efdeportes.com

O olhar dos adolescentes frente às possibilidades de 

esporte e lazer no espaço público: a violência como barreira

La mirada de los adolescentes frente a la posibilidad de deporte y recreación en el espacio público: la violencia como obstáculo

 

*Possui graduação em Educação Física

pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas

Pós-doutorado na Universidade de Barcelona

**Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná

Professor de Educação Física na rede particular de ensino

***Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná

Pesquisadora do GEPLEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em espaços lazer e cidade

da Universidade Federal do Paraná. Secretária Estadual

do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, PR

Simone Rechia*

Rafael Gonçalves da Luz**

Aline Tschöke***

aline_tschoke@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo desta presente pesquisa foi compreender até que ponto a falta de segurança, em determinada região do bairro Uberaba, localizado na cidade de Curitiba-PR, interfere na apropriação dos espaços públicos de lazer, na perspectiva dos adolescentes com idade de 13 a 16 anos. Para tanto, utilizamos uma abordagem de caráter exploratório, sendo a coleta de dados realizada por meio da aplicação de um questionário a 70 adolescentes. Dessa maneira, constatou-se que a violência é um fenômeno presente no bairro do Uberaba, uma vez que, para a maioria dos adolescentes, os espaços de lazer não oferecem segurança. Concluímos que, segundo a opinião dos sujeitos, além do fato da insegurança interferir na apropriação dos espaços, outros fatores como infraestrutura, equipamentos e limpeza deficitária também interferem no seu uso.

          Unitermos: Violência. Espaço. Apropriação.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 155, Abril de 2011. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

1.     Introdução

    A cidade reúne pessoas de diversas origens, níveis de instrução, de condição socioeconômica, de oportunidades, de escolhas, constituindo-se assim como um rico campo de análise. Atualmente, percebe-se no cotidiano das cidades diferentes tensões urbanas vivenciadas pelos seus habitantes. Nas regiões periféricas das cidades, como a região pesquisada, os atos de violência são mais evidenciados e o sentimento de insegurança permeia a maneira como os indivíduos se relacionam.

    Diante dessas questões, o objetivo desta pesquisa foi compreender até que ponto a falta de segurança, em determinada região do bairro Uberaba, situado na cidade de Curitiba-Paraná-Brasil, interfere na apropriação dos espaços públicos de lazer, na perspectiva dos adolescentes com idades de 13 a 16 anos, moradores dessa região, considerada pelos órgãos públicos como área de vulnerabilidade social da cidade.

    A escolha dessa faixa etária ocorreu por ser um público que possui certa autonomia em freqüentar os espaços públicos de lazer, sem necessariamente ter a supervisão de um responsável.

    Nesta pesquisa, utilizamos uma abordagem de caráter exploratório, tendo como instrumento para coleta de dados a aplicação de questionários a 35 alunos e 35 alunas das 8.ª séries de um colégio estadual, realizada no mês de outubro de 2010.

    Atualmente, a violência se tornou parte do cotidiano do cidadão. Vivemos ou deixamos de viver em sua função. Jornais a todo o momento noticiam diversas situações de violência, o que demonstra o estado de insegurança a que estamos sujeitos. Como conseqüência, podemos observar como a arquitetura urbana está se modificando, casas que antes apresentavam vastos jardins, convidando o público que passava pelas ruas a contemplar a sua beleza, dão lugar a um planejamento arquitetônico que preza a segurança, com muros altos, cercas e grades que transformam as casas em verdadeiras fortalezas. Devido ao fato da violência ser um fenômeno presente na vida do homem, Odalia (1983) questiona se esse sentimento é um novo modo de ser do cidadão contemporâneo.

