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Motricidade e a corporeidade humana na experiência filosófica

Motricidad y corporeidad humana en la experiencia filosófica

 

Departamento de Educação Física – IB

Unesp – Rio Claro – São Paulo

(Brasil)

Prof. Dr. Wilson do Carmo Junior

wilsonjr@rc.unesp.br

 

 

 

 

Resumo

          O discurso sobre a motricidade humana parece ter inspirado o primado cultural da Educação Física. Embora muito explorado nos meios acadêmicos, o termo motricidade humana ainda está inconsistente, e não atingiu um conceito legítimo que possa justificar a relevância do termo, a ponto de inspirar revolução de valores e mudança de comportamento. A motricidade humana é um conceito estrutural, um conjunto de significados, que se atribui à dinâmica prática da Educação Física e tudo aquilo que ela representa na realidade contemporânea. Relevar a motricidade humana não significa transferência de conceitos ou invenção lingüística para justificar uma possível mudança de nome. A motricidade humana deve ser interpretada como um conteúdo essencial, imanente ao contexto lingüístico da Educação Física, e com ela, a evidência natural e de domínio público, sobre o sentido mais puro do movimento humano.

          Unitermos: Educação Física e Motricidade humana. Filosofia da Motricidade humana.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 155, Abril de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Considerações primárias

    Não estaríamos sendo pretensiosos se tentamos criar um conceito de corpo e seus referentes fisiológicos para firmar uma categoria filosófica que possa estabelecer vínculos teóricos e práticos com a Educação Física. O corpo humano, a partir do sentido que expressa a sua anatomia já nos indica a necessidade de reflexão. Pensar sobre o corpo, por assim dizendo, seria o mesmo que agir, uma transposição de linguagens nas quais precisaríamos de um referencial novo, ou seja, compreender um fenômeno original do sentido do organismo desde a sua natureza física até o sentido mais rigoroso de percepção . Essa ligação me estende com o resto das coisas. Tão próximo de mim está o meu contorno, que se interpõe como fronteira ilimitada e que as relações de espaço ordinário não transpõem jamais. Elas não estão desdobradas uma com as outras, mas sim envolvidas. Da mesma maneira que o corpo na sua totalidade não se resume a uma reunião de células, órgãos, ou sistemas de funcionalidade, não têm a posse material de um organismo e sim eu sou a existência orgânica.1

    Podemos compreender a motricidade como um conceito primordial de expressão corporal, tanto orgânica como psíquica. A motricidade antecede o ato motor, que por sua vez fornece o gesto complexo como tradução perpétua em linguagem visual, das impressões cinestésicas e articulares. A rigor, ato e pensamento se estruturam onto e filogeneticamente, ou seja muito além da configuração físico-química.

    A motricidade mais profunda está na linguagem, uma espécie de jogo humano primordial, talvez o primeiro entendimento humano na sua comunicação com o mundo. Poderíamos entender a linguagem como sendo a casa do ser, o jogo mais profundo, o vaivém lúdico, o lugar polissêmico entre a palavra e as coisas, uma relação dialética entre aparência e realidade.

    Nos fenômenos da natureza e da cultura, na trilha do comportamento humano e animal, há uma motricidade peculiar, produto de um sentimento de estar em movimento como prazer singular e aparente; objetivado pelo rigor das tensões e relaxamentos, e subjetivado pelo acaso do desejo do ser corporal em sentir-se vivo. Talvez o ser corporal, enquanto categoria filosófica, seja pré-existente ao ser cultural, mais humano e existencial do que o conceito que tornou a justificativa racional simples explicação. Da relação humana com a existência, o sentido do ser, pode ter nascido o conceito puro de motricidade humana, tendo como fundamental um problema filosófico. Tanto filosófico a quanto é fisiológico, a consciência do movimento indica que toda ação é atividade, pois, é admissível que o conceito de consciência vindo da filosofia, reflete um único organismo vivo: o corpo e este sempre, em estado motor, exige sempre saber e vigor. Fora de simples aparência, essa paráfrase aristotélica é tão complexa quanto o conceito de ser humano no jogo da vida. Não parece fazer sentido, aparentemente, trazer à tona o profundo sentido que é o jogo humano significa movimento humano. E uma vez que a motricidade humana é uma resposta à dinâmica lúdica mais primitiva que conhecemos, representada pelo conceito mais primitivo do jogo humano,2 lembremos que

    "o jogo é a criatividade finita da dimensão mágica da aparência, a determinação conceptual do jogo em termos ontológicos remete às questões cardinais da filosofia, à especulação sobre o ser e o nada, o parecer e o torna-se".

