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O pai presente: um modelo masculino em crescente evidência na mídia

 El padre presente: un modelo masculino cada vez más evidente en los medios de comunicación

Attendant father: a model in growing in the media

 

*Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Professora do Mestrado em Educação nas Ciências - do Programa de Pós-Graduação

da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI)

**Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Bolsista de Iniciação Científica UFRGS-CNPq, desde 2008

sob orientação da Professora Dra. Dagmar E. E. Meyer

Maria Simone Vione Schwengber*

simone@unijui.edu.br

Catharina da Cunha Silveira**

catharinasilveira@msn.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O artigo destaca as transformações ocorridas em relação às posições masculinas de paternidade(s) a partir da segunda metade do século XX, mapeadas em artefato específico da mídia brasileira, a revista Pais & Filhos. Destaca as representações de pai-marido e de pai-presente: homem que se mostra preocupado com a educação das crianças, mais feliz e completo devido à experiência da paternidade, vivenciada sob forma de ajuda nos cuidados com os filhos. Discute-se que, de forma relacional, essas representações produzem fissura na representação hegemônica de maternidade, na medida em que reposicionam a mulher-mãe de única para responsável principal pelos filhos do casal.

          Unitermos: Gênero. Paternidade. Mídia.

 

Abstract

          The article highlights the changes occurring in relation to male positions - of paternity(ies) - starting from the second half of the twentieth century, mapped to a specific artifact of the Brazilian media, magazine Pais & Filhos. It highlights the representations of husband and attendant father: the one who cares with children education, more happy and complete because the experience of paternity, experienced through helping in the care with the child. It is discussed that, relationally, these representations break the hegemonical representation of motherhood, as long as it changes this position of only responsible to main responsable.

          Keywords: Gender. Paternity. Media.

 

Resumen

          El artículo destaca las transformaciones ocurridas en relación a la posición masculina de paternidad a partir de la segunda mitad del siglo XX, consideradas en el dispositivo específico del medio de comunicación brasileño, la revista “Pais & Filhos”. Destaca las representaciones de padre-marido y de padre-presente: hombre que se muestra preocupado por la educación de los niños, más feliz y completo debido a la experiencia de la paternidad, vivenciada bajo la forma de ayuda en los cuidados de los hijos. Se discute que, de forma relacional, esas representaciones producen una fisura en la representación hegemónica de la maternidad, en la medida en que reposicionan a la mujer-madre como única para responsable principal por los hijos de la pareja.

          Palabra clave: Género. Paternidad. Medios de comunicación.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 154, Marzo de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Família moderna e sua relação com as crianças

    A passagem da família “antiga” para a família “moderna se opera pela mediação de uma mudança em relação às crianças. “A família se transforma profundamente na medida em que ela modifica seus modos de se relacionar com as crianças” (ARIÈS, 1981, p. 14). Assim, como expõe Varela (2002, p. 21)

    em função de uma nova concepção de infância – que então começava a ser aceita especialmente por alguns grupos sociais ligados à camada média – vai-se produzir uma separação cada vez mais marcada entre o mundo dos adultos e das crianças, e vai surgir a necessidade de delinear, e por em ação, novas formas específicas de educação.

    Neste sentido, a família nuclear afirmou–se como um dos elementos táticos mais precisos para a difusão e penetração dos dispositivos da educação das crianças. Assim, a família nuclear, refere-se a uma família composta de um homem, uma mulher e seus filhos e que vivem na mesma moradia apresenta pela construção dos seus laços de sociabilidade com respeito á parentela (os filhos). Em lugar da antiga sociabilidade, impõe-se a instauração da intimidade da família, que nesse contexto é uma instituição privada com a finalidade de transmissão de bens e de nome, e se constitui numa unidade moral e afetiva (FOUCAULT, 1990). Observam-se, a partir daí o surgimento de uma esfera privada de existência e a decorrente intensificação afetiva no espaço familiar, não só entre pais e filhos como também entre cônjuges, cujo elo será doravante fundado nas noções de afeto e amor (HEILBORN, 2005).

    Para Ariès (1981) a partir da modernidade houve uma ênfase na privatização e nuclearização da família, gerando um culto da intimidade e do individualismo, em contraste com os valores da antiga família. Como consequência, surge uma maior responsabilidade individual de cada um dos membros da família. Singly (2007, p. 13), não dúvida das:

    mudanças que essa instituição (a família) conheceu e conhece ao longo da segunda metade do século XX, sobretudo nos países ocidentais: o decréscimo dos casamentos, das famílias numerosas, o crescimento das concubinagens, dos divórcios, das famílias pequenas, das famílias mono parentais, recompostas, do trabalho assalariado das mulheres.

