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Ética e Educação Física escolar: reflexões e possibilidades

Ethics and school Physical Education: reflections and possibilities

Ética y Educación Física en la escuela: reflexiones y posibilidades

 

*Mestre em Ciências da Motricidade pela UNESP – Rio Claro

Docente das Faculdades Integradas Claretianas

**Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano

pela USP, São Paulo. Docente da Universidade Estadual Paulista. Rio Claro

(Brasil)

Fernanda Moreto Impolcetto*

fe_moreto@yahoo.com.br

Suraya Cristina Darido**

surayacd@rc.unesp.br

 

 

 

 

Resumo

          O desenvolvimento de uma educação voltada para a cidadania pressupõe a apresentação de questões sociais que contribuam para a aprendizagem e reflexão dos alunos, que ofereçam a possibilidade de uma visão ampla e consistente da realidade da qual fazem parte e proporcione o desenvolvimento da capacidade de posicionar-se diante das questões que interferem na vida coletiva. O presente trabalho apresenta reflexões sobre a inclusão do tema transversal ética, indicado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs/BRASIL, 1998), nas aulas de Educação Física escolar, indicando algumas possibilidades para a inserção dos princípios de respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo nessas aulas.

          Unitermos: Ética. Educação Física escolar. Temas transversais.

 

Resumen

          El desarrollo de educación centrada en la ciudadanía supone la presentación de cuestiones sociales que contribuyen al aprendizaje y reflexión de los estudiantes, ofreciendo la posibilidad de una visión amplia y coherente de la realidad de la que forman parte y proporciona el desarrollo de capacidades para situarse frente a los problemas que afectan la vida colectiva. Este artículo presenta reflexiones sobre la inclusión del tema transversal ‘ética’, según lo determinado por los Parámetros Curriculares Nacionales (PCNs/BRASIL, 1998), en las clases de educación física, indicando algunas posibilidades para la inclusión de los principios de respeto mutuo, justicia, solidaridad y diálogo en las clases.

          Palabras clave: Ética. Educación Física escolar. Temas transversales.

 

Abstract

          The development of an education focused on citizenship presupposes the presentation of social issues that contribute to students learning and reflection, offering the possibility of a wide and consistent view of the reality where they are part of; and provides development of the ability to position in front of the issues that affect the collective life. This work presents reflections on the transversal theme, ethics, as indicate by Parametros Curriculares Nacionais (PCNs/BRAZIL, 1998), in physical education school classes, indicating some possibilities for the inclusion of the principles of mutual respect, justice, solidarity and dialogue in these classes.

          Keywords: Ethics. School Physical Education. Transversal themes.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 156 - Mayo de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Buscar o desenvolvimento de uma educação voltada para a cidadania, requer segundo os PCNs (BRASIL, 1998) a apresentação de questões sociais que efetivamente contribuam para a aprendizagem e reflexão dos alunos, que ofereçam a possibilidade de uma visão ampla e consistente da realidade da qual fazem parte e proporcione o desenvolvimento da capacidade de posicionar-se diante das questões que interferem na vida coletiva.

    Na perspectiva de consolidar este objetivo, o documento apresenta os Temas Transversais, alguns temas sociais emergentes, indicando-os como questões geradoras da realidade social, que, portanto, necessitam ser problematizados, criticados, refletidos e possivelmente encaminhados.

    De acordo com Darido et al (2001) este conjunto de temas propostos pelos PCNs (BRASIL, 1998) recebe a denominação de “transversais” pois podem e/ou devem ser trabalhados por todos os componentes curriculares. Deste modo, sua interpretação pode se dar entendendo-os como as ruas principais do currículo escolar que necessitam ser atravessadas por todas as disciplinas.

    A reflexão ética aparece como eixo norteador dessa concepção, pois envolve posicionamentos e idéias a respeito das causas e efeitos de sua dimensão histórica e política. Discute sobre temas como a liberdade de escolha, interroga sobre a legitimidade de práticas e valores consagrados pela tradição e pelos costumes sociais, abrangendo a crítica das relações entre os grupos, dos grupos nas instituições e ante elas, como também a dimensão das ações pessoais. Trata ,portanto, de discutir o sentido ético da convivência humana nas relações com várias dimensões da vida social, como o ambiente, a cultura, o trabalho e o consumo, a sexualidade e a saúde (BRASIL, 1998).

