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O professor de Educação Física e sua visão 

de corpo: academias de ginástica em foco

El profesor de Educación Física y su visión del cuerpo: los gimnasios en la mira

 

*EEFD/UFRJ. Bacharel em Educação Física, UFRJ

Integrante do Núcleo de Estudos Sociocorporais e Pedagógicos

em Educação Física e Esportes (NESPEFE), EEFD/UFRJ

**Mestre em Educação Física, EEFD/UFRJ

Integrante do NESPEFE – EEFD/UFRJ

**Professora Adjunta da EEFD/UFRJ

Doutora em Educação. Coordenadora do NESPEFE, EEFD/UFRJ

Diego Costa Freitas*

Alan Camargo Silva**

Profª. Drª. Sílvia Maria Agatti Lüdorf***

diego.costafreitas@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo teve por objetivo investigar e discutir quais aspectos o professor de Educação Física, atuante em academia de ginástica, mais valoriza em relação ao seu próprio corpo. A principal técnica utilizada para obtenção dos dados foi a aplicação de entrevistas a professores, já a observação e anotações de diário de campo serviram para subsidiar e contextualizar os achados. Os resultados sugerem que o professor privilegia basicamente a preocupação estética e/ou funcional do próprio corpo com o intuito de atender a demanda do trabalho em academias de ginástica.

          Unitermos: Corpo. Professor. Educação Física. Academias de Ginástica.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 155, Abril de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Em tempos hodiernos a preocupação, o autocontrole, a disciplina e os esforços em manter determinada aparência adquirem cada vez mais centralidade, não sendo raro o fato de os corpos passarem a ser julgados devido à forma que apresentam (GOLDENBERG e RAMOS, 2002; FEATHERSTONE, 2010). Arquétipos de beleza são frequentemente copiados, contribuindo para uma padronização da estética1 e para a valorização do corpo como elemento de distinção, de sucesso e até de mobilidade social, sendo considerado um importante capital (GOLDENBERG, 2010).

    Contemporaneamente, um dos profissionais mais ligados a essa cultura do corpo é o professor de Educação Física que, de maneira usual e, conforme Lüdorf (2004), em uma visão um tanto restrita sobre seu papel na sociedade, é visto como um dos responsáveis por “esculpir” corpos, principalmente por parte daqueles que apostam nas várias implicações do ramo do fitness como alternativa para dar nova feição às formas corporais.

    No centro das questões relacionadas ao culto ao corpo, a imagem do professor de Educação Física tem estado cada vez mais ligada à construção deste corpo belo e saudável, tão almejado atualmente. Não é diferente o imaginário social associado ao seu próprio corpo, normalmente retratado como sendo atlético, jovem, disposto, com baixo percentual de gordura e imune a problemas de saúde (PALMA et al., 2007).

    Coelho Filho (2010) menciona que a academia de ginástica se consolida como espaço de cultura corporal, e talvez por isso, cresce a demanda de profissionais especializados para atuar nesse âmbito de trabalho. O autor ainda comenta que a proliferação das academias, principalmente pela elevada concorrência mercadológica, exige cada vez mais do professor uma constante preocupação com a autoimagem para se manter no mercado de trabalho. Para Hansen e Vaz (2004), a busca da boa forma pelos praticantes da musculação pode ser comparada ao treinamento de atletas, onde quanto mais peso é utilizado para a realização do exercício, mais visibilidade se conquista na busca de construir um corpo sarado, atraente e sedutor. Nesse contexto, tendo o professor de Educação Física como um dos principais atores, este ambiente se coloca como um espaço singular para estudos de questões associadas a padrões estéticos e de culto ao corpo que podem influenciar o próprio profissional.

    Nesse sentido, é fundamental discutir quais os significados que o professor atuante nas academias de ginástica atribui ao seu próprio corpo. Esse ideário de corpo perfeito poderia influenciar na forma desse profissional conceber e trabalhar seu próprio corpo? Qual seria a visão desses profissionais sobre os aspectos mais valorizados e sobre a forma com que estes lidam com seu próprio corpo?

