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A cultura esportiva do futebol. A relação 

estabelecida com a categoria trabalho

La cultura deportiva del fútbol. La relación que se establece con la categoría trabajo

 

*Mestrando do programa de pós-graduação da Educação/UFRGS

**Bacharel em Educação Física pelo Centro

de Educação Física e Desportos da UFSM

***Professora doutora do Centro de Educação Física

e Desportos da UFSM

Geovanna Caroline Zanini Dutra*

Vinicius de Moraes Brasil**

Maristela da Silva Souza***

souzamaris@bol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo objetiva apresentar uma compreensão da categoria trabalho e como esta se desenvolve na cultura esportiva do futebol. Utilizamos como referencia o materialismo histórico dialético, no sentido de demonstrar que as transformações no futebol acompanham as transformações históricas da humanidade, principalmente as mudanças dos modelos de produção capitalista taylorista/fordista e toyotista. O esporte de alto rendimento assumiu as características dos empreendimentos do setor produtivo, ou seja, com proprietários e vendedores da força de trabalho e o futebol enquanto um fenômeno mundialmente conhecido, não foge a lógica.

          Unitermos: Cultura esportiva. Futebol. Trabalho.

 

Resumen

          Este artículo presenta una comprensión de la categoría trabajo y la forma en que se desarrolla en la cultura deportiva de fútbol. Usamos como referencia el materialismo histórico y dialéctico con el fin de demostrar que las transformaciones en el fútbol acompañan las transformaciones históricas de la humanidad, especialmente los cambios en los modelos de producción capitalista taylorista/fordista y toyotista. El deporte de alto rendimiento reproduce las características de la industria del sector productivo, es decir, con propietarios y vendedores de la fuerza de trabajo y el fútbol como un fenómeno mundialmente conocido, no escapa a esta lógica.

          Palabras clave: Cultura deportiva. Fútbol. Trabajo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 156 - Mayo de 2011. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    O presente artigo busca uma maior compreensão do fenômeno esportivo, especificamente através da cultura do futebol, relacionando suas transformações com a totalidade das relações sociais, econômicas e políticas da sociedade capitalista. Fugimos desta maneira, dos tradicionais manuais que discutem o esporte como algo isolado e impenetrável ao mundo vivido. Neste sentido, foi realizada uma análise de referenciais teóricos que abordam tanto o fenômeno esportivo quanto o mundo do trabalho, em que podemos subtrair reflexões acerca do esporte que nos permitem visualizar uma ampla gama de relações intrínsecas ao fenômeno esportivo e ao contexto social.

    No processo de realização deste estudo, nos reportamos à teoria social do materialismo histórico e dialético, a qual, em nosso entendimento permite uma visão concreta da realidade, dentro de uma relação dialética, como nos declara Kosik apud Souza (2009), do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade. É justamente neste processo de correlação espiral, no quais todos os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, que se atinge a concretização.

    Dentro desta perspectiva, buscamos remontar a gênese do esporte moderno e elencarmos suas relações com o mundo do trabalho, objetivando assim, um exame criterioso das transformações em ambos, a fim de que consigamos compreender a relação que se estabelece com a cultura corporal do futebol.

2.     Mundo do trabalho

    Antunes (2004), citando Engels nos diz que o trabalho é a fonte de toda a riqueza, e a natureza é a encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza, mas, para, além disso, o trabalho é a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, podemos dizer que o trabalho criou o próprio homem.

    Lukács (1978) afirma que o trabalho é um ato de pôr consciente e, portanto, pressupõe um conhecimento concreto, ainda que jamais perfeito, de determinados meios. No início, o trabalho era a troca necessária que surgiu a partir da necessidade de subsistência. Para aumentar o seu poder sobre a natureza, o homem passa a utilizar instrumentos, acrescenta meios artificiais de ação aos meios naturais de seu organismo multiplicando-se enormemente a capacidade do trabalho humano de transformar o próprio homem. Surge então a produção em grande escala, onde surge a noção de propriedade e excedente (SOUZA, 2005).