    Trata-se de uma possibilidade filosófica de sustentar o motor humano como seu impulso para o jogo, que ganha forma pelo contato fantástico e imaginário, com a dialética de mover e ser movido; a troca anticartesiana de sujeito e objeto, interno e externo, teoria e prática como sendo conceitos intrincados que se complementam e se ajustam no ser humano existencial, na consciência e na e na transcendência do real e do imaginário, aceitando o vínculo estreito entre o que é corporal e o que é mental e objetivamente concreto.

A Motricidade e o mundo vivido

    Tentemos agora demonstrar o papel do conceito de corpo na sociedade contemporânea suas considerações mais significativas mo que diz respeito a realidade humana. Toda existência humana, independente da forma que assume, é existência representada. A representação corporal como discurso, na vida social contemporânea, tem o mérito de apresentar aos homens sua corporeidade no sentido objetivo. Contida nos ginásios, nas piscinas, nas praias, nas passarelas, nas academias, o espectro corporal ascende a problemática do corpo como entidade além da fisiologia. Na prática, uma antropologia dos sentidos nos oferece o sentido dos sentidos, cuja contradição entre a fisiologia e a antropologia se da como espelho do vício da lógica linear e sob o fundamento do universo cartesiano. Nada mais atual do que o resgate dos sentidos e toda cadeia sistêmica decorrente do uso do corpo como ferramenta de intervenção no mundo vivido.

    Digna de nota, toda atividade corporal compreende uma atividade física e vice-versa. Entretanto, parece insustentável para muitos obter êxito na busca do padrão estético mostrado pelo triunfo do marketing. O que nos apresentam as publicidades são as realidades e as aparências concretas do modelo de homem que a cultura criou um cuidado corporal plastificado destituído do humano. Um paradoxo da representação humana, o que parece dicotômico na oposição corpo-mente aparece como totalidade na realidade existencial: o corpo supostamente perfeito pelo exercício físico é danificado pela consciência que o levou a fazê-lo. A rigor, o corpo belo não se sustenta pela cultura que o criou, pois, edificados pelos modelos e matrizes perde-se no fundamento do seu papel social, individualiza-se no narcisismo niilista. Vê-se a "comédia humana" na sua representação e repetição mais exemplar nos jogos, nas corridas, nas modalidades esportivas criadas como variantes optativas. Perdemos a noção de motricidade e de jogo, matrizes originais fundadas na necessidade estética e moral de estarmos no mundo vivido supra sensível.

    Para cultura contemporânea, resta redescobrir a realidade corporal como realidade humana, redescobrindo a potencialidade corporal existente na nossa magnitude mítica e poética. Postular o exercício dos ritos de passagem em cada fase da existência como quem busca sempre a iniciação-renovação, nascimento e morte dos instantes ontológicos parece fazer parte da eterna busca do saber corporal e humano. Essa reaproximação com o primitivo que há no homem revelará a primeira existência física: o nascimento. Daí, a com-vivência envolverá incessantemente as mudanças do regime ontológico e estatuto social.3

    Corporeidade e o poder, corporeidade e esporte, corporeidade e a arte, parecem ser unidades indivisíveis de natureza e conceito, estatutos de uma ecologia verdadeira numa ontologia original. Digno de nota, a realidade humana se humaniza na realidade corporal como postura estética, refletindo a sexualidade e a violência como pólos desconexos. Ainda que no inconsistente individual e coletivo, a fundamentação simplista de um discurso que se abre em premissas para representações mais rigorosas acerca do homem corporal.

