Diário: uma visão crítica dos alunos a cerca da Educação Física escolar. Relato de experiência El diario: una mirada crítica de los estudiantes sobre la Educación Física escolar. Relato de una experiencia |
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Professora Substituta do curso de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Mestranda UFPEL |
Micheli Vergínia Ghiggi (Brasil) |
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Resumo O presente relato tem por objetivo observar e relatar as experiências e considerações de alunos de uma turma de segundo ano da Universidade Federal do Rio Grande, na sua primeira intervenção na rede escolar como graduandos do curso de educação física. Os alunos elaboraram um diário no qual eram descritas as aulas da disciplina de pré estágio IV, com opiniões críticas sobre os textos abordados e o planejamento de uma intervenção escolar com posteriores reflexões e um relatório de observação. Para a análise deste material foram realizadas (re) leituras dos textos abordados em aula e dos diários elaborados pelos alunos, com o consentimento destes. Para uma maior compreensão deste relato foram utilizados trechos retirados dos cadernos, que facilitam a visualização de questionamentos levantados em aula quanto à inserção de um professor e de um planejamento de educação física que sejam críticos e autônomos. Os relatos dos alunos são particulares e percebe-se que há uma dedicação reflexiva quanto ao conteúdo. O diário tem relevância não apenas como forma de avaliação, mas também como uma maneira dos alunos exporem seus questionamentos em relação às experiências vivenciadas e a prática atual dos professores de educação física. Unitermos: Diário. Educação Física. Professores.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 155, Abril de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Em 2009 me inseri como professora substituta no curso de educação física da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Uma das tarefas assumidas foi a orientação da disciplina de Pré Estágios IV, na qual um dos objetivos propostos pela ementa foi proporcionar a primeira intervenção escolar dos graduandos. Facilitando assim, a inserção dos alunos em campos de estágio, através de análises das ações pedagógicas e das etapas do processo de ensino aprendizagem vivenciados.
O ponto de partida para as análises pretendidas foi à discussão de textos relacionados a práticas pedagógicas em educação física. Realizamos reflexões a cerca da metodologia do ensino desta disciplina, levantando em questão o que vem a ser a educação física, o que deveria ser e os movimentos renovadores da mesma, como os de sociabilização, construção do saber e troca de conhecimentos. Abordamos temas como a busca da autonomia pedagógica pela educação física em tempos atuais, construção do conhecimento substituído pela transmissão do saber, conhecimento em constante transformação e importância da integração da educação física no projeto curricular com a construção de uma identidade para disciplina.
Para um melhor entendimento foram utilizados autores como Valter Bracht e Celi Nelza Zülke Taffarel, Tarcísio Mauro Vago, Maria Aparecida Viggiani Bicudo, Fernando Jaime González, entre outros.
Entre as propostas da disciplina estava a pretensão de uma breve desconstrução da educação física vivenciada por muitos e a construção de uma disciplina atual contextualizada, crítica e reflexiva.
O método de avaliação proposto para a disciplina consiste em um tipo de diário, realizado em um caderno. Neste documento os alunos deveriam, desde a primeira aula, reunir informações colhidas nas aulas, nos textos e nas práticas, tecendo comentários críticos e formando reflexões sobre os temas e acontecimentos vivenciados no decorrer do período da construção deste material. Todos deveriam realizar uma intervenção, nas escolas oferecidas, se organizando de modo a formar duplas por turma. Cada dupla ficou com uma turma, porém a intervenção foi individual. Dessa forma, cada aluno deveria realizar uma aula e observar a do colega relatando-a.
Objetivos
Entre os objetivos deste relato de experiência está a proposta de relatar algumas das expectativas de estudantes, de uma turma segundo ano do curso de educação física da FURG, quanto as primeiras experiências, para muitos, em uma intervenção de estágio no ambiente escolar. Ainda relacionar alguns referenciais teóricos trabalhados na disciplina de pré-estágio IV, com as vivências práticas em aula e na escola, de acordo com as visões desses alunos de graduação.
Também é fator objetivo desse relato abordar trechos dos diários de campo dos alunos, realizados antes, durante e depois de suas intervenções, relacionando estes as discussões realizadas em aula. Levantando assim, alguns questionamentos e reflexões sobre os seus propósitos anteriores e posteriores as intervenções.
Metodologia
Para a produção deste relato de experiência foi realizada uma leitura inicial dos diários produzidos pelos alunos. Posteriormente fizemos a releitura dos textos trabalhados na disciplina e então uma segunda leitura dos diários. Nesta segunda leitura houve a retomada dos referenciais teóricos relacionados com as reflexões dos alunos escritas nos cadernos e com as discussões realizadas em aula sobre os textos trabalhados em aula. E numa terceira leitura dedicamos o olhar às observações pessoais e sensações em relação a vivência na escola.
Por meio da utilização de um termo de consentimento livre e esclarecido convidamos aos alunos da turma de segundo ano para participar deste relato de experiência. Após a leitura do documento que continha a descrição detalhada do estudo, seus objetivos, procedimentos, confidencialidade, voluntariedade e contatos para informações, os alunos que concordaram em fornecer seu material escrito para contribuir com este relato assinaram ao final deste e nos entregaram seus cadernos.
Resultados
Surgiram questionamentos sobre a dificuldade da inserção de um professor e de uma aula de educação física críticos e autônomos. Tendo em vista as experiências vivenciadas por esses alunos enquanto integrantes da rede escolar e como está presente na escola hoje. Segundo as percepções dos graduandos haveria uma negação dos alunos em relação à prática de uma educação física diferenciada. Acreditava-se, na turma, que um novo planejamento envolvendo atividades corporais diversificadas não seria bem aceito. Em momentos de nossas aulas alguns alunos partilharam da idéia de que os alunos não aceitariam essas práticas, questionando a educação física ainda presente nas escolas, na qual o professor parece ser apenas um “guarda – bola” ou “rola - bola”.
