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Os jogos de regras no desenvolvimento social de crianças

Los juegos de reglas en el desarrollo social de los niños

 

Professora Mestre, Faculdade Jangada, SC

Mestrando FURB, SC

(Brasil)

Simone Adriana Oelke*

simone.oelke@terra.com.br

Gerson Raiter**

gerson.raiter@terra.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Para compreender o desenvolvimento social da criança deve-se partir do princípio de que cada sociedade constrói os seus próprios ideais e a significação de “criança”, como também orienta as direções em que as crianças devem ser educadas, em conformidade com os valores e convicções propostos pela cultura, assim como se desenvolve e processa a formação e regulação das relações interpessoais. Neste ensaio, pretende-se discutir o papel dos jogos de regras no desenvolvimento social de crianças, por meio de suas relações interpessoais, considerando crianças da segunda infância àquelas entre os 6 e 12 anos de idade. Durante esse período, mudanças ocorrem no desenvolvimento das crianças e entre elas o desenvolvimento de uma escala de valores e internalização de regras, primeiramente transmitida pelos pais e depois pela escola e o contato com os amigos. Da experiência em grupos aprende-se a necessidade de regras. A criança constrói regras quando controla seu relacionamento com o outro, coloca-se no lugar do outro percebendo o ponto de vista das idéias e dos sentimentos dos parceiros (reciprocidade).

          Unitermos: Jogos de regras. Desenvolvimento social. Segunda infância.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 155, Abril de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Para compreender o desenvolvimento social da criança deve-se partir do princípio de que cada sociedade constrói os seus próprios ideais e a significação de “criança”, como também orienta as direções em que as crianças devem ser educadas, em conformidade com os valores e convicções propostos pela cultura. Deve-se também considerar, para tal entendimento, como se desenvolve e processa a formação e regulação das relações interpessoais.

    Os primeiros estudos do comportamento social das crianças tratavam sobre a individualidade da criança, como atingiam pela primeira vez fases particulares de seu desenvolvimento (primeiro sorriso, a manifestação do medo de estranhos, princípios de comportamento cooperativo, entre outros). Também os primeiros estudos tratavam sobre o que determinava as diferenças entre grupos de crianças (meninos mais agressivos que meninas; filhos únicos menos sociáveis do que aqueles com irmãos), ou sobre a influência da natureza das diferenças individuais (se o índice de desenvolvimento social acompanha o desenvolvimento intelectual, etc.). No entanto, segundo Schaffer (1996), apenas o estudo individual da criança não conseguia explicar a essência do comportamento. Assim, a relação mãe-criança, relação entre familiares ou o grupo de amigos, tornou-se o ponto central do estudo do comportamento social da criança, passando a considerar a importância do contexto, atribuindo um significado pelas relações em que as crianças estão envolvidas, como na família e na sociedade da qual fazem parte.

    Neste ensaio, pretende-se discutir o papel dos jogos de regras no desenvolvimento social de crianças, por meio de suas relações interpessoais, considerando crianças da segunda infância àquelas entre os 6 e 12 anos de idade.

Regras sociais e comportamento social

    A família ocupa o primeiro lugar como agente influenciador sobre a vida da criança. É no meio das interações familiares que as crianças aprendem ou deixam de aprender os elementos básicos de cooperação e concordância, através da aquisição de normas de conduta e atitudes idênticas às dos pais e através da percepção das relações entre os membros da família (GARRISON; KINGSTON; BERNARD, 1971; NEWCOMBE, 1999). É no contexto familiar que as crianças aprendem pela primeira vez as regras que regulam o comportamento interpessoal, através de suas rotinas e convicções (SCHAFFER, 1996) e, começam a formar conceitos sobre si como pessoa e a aprender habilidades para tornar-se membro de grupos maiores (NEWCOMBE, 1999). Para Papalia e Olds (2000), a influência mais importante do ambiente familiar no desenvolvimento das crianças é a ação social e psicológica em casa: se existe relação favorável e amorosa ou pontuada de conflitos e se existe bem-estar econômico ou não.