    Especificamente em relação ao tema transversal ética, os PCNs (BRASIL, 1998) apresentam quatro princípios básicos nos quais o embasamento da prática pedagógica é proposto, sendo eles: o respeito mútuo, a justiça, a solidariedade e o diálogo.

    Pensando na inclusão destes princípios nas aulas de Educação Física, será que um trabalho de valorização do diálogo pode ajudar na resolução dos conflitos que geralmente acontecem nessas aulas? O que pode ser feito para que os alunos respeitem as diferenças individuais? Ética no jogo implica em respeito pelo adversário? Os jogos podem possibilitar discussões sobre valores éticos? A televisão pode auxiliar o professor de Educação Física no trato de questões referentes a valores e ética?

    O objetivo deste trabalho é refletir sobre a inclusão do tema transversal ética nas aulas de Educação Física escolar, indicando algumas possibilidades para a inserção dos princípios de respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo nessas aulas.

A Ética

    O conceito de ética está diretamente relacionado aos contextos históricos e culturais que marcam o desenvolvimento e a vida das diversas sociedades. Estes contextos diversos nos revelam que, com o passar do tempo, as sociedades sofreram mudanças e, desta maneira, também os homens que a compõem. Práticas que são condenadas pela sociedade atualmente, como a escravidão, por exemplo, já foram legítimas tanto na Grécia Antiga quanto no Brasil.

    Dentro de cada cultura, criada a partir de diversos grupos com formas peculiares de viver, foram elaborados vários princípios e regras que regulam a convivência entre seus membros. Estes princípios e regras específicas possuem a função de indicar os direitos, deveres e obrigações dos indivíduos que participam da vida comum de uma sociedade. Os valores transformam-se em propriedades que são atribuídas pelos seres humanos à realidade, por meio das relações que são estabelecidas entre si e com essa realidade, transformada continuamente.

    Sendo assim, é por meio da criação cultural de cada grupo social que se instala a referência sobre o que se é e o que se deve ser. O que se deve fazer é traduzido numa série de determinações criadas pelas sociedades para orientar a conduta dos indivíduos. E este seria o campo da moral e da ética (BRASIL, 1998).

    De acordo com os PCNs (BRASIL, 1998) apesar das palavras moral e ética possuírem o mesmo significado etimológico (mores, no latim e ethos, no grego, remetem a definição de costume) os conceitos incorporaram ao longo do tempo significações diferenciadas. A moral é considerada como “o conjunto de princípios, crenças e regras que orientam o comportamento dos indivíduos nas diversas sociedades”, enquanto a ética é classificada como a “reflexão crítica da moral” (p.49).

    Considerando tal definição, podemos verificar que a moral torna-se o campo no qual predominam os valores relacionados ao bem e ao mal, como aquilo que deve ser buscado e o que deve ser afastado. É importante ressaltar, porém, que o conteúdo destas noções é concretizado no interior dos contextos sociais específicos e varia muito de uma sociedade para outra, de acordo com as culturas, interesses, poderes e conflitos que as regem. Sendo assim, a moralidade é componente de todas as culturas e sua dimensão está presente no comportamento de cada pessoa em relação às outras, das culturas e dos povos entre si.

    No entanto, quando ocorrem conflitos a partir de questões complexas (por exemplo, a legalização do aborto) é que se constatam os limites das respostas oferecidas pela moral e neste ponto entramos no domínio da ética, a partir da necessidade de problematizar respostas e verificar a consistência de seus fundamentos.

    Sendo assim, a ética possui a característica de não ser normativa, pois quando se realiza uma reflexão ética, pergunta-se sobre a consistência e a coerência dos valores que norteiam as ações, buscando o esclarecimento e questionamento a respeito dos princípios que orientam as ações, para que elas adquiram um significado autêntico no âmbito das relações.

    A função da ética, portanto, seria verificar a coerência entre a prática e os princípios, questionando, reformulando e fundamentando os valores e as normas componentes da moral, num constante movimento que vai da ação para a reflexão sobre os sentidos e fundamentos da moral, da reflexão retornando para a ação revigorada e transformada.

    Nas aulas de Educação Física a vivência de diferentes sensações como irritação, excitação, prazer, cansaço, somadas a estados intensos de emoções, sentimentos de satisfação, medo, vergonha, alegria e tristeza tornam-se um desafio à racionalidade das crianças e adolescentes, na medida que demandam controle e adequação na expressão destes sentimentos e emoções, pois são processados em um contexto no qual as regras, os gestos, as relações interpessoais e suas conseqüências são claramente delimitadas. Além disso, geralmente são experiências diferentes das vivenciadas nas salas de aula e na vida cotidiana.