    A corporeidade humana parece esta exigindo um novo paradigma estético. Para tal há uma necessidade de considerar a subjetividade, pois os diferentes registros sobre a cultura corporal jamais mantêm relações hierárquicas obrigatórias, fixadas definitivamente. Quanto de trata de referendar o corpo humano como um conceito, parece surgir infinitos paradigmas estéticos presos a uma objetividade, que concorrem entre si para justificar a representação física que o homem precisa. Talvez seja por isso que o poder sobre o corpo se apropria do homem através do esporte, da dança, das ginásticas, e do conceito de saúde. Daí a necessidade de fortalecer o fenômeno da subjetividade e desenquadrar a realidade corporal da mecânica cinesiológica isolada do simbolísmo e da poética existencial.

    Referir-se ao corpo humano como conceito não exclui o organismo, pelo contrário, um fenômeno releva o outro na subjetividade, e os sentidos do corpo revelam o homem na sua totalidade estética. Esse fator estético ocupa um lugar na história, sobretudo na ação sobre o corpo. Assistimos durante séculos o adestramento da beleza e do gesto, a regulação do comportamento, a normalização do prazer, a interpretação sumária e secundária do discurso, com o objetivo de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo para assegurar o domínio dos padrões técnicos e práticos da vida quotidiana.4

    A ginástica, a premissa original onde o corpo humano ultrapassa por si mesmo o espaço ontológico, e que autoriza o indivíduo a exercer o domínio do esforço e autoconhecimento se renova a cada instante para não perder o vínculo primitivo da ludicidade e da beleza. Muito embora o exercício físico, que conduziu o indivíduo a um desejo obcecado de modelar a massa muscular através de um trabalho meticuloso, obstinado, insistente nas academias, ainda não ultrapassamos a fronteira do poder que criou os padrões. Falta-nos a intenção de fazer ginástica, pela necessidade estética e lúdica que só encontraremos redescobrindo a subjetividade implícita na intenção de fazer. Essa redescoberta está na caracterização daquilo que é visível e móvel, capitado no tecido do mundo material no momento exato que respiro, transpiro e provoco um efeito de modificação e reorientação das minhas necessidades. A anatomia nos indica o fenômeno plástico, a cinesiologia nos indica o fenômeno móvel, e a ginástica nos indica a humanidade orgânica que se constitui no exercício como processo, o percurso que a minha intenção propõe. Aí está, seguramente, um conceito de esforço e de exercício, invisível e subjetivo. Estas contingências e outras semelhantes, sem as quais não haveria a motricidade, por simples soma de atividades não provocam efeito de exercício. Tanto quanto a transpiração, a inspiração é a segurança da intenção e aquilo que a perpetua.

    "A animação do corpo não é a reunião de suas partes, uma contra outra - nem, aliás, a descida no autômato, de um espírito vindo de outro lugar, o que ainda suporia que o corpo é sem interior e sem "si" ". Um corpo humano aí está quando, entre vidente e visível, entre tateante e tocado, entre um olho e o outro, entre a mão e a mão, faz-se uma espécie de recruzamento, quando se ascende a centelha do sensciênte-sensível, quando esse fogo não mais cessará de arder pega, até que tal acidente do corpo desfaça aquilo que nenhum acidente teia bastado para fazer". 5

A Motricidade como a Arte de Ser Educação Física

    No mundo acadêmico da Educação Física, estamos diante de um problema de identidade, não sobre o que diz respeito a profissão que ela representa como resposta social, pois, de forma simplista todos sabem o que é educação física. A dúvida recai sobre as estruturas conceituais que podem determiná-la e caracterizá-la como profissão ou área de conhecimento. Parece ser emergencial, entretanto, determinar os estratos universais da physis e da tecné 6 que relevam seu significado cultural, para que seja legitimada e reconhecida por sua competência, sobretudo naquilo que é revelado no sentido antropológico.

    Nestes termos, há uma preocupação explícita em focalizar na educação física os pressupostos originais, que podem ser compreendidos como uma cultura da educação física. Reorientando e redescobrindo uma prática efetivamente humana, explicitamente representada pela ginástica com a dieta, da higiene com a saúde, do esporte e a dança com a arte. Dificilmente sustentaremos um referencial absoluto desses termos fora da filosofia.