    Por volta dos 6 anos de idade ocorre a entrada na escola, correspondendo a um segundo meio de socialização da criança. Pela primeira vez a criança terá a experiência de estar em um meio efetivamente neutro a seu respeito, onde ela própria deverá conquistar seu lugar, sem beneficiar-se do amor parental; onde será obrigada a adaptar-se a inevitáveis coerções, será uma entre várias, onde irá descobrir a igualdade perante leis e normas e, por fim, terá de aceitar um adulto estranho ao quadro familiar como uma autoridade nova detentora do saber (OSTERRIETH, 1969). A partir dos 6 anos de idade, certo nível de maturidade é atingido na confrontação com as exigências exteriores, aparecendo uma primeira forma de responsabilidade.

    Pela primeira vez de forma regular e constante, a criança vai entrar em sociedade com seus pares e fazer parte de um grupo em que será, em possibilidades físicas e mentais, igual aos companheiros de idade. A partir dos 7 anos, a sociedade dos companheiros ganha tanta importância quanto à família, há necessidade de ser aceito e de afirmar-se entre eles, onde a conformidade com os padrões do grupo é que irá prevalecer (OSTERRIETH, 1969).

    No começo da escolaridade, entre 6 e 9 anos de idade, a criança entra em nova fase de desenvolvimento, caracterizada pela intensificação e pelo estabelecimento das relações sociais entre companheiros, pela valorização a outros vínculos afetivos extrafamiliares, pelo surgimento de uma atitude mais objetiva a respeito da realidade, pela superação da intuição pelo raciocínio no plano concreto, e pelo aparecimento discreto da interioridade (OSTERRIETH, 1969; GRIFFA; MORENO, 2001). O desenvolvimento social e intelectual parecem constituírem-se nos aspectos principais do crescimento da personalidade neste nível, caracterizado pela ruptura do quadro familiar e da mentalidade infantil primitiva.

    Griffa e Moreno (2001), acrescentam ainda que o ingresso da criança na escola é marcado pelo desenvolvimento da iniciativa pessoal, onde a criança consegue realizar metas e interesses individuais, assim como é marcado por profundas mudanças no seu desenvolvimento cognitivo e emocional. Referente ao desenvolvimento cognitivo, a criança centra a atenção nos jogos sociais e na atividade grupal entre pares. No desenvolvimento emocional há um certo controle ao expressar as emoções e sentimentos e uma relativa estabilidade psicológica e corporal, o que permite que o aprendizado passe a desempenhar um papel central no desenvolvimento.

    A entrada na escola é um período decisivo para a socialização. Pressupõe a realização de tarefas e a possibilidade de partilhar objetos e experiências com os demais. A energia é direcionada para os vínculos interpessoais com seus pares, de modo que a criança desenvolve a capacidade de comunicação e de integração grupal (GRIFFA; MORENO, 2001). Para Cole e Cole (2004), o aumento da interação das crianças com seus pares é ao mesmo tempo uma causa e um efeito do seu desenvolvimento durante a segunda infância. Elas passam mais tempo com os amigos porque há um aumento na capacidade para pensarem e agirem por si mesmas.

    Estudos têm documentado a importância das relações com os pares para o desenvolvimento cognitivo da criança. Spodek e Saracho (1998) apresentam os resultados de algumas pesquisas: Guralnick (p. 144) observou que a interação social com outras crianças aperfeiçoa as habilidades de comunicação, à medida que as crianças ajustam a complexidade da sua linguagem para se adequarem ao nível cognitivo de seu interlocutor; Hartup (p. 144) demonstrou que as trocas entre pares ensinam as crianças a compartilhar, a responder apropriadamente à agressão e a desenvolver comportamentos adequados a seus papéis sexuais; Murray e Perret-Clements (p. 144) demonstraram que as trocas sociais com pares mais competentes resultam em ganhos nas habilidades cognitivas. Em uma revisão de pesquisas sobre as relações entre as crianças, Ladd e Coleman (p. 144) concluíram que elas são capazes de construir relações com pares nas quais ajustam mutuamente suas interações com as crianças que preferem.