    Os valores morais que constituem uma sociedade determinam a maneira correta que o indivíduo deve agir, quando esses valores são divergentes da maneira com que o indivíduo gostaria de agir, ele se torna pressionado a agir segundo algo que não foi proposto por ele mesmo. “[...] o agente não age em conformidade consigo mesmo e sim em conformidade com algo que lhe é exterior e que constitui a moral de sua sociedade” (CHAUÍ, 1998). De um lado, as desigualdades econômicas, a naturalidade como vemos a pobreza e miséria como condição pertencente às classes sociais mais baixas, e do outro, a riqueza como a conquista das classes sociais mais altas, aparecem como naturais no processo de desenvolvimento das sociedades. Uma longa tradição no pensamento ocidental se empenhou e se empenha até agora no sentido de demonstrar que a desigualdade é uma condição imprescindível, para que se tenha uma sociedade mais rica, mais complexa, e menos distributiva (ODALIA, 1983, p. 26), além disso, a mesma autora considera a violência como forma de privação:

    [...] privar significa tirar, destituir, despojar, desapossar alguém de alguma coisa. Todo ato de violência é exatamente isso. Ele nos despoja de alguma coisa, de nossa vida, de nossos direitos como pessoa e como cidadãos. A violência nos impede não apenas de ser o que gostaríamos de ser, mas fundamentalmente de nos realizar como homens (ODALIA, 1983, p. 86).

    Sendo assim, o simples fato de não oferecer aos adolescentes condições para que eles possam usufruir de momentos de lazer em espaços públicos pode ser considerado uma forma de violência da sociedade frente à juventude.

2.     Apresentação dos dados

    Na primeira questão que objetivou investigar se os indivíduos freqüentam os espaços públicos de lazer da comunidade, 53 adolescentes afirmaram que freqüentam, destacamos que em 26 respostas os entrevistados afirmam que freqüentam os espaços para se divertir, relaxar ou simplesmente porque o espaço é “legal”, já outros 17 adolescentes apontam freqüentar os espaços para a prática de atividades físicas, como jogar futebol, voleibol e caminhar, e finalmente 10 indivíduos freqüentam os espaços por ser um lugar onde se pode encontrar com os amigos, ou por ser um espaço de lazer da comunidade. Contudo, 17 adolescentes não freqüentam os espaços, desses 10 atrelam tal fato à falta de segurança, 5 porque não acham os espaços atrativos, e 2 indivíduos devido à falta de tempo disponível pelo excesso de trabalho.

    Já na segunda questão do questionário, buscou-se desvelar as atividades que os adolescentes que freqüentam os espaços públicos de lazer dessa comunidade mais gostam de vivenciar, sendo ilimitado o número de atividades que cada um poderia citar. 18 adolescentes relataram que jogam apenas futebol e voleibol. Já, 24 indivíduos apontam além da prática do futebol e voleibol, outras atividades, tais como: soltar pipa (2), andar de skate (1), andar de bicicleta (3), caminhada (4), correr (2), brincar (3), passear (5), piquenique (1), ponto de encontro entre amigos (5) e relaxar (2). Outros 20 adolescentes, que não relataram a prática do futebol e voleibol, relacionam a apropriação dos espaços com leitura (1), namorar (2), estudar (2), correr (5), ponto de encontro entre amigos (6), caminhar (5), andar de skate (2), andar de bicicleta (1), relaxar (1) e para realizar piquenique (1).

    Logo em seguida, na terceira questão, objetivou-se descobrir a opinião dos adolescentes em relação à segurança nos espaços públicos de lazer, sendo que na terceira questão 4 adolescentes acreditam que tais espaços oferecem segurança, 7 entrevistados acreditam que somente em determinado momento os espaços apresentam segurança, 2 adolescentes não souberam opinar e para 57 indivíduos os espaços são inseguros. Os argumentos dos 57 indivíduos que consideram que os espaços são inseguros foram: falta policiamento (11); o fato de serem abertos ao público, sendo assim qualquer pessoa poderia freqüentar (8); são apropriados por pessoas que os utilizam para fins ilícitos, tais como assaltos, tráfico e consumo de drogas (22); e para 16 adolescentes os espaços de lazer da comunidade não oferecem segurança devido aos altos índices de violência da própria comunidade.