    Deste modo, o presente estudo tem por objetivos investigar e discutir quais aspectos o professor de Educação Física, atuante em academia de ginástica, mais valoriza em relação ao seu próprio corpo, bem como conhecer as eventuais relações com sua prática profissional.

Procedimentos metodológicos

    A presente pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada com professores de Educação Física atuantes em cinco academias localizadas na Baixada Fluminense (Rio de Janeiro), consideradas de pequeno porte, com base na orientação de Bertevello (2005). Após contatos e conforme os critérios pré-estabelecidos de seleção, doze professores foram investigados. Os critérios para seleção dos professores compreendiam basicamente atuar com modalidades ligadas ao fitness (como ginástica e musculação) e trabalhar há pelo menos um ano em academias de ginástica. A ideia de optar por professores ligados ao fitness se deve ao fato de teoricamente serem considerados os profissionais cujo corpo é mais exposto/ visível aos alunos. O tempo de um ano de atuação profissional foi estabelecido a fim de destacar professores que de certa maneira já possuíam uma experiência mínima quanto a vivenciar o cotidiano do trabalho em academias de ginástica.

    Dos doze professores, dois afirmaram possuir Especialização na área e oito professores disseram ser apenas graduados em Educação Física. Quanto aos outros dois, ainda cursavam a graduação, mas foram incluídos, pois além de trabalharem há alguns anos na academia, atuavam com todas as atribuições de um profissional formado, o que se demonstrou ser uma característica particular das academias de menor porte da região.

    A principal técnica utilizada para obtenção dos dados foi a entrevista semiestruturada, a partir de um roteiro previamente validado2. Foram também realizadas observações do ambiente das academias e coletados depoimentos informais de funcionários e coordenadores, relativos à infraestrutura e ao funcionamento das mesmas. Houve também uma preocupação em anotar fatos e aspectos observados que auxiliaram na interpretação dessa determinada realidade no diário de campo (FONTANELLA el. al., 2006).

    Para a interpretação dos dados , optou-se pela análise de conteúdo, no intuito de distinguir categorias que se destacassem, assim como, a incidência de tendências. Como sugere Turato (2003), os discursos foram em um primeiro momento, agrupados em torno de temáticas mais amplas a partir dos critérios de repetição e de relevância. A seguir, foi realizada a interpretação dos sentidos atribuídos a cada tendência e situações particulares com relevância perante aos objetivos da pesquisa, com base na visão dos pesquisadores e, principalmente, na bibliografia utilizada.

Apresentação e discussão dos dados

    O principal aspecto privilegiado no discurso dos pesquisados sobre o seu próprio corpo foi uma notável preocupação com relação a aspectos funcionais, vinculados ao desempenho e às capacidades necessárias ao trabalho realizado no cotidiano da academia, preponderantemente prático:

    Eu acho que dentro do foco, eu acho que a minha parte respiratória, minha parte de, se tem uma disposição pra poder acordar, trabalhar também, não esteticamente, mas com a qualidade de vida, é melhor, acho que funcionalmente isso é o mais importante. (P3)

    Eu tenho realmente uma boa disposição na minha carga horária, isso me ajuda muito nas aulas de ginástica, me ajuda muito no modo dinâmico que eu dou minhas aulas [...] Então, quando eu digo, assim, essa resistência, essa disposição que eu tenho pra trabalhar, é uma coisa que eu gosto, que eu amo fazer e me ajuda muito nesse ponto, me ajuda demais. Te dá uma funcionalidade melhor nas coisas que você faz. (P8)

    Ao valorizarem as capacidades para realizar atividades físicas, caracterizando a funcionalidade do corpo, os professores demonstraram preocupação com a própria integridade física e com a saúde, pois há indícios que as academias analisadas oferecem condições laborais pouco apropriadas. Palma et al. (2006 e 2007) em estudos também com professores de Educação Física ressaltam que a rotina de trabalho desses profissionais possui como características uma ampla carga horária de trabalho e elevado esforço físico em condições nem sempre adequadas, que podem influenciar negativamente na saúde desses professores. Fato este que ratifica a necessidade de se analisar mais detidamente a importância dada pelos entrevistados aos aspectos funcionais.

