Análise dos estados de estresse e recuperação de participantes de grupos de corrida: um estudo piloto Estudio de los estados de estrés y recuperación de los participantes de grupos de carrera: un estudio piloto |
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Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais (Brasil) |
Sandra Carvalho Machado Felipe de Oliveira Matos Dietmar Martin Samulski |
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Resumo Com o advento da vida moderna, é notória a adesão cada vez maior de pessoas a programas de atividades físicas como meio de controle e redução do estresse. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi descrever os estados de estresse e recuperação de um grupo de participantes de grupos de corridas de rua. A amostra constituiu-se de 29 corredores de rua amadores, que responderam ao questionário de estresse e recuperação para atletas (RESTQ-Sport 76) e a um questionário de dados demográficos e informações sobre rotina de trabalho/estudos e treinamentos. A amostra apresentou baixos níveis de estresse e altos níveis de recuperação, apesar de sua rotina diária exigente. Logo, é possível que a participação em grupos de corrida de rua possa contribuir para a redução e controle do estresse cotidiano. Unitermos: Corridas de rua. Estresse.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 156 - Mayo de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O estresse pode ser entendido como “um desequilíbrio substancial entre demanda (física e/ou psicológica) e a capacidade de resposta, sob condições em que a falha em satisfazer aquela demanda tem importantes consequências” (McGRANTH, 1970, citado por WEINBERG, GOULD, 2001).
Nitsch (1981) descreve um modelo pelo qual o estresse é entendido baseado numa interação tridimensional entre os sistemas social, biológico e psíquico. Deste modo, os estados psicológicos do indivíduo são influenciados por demandas sociais e biológicas, assim como, o organismo (biológico) responde simultaneamente aos estímulos sociais e aos estados psíquicos do indivíduo. E por fim, as relações e o ambiente social do ser humano são influenciados e determinados pelos estados psicológicos e biológicos apresentados num determinado instante. Isso nos mostra que além de haver uma constante relação entre esses três aspectos, estes também são constantemente regulados e modificados de acordo com as situações encontradas (NITSCH, 2009).
Na atualidade, o aumento das exigências da vida cotidiana expõe o homem moderno, cada vez mais, a altas demandas de estresse e cada vez menores possibilidades de recuperação (SAMULSKI, 2009). Esse aumento no estresse e diminuição da recuperação pode levar o indivíduo ao desenvolvimento de síndromes como o burnout, o qual se caracteriza como um fenômeno psicossocial que emerge como uma resposta crônica dos estressores interpessoais ocorridos na situação de trabalho (CARLOTTO, CÂMARA, 2007).
Sendo a atividade física uma importante ferramenta no combate ao estresse, nos últimos anos, tem crescido consideravelmente a adesão a programas de atividade física com intuito de reduzir os efeitos do estresse prolongado que interferirá no bem-estar psicológico e na qualidade de vida das pessoas (NETO et al., 2008).
Nesse sentido, Salgado (2006) mostra que a prática de atividades físicas ao ar livre, como as caminhadas e as corridas, tem aumentado consideravelmente, sendo que um dos principais fatores motivantes dessa prática é a fuga do estresse.
Sendo assim, a corrida de rua, por meio dos grupos de corrida supervisionados por assessoria esportiva, vem atraindo uma gama maior de praticantes que incorpora ao seu dia a dia uma rotina de treinamento (TRUCCOLO et al., 2007). Logo, o objetivo do presente estudo foi descrever o perfil de estresse e recuperação de atletas amadores de corrida rua, assim como, descrever a rotina diária dessas pessoas e os motivos que as levam à prática e ao abandono dessa atividade.
Métodos
Tipo de pesquisa
Esta pesquisa se caracteriza como descritiva, pois descreve os níveis de estresse e recuperação de atletas amadores de corridas de rua e os principais motivos para a prática e o abandono dessa atividade.
Amostra
Participaram deste estudo 29 corredores de rua amadores participantes de grupos de corrida da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Eles treinavam há 51,4 (± 24,9) meses, ininterruptamente, sendo 23 (79,3%) homens e 6 (20,7%) mulheres, com idade de 42,8 ± 8,4 anos. A freqüência semanal de treinamentos variou entre 3 e 6 vezes por semana, sendo a média de 4,1 (± 0,8).