    De acordo com Martins (2001), com o decorrer do desenvolvimento cognitivo e social, as crianças passam para outro tipo de relacionamento, o da cooperação ou autonomia, em que impera a crítica, o controle mútuo, a confiança e a cooperação. O processo, segundo Piaget apud Martins (2001), ocorre em dois momentos: num primeiro momento, as relações de respeito unilateral e de coação se estabelecem quase que espontaneamente entre a criança e o adulto, pois, com a observação, os pais transmitem uma série de rotinas, das quais as crianças não têm compreensão e as quais devem simplesmente seguir. Isso, associado ao egocentrismo e ao realismo infantil, forma o padrão de relacionamento criança/adulto. Num segundo momento, com o desenvolvimento dos esquemas cognitivos e a ampliação das relações sociais e com a inclusão de novos companheiros, começam a se desenvolver novos tipos de relações. Desta forma, a regra, que antes era dada pronta e imutável, passa a ser objeto de discussões, para finalmente ser passível de mudanças, desde que haja consenso entre todos os envolvidos na situação. É o surgimento da moral de cooperação ou autônoma.

    As crianças constroem a moralidade a partir da sua experiência social, de acordo com a sua compreensão cognitiva. A conduta moral pode ser influenciada pelo nível de compreensão moral alcançado pelo indivíduo, mas não é a única determinante. Segundo Schaffer (1996), outros fatores como, pressão dos companheiros para se empenhar em determinadas atividades, custo pessoal de certas ações e influência de outras características da personalidade (força do eu ou a capacidade de resistir à tentação), devem ser considerados ao tentar-se entender o comportamento de um indivíduo em uma determinada circunstância.

    A capacidade de a criança pensar, em termos das operações mentais, lhe possibilita considerar regras sociais, e essa habilidade, por sua vez, permite-lhe cooperar umas com as outras em muitos contextos, sem a presença de algum adulto que faça cumprir regras (COLE; COLE, 2004). Para estes autores, o modo de pensar das crianças sobre as questões morais depende do domínio da moralidade envolvido e do contexto em que as questões ocorrem. Neste sentido, está a proposta de Kohlberg (apud BEE, 2003; COLE; COLE, 2004), o qual afirma que, o modo de pensar moral se modifica, durante a segunda infância, da crença de que o certo e o errado são baseados em uma autoridade externa poderosa (moralidade heterônoma) para uma moralidade instrumental baseada no apoio mútuo e, em alguns casos, para uma crença na responsabilidade recíproca (a regra segundo a qual se devem tratar os outros como se quer ser tratado).

    Turiel e colegas acrescentam ainda, que os julgamentos das crianças sobre as convenções sociais têm seus próprios critérios e seguem sua própria seqüência de transformações desenvolvimentais, sendo que a maneira de pensar sobre as regras morais não depende apenas do contexto, mas também de quem as está passando (apud COLE; COLE, 2004). Sobre as mudanças relacionadas à idade na maneira de pensar sobre as convenções sociais, Turiel (1978), descreve: primeiramente, a criança parece acreditar que as convenções refletem a ordem natural dos eventos e que violar a convenção seria se comportar de uma maneira não natural; entre 8 ou 9 anos de idade, as crianças não atribuem um valor especial ao papel das convenções sociais. Elas são sofisticadas o bastante para entender que as convenções sociais tradicionais podem enganar as pessoas; entre 10 ou 11 anos, a maior parte das crianças começa a acreditar que as convenções sociais, por mais arbitrárias que possam ser, têm um papel legítimo na regulação da vida social (apud COLE; COLE, 2004).