    Conforme observado nas visitas aos locais, em geral, as academias não apresentavam divisão dos setores de treinamento, com exceção do espaço referente à Avaliação Funcional. Muitos espaços das academias não são utilizados, servindo apenas como depósito de materiais e, embora as academias visitadas apresentassem salas amplas, os ambientes eram pouco arejados. Apesar do calor, muitas vezes excessivo, não havia refrigeração nas salas de ginástica e musculação, sendo utilizados ventiladores ou ventilação natural, com a abertura de janelas e/ou portas. Além disso, não havia isolamento acústico, bem como o material (aparelhos de musculação, anilhas, caneleiras, etc.), muitas vezes não possuía revestimento emborrachado, sendo perceptíveis traços de ferrugem. Tampouco foi observada a atuação de funcionários direcionados especificamente para a higienização dos aparelhos, sendo os próprios alunos responsáveis pela limpeza dos materiais antes e/ou depois do uso. Já o chão era revestido por uma espécie de piso emborrachado antiderrapante, provavelmente, pela preocupação com a integridade física dos alunos, fato esse exaltado pelos professores.

    Outro ponto relevante observado no discurso dos professores, porém menos representativo nas entrevistas, teria certa coerência com os fins eminentemente estéticos normalmente priorizados pelos alunos, já que no próprio corpo, a valorização da aparência corporal ou de partes do próprio corpo também foi mencionada:

    Então pra mim à parte do meu corpo que eu acharia legal, com certeza são as pernas. (P7)

    Abdômen. É o abdômen eu gosto, à parte minha de definição entendeu? É... mais estética sim que até mesmo em relação aos alunos, porque as pessoas falam “pôxa, isso e aquilo...” (julgando o professor quanto ao corpo). Como se fosse um modelo. (P10)

    Nosso corpo é nosso cartão de visita, é complicado...igual, assim, chegar numa clinica, numa nutricionista, e a nutricionista for uma pessoa que saca muito, muito inteligente, vários trabalhos publicado, mas for uma pessoa gorda, o paciente vai entrar, vai olhar assim “pô”, vai desanimar, como já tive relatos aqui na academia “pô, fui naquela nutricionista assim e assado, não gostei muito não, ela é gordinha!”. Então, toda profissão tem um pouco de preconceito com relação à pessoa que tá servindo, então é meio complicado, então em relação à estética a gente tem que ficar em forma para o dia a dia, para tudo, eu não sei se é errado, mas eu penso assim. (P12)

    A preocupação com a aparência do próprio corpo é nítida, conforme as falas dos professores de Educação Física que atuam em academias de ginástica. A importância da estética para esse grupo de professores pode ser entendida a partir da ideia de Le Breton (2006), que compara o corpo a um “cartão de visitas” vivo, tornando-se um importante trunfo nas relações sociais nos tempos contemporâneos. Nesse sentido, a competência profissional do professor também estaria associada, em parte, à sua capacidade de manter e aprimorar um tipo de corpo padrão que é valorizado socialmente.

    No caso específico das academias investigadas, observou-se que a maior parte dos professores apresentava corpo atlético e musculoso, sem, contudo, transparecer exageros. Vestiam-se de forma a valorizar tais aspectos, como bermuda, camiseta para professores de ginástica e camisa de meia manga para aqueles que trabalhavam com musculação, de modo a evidenciar tanto as vestimentas “intraderme”, constituídas por músculos e pouca gordura, como as “extraderme”, que seriam as roupas e acessórios, ambos seguindo tendências da moda (LÜDORF, 2004).