Instrumentos
1. Questionário demográfico: com objetivo de caracterizar a amostra e obter informações sobre o treinamento, foi aplicado um questionário demográfico elaborado pelos próprios pesquisadores. Este questionário constituiu-se de questões sobre dados pessoais, como idade, gênero, escolaridade e renda dos participantes, e características do treinamento de corridas de rua, como tempo de prática regular. Os motivos para prática e abandono da atividade foram investigados por meio de “questões abertas”, em que cada voluntário indicava três fatores que o levavam à prática e três fatores que o levaria ao possível abandono da corrida de rua. O cotidiano dos praticantes também foi investigado com relação ao tempo médio diário gasto com trabalho, atividades físicas, estudo, sono e lazer.
2. Percepção de estresse e recuperação: os estados de estresse e recuperação dos corredores foram mensurados por meio da aplicação da versão em português do Brasil do “Recovery - Stress Questionnaire – RESTQ- Sport 76”. Este questionário foi desenvolvido para medir a frequência do estado de estresse atual em conjunto com a frequência de atividades de recuperação associadas. Para tanto, ele avalia eventos potencialmente estressantes e fases de recuperação e suas consequências subjetivas nos últimos três dias e noites (KELLMANN et al., 2009).
O RESTQ-Sport 76 é constituído por 12 escalas gerais, sendo sete de estresse e cinco de recuperação, e sete escalas esportivas, quatro de estresse e três de recuperação. Ele é composto por 77 itens (quatro itens por escala e um item introdutório) que são respondidos em uma escala tipo likert com valores variando entre 0 (nunca) até 6 (sempre). Esse instrumento apresenta validade significativa apresentando consistência interna (Alpha Cronbach) > 0.70 na maioria das escalas (KELLMAN et al., 2009; COSTA, SAMULSKI, 2005).
Procedimentos
O contato inicial com os indivíduos aconteceu por intermédio dos treinadores das equipes de corrida pesquisadas, durante o horário e local de treino de cada uma delas. Após uma breve explicação dos objetivos do estudo, os voluntários assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido assumindo sua voluntariedade na pesquisa. Em seguida, receberam o questionário de dados demográficos e o RESTQ-Sport e foram orientados a respondê-los com o cuidado de não deixar nenhum item sem resposta.
Os dados demográficos foram tabulados em Excel e as respostas relativas aos “motivos para a prática” e “motivos para o abandono” da corrida de rua foram categorizadas por meio de análise de conteúdo. Os dados do RESTQ-Sport foram analisados por meio do software RESTQ-Sport – versão português® (KELLMANN et al., 2009).
Análise estatística
Foi realizada uma análise descritiva dos dados demográficos e dos escores das escalas do RESTQ-Sport. Todos os procedimentos estatísticos foram efetuados utilizando o software Microsoft Office Excel versão 2007.
Resultados
Os voluntários apresentaram nível de escolaridade de 3º grau completo (89,7%) e 3º grau incompleto (10,3%), com renda salarial de até dez salários mínimos mensais (20,7%) e superiores a dez salários mínimos mensais (79,3%).
A tabela 1 mostra os motivos que levam à prática e ao abandono da prática de corridas de rua.
Tabela 1. Motivação para a prática e abandono de corridas de rua
A tabela 2 mostra a média de tempo gasto com atividades cotidianas de acordo com o relato dos próprios corredores.
Tabela 2. Média de tempo (h) gasto em atividades do dia-a-dia
O gráfico 1 mostra os níveis de estresse e de recuperação dos voluntários obtidos por meio do questionário RESTQ-Sport. No gráfico observa-se que os atletas apresentaram baixos níveis de estresse e altos níveis de recuperação, tanto nas escalas gerais, quanto nas esportivas.
Gráfico 1. Níveis de Estresse e Recuperação apresentados pela amostra (n=29)
Discussão
Considerando que altos escores de estresse refletem um esforço subjetivo intenso e que altos escores nas escalas de recuperação refletem grande quantidade de atividade recuperativa, verifica-se com os resultados obtidos que o grupo apresentou bons estados de estresse e de recuperação, pois seus níveis de estresse foram baixos e os níveis de recuperação altos (KELLMANN et al., 2009).