    Embora as regras sociais possam contribuir para formar novas relações sociais e controlá-las, o comportamento real das crianças, segundo Cole e Cole (2004) está pouco relacionado ao seu modo de pensar sobre as regras sociais. O fato delas se comportarem moralmente ou não depende de como elas pensam e também do modo como imaginam as conseqüências do seu comportamento.

    As experiências sociais têm importantes reflexos no plano moral da criança. Antes dos 6 anos de idade a criança se limita à submissão ao adulto, no entanto, a partir do momento em que ingressa em um grupo, ela pode controlar e ser controlada pelos pares. Pode alternativamente, se submeter à autoridade e exercê-la, em razão do controle recíproco. A criança descobre uma forma de obrigação diferente da emanada da coerção adulta; descobre a obrigação decorrente do acordo entre iguais e de adesão pessoal, que segundo Piaget (apud Martins, 2001), vai de uma moral de respeito unilateral e de submissão ao adulto para uma moral de respeito mútuo, de convenção entre iguais.

Jogos de regras

    Autores como Osterrieth (1969), Liublinskaia (1973), Piaget e Inhelder (1980), Piaget, Nicolopoulou, Hughes apud Cole e Cole (2004) falam que, parece que as crianças aprendem a controlar suas relações sociais através dos jogos, mais especificamente, jogos baseados em regras.

    Na idade escolar há o início dos jogos com regras, jogos que exigem capacidade cognitiva de entender e aceitar regras, assim como a capacidade de lidar com a competitividade. O objetivo do jogo de regras, segundo Moreira (1996), é colocado em função do crescimento do grupo, onde a interação, a espontaneidade e a liberdade são meios para atingi-lo. O autor coloca que para trabalhar em grupo é necessário um esforço diferenciado de cada participante. É preciso responder aos estímulos propostos, romper preconceitos em conjunto e experienciar novas possibilidades, tendo como conseqüência, uma quebra das estruturas individuais e sociais anteriores e a construção de novas estruturas menos estereotipadas.

    Piaget (apud COLE; COLE, 2004) diz ainda que o envolvimento com jogos baseados em regras surgem da manifestação de operações concretas no meio social, correspondendo a um decréscimo no egocentrismo, no surgimento da conservação da amizade e no surgimento de outras habilidades cognitivas. Pode-se dizer que, quanto maior for o desenvolvimento cognitivo das crianças mais estruturado pode ser o jogo e este, por sua vez, contribui desenvolvendo também o pensamento. Piaget coloca que o envolvimento em jogos de regras também advém de modelos da sociedade passados de uma geração à outra; jogos cuja estrutura de regras determinam o comportamento da pessoa em circunstâncias sociais específicas.

    Em conformidade com o exposto de Piaget, Cole e Cole (2004) acrescentam que, por volta dos 7 ou 8 anos, as regras tornam-se a essência de muitos jogos, determinando quais papéis devem ser desempenhados e o que uma pessoa pode e não pode fazer ao desempenhar papéis, como também determinam que, uma vez combinadas, as regras devem ser seguidas à risca até o final do jogo por todo o grupo, numa questão de justiça. Para os autores supracitados, nos jogos baseados em regras, “as crianças devem ser capazes de manter em mente o conjunto geral das exigências pré-estabelecidas das tarefas, ao mesmo tempo em que precisam entender o relacionamento entre os pensamentos dos outros jogadores e suas próprias ações.” Newcombe (1999) acrescenta que a habilidade de assumir papéis está em função das mudanças relacionadas com a idade em termos de interações sociais e brincadeiras e que esta capacidade de assumir papéis parece se desenvolver através de uma série de estágios qualitativamente distintos e está correlacionada com a inteligência genérica e o comportamento moral.