    É, então, a partir da modernidade que, de forma diversa e contraditória, a politização da família se consolida e se amplia por meio de políticas higienistas desenvolvidas pelos Estados da época. No Brasil, também se observou, de forma mais pontual, um investimento específico e especializado na educação familiar a partir do século XIX. Essa concepção educativa ligava-se a um programa pedagógico que abrangia a educação dos corpos, em especial, das crianças, como destaca Costa (1978). Tais políticas afetaram as idéias e as práticas em torno do exercício da maternidade e da paternidade brasileiras.

    Ao longo dos séculos XIX e XX, multiplicaram-se discursos e imagens sobre o processo de criação dos filhos; uma sofisticada maquinaria pedagógica ampliou e complexificou a educação das crianças, incluindo revistas, jornais, programas de TV (de auditório, novelas, documentários, talk shows, video shows), filmes, músicas, internet, entretenimento, esportes, publicidade. No entendimento de Shirley Steinberg (1997), esses artefatos culturais são “pedagogias culturais” porque oferecem narrativas em suas formas de apresentação, que capturam e reproduzem sentidos e significados ativos que circulam na cultura, produzindo sujeitos e identidades sociais em intrincadas redes de poder.

    Fidalgo (2003) destaca o impacto das tecnologias de informação manuais, as revistas femininas, na construção idealizada da maternidade e da paternidade. Ao veicularem os enunciados que exigem que os pais e, sobretudo, as mulheres não só “gestem a vida, como dediquem a sua vida aos filhos; as posições de “bons e/ou maus pais”, as posições sobre o amor paternal e maternal (“contingente” ou “vigiado” pelo especialista) e a construção científica sobre os cuidados com as crianças tornam os pais ora dependentes da literatura especializada sobre o tema, ora inseguros e culpabilizados, em especial, se sua performance não é coincidente com as percepções sociais veiculadas sobre como ser um “bom pai” e uma “mãe cuidadosa”.

Mídias e educação da família brasileira: a revista Pais & Filhos

    Apoiadas e desafiadas, então, por essas reflexões procuramos fazer neste artigo um exercício de problematização da paternidade, tomando como referência um artefato da mídia brasileira impressa – a Revista Pais & Filhos. A esfera midiática, segundo Fischer (2002), rearranjou as fronteiras entre o que é público e o que é privado. Nesse sentido, afirma a autora (2002), a mídia alterou (e altera) a relação entre os conhecimentos, os fatos e os sujeitos, e, ainda mais, aqueles que se relacionam na esfera da vida privada. Assim, para Fischer, nenhuma outra sociedade na história como a contemporânea produziu e disseminou tal volume de informações, que produziram (e produzem) efeitos na intimidade, ensinando como devem ser determinados tipos de homens e/ou mulheres, pais, mães, gestantes – produzindo, assim, novas conformações de gêneros, paternidades e maternidades.

    A mídia impressa contemporânea dispôs e disseminou na cultura, de modo cada vez mais acessível, o ethos de educação das crianças ditas científicas. Observa-se, hoje, uma frutífera aliança entre as biopolíticas e a mídia. Sant’Anna (2001, p. 6) afirma que, dentro do contexto mais amplo da mídia – tevê, rádio, cinema, jornal –, as revistas “contribuíram sobremaneira para esclarecer os brasileiros das camadas médias e urbanas (...)”. Já Mira (2001) observa que quem pretende estudar a família, ou pelo menos fazer um recorte pela categoria analítica de gênero, no Brasil, tem nas revistas um material muito fecundo. As revistas se dirigem

    [...] ao leitor como se estivessem conversando com ele, servindo-se de uma intimidade de amigo. [...] talvez seja esse “jeito coloquial, que elimina a distância, que faz as ideias parecerem simples, cotidianas, ajuda a passar conceitos e a cristalizar opiniões. As revistas funcionam, de forma especial, como uma instância que se autoriza a definir os padrões de saúde e a prescrever dicas de bem-estar e de como cuidar dos corpos” (BRUSCHINI, 1994, p. 125).

    Por isso, passamos a apresentá-la agora, destacando alguns elementos do seu projeto editorial, bem como da sua trajetória no contexto brasileiro. O público leitor da Pais & Filhos é composto, majoritariamente, por adultos de todas as classes sociais, embora haja prevalência das mulheres de classes média e alta, escolarizadas e com renda própria. Conforme dados do conselho editorial, o universo dos(as) leitores(as) da Pais & Filhos é composto, principalmente, por pessoas na faixa etária entre 20 e 49 anos: de 19 a 29 anos, 38%; de 30 a 49 anos, 51%; acima de 50 anos, apenas 10% dos(as) leitores(as).