    Neste processo, a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de trabalho a consome ao fazer trabalhar o vendedor dela. Para representar seu trabalho em mercadorias, ele tem de representá-lo, sobre tudo, em valores de uso, em coisas que sirvam para satisfazer as necessidades de alguma espécie.

    Logo, Antunes (2004) conclui que se por um lado o trabalho é um momento fundante da vida humana, por outro, a sociedade capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado e fetichizado. O que era uma finalidade central do ser social converte-se em meio de subsistência. A força de trabalho torna-se uma mercadoria, ainda que especial, cuja finalidade é criar novas mercadorias, e valorizar o capital, convertendo-se em meio, e não primeira necessidade de realização humana.

    Nessa lógica, a sociedade se encaminha para uma transformação, que foi conhecida como Revolução industrial, a qual se consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII, e expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX.

    Ao longo do processo (que de acordo com alguns autores se registra até aos nossos dias), a era agrícola foi superada, a máquina foi suplantando o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos.

    Essa transformação foi possível devido a uma combinação de fatores, como o liberalismo econômico, a acumulação de capital e uma série de invenções, tais como o motor a vapor. O capitalismo tornou-se o sistema econômico vigente. Sua meta principal era buscar o aumento da produção no menor espaço de tempo, utilizando o trabalhador que reproduzia mecanicamente a mesma ação durante todo o dia.

    Assim, foram desenvolvidos modelos de produção cujo o principal objetivo era buscar o aumento da produção no menor espaço de tempo, aproveitando ao máximo a mão de obra do trabalhador durante seu horário de trabalho.

    O modelo Taylorista, com a chamada gerência científica do trabalho, buscou a racionalização das operações efetuadas pelos operários, evitando desperdício de tempo e maximizando a mais-valia relativa. Cada operário tornou-se apenas responsável por uma parte da produção, que sofria uma decomposição das tarefas em gestos simples e mecanizados.

    Em 1913, o modo de produção que passou a vigorar foi o Fordismo, criado por Henry Ford no campo da indústria automobilística dos Estados Unidos, com o intuito de se tornar um sistema de produção e organização do trabalho que maximizasse a fabricação de automóveis, vendendo-os a preços mais baixos. Sob o ponto de vista da organização do trabalho, o Fordismo apoiava-se nos métodos do Taylorismo. O que para Nozaki (2004) acarretou a alienação do processo de trabalho, e implicou na desqualificação do trabalho através da perda da dimensão criativa e de visão de totalidade, ou seja, a crescente separação entre concepção e execução do trabalho.

    O modelo Fordista caracterizava-se pela produção em massa com controle do tempo e movimento do trabalhador, segmentação das funções desenvolvidas pelo operário, separação entre articuladores intelectuais e executores do trabalho e pela organização vertical das unidades fabris. O Fordismo tem seu ápice no período posterior à Segunda Guerra Mundial nas décadas de 1950 a 1960. Essa fase ficou conhecida no capitalismo como Anos Dourados.

    No final da década de 60, presenciou-se o esgotamento do padrão de acumulação Taylorista/Fordista, juntamente com a retração do consumo, conjugada à progressiva saturação dos mercados internos de bens de consumo duráveis.

    O esgotamento do padrão de acumulação Taylorista/Fordista, envolvido na crise da década de 70, e o processo de reestruturação produtiva mantêm relações importantes para a composição do elemento de totalidade da resposta do capital com vista à recuperação do seu ciclo reprodutivo e recomposição dos patamares de acumulação, na tentativa de superar sua crise estrutural.

    O Taylorismo/Fordismo foi substituído pelo Toyotismo, ou acumulação flexível. O mesmo surgiu entre as décadas de 50 e 70 na fábrica da Toyota, com o intuito de competir com as fábricas americanas, respeitando as características próprias do Japão. A produção se tornou puxada pela demanda e o crescimento pelo fluxo, ou seja, a produção não era feita para o estoque em massa, mas condicionada ao consumo, organizando o conceito “Just in Time”. A flexibilidade do modelo produtivo exigiu também flexibilidade dos trabalhadores. Outro aspecto característico desta dimensão da mais-valia está na exploração da inteligência e imaginação do trabalhador, dos seus dotes organizativos, capacidade de cooperação para o trabalho em equipe, um trabalhador polivalente para operar diferentes máquinas, e apesar de tudo, Nozaki (2004) comenta que não foi um pretexto para o aumento do salário.

