacientes idosos16. No estudo de pacientes idosos, eutróficos e com diagnóstico de câncer de pulmão do tipo histológico não pequenas células, foi observada correlação negativa entre a perda de massa corporal e o ÂF17. Por outro lado, a associação com escores pediátricos de risco de mortalidade, indica a importância prognóstica do ÂF quanto à morbidade e mortalidade em pediatria18. Portanto, o ÂF é importante no acompanhamento de grande diversidade de situações clínicas19.

    Com o trabalho, objetivou-se estudar o ÂF como possível indicador do estado de saúde de mulheres em recuperação do tabagismo (ex-fumantes) quando comparadas a não-fumantes, fumantes e a uma população referência.

Métodos

    Por meio da bioimpedância elétrica, avaliou-se em estudo transversal, o ÂF de um grupo de 137 mulheres com idade entre 14 e 77 anos (38 ± 12 anos), das quais 49 eram fumantes, 48 não-fumantes, e 40 ex-fumantes, todas residentes em Teresina (PI), Brasil, e iniciantes de tratamento clínico para emagrecimento. Não foram incluídas mulheres que relataram ou evidenciaram outros distúrbios além daqueles relativos ao peso e ao uso do tabaco.

    Utilizou-se plessímetro tetrapolar modelo BIA-101Q RJL Systems (Clinton Township, MI, USA) para medida da resistência elétrica (R) e reatância elétrica (Xc), úteis para o cálculo dos respectivos ângulos de fase. As medições foram realizadas sempre no turno da manhã e seguindo protocolo proposto pelo fabricante do plessímetro quanto à posição dos adesivos (eletrodos), conforto ambiental e observância às recomendações prévias para a realização do exame, sobretudo o regular estado de hidratação dos indivíduos avaliados.

    Idade, peso, altura, temperatura corpórea e dados relativos à pratica da atividades físicas e ao hábito de fumar foram colhidos.

    Os grupos foram assim definidos: fumantes (FM) - as que confirmaram o consumo corrente do tabaco, independente da freqüência diária, da forma ou do tempo de uso; ex-fumantes (Ex-FM) - as que deixaram de fumar, independente de há quanto tempo; não-fumantes (Ñ-FM) – as que não afirmaram uso corrente do tabaco.

    Admitindo-se o ÂF como indicador do estado nutricional e de saúde, conforme sugere a literatura, utilizou-se como ÂF-referência local, a média dos ângulos de fase obtidos da BIA, anterior e analogamente realizada em 943 mulheres (G-REF) amostradas da população geral da mesma cidade, em condições similares, ainda que com outras finalidades científicas.

    Na rotina das avaliações seguiram-se princípios éticos relativos a investigações em humanos e, previamente à submissão aos exames, todos os voluntários participantes foram devidamente esclarecidos sobre o sigilo dos dados individuais e sobre os procedimentos da BIA: simples, indolores, rápidos, confortáveis, não-invasivos e inócuos.

    Os resultados foram submetidos à análise da variância, de acordo com os procedimentos do Statistical. Analysis System, SAS, 1986. A odds ratio e o teste de Kruskal-Wallis foram utilizados para comparar, entre os três grupos, freqüências de mulheres com ÂF menor ou igual ao ÂF médio do grupo referência.

Resultados

    No ambiente de realização dos exames a temperatura se encontrava entre 24 e 28ºC, enquanto a umidade relativa do ar oscilou entre 50 e 65%. A temperatura corporal dos avaliados esteve sempre dentro da faixa de normalidade (pré-condição para realização da BIA). Os demais resultados estão apresentados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4.