Seguindo as orientações, os textos trabalhados e os temas debatidos em aula os alunos apresentaram um planejamento de aula com atividades de integração e sociabilização, criativas, lúdicas, cognitivas, cooperativas, competitivas, contextualizadas aos ambientes, ricas em possibilidade de expressão e modificação de acordo com as sugestões dos alunos. Foram trabalhadas atividades como jogos, esportes, alongamentos, lutas, expressão corporal e artesanato. Ao final das aulas, praticamente todos os planos de aula dedicavam tempo a uma conversa final com seus alunos, abrindo um espaço para que ele possa questionar avaliar e contribuir com sugestões.
Em um dos diários observei a constatação de que durante as intervenções em uma das escolas alguns alunos relataram que “as aulas de educação física eram divididas em dois momentos: primeiro era realizado um aquecimento baseado em corridas e polichinelos e o segundo momento é aquele em que o professor libera a bola.” A graduanda que fez esse relato ainda acrescenta uma passagem de um aluno da escola, fazendo um pedido: “Libera a bola pra gente jogar professora!” e enfatiza que esta foi uma frase muito ouvida. Esses relatos aumentam o desafio de nossa inserção autônoma nas escolas. Para exemplificar a grandiosidade deste desafio para os graduandos, descrevo trechos de diários da turma do segundo ano:
“Fiquei muito satisfeita com as atividades, pois a princípio era um desafio e eu não sabia se iria dar certo ou não.”
“No começo achei difícil e senti uma grande barreira dos próprios alunos para com a proposta que estávamos lançando a eles, mas depois de conversar, discutir e fazer a reflexão junto a eles, fiquei muito satisfeita com a repercussão de nossa proposta. Penso ser sim muito difícil a tarefa de uma nova proposta de ensino aprendizagem, mas de forma alguma impossível, pois se em apenas duas aulas (em um dia) acredito ter conseguido fazer algo, julgo que com mais tempo, como professores efetivos, podemos propor muitas mudanças.”
Alguns relatos, assim como seus planos, foram repletos de detalhes, sensações, informações, descrições e preocupações. Principalmente ao final das anotações, os alunos do curso realizaram reflexões fortes a cerca das intervenções pessoais e da atuação do professor de educação física na escola de forma geral. Algumas dessas reflexões foram às seguintes:
“Percebi que as atividades em geral foram muito bem recebidas por todas as crianças e elas conseguiram perceber que educação física é muito mais que o conhecido futebol, fator marcante já em turmas com crianças pequenas como estas.”.
“Temos várias fotos de recordação que vamos guardar com carinho e sei que fizemos a diferença pelo menos um dia na vida de cada um que lá estava, ou participando da aula, ou olhando vendo que a educação física pode ser sim diferente, onde se aprende brincando, e não só movimentos mecânicos.”
“Este dia, ficará na minha lembrança, de forma positiva, como o primeiro dia de contato com a minha futura profissão e jamais esquecerei [...] que me proporcionaram (professora e alunos) tal experiência, confiando e me ajudando na realização da mesma.”
Desta forma, os diários refletiram os pensamentos dos alunos, expondo suas opiniões e expectativas para com a prática deles como professores de educação física e sua atuação na rede escolar de ensino.
Considerações
Os diários vão além de uma forma de avaliação, eles nos trazem o retorno das experiências dos alunos iniciantes em atuações como professores, suas dificuldades, inseguranças e vontades.
Acredita-se, de acordo com a experiência vivida, que seja de importância fundamental para os graduandos de licenciatura em educação física, uma experiência de intervenção ainda nos primeiros anos do curso. Concomitantemente a esta, também é relevante a abordagem reflexiva do contexto atual com discussões a cerca do espaço que a educação física ocupa neste ambiente.
Foi de grande valia abrir um espaço para que se colocassem e discutissem as opiniões dos alunos, ainda mais quando posteriormente tivemos a possibilidade de rever suas considerações de forma pessoal em um diário. Material este aonde se percebeu que muitos alunos puderam renovar suas percepções ou mesmo formar alguma e ainda discutir abertamente sobre esse novo olhar quanto a prática do professor de educação física na escola e os conteúdos com possibilidade de serem abordados.
Com os relatos dos alunos podemos levantar questionamentos e refletir sobre o modo de se intervir em educação física de forma contextualizada e crítica. Ocorreu por parte dos alunos uma problematização em relação a educação física anterior, vivenciadas por eles, e nos momentos de intervenção. Levantaram-se soluções a cerca das possibilidades de renovação do conteúdo da disciplina em âmbito escolar.
Referenciais
BICUDO, Maria Aparecida Viggiani; BELUZZO, Regina Célia Baptista (orgs.). Formação humana e educação. Bauru, SP: EDUSC, 2002.
BRACHT, Valter. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
GOELLNER, Silvana Vilodre (org.). Educação física / ciências do esporte: intervenção e conhecimento. Florianópolis: UFSC/CBCE, 1999.
TAFFAREL, Celi Nelza Zülke. Criatividade nas aulas de educação física. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1985.
VAGO, Tarcísio Mauro. Intervenção e conhecimento na escola: por uma cultura escolar de educação física. In: VAGO, Tarcísio Mauro. O esporte na escola e o esporte da escola: da negação radical para uma relação de tensão permanente. In: Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2. Porto Alegre, RS.
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