    A partir disto, iniciou-se um processo de reorganização do capital que é caracterizado pela privatização do Estado e a desregulamentação dos direitos trabalhistas já conquistados pela classe trabalhadora. Logo, o modelo de produção Toyotista passou a ser tomado como referência pelos países ocidentais na reestruturação produtiva via políticas e ajustes neoliberais.

    Assim, para que o Toyotismo fosse empregado com sucesso nas empresas, era necessário de um “novo” trabalhador, munido de novas competências, que eram lhe fornecida através da educação. Através da escola se formava o trabalhador, reduzindo a formação e direcionando-a ao mercado de trabalho. As capacidades exigidas do trabalhador assumem características tais como abstração, facilidade de trabalho em equipe, comunicabilidade, resolução de problemas, decisão, criatividade, responsabilidade pessoal sob a produção, conhecimento gerais e técnico-técnológicos, entre outras. Tais capacidades, como nos explica Nozaki (2003) tornam-se balizadores do processo educativo para o mundo do trabalho neste estágio do capitalismo.

3.     Esporte moderno e futebol: princípios históricos

    Retraçando a gênese do esporte moderno, verificamos que este é fruto de profundas mudanças que ocorreram tanto na sociedade como nos antigos jogos populares, que deram origem ao fenômeno esportivo. É em pleno século XIX, período este de significativas mudanças nos rumos da sociedade, caracterizados pela revolução industrial e consolidação do sistema capitalista, que o esporte moderno começa a tomar forma.

    Neste sentido Bracht (2003) aponta que o esporte moderno teve sua origem na Europa, e é o resultado de um processo de modificação (esportivização) de elementos da cultura corporal inglesa, como os jogos populares, cujos exemplos mais citados são os inúmeros jogos com bola, e também de elementos da cultura corporal da nobreza inglesa.

    É necessário atentarmos para o conturbado período histórico em que o esporte surge, pois a revolução industrial impõe densas mudanças tanto no mundo do trabalho, quanto na vida dos trabalhadores, das quais podemos destacar: reordenamento do mundo do trabalho, invenção da máquina a vapor, aumento da capacidade produtiva, especialização e diversificação da produção industrial (Pinto, 2007). Para este autor, os trabalhadores desta época estavam submetidos a precárias condições de trabalho, em que mulheres e crianças eram submetidos a exaustivas jornadas de trabalhos que chegavam a 14 horas por dia em troca de salários miseráveis.

    Diante destas condições de vida e das profundas transformações que a consolidação da sociedade industrial impôs é que, concordamos com Bracht (2003), o declínio dos jogos populares inicia-se em torno de 1800, eles parecem ficar gradativamente fora de uso, porque os processos de industrialização e urbanização levaram a novos padrões e condições de vida, com as quais aqueles jogos não eram mais compatíveis, logo os jogos tradicionais foram esvaziados de suas funções iniciais, que estavam ligadas a festas da colheita, religião, instituição militar, etc.

    Os jogos ficam paulatinamente fora de uso, de sentidos, e significados, para a nova forma de vida em que se encontravam os trabalhadores de tal época. Com isto sua prática passou a ser preservada e disseminada nas public schools inglesas, as quais inseriram novas formas e maneiras de se jogar, sistematizando os jogos, contribuindo desta forma para sua esportivização como nos relata Bourdieu (1983):

    Parece indiscutível que a passagem do jogo ao esporte propriamente dito tenha se realizado nas grandes escolas reservadas às “elites” da sociedade burguesa, nas public schools inglesas, onde os filhos das famílias da aristocracia ou da grande burguesia remontaram alguns dos jogos populares, isto é, impondo-lhes uma mudança de significado e de função muito parecida àquela que o campo da música erudita impôs as danças populares, bourrées, gavotas e sarabandas, para fazê-las assumir formas eruditas como a suíte (p. 139).