    No contexto da mídia brasileira direcionada à família, ressaltamos, sobretudo, a importância da Pais & Filhos, uma vez que essa publicação é tida como “a mais tradicional revista da família brasileira, há quarenta anos no mercado” (MIRA, 2001). Tal periódico desfruta de uma longevidade notável, se comparada com a à quantidade considerável de séries de revistas lançadas, para esse público, a cada ano, no Brasil; (ainda mais que, delas,) destas, poucas conseguem passar pela prova dos dez anos da primeira edição.

A seção pai. Conversa de homem

    A seção analisada nesse artigo é editada pela revista há aproximadamente quatro anos trazendo depoimentos de homens pais sobre experiências/vivências da paternidade. São jornalistas, escritores, empresários que contam alguns fatos marcantes como o dia do nascimento do/a filho/a, acontecimentos do seu dia a dia de pai, como ir ao supermercado com o/a filho/a, por exemplo.

    Separamos edições de Janeiro a Julho de 2009, tanto dos exemplares impressos quanto das edições online, investigando a seção Pais -Conversa de Homem para discutir os enunciados que, por meio dela, são colocados em circulação. Examinamos a Pais & Filhos com o intuito de tentar entender como esse artefato vem (re)validando o(s) sentido(s) e significando o que é ser um (bom) pai atualmente. Considerando gênero como uma categoria relacional de análise, investigamos as seções, perguntando-nos como as informações que a revista veicula interferem na construção do que a mídia diz e espera dos pais contemporâneos e de que modo essa (nova) postura posiciona, consequentemente, a figura da mulher-mãe, inserindo, assim, esse texto na agenda de acerca da “politização do feminino e da maternidade”.

    Separamos as sete seções escolhidas para análise e, a partir da leitura interessada, fomos retirando trechos e encaixando-os em cinco categorias que criamos para tentar compreender o que dizem os autores da seção. Apoiamo-nos na perspectiva dos Estudos de Gênero e dos Estudos Culturais que se aproximam das teorizações pós-estruturalistas e utilizamos, como estratégia metodológica, a Análise de Discurso foucaultiana.

    Consideramos os textos da Pais & Filhos como um artefato cultural que está articulado a uma rede de artefatos culturais de diferentes tipos e que, exatamente por isso, o que nela se diz (e, também, o que se silencia), tem repercussões sociais, políticas e históricas. Do ponto de vista da metodologia, realizamos as análises valendo-nos das contribuições de Foucault (1999) no que tange ao conceito de discurso e enunciado. Foucault (1989) sugere que o(a) pesquisador(a) tome os discursos, em sua materialidade, e tencione suas condições de produção e as posições de sujeito neles descritas. Instrumentalizadas por esse “modo de ver”, optamos por mapear os enunciados nos discursos da Pais & Filhos, observando as suas regularidades, insistências, repetições, possíveis rupturas e descontinuidades.

Pai presente

    Ao longo das seções, vamos percebendo nos excertos relatos de homens que dizem ajudar no cuidado com as crianças, que se mostram preocupados com a educação delas, bem como se dizem mais felizes e completos devido à experiência da paternidade.

 

Os filhos são uma tarefa sem fim, mas a experiência de conviver com eles é emocionante, encantadora, alegre (mesmo quando parece o contrário) e necessária (PAIS & FILHOS, n. 468).

Ela, com seus quase 2 anos, não parava de apontar e falar sobre tudo que via, enquanto eu pensava em tudo que tinha que comprar (PAIS & FILHOS, n. 471).

 Meu convívio com a Luiza foi especial porque sempre trabalhei em casa e pude acompanhar a vida dela quase que 24 horas por dia (PAIS & FILHOS, n. 468).

    Essa postura de pai participante pode ser percebida, ao longo da leitura das seções selecionadas, com um tom de novidade, como excerto abaixo:

 

Foi-se o tempo em que o homem trazia o dinheiro, e a mulher cuidava da casa; os pais de hoje estão mais “família” e dispostos a ajudar (PAIS & FILHOS, n. 472).