    Na verdade, esta complexa estrutura é que possibilita a riqueza e a contradição das práticas da cultura corporal, principalmente nas situações que envolvem interação social e intensa mobilização afetiva, em que o caráter ético dos indivíduos torna-se explícito por meio de atitudes que permitem a tomada de consciência e a reflexão sobre os valores mais íntimos.

    Assim, cabe ressaltar as possibilidades que estas situações vivenciadas nas aulas de Educação Física oferecem para a construção de formas funcionais de praticar e refletir sobre os valores que as permeiam, sob a constatação de que apenas a prática das atividades e o discurso dos professores resultam insuficientes na sua transmissão e incorporação pelos alunos.

Os componentes da ética na Educação Física escolar

Respeito mútuo

    A afirmação do respeito mútuo fundamenta-se no princípio de que todos os indivíduos merecem ser respeitados independentemente de sua origem social, etnia, religião, sexo, manifestações sócio-culturais, opinião etc., pois o respeito implica na valorização de cada indivíduo de acordo com sua singularidade e as características que o constituem.

    Uma sociedade com bases democráticas exige que se respeite a dignidade do ser humano e a convivência com respeito no ambiente escolar é a melhor experiência que pode ser oferecida ao aluno pois, desta maneira, além de vivenciar ele pode refletir sobre o respeito nas diferentes áreas de conhecimento, aprendendo a respeitar e a exigir respeito (PCNs/BRASIL, 1998).

    Para que os alunos sejam capazes de exercer o respeito mútuo, é imprescindível que professores e administração também o façam, o que exige coerência entre o discurso e a prática cotidiana.

    Assim como no contexto escolar de forma geral, nas aulas de Educação Física há meninos e meninas, alunos com características diferentes, alguns com limitações no desempenho, outros habilidosos para determinadas atividades, alunos portadores de necessidades especiais, outros tímidos e resistentes à aproximação etc. Todos os alunos estão, como na sala de aula, usufruindo o mesmo direito à educação e à participação.

    Nas situações de preconceito como aquelas em que se estigmatizam indivíduos com apelidos pejorativos, por exemplo, os alunos cuja aparência não corresponde a um “modelo” criado e ocasionalmente valorizado, todos devem ter consciência para identificar e repudiar as situações de desrespeito, assim como de humilhação e vergonha.

    Em relação aos alunos menos habilidosos para as modalidades esportivas tradicionais das aulas de Educação Física sugerimos a inclusão de outras modalidades, com o objetivo de oportunizar a participação do maior número possível de alunos. Nos campeonatos realizados nas escolas, além das modalidades tradicionais, outras como o atletismo, a dança, jogos da cultura local podem ser adicionadas. Sugerimos também, quando o espaço permitir, a realização de mais de uma atividade por vez, para que um número maior de alunos possa participar, cada um na modalidade que se considerar mais capaz.

    Com a inclusão dos alunos portadores de necessidades especiais, os professores podem incentivar as turmas a promover adaptações para que estes possam participar das atividades das aulas. Além disso, surge a possibilidade de que todos aprendam a lidar com as limitações e dificuldades que os indivíduos apresentam.

    Na interação com os adversários em um jogo ou modalidade esportiva, o respeito mútuo pode ser exercido na busca pela participação na atividade de forma leal e não-violenta. A colaboração, a cooperação, o respeito às regras do jogo, dos limites de determinadas brincadeiras, são todas questões que podem ser tratadas pelos professores nas aulas de Educação Física buscando desenvolver o princípio do respeito mútuo.

    Em relação aos meios de comunicação, o professor pode incentivar debates e discussões, especialmente em relação aos jogos de futebol transmitidos pela televisão, nos quais se assistem atitudes incompatíveis com o respeito mútuo, como faltas violentas e desleais, tentativas de se enganar o juiz, lances ilegais, gols cometidos de maneiras irregulares etc.

    Atitudes como estas, muitas vezes, são glorificadas. Um jogador que marcou um gol com a mão salvando seu time da derrota é valorizado por sua esperteza em vez de ser criticado por sua atitude “anti-esportiva”. Exemplos como estes somados à importância que o futebol representa na sociedade brasileira, conduzem a necessidade de se refletir sobre todos os valores e atitudes nele presente.