    Em relação à quarta questão, objetivou-se descobrir quais os motivos que interferem na apropriação dos espaços, em 30 respostas ao questionário, a falta de segurança foi novamente mencionada. A presença de pessoas que utilizam os espaços para o consumo de drogas, praticarem assaltos e vandalismo também foi evidenciada em 15 respostas. Agregado a esta questão emerge a falta de estrutura em 29 respostas e a limpeza deficitária em outras 10 respostas.

    Na quinta e última questão, os entrevistados puderam elencar sugestões para melhorar a segurança dos espaços públicos de lazer. Em 47 respostas, os adolescentes mencionam que a presença de policiais nos espaços melhoraria a segurança; outros 4 indivíduos sugerem a colocação de câmeras de vigilância; e 23 indivíduos relacionam a segurança com a falta de manutenção e a limpeza dos espaços.

3.     Discussão dos dados

    É nos espaços públicos que as relações sociais se estabelecem, segundo Negt (2002, p. 22), “[...] é no espaço público, especialmente nos espaços destinados ao lazer, como as praças, bosques e parques, que se desenvolve a cultura e o contato com o estranho”. Como observou-se nos dados da pesquisa, a maioria dos indivíduos freqüenta esses lugares para se relacionar com os amigos, seja para a prática de atividades esportivas ou para relaxar em meio ao “ar livre”, conforme observa-se nos relatos.

Porque eu gosto de sair, tomar um ar para ir com os amigos;

Freqüento para jogar bola, caminhar;

Por que é bom se divertir ao ar livre.

    Tais espaços deveriam proporcionar ambientes saudáveis para que todos, especialmente os jovens, possam se apropriar dos mesmos. No entanto, quando esses espaços não possuem as mínimas condições de segurança, limpeza e equipamentos adequados para a população, eles perdem sua característica atrativa e, conseqüentemente, deixam de ser freqüentados, como podemos observar nas respostas dos seguintes indivíduos.

Não freqüento, por medo de ser assaltada;

Não, porque minha mãe não deixa, ela acha perigoso;

Não, porque não tem nada de interessante.

    No caso deste estudo, elencou-se que um dos motivos mais significativos e expressivos para a falta de apropriação dos espaços públicos de lazer é a falta de segurança. Como podemos observar na resposta do seguinte adolescente.

Eu gostaria de me divertir, passar o tempo, praticar alguma atividade, mas como estão sem cuidados, segurança, não freqüento.

    As formas dos indivíduos se relacionarem em sociedade são influenciadas pela falta de segurança que a população das grandes cidades está sujeita. Um exemplo disso é o “toque de recolher”, no qual os traficantes da região são os responsáveis por determinar o horário em que a população pode circular pelas ruas da comunidade. Nesse contexto percebe-se que com a banalização do estado de violência, os atos violentos se tornam freqüentes em determinadas regiões, o que gera uma sociedade amedrontada.

    Como podemos observar, analisando as respostas das questões três e quatro, a insegurança está diretamente ligada à apropriação ou desapropriação dos espaços públicos. Quando questionados se os espaços de lazer da comunidade oferecem segurança aos seus freqüentadores, 64 adolescentes responderam que não, e na questão quatro, que buscava investigar os possíveis motivos que interferem na apropriação desses lugares, novamente 45 indivíduos retomaram a falta de segurança. Isso é reiterado pelos seguintes relatos:

Não, porque não tem policial e nem guarda;

Não, porque todo mundo pode freqüentar e nem sempre é gente boa;

Não, porque tem muita violência nesses lugares.

    Porém, outros fatores que geram limitação podem ser presenciados nos relatos dos adolescentes, tais como: a falta de equipamentos, aparelhos deteriorados e acúmulo do lixo.