Na tabela 2, nota-se que a amostra utiliza aproximadamente 10,3 horas do seu dia com atividades de trabalho e estudo enquanto que são gastas com atividades de lazer, aproximadamente, 2,9 ± 2,04 horas. Considerando que as leis trabalhistas no Brasil (Decreto-Lei N° 5452, 1943) recomendam uma rotina diária de trabalho que não ultrapasse 8 horas para a maioria das profissões e que o tempo gasto com atividades de lazer é menor que 1/3 do tempo gasto com trabalho e estudo, pode-se caracterizar como exigente a rotina diária da amostra.
Dessa forma, mesmo com as altas exigências apresentadas pela rotina do grupo, este apresentou baixo estresse e alta recuperação, apontando que o grupo pode possuir estratégias eficientes de enfrentamento do estresse ou que a corrida, realizada de forma amadora, pode colaborar para a diminuição do estresse nesse grupo, assim como citado por Truccolo et al.(2008) e Shipway, Holloway (2010). Sendo assim, os baixos níveis de estresse e a boa recuperação, encontrados no estudo, podem ser entendidos como benefícios psicofisiológicos da prática amadora da corrida de rua.
De acordo com os resultados, benefícios fisiológicos - perda de peso e melhora da saúde - e psicológicos - melhora da qualidade de vida e prazer na atividade - foram apontados como os principais motivos para a prática da corrida de rua. Tais achados assemelham-se aos de diferentes modalidades esportivas, coletivas e individuais, no que tange às dimensões de benefícios fisiológicos e psicológicos (MIRANDA, BARA FILHO, 2008; CARMO et al., 2007; CARMO et al., 2009; SAMUSLKI et al., 2009; MATOS et al., 2008). No entanto, esses estudos indicaram como principais motivos psicológicos da prática esportiva a busca por diversão, ocupação do tempo livre e auto-superação, e o motivo fisiológico de destaque foi “entrar em forma”.
Uma possível justificativa para essa diferença de motivos seria a exigente rotina da amostra; portanto o interesse dos voluntários pela corrida estaria mais relacionado aos motivos reportados por Salgado (2006), que citou a promoção da saúde, estética, a integração social, a fuga do estresse da vida moderna, a busca de atividades prazerosas ou competitivas como fatores motivantes para a prática de corrida.
Por fim, os fatores fisiológicos – lesões músculo-esqueléticas, dores, contra-indicações médicas e doenças - foram apontados como os principais motivos de abandono da prática da corrida pelo grupo, o que também é encontrado por outros estudos em modalidades diversas (CARMO et al., 2007; CARMO et al., 2009; SAMULSKI et al., 2009). Desse modo, considerando que altos níveis de estresse e baixos de recuperação são associados a maior incidência de lesões e doenças (ANDERSEN, WILLIAMS, 1999; BAHR, KROSSHAUG, 2005; BRINK et al., 2010), pressupõe-se que o grupo investigado esteja menos susceptível a esses fatores causadores de abandono.
Limitações do estudo
O presente estudo limita-se pela heterogeneidade da amostra, que apresentou diferenças no nível de treinamento, no tempo de prática e nas atividades diárias. Além disso, o pequeno tamanho da amostra associado à heterogeneidade do grupo, impede que esses resultados possam ser extrapolados para todos os participantes de grupos de corrida de rua.
Considerações finais
De acordo com os resultados, é possível que a prática amadora da corrida de rua tenha sido utilizada como uma estratégia de redução do estresse já que seus praticantes, mesmo tendo uma rotina diária exigente, apresentaram baixos níveis de estresse e altos níveis de recuperação. Entretanto, sugere-se que estudos comparativos entre pessoas com rotinas diárias exigentes participantes e não participantes de grupos de corridas sejam realizados a fim de confirmar se os baixos níveis de estresse e altos níveis de recuperação encontrados são efeito decorrente da prática amadora de corrida de rua em grupo.
Referências bibliográficas
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