    É então, a partir da íntima relação dos jogos tradicionais com a escola capitalista que estes passam a ser esportivizados, ou seja, sistematizados, dentro de regras que permitissem um comportamento adequado àquela instituição de ensino assumindo aos poucos as características do esporte moderno (Bracht, 2003). Diante destes fatos é que começa a tomar forma à instituição esportiva, pois os alunos que saiam das escolas públicas inglesas, não encontravam tal prática fora da escola, e passaram a criar clubes, associações e ligas esportivas que propiciassem a prática esportiva fora do âmbito escolar.

    Para Brohm (1976) foi na sociedade industrial da segunda metade do século XIX que surgiu o sistema institucional esportivo, o qual não tardaria em difundir-se para outros países, à medida que o modo de produção capitalista se consolidou no continente europeu e na América do Norte.

    Resgatando a relação dialética entre sociedade e esporte, entendemos que tanto a instituição esportiva como o esporte moderno são frutos da sociedade capitalista, e emergem valores intrínsecos ao modo de vida dentro do capitalismo, dentre os quais Brohm (1976) salienta: a) princípio do rendimento; b) sistema de hierarquização; c) princípio da organização burocrática; d) princípio de publicidade e transparência. Já Bracht (1997) acrescenta mais alguns valores como: competição, rendimento físico-técnico, recorde, racionalização e cientificização do treinamento. Em nosso entendimento todas estas características apresentadas demonstram que o esporte moderno é um fenômeno da sociedade capitalista e por isso, reproduz códigos, sentidos e significados intrínsecos a mesma.

    Dentro desta perspectiva, verificamos o processo de esportivização de jogos tradicionais que possivelmente deram origem ao futebol. Constatamos isto quando nos remetemos à Unzelte (2002), as primeiras manifestações de um jogo semelhante ao futebol aconteceram entre 3.000 a 2.500 anos a.c, na china durante a dinastia do imperador chinês Huang Ti, em que era comum entre soldados, chutar crânios de inimigos derrotados em guerra. Nesta perspectiva Souza (2001) aponta três marcos principais no processo de desenvolvimento do futebol no Brasil: 1) alguns fatos indicam que o jogo de futebol já era praticado em alguns locais do país de diversas formas pelos índios brasileiros, com bolas de borracha, que obviamente são relegadas nos escritos futebolísticos, em detrimento a de couro dos europeus; 2) Charles Miller, filho de ingleses radicados no Brasil, trouxe para o país uma bola e um livro de regras quando retornou de seus estudos na Inglaterra em 1984, talvez introduzindo a prática sistematizada do esporte; 3) a difusão do jogo de futebol entre os operários da companhia progresso industrial, também conhecida como fábrica Bangu do Rio de Janeiro, o que neste momento histórico era muito raro, pois o futebol era mérito de técnicos e administradores que representavam a elite inglesa. Desta fábrica nasceu em 1904, o The Bangu Athletic Club também conhecido como time de futebol do Bangu.

    A partir deste desenvolvimento o futebol com o passar dos anos se torna um fenômeno dentro da sociedade atual, sendo o esporte mais praticado pelos quatro cantos do mundo, para notarmos a dimensão astronômica que o futebol tomou sua instituição maior hoje a FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado) possui 203 países filiados, enquanto a ONU (Organização das Nações Unidas) possui 198 países membros (Rezer, 2003). Também é relevante a quantidade de capital que o futebol movimenta atualmente, o que segundo a fundação Getúlio Vargas, gira em torno de 559,3 bilhões de reais por ano.

    Após este breve resgate histórico da construção do esporte moderno e do próprio futebol, nos reportamos novamente ao objetivo central deste artigo, transcendendo desta maneira uma análise simplesmente prática, passando para a relação dialética esporte-sociedade. Para visualizarmos melhor esta relação e concluirmos nossa análise destacamos algumas reflexões feitas a partir deste estudo.

4.     Futebol e Trabalho: Uma relação dialeticamente estabelecida

    A partir do que foi exposto, podemos verificar que a transformação do esporte, em especial o Futebol, acompanhou e acompanha as grandes transformações históricas da humanidade, tais como, o aumento do tempo livre da classe trabalhadora, a diminuição de possibilidades de acesso por parte da população, a alienação provocada pelo processo de descomprometimento da população através da massificação da prática esportiva, e sem dúvida, a política neoliberal e o mundo globalizado (Rezer, 2003).