    Os jogos baseados em regras expandem tanto o número de crianças que podem brincar quanto a provável duração da sua atividade conjunta. A maior duração e complexidade da brincadeira das crianças evidenciam que, pelo menos em algumas condições, as crianças que entraram na segunda infância são capazes de controlar seu próprio comportamento segundo as regras sociais estabelecidas (COLE; COLE, 2004). Quando começam a passar mais tempo entre seus pares, as crianças precisam aprender a equilibrar as maneiras como competem umas com as outras, surgindo a necessidade de cooperar. Também para LIUBLINSKAIA (1973), o jogo facilita a aquisição de normas sociais e contribui para um comportamento social satisfatório, reflete a realidade, permitindo a criança adquirir conhecimentos e solucionar problemas. A maneira como as crianças aprendem essas normas é influenciada pelos valores e convicções do seu grupo cultural, assim como o jogo também sofre a influência da cultura e do controle social, quando se observa que estes evoluem da atividade espontânea da criança para jogos organizados e de regras.

    Os jogos de exercício e os jogos simbólicos podem evoluir, transformando-se em jogos de regras, desde que se tornem coletivos, isto é, desde que envolvam mais de uma criança e que haja uma troca social entre elas. Segundo Newcombe (1999), a participação em jogos simples em grupo e em jogos de tabuleiro geralmente começa entre as idades de 4 e 7 anos, porém a participação em jogos com regras mais abstratas é provavelmente durante o período entre 7 e 12 anos. Os jogos de regras são classificados, segundo Piaget (apud FARIA, 1998): jogos de combinação sensório-motora (corridas, jogos de bola de gude ou bolas, etc.) ou intelectuais (cartas, xadrez, etc.) com competição de indivíduos e regulamentados quer por um código transmitido de geração à geração, quer por acordos momentâneos.

    Após os 7 anos, segundo Piaget e Inhelder (1980), as crianças iniciam, entre si, jogos de regras com cooperação, colaboração ou competição entre os jogadores, regulamentadas por normas construídas ou aceitas por todos os participantes. Somente a partir dos 10 anos, a criança entende que qualquer regra pode mudar com o acordo dos participantes envolvidos no jogo e, por volta dos 12 anos, há o entendimento da partilha e reciprocidade de relações. Piaget e Inhelder argumentam que com os progressos da cooperação social entre crianças e os progressos operatórios correlativos, os jogos de regras, permitem a criança formar relações morais novas, fundadas no respeito mútuo e que conduzem a certa autonomia.

    De acordo com Piaget (apud COLE; COLE, 2004), a maioria das crianças começa a tratar as regras dos jogos com menos respeito em algum momento entre os 9 e 11 anos de idade, quando percebem que as regras do jogo são convenções sociais resultantes do consentimento mútuo. Piaget também observou que os meninos e as meninas não apenas brincam de jogos diferentes, mas brincam de maneiras diferentes e que as regras entram diferentemente no jogo dos meninos e no jogo das meninas. Segundo Bee (2003) os meninos brincam mais ao ar livre, abrangendo uma área maior em suas brincadeiras e seus grupos de amizades parecem centrar-se mais na competição e na dominação. Por outro lado, as meninas, tendem a brincar em pares ou em grupos menores, passam mais tempo brincando dentro de casa, perto de casa ou da escola e seus grupos de amizades incluem mais concordância, aquiescência e auto-revelação. De acordo com a autora citada acima, no início do ensino fundamental, as crianças criam regras rígidas sobre o que os meninos e as meninas devem fazer ou podem fazer.

    Os meninos e as meninas parecem ter estilos bem diferentes de interação um com o outro e com os pares. Segundo Schaffer (1996), os estudos que tentam esclarecer o desenvolvimento dos papéis dos gêneros têm-se concentrado nas preferências por determinados brinquedos e atividades lúdicas, no desenvolvimento das características da personalidade e na escolha de parceiros de brincadeira. Os resultados indicam que o comportamento antecede a compreensão sobre o que é mais adequado para um gênero do que para outro, no que se refere às preferências por determinados brinquedos e atividades lúdicas. Quanto às características da personalidade, os resultados indicam que, apesar de sofrerem alterações, o gênero masculino ainda é retratado como ativo, dominante, agressivo e confiante, enquanto o feminino, como passivo, submisso, receoso e complacente. E quanto à escolha de parceiros de brincadeira, parece que as crianças dão prioridade às brincadeiras em grupos do mesmo sexo.