    Da complexidade uma prática abrangente e interativa, a educação física tem o domínio de um discurso que parece ser próprio. Porém, se dilui diante das armadilhas conceituais que orientam sua eficiência, e que nos permite perguntar: A Educação Física está a procura da humanidade do homem?

    Em cada uma das modalidades em que a educação física é representada, somente na cultura contemporânea, podemos afirmar que se trata de uma prática característica e efetivamente da profissão Educação Física, responsabilizada por um profissional da Educação Física. Entretanto, o que parece ser sublime se transformou em escatológico, o que talvez tenha dado origem à famosa acusação de que há mais transpiração que inspiração no esporte que é profissão, na dança que é apenas coreografia, no lúdico que é trabalho, e na saúde que simples aparência.

    Curiosamente, através da cultura, a educação física pode ser identificada como um fenômeno contemporâneo, desde a etimologia da palavra, até seu significado ontológico. Circunscreve no seu corpo de conhecimento um conteúdo que se interpõem com outros fenômenos da cultura, onde se registra como destaque as atividades corporais e de movimento.

    Nesse particular, o corpo e o movimento estão representados nos esportes, nas atividades expressivas, nas atividades lúdicas, anunciando a problemática do corpo humano como um conceito e como um organismo. Como significado dessa anunciação contemporânea, o homo aestheticuso é espectro corporal da experiência sensível, o ideal de saúde e de corpo belo. Numa contraposição ao ócio, vê-se diante da opressão do trabalho, uma a intenção humana que clama pelo homo ludens. Pela evidência da violência e individualismo, redescobrimos a necessidade de um homo politicus. Com tais exemplos podemos entender que os conceitos referentes à atividade corporal e atividade motora, preconizadas nas diversas especialidades que a educação física estuda, necessitam de serem ampliados por uma correlação filosófica. Por analogia, seria interessante um esforço que permita reinterpretar a corporeidade e a motricidade, nas mesmas circunstâncias em que o humano se ampliou em humanidade. Prevê-se um referencial estético, lúdico, e político, que pode ser vital para situar a educação física como uma entidade interessada na humanidade do homem.

    Estamos perdendo de vista um dos patrimônios mais visíveis da educação física, que é o sentido polissêmico que há em cada experiência corporal vivida, e no mais intenso e original conceito de práxis. Dessa experiência, se destaca uma comunhão entre o vigor e o saber, a experiência sensível e inteligível de uma motricidade além do universo mecânico. É nesse sentido que nos ocupamos de um espaço filosófico que pode ser transcendido para um conceito original de educação física. Há, nesse particular, um reencontro com um corpo filosófico, sociológico, e psicológico, produto da atividade humana que se complementa como atividade física, reconhecendo-a e identificando-a com a cultura geral.

    O sentido dinâmico da cultura corporal, por assim dizer, não pode ser uma retratação moderna da experiência motora, estampada e maquiada pela plastificação dos músculos, das vitaminas, dos aparelhos, e dos espelhos. Pode e deve ser considerado como um referencial específico, muito particular da educação física. O corpo humano vivido na Educação Física, deve ser considerando uma particularidade singular da cultura corporal inerente a uma cultura do movimento. Os conceitos originais de corpo e de movimento que se constituíram através da prática do exercício, da ginástica, do esporte, da dança, vieram, antes de qualquer embalo simulado para obtenção de prêmios. Devemos nos reconduzir ao ideal olímpico pelo seu significado ontológico. Pelos ritos de passagem que possivelmente se transformou em esporte, pelo totemismo que possivelmente se transformou em atividade lúdica e dança, e pela experiência ecológica que se transformou em saúde.

    Essas possíveis transformações edificaram um conceito de corpo, vinculado a um conceito de ser humano, onde o objetivo sempre foi viver. É nesse sentido que nos é dado a permissão de filosofar educação física, quando em cada uma das suas práticas, nos revela o mesmo edifício: o mundo vivido. No sentido contemporâneo, surge como resposta a essa filosofia os termos rendimento, interdisciplinaridade, identidade, teoria e prática, totalidade. Como referencial, na forma e na estrutura conceptual, o corpo se expandiu em corporeidade e o motor humano em motricidade, sem que nos fosse dado o menor aviso. Essa referência, talvez seja o sinal e o símbolo para a redescoberta do organismo filosófico. Pode ser uma resposta da filosofia à educação física que estamos ainda por conhecer e praticar, ou oferecer um acréscimo conceptual inusitado sobre o sentido da atividade física como filosofia, afirmar, talvez um dia, uma educação física da filosofia.