    O esporte de alto rendimento, que é imediatamente transformado em mercadoria, tende a assumir as características dos empreendimentos do setor produtivo ou de prestação de serviços capitalistas, ou seja, empreendimentos com fins lucrativos, com proprietários e vendedores da força de trabalho, submetidos às leis do mercado (Bracht, 1957).

    Rezer (2003) ainda coloca que estas são explicações que a própria razão tem dificuldades de explicar, visto que em vários casos, o futebol é percebido e difundido como meio de ascensão social. Porém muitas vezes, não se percebe que a grande maioria dos jogadores de futebol vive em um mundo de incertezas e inseguranças, conforme os dados publicados no Jornal Zero Hora de 23/10/2001.

    Esta problemática se refere a um universo que é pouco difundido pela mídia, onde o sonho do reconhecimento, da fama, do ser herói é a exceção, e a miséria, a frustração, a tristeza, é a regra.

    Dentro da perspectiva da cultura esportiva do Futebol encontramos uma forte relação no que diz respeito à posição dos jogadores em campo com os modelos de produção Taylorista/Fordista e Toyotista, como por exemplo, nos anos 60, auge do Taylorismo/Fordismo, os jogadores de Futebol possuíam funções ou posições bem definidas no campo. Observamos isto na prática, pois eram comuns os jogadores de futebol ser extremamente habilidosos em algumas funções do campo, podemos citar o exemplo de Pelé, considerado o “rei” do futebol, era um jogador com capacidades ofensivas incomparáveis, mas não possuía grandes habilidades defensivas, podendo assim, fazermos a comparação deste trabalhador do futebol, com o operário da fabrica, ou seja, possuidor de algumas habilidades, porém, estas de extrema eficácia e especialidade. Também dentro desta perspectiva de análise, podemos citar outros exemplos que se reportaram do mundo do trabalho para a cultura esportiva do futebol. Se analisarmos a função do goleiro da época, visualizamos que o mesmo somente podia jogar dentro da área, e com as mãos, o que nos remete novamente ao tipo de trabalhador requerido pelo modelo taylorista/fordista, sendo um trabalhador específico para cada função e altamente especializado na mesma. Estas comparações não ficam somente no campo prático do futebol, e transpassam para o campo das regras, pois estas também exigiam ou direcionavam os jogadores a se adequarem a determinadas funções na maioria dos casos, o goleiro não podia receber a bola com os pés após um recuo, e também não podia sair da área jogando. Era raro ver um goleiro cobrando falta, penalidades, como nos dias de hoje, o que de certa forma comprova a forte relação entre os trabalhadores do futebol com os operários das fábricas que eram submetidos às exigências dos modelos de produção anteriormente citados.

    A partir das transformações no mundo do trabalho o mesmo sofre uma reordenação, e passa a exigir novas demandas, como a formação de um trabalhador de novo tipo. Neste caso estas mudanças ocorrem principalmente na década de setenta após a crise mundial do petróleo, gerando assim o surgimento e a implantação de um novo modelo de produção, o Toyotismo, o qual exigia um trabalhador mais polivalente e flexível. Dentro do futebol começamos a verificar estas mudanças decorrentes do mundo do trabalho, principalmente a partir da copa de 74 na Alemanha, em que a seleção da Holanda protagonizou uma das maiores transformações no campo técnico tático do futebol, a laranja mecânica, como ficou conhecida na época, encantou o mundo com um padrão de jogo que exigia a movimentação de todos os jogadores por todos os setores do campo, o que ficou conhecido como Carrossel Holandês. Mas fora os aspectos técnicos táticos, nosso objetivo é ir mais afundo nesta análise, e revelar que estas mudanças não são decorrentes única e exclusivamente do próprio futebol, e sim de modificações advindas do plano mais geral da sociedade. Além de inovar, o futebol holandês lançou para o mundo um novo modelo de se jogar, um modelo que exige a polivalência e flexibilidade dos jogadores de futebol, em que é exigido de todos o máximo conhecimento das mais distintas funções/ posições dentro de campo. É a partir deste momento que as mudanças do mundo do trabalho, começam a se transportadas para dentro do futebol, podemos perceber que toda esta movimentação não demora a se disseminar para outras seleções, como é o caso da seleção brasileira de 1982, comandada por Telê Santana.