    De acordo com Papalia e Olds (2000), os grupos de pares geralmente consistem de crianças que tem idade, sexo, etnia e condição sócio-econômica semelhante, e que vivem perto umas das outras. Os grupos geralmente são somente de meninos ou somente de meninas. As crianças de mesmo sexo têm interesses comuns: as meninas geralmente são mais maduras do que os meninos e as meninas e os meninos brincam e conversam uns com os outros de modos distintos. Os grupos de crianças do mesmo sexo ajudam-nas a aprender comportamentos apropriados ao sexo e a incorporar papéis sexuais em seu autoconceito.

    O tempo cada vez maior que as crianças passam entre os pares é acompanhado por uma mudança na percepção de si mesmas. Segundo Schaffer (1996) as crianças não possuem um sentido do eu nos primeiros meses de vida e para tal formação, só podendo ser consolidado a partir da experiência, principalmente através com outras crianças. Assim sendo, parece correto inferir que determinadas experiências sociais de uma criança tendem a moldar o desenvolvimento inicial do eu, assim como influenciam a formação de seu autoconceito. É durante a infância que ocorrem a maior parte das transformações, onde são lançados os fundamentos do conceito e o indivíduo se encontra mais vulnerável à avaliação do outro.

    No início, as crianças pensam em si em termos concretos associados a diferentes áreas de atividade, mas com a idade, suas concepções se desenvolvem, tornando-se mais inclusivas e complexas (COLE; COLE, 2004). Tendem a uma comparação social em relação aos próprios pares, quanto aos aspectos de suas personalidades, habilidades e circunstâncias sociais. Segundo os autores supracitados, desafios especiais à percepção do eu surgem do processo de comparação social, que ocorre quando as crianças competem em jogos e na escola.

    De acordo com Newcombe (1999), até por volta dos 7 anos, as crianças tendem a se definir a si próprias em termos físicos. Durante a segunda infância, as descrições de si mesmo se aproximam gradativamente de declarações mais abstratas sobre fatos e traços psicológicos. Do mesmo ponto de vista, Papalia e Olds (2000), colocam que o desenvolvimento cognitivo permite que as crianças em idade escolar (7/8 anos) possam comparar seu eu real com seu eu ideal, e podem julgar o quão correspondem aos padrões sociais que absorveram em seu autoconceito. Essa visão de si mesma é importante para o desenvolvimento da auto-estima, a qual relaciona aspectos cognitivos, emocionais e sociais da personalidade. Aproximadamente aos sete ou oito anos de idade, as crianças podem internalizar integralmente a vergonha e o orgulho; e essas emoções complexas, as quais dependem da consciência das implicações de suas ações e do tipo de socialização que as crianças receberam, afetam sua opinião de si mesmas (HARTER apud PAPALIA; OLDS, 2000).