Justiça

    O princípio da justiça, além de basear-se na busca da igualdade de direitos e oportunidades, pressupõe a consideração das condições concretas das situações e dos sujeitos envolvidos para o julgamento do que é justo ou injusto.

    O critério da igualdade indica que todas as pessoas têm direitos iguais, não existe razão para que sejam tratadas de maneiras diferentes ou que alguns grupos recebam mais privilégios que outros, contudo deve-se considerar a igualdade de direitos articulada às diferenças que caracterizam os indivíduos.

    Deste modo, de acordo com os PCNs (BRASIL, 1998) este conceito deve ser ampliado pelo de equidade, pois, na grande maioria das vezes, as pessoas não se encontram em posição de igualdade. Existem as diferenças físicas, de condições sociais, econômicas etc. Seria injusto não considerar essas diferenças, por exemplo, ao destinar crianças e adultos aos mesmos trabalhos, assim como, dar igual recompensa ou castigo a todas as ações, punir um crime de infração e um de assassinato da mesma maneira ou atribuir a mesma nota a todos os alunos.

    No contexto escolar, atuar com justiça nas diferentes situações que se apresentam é um desafio muito grande, pois não existe um modelo que indique como ser justo, muito menos métodos que garantam esse aprendizado, já que as situações reais são sempre complexas.

    Tratando-se de um princípio, a legitimação da justiça envolve a construção conceitual, o aprendizado de procedimentos e o desenvolvimento de atitudes. Decorre disso a necessidade de que a escola seja uma “sociedade justa”, na qual as relações e sua própria organização estejam orientadas de acordo com parâmetros de justiça (PCNs/BRASIL, 1998).

    A escola pode desenvolver um papel fundamental para que os alunos adquiram a capacidade de se pautarem pelo princípio da justiça de modo autônomo, e, para que isso aconteça, algumas condições se fazem necessárias.

    É fundamental que os alunos tenham conhecimento das normas de conduta estabelecidas pela escola, que estas estejam relacionadas à aprendizagem e que sejam expostas e explicadas. Os deveres também devem ser compreensíveis, normas ambíguas impedem que os alunos saibam o que exatamente se espera deles e o que se cobra. Os direitos devem ser esclarecidos para que saibam quando estão sendo injustiçados.

    Nas aulas de Educação Física os professores também devem estar atentos a todas estas questões, às normas para o bom andamento das aulas e a preservação da segurança dos alunos devem ser expostas e esclarecidas de modo que todos entendam a necessidade de se respeitá-las. Por exemplo, dirigir-se à quadra em silêncio e sem correria evita atrapalhar as outras classes e o contato brusco com outros alunos, o que pode ferir a integridade física de alguém.

    É imprescindível ainda que os professores tenham conhecimento do regimento escolar e das leis que permeiam o campo educacional, para que nenhum tipo de infração seja cometida no ambiente de trabalho, como atitudes de preconceito, humilhação, exclusão, discriminação, etc.

    É preciso ter claro que as sanções devem punir somente os culpados (por exemplo, não optar por aplicar castigo a uma classe toda por não conhecer o responsável pelo delito), ser aplicadas de maneira justa, por reciprocidade, ou seja, proporcionais à falta cometida.

    Aplicar castigos físicos também é algo que deve ser totalmente evitado, pois pode humilhar os alunos, enquanto as sanções coletivas podem causar sentimento de revolta e injustiça nos que não têm culpa e estão sendo punidos.

    O professor deve estar muito atento também para a questão da inclusão dos alunos nas aulas, pois independentemente de suas habilidades, todos têm o mesmo direito de usufruir as atividades propostas.

    A respeito das relações entre a afetividade e a racionalidade, uma situação freqüente no cotidiano escolar e nas aulas de Educação Física é o conflito que se estabelece entre a afetividade e o limite, quando por exemplo, um professor tenta impor limites de uma maneira mais branda, demonstrando sua afetividade e os alunos acabam por não levar tão a sério. Outra variável para esta questão diz respeito ao sentido que é atribuído ao “não” dependendo do aluno que está sendo censurado: o “não” atribuído um aluno bom é igual ou tem o mesmo sentido do emitido a um aluno considerado “bagunceiro”?