    Esta fase de transição vivida no futebol gera uma série de questionamentos e desconfianças por parte dos torcedores e da mídia esportiva. Quem não se lembra da famosa briga de Telê Santana, técnico da seleção brasileira na copa de 82 com a torcida brasileira e a mídia esportiva, em que sofreu duras críticas por retirar da seleção a figura tradicional dos pontas.

    "Bota Ponta, Telê" cobrava o personagem de Jô Soares ao técnico da seleção. O personagem de Jô Soares não havia entendido que os esquemas táticos mudaram e que em nenhum momento o treinador brasileiro havia retirado os pontas da seleção, pois o futebol continuava com onze jogadores em campo, o que ocorreu foi que o futebol estava passando por significativas mudanças e necessitava atribuir aos jogadores novas funções, onde os pontas ficaram encarregados de além de atacar pelas pontas agora eles deveriam defender pelas pontas também sustentando desta forma um maior equilíbrio da equipe na relação entre atacar e defender. Mas Telê fez uma seleção competitiva e que jogava bonito. A seleção de 1982 é considerada uma das três melhores seleções brasileiras de todos os tempos, atrás das de 1958 e 1970.

    Tais mudanças vieram atreladas, no nosso entendimento, com as transformações ocorridas no mundo do trabalho, onde o modelo de produção que entrava em voga era o Toyotismo, que buscava uma maior flexibilidade e polivalência dos trabalhadores. É perceptível hoje que o futebol passou por grandes modificações, podemos notar isto nos próprios jogadores modernos que são extremamente polivalentes, jogando em diversas posições do campo, por exemplo, o melhor jogador do mundo na atualidade, o brasileiro Kaká, é um jogador extremamente completo no que diz respeito a suas funções táticas no campo, arma jogada no setor do meio campo, finaliza no setor ofensivo, e desarma no setor defensivo. Os goleiros hoje têm atuado como um marcador a mais na zaga trabalhando na cobertura dos zagueiros, no futebol atual não há mais espaço para goleiros que não saibam jogar com os pés, é extremamente necessário que estes possuam estas habilidades para se inserir no mundo do futebol. Para, além disto, observamos também uma flexibilização das regras do futebol, as quais hoje permitem uma maior movimentação do próprio goleiro no campo, o que tornou quase que comum vermos o “camisa um” das equipes cobrando faltas e penalidades. Percebe-se também, no futebol atual, algumas críticas a este novo modelo de se jogar que exige muito mais o trabalho em equipe, exaltando a coletividade, do que a especialidade exigindo a individualidade, onde Zezito (2006) comenta no sítio mídia independente que essa polivalência hoje exigida dos jogadores não faz sentido num futebol de especialidades como o nosso. Djalma Santos, por exemplo, não teria sido o que foi se tivesse que atuar como ponta! O zagueirão Bellini jamais iria à área cabecear num escanteio! Pelé também não se adequaria jogar em nenhum quadrado mágico. E foram esses jogadores que levaram o Brasil na trilogia das copas. É preciso por um fim nessa “macaquice” de nossos técnicos de se inspirarem no futebol europeu. Somos nós que damos as cartas nesse tema, e, portanto eles que nos copiem, se puderem.

    Percebemos o quanto os sistemas de produção e seus métodos, inserem-se no sistema esportivo, no sentido de avançar, também neste âmbito, com a sua lógica de formação humana que é produzida no sentido de servir ao movimento do capital. Quando este muda as suas formas, para sair de suas crises e manter a relação de acumulação nas mãos de poucos, direciona a humanidade a seu serviço. Assim no mercado de trabalho, o sistema esportivo também adere à lógica de maneira hegemônica e se coloca a disposição de uma cultura esportiva que não prioriza o esporte como um bem cultural que pertence a todos, tudo em nome de um mundo do trabalho que privilegia os ditames do capital.

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