    Esta postura parece não ser novidade para aqueles que teorizam. Entretanto, o que parece ser novidade é a forma de interpretar o sentido da filosofia para a Educação Física. Sobretudo, quando uma interpretação nova escapa dos métodos e dos modelos tradicionais de investigação, tanto filosófica quanto científica, tanto artística quanto religiosa, na forma e na estrutura dos fenômenos a serem observados. Deve-se ter ainda como premissa, a visão do interpretante: o professor de educação física, o referente com toda sua subjetividade e tudo quanto circunda o seu mundo vivido, na profissão, na vida pessoal, dentro e fora do mundo acadêmico, dentro das escolas, das academias, dos clubes, dos hospitais e em todos aqueles lugares onde pré-existe a educação física circunscrita num mundo natural e objetivo.

    Um professor ou profissional de educação física deve abordar o corpo e o movimento humano também como cultura da sua cultura. Traduzir seu referencial de ser humano, como entidade natural e cultural, como fundamento da história que o criou. Compreendendo e ser compreendido como consciência da necessidade humana de experiência, legitimada pelo roteiro adquirido pela descoberta do saber, do conhecimento, da linguagem, e do corpo. Estar envolvido com a prática, porém, também como responsável pela divulgação da cultura individual e coletiva. Essa transformação não ocorre num instante imediato programado de última hora, assim como não podemos inventar um referente profissional digno de nota. Há, entretanto, na reflexão filosófica o amparo cultural que desobstrui a mentalidade medíocre e acrescenta a luz. Uma tentativa concreta de superar o estigma da ignorância profissional que se formou no cotidiano e na base conceptual da cultura da educação física.

    Em toda e qualquer atividade de movimento corporal explorada pela Educação Física sobrevêm uma premissa antropológica e filosófica, onde se registra uma transformação de conceitos em valores, dos valores em comportamentos. Na prática, deveremos atingir o estilo de vida das pessoas, decorrente da noção clássica de transformação e transcendência. Significa perceber, que a distância entre o conceito e o comportamento do ser humano é muito próxima. Sem essas reflexões, a nova dança, o novo esporte, a nova ginástica, e as novas formas de atividade lúdica, serão apenas reproduções coroadas pela ditadura do marketing e sustentada por um pré-conceito de originalidade. Quanto às aplicações e os efeitos dessa novidades, entrarão no circulo mercadológico do corpo, maquiadas por uma reflexão secundária, dominadas pelos métodos sempre repetitivos e pelos modelos sempre limitantes.

Considerações finais

    Tentar explicar a motricidade humana fora do deleite ontológico que preconiza a existência humana é o anúncio da morte daquilo que poderíamos entender como Educação Física.

    “Há séculos, em um ponto perdido no universo, banhado pelas cintilações de inúmeras galáxias, houve um dia um planeta onde animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o instante mais arrogante e mentiroso da história do universo, mas foi apenas um instante. Depois de alguns suspiros da natureza, o planeta se congelou, e os tais animais inteligentes tiveram de morrer”. 7