Tabela 1. Distribuição das mulheres conforme nível de atividade física que praticam

 

Tabela 2. Idade, índice de massa corpórea (IMC) e ângulo de fase (ÂF) de mulheres dos diferentes grupos e do grupo referência (média ± desvio padrão)

 

Tabela 3. Freqüências e percentagens de mulheres com ângulos de fase menores ou iguais à média do grupo referência (5,56º)

 

Tabela 4. Odds ratio (OR) obtida da comparação entre os grupos e entre as ex-fumantes e o grupo referência,

das freqüências de mulheres com ângulos de fase menores ou iguais à média do grupo referência (5,56º)

Discussão

    Dados da literatura mostram os seguintes valores para o ÂF: 6,93º ± 1,15º (1867 indivíduos de ambos os sexos), 7,48º ± 1,10º (832 homens) e 6,53º ± 1,01º (1135 mulheres), com diferença significativa entre gêneros (P<0,001), decrescente com o aumento da idade, diretamente associado ao IMC e inversamente associado à percentagem gordura, sendo esta última associação, em homens10. Na presente investigação, valores significativamente menores foram constatados para ÂF da população local: 5,86º ± 0,92º para (1253 indivíduos de ambos os sexos), 6,76º ± 0,95º (310 homens) e 5,56º ± 0,69º (943 mulheres, referência para o presente trabalho), sendo diretamente associados ao IMC e inversa e inexpressivamente associados à percentagem gordura tanto em homens, quanto em mulheres.

    Os ÂFs médios dos grupos não diferem significativamente entre si e nem do grupo referência, embora seja ligeiramente mais elevado o ÂF das ex-fumantes (Tabela 2). A idade, significativamente mais elevada nas ex-fumantes, contrariaria este achado, porém, não é um determinante de importância para o ÂF. A propósito, fazendo-se a regressão de ÂF contra a idade no grupo referência, tem-se: y = - 0,0102x + 5,9021 com R2 = 0,0491, que projeta ÂFs de: 5,58º, 5,50º e 5,46º para as idades de 32, 39 e 43 anos, respectivamente. Usando-se os dados reais de mulheres com estas idades no grupo referência, encontra-se ÂFs de: 5,80º, 5,77º e 5,59º para as idades de 32, 39 e 43 anos, respectivamente. Embora sem diferenças significativas entre esses valores, é possível que o mais elevado ÂF médio, encontrado nas ex-fumantes 5,65º, acima do valor projetado e do valor médio real para a idade (43 anos), seja indicador do estágio de recuperação dos danos, agressões e desafios sofridos ao longo do período de exposição ao tabaco.

    A inexistência de diferença significativa entre os IMCs médios dos grupos de fumantes, não-fumantes e ex-fumantes, reduz a importância dessa variável como fator de variação dos ÂFs. Algo, de certa forma, corroborado pelos pequenos valores de R2 encontrados na relação do IMC e da percentagem gordura com o ÂF.

    A redução do ÂF é indicativa de pior estado de saúde20. Ao se comparar, entre os grupos, as freqüências de indivíduos com ÂFs maiores versus ÂFs menores ou iguais ao valor médio no grupo referência (5,56º), embora as diferenças não sejam significativas (teste de Kruskal-Wallis), as odds ratio encontradas mostram que as chances de ocorrência de mulheres com ÂFs piores são menores no grupo de ex-fumantes (Tabela 4), sugerindo como verdadeira a hipótese de que o ÂF retrate o estágio de recuperação da agressão tabágica sofrida. A odds ratio entre fumantes e ex-fumantes denota que é 1,47 vezes maior a chance de haver mulheres com ÂF menor ou igual a 5,56º entre as primeiras que, certamente, estão em pior situação de saúde, ou seja, possuem pior prognóstico.

    Embora não conclusivo, o trabalho aponta limitações como a necessidade da ampliação amostral de forma a possibilitar estratificação por idade, melhor caracterização da carga tabágica (inclusive com investigação da condição de uso passivo do fumo entre não-fumantes e ex-fumantes), do tempo de recuperação das ex-fumantes e de dados mais precisos acerca da prática de atividades físicas. Ainda assim, os resultados sugerem que a avaliação do ÂF tem valor no acompanhamento e recuperação de ex-fumantes.

Agradecimentos

    Agradecemos às pessoas que, na condição de voluntárias, nos permitiram o uso dos dados resultantes de suas avaliações de composição corporal, possibilitando a realização trabalho. Somos gratos aos proprietários da Clínica Acompanhantes do Emagrecimento (Teresina – Piauí), pela cessão do espaço físico onde as avaliações de composição corporal foram realizadas.

Referências

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  20. Kyle U. G. et al. Bioelectrical impedance analysis - part II: utilization in clinical practice. Clinical Nutrition. 2004b; 23:1430–1453.

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