    Quando os espaços e equipamentos de lazer não agradam a comunidade, eles se enquadram na categoria de parques, praças e bosques de pouco uso, cujos equipamentos se transformam em alvo de vandalismo, dificultando a apropriação pelo restante da população (RECHIA, 2003). Nesta perspectiva, corrobora-se com a perspectiva de um participante da pesquisa quando afirma que:

Às vezes os marginais ficam em alguns lugares desses, e daí interfere no nosso uso.

    Para melhorar a segurança dos espaços públicos de lazer, a maioria dos adolescentes apontou como solução a presença constante de policiais, além disso, alguns mencionaram a instalação de câmeras de vigilância. Segundo Jacobs (2000, p. 36), para que haja segurança nas ruas “[...] devem existir olhos para as ruas, os olhos daqueles que podemos chamar de proprietários naturais da rua”. A presença dos “olhos vigilantes” poderia denunciar os abusos violentos que ocorrem.

    Contudo, nas comunidades mais violentas, os moradores, por medo das represálias que podem sofrer, caso resolvam cuidar ou defender os espaços públicos, podem sentir-se acuados e fazer com que a lei do silêncio venha a prevalecer. Neste caso, talvez, por medo de possíveis retaliações, os adolescentes transferem aos policiais a tarefa de vigiar os espaços.

    Outro problema, referente à infraestrutura deficitária dos espaços, também foi citado pelos adolescentes, para eles, os espaços de lazer da comunidade apresentam pouca iluminação. Em relação a essa deficiência, Jacobs (2000) afirma que a iluminação é importante, pois induz a pessoa a contribuir para a vigilância da rua. Contudo, as luzes podem não ter efeito algum se não houver olhos e não existir um cérebro por trás dos olhos. Nesse sentido, um adolescente entrevistado afirmou que:

Para melhorar a segurança teríamos que acabar com a violência, e para acabar com a violência teríamos que reeducar todo o país.

    Assim, a educação seria a medida, em conjunto com outras ações sociais, para combater as questões que originam a violência. Desta maneira, uma educação que valorize e incentive a formação do sujeito crítico sobre os problemas sociais pode conscientizar o indivíduo sobre os seus deveres e direitos enquanto cidadão.

4.     Conclusão

    A apropriação dos espaços públicos de lazer pode estar relacionada à segurança que a comunidade do entorno proporciona. Caso a população não se sinta segura ao caminhar pelas ruas, há uma tendência ao confinamento domiciliar. No caso analisado, constatou-se, na perspectiva dos adolescentes, que os espaços não ofereciam segurança, pois em sua maioria eram apropriados por pessoas que os utilizam para o consumo de drogas, para o tráfico ou para a realização de assaltos.

    Já os fatores que interferiam no uso dos espaços, conforme conclui-se pelo relato dos adolescentes, são: a falta de estrutura física, seja pela presença de equipamentos deteriorados ou a ausência de equipamentos que atendam a necessidade da comunidade; a limpeza deficitária, pois a retirada do lixo não ocorre de maneira significativa; e especialmente a falta de segurança.

    Contudo, visto as dificuldades que os adolescentes vivenciam cotidianamente, a maioria dos sujeitos entrevistados ainda freqüenta os espaços. Mas, para que a apropriação possa ocorrer de maneira significativa, seria necessária uma maior atuação do poder público no bairro, pois o mesmo carece de maiores investimentos em áreas básicas para poder contribuir com a apropriação dos espaços públicos de lazer.

Referencias

  • CHAUÍ, M. Ética e violência. Teoria e debate, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, ano 11, n. 39, out./nov./dez. 1998.

  • JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

  • NEGT, O. Espaço Público e experiência. In: PALLAMIN, V. M.; LUDEMANN, M. (Coord.). Cidade e cultura. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.

  • ODALIA, N. O que é violência. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.

  • RECHIA, S. Parques públicos de Curitiba: a relação cidade-natureza nas experiências de lazer. Tese (Doutorado em Educação Física) - Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 155 | Buenos Aires, Abril de 2011
© 1997-2011 Derechos reservados