    A Educação Física não renasce no mundo contemporâneo como linguagem, arte e expressão. Não se trata de referendar a nomenclatura como sendo ciência da motricidade humana apenas como uma trama conceitual. Seria fundamental o debate sobre a ancestralidade do pensamento selvagem quando dito por Lèvi-Strauss (1976) sobre a ciência do concreto na qual esquecemos o sentido da natureza que dispúnhamos enquanto primatas austeros com a sobrevivência. O ato do movimento, ato físico, ato mágico na direção da vida. No entanto, a proliferação conceitual, o apetite de conhecimento tendemos a superestimar a orientação objetiva das coisas da vida e renunciamos até nosso mundo sensorial e motor. A ciência enquanto paralelo da ciência da motricidade não nos fornece um conteúdo conceitual ou alguma classificação no sentido da experiência investida de exata e precisa significação. Pelo contrário traduz o desencontro entre a observação e a reflexão, encontra-se em estado de decomposição do produto natural o qual se pesquisa. O que talvez poderíamos rever o sentido do sentido do conhecimento, seria a introdução a meio caminho entre o sentido do conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico. Distinguimos o homem da ciência e o artesão pelas funções inversas. Um argumento pouco usual no mundo da razão, contudo, seria a conduta repleta de coragem intencional, na medida em que o discurso sobre a educação física ou motricidade humana incorpora uma realidade motora do homem enquanto espécie até então pouco revelado quando usamos o corpo como ferramenta de intervenção. Há muito mais simbologia no conceito de esporte, ginástica, dança, jogo, cujos elementos constitutivos nos reportam para os elementos de natureza antropológica. Talvez a reflexão filosófica possa revigorar aos poucos a natureza prática do ser humano enquanto cultura ou conteúdo legítimo sustentável sobre o conceito de Educação Física. Não podemos nos esquecer que antes mesmo de ser esporte, o gesto esportivo já simbolizava uma categoria da existência em toda cultura corporal do ocidente, como fenômeno estético, moral e ético. À ginástica talvez tenhamos mais filosofia que fisiologia a ser explorada. Considerando que não haveria possibilidade alguma de ser triunfante se o sentido ontológico da ginástica estivesse deslocado do sentido ontológico de exercício de pensamento. Portanto toda motricidade inerente à corporeidade, requer por antecipação ontológica o rigor do conceito de fazer exercício com a consciência. À Dança foi a mais antiga e provavelmente a forma mais primitiva de expressão humana, portanto traduzindo expressividade em linguagem corrente. Repousa aí um universo conceptual que só faz sentido se dele extrair-mos a natureza mais primitiva do conceito de motricidade humana. Não há motricidade sem o uso corrente da linguagem, não há corporeidade sem o uso corrente de signos e símbolos de um movimento humano primordial cosmogônico. Quanto a atividade lúdica, estamos a procura de um jeito de brincar que está, primitivamente oculto no ato de sobreviver. Em toda configuração lógica que compõe a necessidade lúdica, antecipadamente surge o ato mágico inexplicável desprendido, ritualizado, na perfídia.

    Não há sinal de sobrevivência de uma Educação Física subordinada à razão e destituída de emoção. Em cada modo explicativo, cientificamente elaborado para justificar a motricidade humana há uma intenção pré-existente que não requer explicação e sim sentido. Em cada gota de suor desprendido da transpiração nos esportes, na ginástica, na dança, ou no ato lúdico, podemos descrever uma inspiração transcendental. Em cada atitude humana para tentar explicar a motricidade humana isolada e solitária nasce um precedente para a morte do conhecimento puro sobre Educação Física.

Notas

  1. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1994.

  2. BUYTENDIJK, F.J.J. O jogo humano. In: Nova Antropologia, o homem em sua existência biológica, social e cultural. São Paulo, Editora USP, Vol. 4, 1977.

  3. ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo, Editora Matins Fontes, 1992.

  4. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de janeiro., Editora Graal, 1979, p. 146.

  5. MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito. Rio de Janeiro, Griffo Edições, 1969,p.38.

  6. A physis e a tecné representam o sentido primordial, que na formação da cultura ocidental, determinaram o espaço humano na construção do mundo natural e artístico, como entidades da distintas, e que seria na Paidéia o sentido da matéria e do espírito. In: JAEGER, W. Paidéia: a fomação do homem Grego. Brasília, Ed.UnB, 1986. p.650.

  7. NITZSCHE, F. Le livre du philosophe: étude théorétiques. Paris, P.U.F., 1962, p.76.

Bibliografia

  • BUYTENDIJK, F.J.J. O jogo humano. In: Nova Antropologia, o homem em sua existência biológica, social e cultural. São Paulo, Editora USP, Vol.4, 1977.

  • ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1992.

  • FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de janeiro., Editora Graal, 1979.

  • MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1994.

  • MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito. Rio de Janeiro, Griffo Edições, 1969.

  • NIETZSCHE, F. Le livre du philosophe: étude théorétiques. Paris, P.U.F., 1962.

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