    Quando a criança começa a ampliar suas experiências sociais, a aceitação por seus pares torna-se importante para o conceito que forma de si, para seu desenvolvimento, visando à independência e à eficácia geral para seus ajustamentos sociais. Estudos realizados mostram que existe relação entre a posição sociométrica da criança no grupo e suas características pessoais, suas realizações e seu ajustamento. De acordo com Garrison, Kingston e Bernard (1971), as características que contribuem para a popularidade de uma criança variam de uma idade para outra, de um grupo para outro e de um gênero para outro. Para meninos o que conta é a habilidade nos esportes, firmada pela coordenação motora, na força, no tamanho e na maturidade física. Para meninas, dá-se valor aos traços que denotam tranqüilidade, ponderação e conduta amável. Dentre os fatores que contribuem para a aceitação social, a inteligência e o desempenho escolar também influenciam na popularidade da criança. Para Jersild (1973), as crianças que obtêm alto grau de aceitação costumam ser descritas pelos companheiros como ativas, alertas e interessadas, de boa aparência, alegres e amistosas. As crianças populares tendem a se situar acima da média em inteligência, desempenho escolar, saúde, independentes dos adultos e sensíveis às idéias e interesses alheiros. A popularidade entre os pares no ensino fundamental, para Bee (2003) está baseada na quantidade de comportamentos sociais positivos e apoiadores, apresentada pela criança em relação aos companheiros. Cole e Cole (2004), observaram que os fatores relacionados à posição no sociograma indicam que a popularidade está relacionada mais com a beleza física; a agressividade e a timidez com as crianças rejeitadas; as menos sociáveis, com as negligenciadas; as que são aceitas e rejeitadas e até mesmo agressivas, com as controvertidas; e a agressividade com as valentonas. A beleza física é um fator na conformação do status social, mas habilidades sociais importantes, como dar contribuições construtivas para a atividade do grupo, adotar a estrutura de referência do grupo e entender as regras sociais, também desempenham papéis importantes.

    Parece que as crianças com mais sucesso social são as que de algum modo conseguem distinguir-se do grupo de modo favorável, apontando a disponibilidade motora como um fator importante, sobretudo nos rapazes, bem como a capacidade de liderar um grupo. As crianças que são pouco aceitas no seu grupo de pares têm proporcionalmente acesso a menos experiências relacionais, o que tende a agravar o seu estado social.

Considerações finais

    Durante o período de 6 a 12 anos, mudanças ocorrem no desenvolvimento das crianças, a saber: aprendizagem das funções do sexo, desenvolvimento da consciência, mudanças dos cuidados próprios, independência na tomada de decisão de atividades próprias, mudança de tarefas sociais relacionadas aos pais para o grupo de companheiros. Há desenvolvimento de uma escala de valores e internalização de regras, primeiramente transmitida pelos pais e depois pela escola e o contato com os amigos. Parece que da experiência em grupos aprende-se a necessidade de regras. A criança constrói regras quando controla seu relacionamento com o outro, coloca-se no lugar do outro percebendo o ponto de vista das idéias e dos sentimentos dos parceiros (reciprocidade).

    As crianças possuem necessidades sociais e buscam outras crianças para a realização de suas atividades lúdicas. Esse processo permite que os sentimentos egoístas cedam lugar aos sentimentos de companheirismo. O desenvolvimento social envolve um procedimento de aumentar na criança a capacidade de agir, interagir e reagir afetivamente com as outras crianças e consigo mesmo. Um aspecto importante a ser considerado é a formação do autoconceito, o qual parte do princípio do que a criança sente e vê de que é capaz e do que não é capaz, percebe o certo e o errado, o bom e o ruim, possibilitado, de certa forma, através do jogo social. Deste modo, a partir do momento que a criança aprende sobre si mesmo, está em condições de participar de jogos e competições, pois está emocionalmente em condições de perceber o grupo e as demais pessoas.

    O jogo, a partir dos 6-7 anos, evolui para o jogo social, o qual equilibra a manifestação competitiva com a manifestação cooperativa, onde a criança começa a aprender que, para ter êxito na competição, é preciso cooperar. Esta manifestação ocorre até por volta dos 9 anos, quando a criança torna-se mais sociável e os jogos cooperativos estão mais presentes. Entre os 10 e 12 anos, há inserção da criança dentro do grupo, há um sentimento de aceitação e de auto-estima, os quais dependem, em boa parte, de sua participação dentro de seu grupo. A diversidade de oportunidades para constituir e discutir regras, a conformidade com as características do grupo, o desejo de ser aceito e ser o melhor contribuem para a aquisição de conhecimentos da criança.

Referências

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