    Não podemos deixar de considerar que o componente da afetividade faz com que os professores acabem por criar laços com determinados alunos que são diferentes em relação a outros, por isso, a necessidade em se procurar sempre estabelecer uma postura que não demonstre qualquer tipo de injustiça frente a uma mesma falta cometida por alunos diferentes.

    Atuar com justiça em todas as situações que ocorrem no contexto escolar é muito difícil, pois vários fatores fazem com que cada caso seja diferente. No entanto, os professores devem estar sempre muito atentos para não cometer injustiças com os alunos, especialmente diante da classe. Tratamentos privilegiados são percebidos pelos alunos e constituem injustiças, já que por direito todos devem ser tratados da mesma maneira.

    Durante o desenvolvimento das aulas, outras situações como o confronto com o resultado de um jogo e a presença do árbitro, permitem a vivência e o desenvolvimento da capacidade do julgamento de justiça. O respeito às regras torna-se necessário para que o jogo seja “limpo”, qualquer infração resulta em um ato de injustiça contra a equipe adversária e o contrato estabelecido por meio das regras.

    Estes são exemplos de situações para as quais os professores devem estar atentos e que podem ser utilizadas nas aulas de Educação Física para o desenvolvimento do princípio da justiça que, além de fundamental no contexto escolar e das diversas áreas de conhecimento, também o é para a vida em sociedade.

Solidariedade

    A solidariedade pode ser considerada como a expressão concreta do respeito que os indivíduos tem entre si, demonstrando sentimentos de interdependência e pertinência, por meio dos quais a pessoa ou comunidade se sente unida e adquire como dever compartilhar interesses e ideais, considerando a repercussão de seus atos na vida coletiva (PCNs/BRASIL, 1998).

    Podemos considerar que existem diversas formas de ser solidário, como ajudar pessoas necessitadas engajando-se em campanhas de socorro, por exemplo, em prol de vítimas de terremotos ou enchentes e participar ativamente do espaço público e na vida política (PEREIRA-AUGUSTO, 2001).

    Na escola o desenvolvimento do princípio da solidariedade deve passar pela prática e reflexão, por meio das quais os alunos sejam levados a pensar e a praticar sobre ela, juntamente com os outros valores.

    A organização e a participação em ações comunitárias, o aprendizado de primeiros socorros, a formação de uma biblioteca comunitária, o engajamento em campanhas de saúde, contra as drogas, a preservação do meio ambiente, são exemplos de atividades que podem ser estimuladas pela escola para que os alunos se envolvam na resolução de problemas reais (PEREIRA-AUGUSTO, 2001).

    Nas aulas de Educação Física, muitas situações podem proporcionar o desenvolvimento da atitude solidária nos alunos. Por exemplo, em relação aos alunos portadores de necessidades especiais é preciso que se crie um ambiente de acolhida, no qual estes alunos possam participar das atividades da melhor maneira possível, sem sofrer qualquer tipo de discriminação.

    Essa participação é tão importante para o aluno especial quanto para os demais que têm a oportunidade de aprender a lidar com uma situação diversa, respeitando as limitações do outro e contribuindo para que cada vez mais elas sejam minimizadas.

    A convivência com estes alunos pode ser muito valiosa para toda a comunidade escolar no sentido de que permite que todos os alunos aprendam a convier com as limitações e diferenças das pessoas, além disso, nas aulas de Educação Física, por exemplo, pode mobilizar os alunos a procurar meios que facilitem a participação dos alunos especiais nas atividades físicas realizadas. Por meio do conhecimento, da vivencia de situações concretas e pela reflexão sobre elas é que os alunos podem construir uma postura solidária.

    As atividades em grupo, principalmente os jogos, em que é fundamental o trabalho em equipe, podem estimular a partilha e a cooperação, fazendo com que a solidariedade possa ser exercida e valorizada. Como isso não ocorre naturalmente, torna-se muito importante a intervenção pedagógica do professor.

    Aulas nas quais algumas noções de primeiros socorros sejam ensinadas também podem preparar os alunos para lidar com questões deste tipo quando necessário, assim como a elaboração de uma lista com os principais números de telefones que podem ser consultados em situações de emergência.

    Incentivar os alunos a fazer um levantamento através de pesquisas sobre os locais públicos da cidade que oferecem a possibilidade da prática gratuita de atividades físicas para que sejam divulgados para a comunidade, também é um exemplo de ato solidário que pode ser executado pelos alunos.