    Há de se destacar nesse contexto a importância dada à estética corporal no âmbito das academias de ginástica, inclusive como um dos principais aspectos de influência na adesão e manutenção da frequência do aluno no espaço em questão (LIZ et. al., 2010; TAHARA et. al., 2003). Tal valor dado à estética nesse ambiente possivelmente influencia a visão dos professores sobre o próprio corpo.

Conclusão

    Tendo em vista que o presente estudo teve por objetivo investigar e discutir quais aspectos o professor de Educação Física, atuante em academia de ginástica, mais valoriza em relação ao seu próprio corpo, bem como conhecer as eventuais relações com sua prática profissional, foi possível identificar algumas tendências que emergiram do grupo de professores analisado.

    Observou-se que o professor de Educação Física da realidade investigada destaca e valoriza aspectos corporais relacionados à aparência, como partes do corpo que admira, sendo, possivelmente, influenciado pela exacerbada valorização da estética na sociedade contemporânea em geral e principalmente no meio das academias de ginástica - seu âmbito de trabalho. Contudo, os indagados demonstraram preocupações especialmente com os aspectos funcionais de seu próprio corpo, relativos ao desempenho e às capacidades necessárias ao trabalho realizado cotidianamente, sendo essa uma estratégia importante para suportar as condições de trabalho, nem sempre as mais adequadas, nas academias visitadas. Observa-se, portanto, que as relações associadas ao corpo do professor nesse contexto de trabalho são bastante complexas e intrincadas, devendo ser constantemente reinterpretadas, levando-se em consideração os diferentes contextos sociais e realidades laborais.

    Decorrente da relevância das academias de ginástica na sociedade contemporânea, é essencial um entendimento mais aprofundado sobre o cotidiano destes espaços de prática corporal de um modo geral. Portanto, para estudos futuros, sugere-se verificar as relações entre a aparência ou funcionalidade e aspectos como credibilidade e competência do professor, a partir da visão de alunos e gestores, ou ainda, questões relativas à saúde, carreira e trajetórias do profissional neste âmbito específico.

Notas

  1. A utilização da palavra estética (ou estético) nesse trabalho está voltada ao seu sentido usual, associado à beleza física, plástica e aparência, conforme Ferreira (2004).

  2. A validação do roteiro foi efetuada a partir da avaliação do roteiro de questões por cinco professores Doutores, além da realização de uma pesquisa-piloto.

Referências

  • BERTEVELLO, G. Academias de ginástica e condicionamento físico: sindicatos e associações. In: DACOSTA, L. P. (org.) Atlas do esporte no Brasil: Atlas do esporte, educação física e atividades físicas de saúde e lazer no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.

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  • FEATHERSTONE, M. Body, image and affect in consumer culture. Body & Society, London, v. 16, n. 1, p. 193-221, 2010.

  • FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio – versão 5.1.1. 3.ed. rev. e atual. Positivo Informática, CD-Rom, 2004.

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  • LE BRETON, D. Sociologia do Corpo. Petrópolis: Editora Vozes, 2006.

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  • LÜDORF, S. M. A. Do corpo design à educação sociocorporal: o corpo na formação de professores de Educação Física. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da UFRJ. Setembro, 2004.

  • PALMA, A.; JARDIM, S.; LUIZ, R. R.; SILVA FILHO, J.F. Trabalho e saúde: o caso dos professores de Educação Física que atuam em academias de ginástica. Cadernos IPUB (UFRJ), Rio de Janeiro, v. 13, p. 11-30, 2007.

  • PALMA A.; AZEVEDO, A. P. G.; RIBEIRO, S. S. M.; SANTOS, T. F.; NOGUEIRA, L. Saúde e trabalho dos professores de educação física que atuam com atividades aquáticas. Arquivos em Movimento, Rio de Janeiro, v.2, n.2, p.81-101, jul./dez., 2006.

  • TAHARA, K. A. SCHWARTZ, G.M.; SILVA, K. ª Aderência e manutenção da prática de exercícios em academias. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 11, n. 4, p.7-12, out./dez. 2003.

  • TURATO, E. R. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

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