Diálogo

    O ato da comunicação é inerente aos seres humanos e pode ser praticado em diversas dimensões, como a expressão corporal por meio de gestos ou olhares, uma conversa entre duas pessoas, um debate público, uma discussão científica etc. (PCNs/BRASIL, 1998).

    De acordo com os PCNs (BRASIL, 1998), pela própria necessidade que o homem possui de se comunicar, um dos objetivos mais importantes da educação é, sem dúvidas, fazer com que os alunos consigam participar do universo da comunicação criado pelos homens, para que, utilizando os instrumentos de que ela dispõe, consiga elaborar e emitir suas próprias mensagens.

    Os PCNs (BRASIL, 1997) indicam que a relação professor-aluno tem uma importância fundamental neste processo, a fala do professor dever ser sempre muito clara e objetiva, evitando-se ambigüidades. Da mesma forma, deve exigir dos alunos clareza, evitando a ocorrência de expressões vagas que permitam interpretações variadas.

    Neste sentido, o diálogo será um instrumento fundamental na escola para que o aluno participe do processo de ensino-aprendizagem interagindo com o professor e os colegas. Deve ser utilizado ainda sempre que necessário para o esclarecimento e superação de conflitos.

    A participação de toda a comunidade escolar deve ser valorizada na elaboração e efetivação de projetos, na discussão e implementação das normas e regras escolares, e em todas as atividades cujo desenvolvimento envolva a aprendizagem dos alunos. Neste processo, as opiniões devem ser respeitadas, as decisões baseadas em critérios de justiça, nas quais a solidariedade e o bem comum sejam priorizados.

    Nas aulas de Educação Física o diálogo é instrumento fundamental para o desenvolvimento dos conteúdos e atividades, nas quais as possibilidades de construções coletivas devem ser valorizadas.

    Nos trabalhos em grupo, a cooperação obtida propicia o estabelecimento e cumprimento de contratos, e é onde os alunos aprendem a honrar a palavra empenhada e constituem relações de reciprocidade.

    O professor pode estimular os alunos na construção de jogos e brincadeiras, nos quais as regras sejam estabelecidas por meio democrático através do diálogo. Assim, o descumprimento do que foi combinado estabelece uma relação de responsabilidade dos participantes pela conseqüência de suas atitudes relativas à própria atividade.

    As situações de conflito geradas durante as aulas de Educação Física podem proporcionar situações de diálogo, nos quais as soluções mais justas possam ser encontradas com base no respeito mútuo entre as partes envolvidas. Desta maneira, evita-se que a lei do mais forte seja imposta e que os direitos de cada um sejam respeitados por todos.

Considerações finais

    Considerando que o comportamento e as atitudes são fatores de fundamental importância para a formação do cidadão crítico e reflexivo, é que justifica-se a inclusão da ética no curriculos escolares como condição fundamental para uma formação que vise à preparação de indivíduos conscientes que possam atuar em uma sociedade justa e democrática.

    Sendo, pois, a formação ética uma das funções da formação escolar, apresentamos neste trabalho, reflexões sobre o tema transversal ética e possibilidades para a inclusão dos principios do respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo, indicados como componentes da ética pelos PCNs ( BRASIL, 1998) nas aulas de Educação Física escolar.

    Entendendo que a Educação Física escolar, como componente curricular da Educação Básica também é responsável pela formação dos alunos para a cidadania, é que acreditamos na inclusão dos temas transversais e especificamente neste trabalho, do tema transversal ética, de modo intencional nas aulas, talvez assim, como indica Betti (1999) possamos desenvolver em nossos alunos as capacidades necessárias para a reivindicação e o exercício dos direitos que garantem o bem estar social, de uma maneira crítica e criativa. Esta é uma possibilidade de contribuição da Educação Física para a construção da cidadania democrática e participativa.

Referências bibliográficas

  • BETTI, Mauro. Educação Física, esportes e cidadania. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.20, n.2, p.84-92, 1999.

  • BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais e ética / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

  • BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos: Apresentação dos temas Transversais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

  • DARIDO, Suraya Cristina et al. Educação Física, a formação dos cidadãos e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Revista Paulista de Educação Física, v.5, p.17-32, jan/jun, 2001.

  • PEREIRA-AUGUSTO, Maria Alice. A ética como tema transversal: Um estudo sobre valores democráticos na escola. 2001. 194 f. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001.

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