    Este pai, agora presente, insere-se no movimento que vem sendo denominado de “nova paternidade”. Segundo Medrado (1998), a ideia do novo pai remete a algumas mudanças de atitudes/funções dos homens com seu/sua(s) filho/a(s) em comparação a possíveis posturas de gerações passadas. Em uma das seções analisadas, por exemplo, o autor revela como percebe a diferença entre a paternidade exercida pelo seu próprio pai com a sua experiência:

Depois de assistir ao parto do meu filho, tive um bloqueio psicológico que fomentou uma ambivalência sobre sexo. Não aprendi isso com meu pai, porque ele nunca teve de lidar com esta questão: ficou esperando fora da sala de parto e distribuiu charutos. Os homens da minha geração (tenho 36) são mais envolvidos no parto. Tentamos não fazer nada muito idiota enquanto aguardamos “o grande milagre” (PAIS & FILHOS, n. 470).

    A Pais & Filhos, embora de forma lenta, parece dar espaço para esse novo pai presente. Podemos observar um certo fortalecimento de uma ruptura, a partir da década de 80, na Pais & Filhos, época em que o homem é chamado a ser um pai mais presente. A Pais & Filhos traz à tona essa ideia do pai presente e denomina esse contexto como uma nova paternidade, deslocando a imagem do homem-pai, apenas como provedor (gerenciador) da família, para a de um homem mais envolvido e comprometido. O fato de a revista veicular, em suas edições, uma seção Pais- Conversa de Homem é um indicador desse movimento.

    O envolvimento emocional dos pais é novidade na Pais & Filhos, uma vez que, ao longo do tempo, o homem viu-se posicionado como aquele que devia regular a relação entre mãe e filho e apenas prover e manter a harmonia da família. As revistas anteriores às da década de 80 reforçavam a diferença entre a maternidade e a paternidade ao vincularem inscrições em que as relações afetuosas constituíam-se como domínios femininos. A partir dos anos 90, podemos visualizar um movimento em que o afeto paterno é declarado e festejado; essa veiculação aparece na revista com um tom de novidade.

    Se as mesmas afirmações fossem feitas por mulheres, parece-nos que soariam repetitivas e beirariam o óbvio. Vemos então, aos poucos, a imagem do homem deslocando-se para aquele que já se diz mais feliz e completo pela experiência da paternidade, movimento exemplificado pelos seguintes excertos:

Daquele dia em diante, passei a fazer parte do time de pessoas que sabem o que significa a expressão “amor incondicional” (PAIS & FILHOS, n. 471).

Se hoje sou um autor de livros infantis reconhecido, devo isso às minhas duas flores: Lis e Iris, que transbordam poesia diariamente. É claro que às vezes junto da poesia vem um punzinho! Isso é literatura pura! Meninas: AMO VOCÊS MAIS DO QUE TUDO (PAIS & FILHOS, n. 471).

    Observamos, no entanto, que esse novo pai ainda não é visto como decisivo na criação de uma criança. Alguns excertos da revista nos indicam que essas tarefas dos cuidados com o/a(s) filho/a(s) já são divididas com frequência e sem espanto entre homens-pais e mulheres-mães, mas continuam, embora já aceitas, sendo comumente vistas como um “plus” na criação das crianças.

    A Pais & Filhos valoriza a igualdade entre a figura materna e paterna, um código moral simétrico; a partir daí, mostra o quanto os homens também podem se envolver com os/as filhos/as. Note-se: eles podem; elas devem. Observamos na revista a figura do “novo” pai como aquele que participa do cotidiano dos/as filhos/as; receber e curtir o filho é o modelo do marido participante e do pai presente – amigo e brincalhão com os filhos. Percebemos um movimento mais forte, a partir da década de 80, na direção de realçar que o bom pai é o que se preocupa, é aplicado, zeloso, amoroso companheiro de seus/suas filhos/as e de sua família. De um modo geral, os pais aparecem, em grande parte dessas reportagens, como participantes das experiências maternas em relação aos/às filhos/as: brincando, passando a mão na barriga da mulher, acalentando o bebê, curtindo os/as filhos/as, transportando-os/as, até mesmo cozinhando para a família.

    Apesar disso, na revista, os homens não aparecem realizando outras atividades tradicionalmente femininas, como as de trocar fraldas, dar banho, dar mamadeira. A Pais & Filhos mostra o pai participante, em caráter provisional e esporádico, dentro de limites: quando se trata de cocô, não; quando o bebê chora ou está doente, é com a mãe. As mulheres são mostradas como personagens mais ativas, decididas, dinâmicas, com mais autoridade quando se trata dos cuidados com os/as filhos/as. Então, é desse modo que destacamos a existência, no contexto da Pais & Filhos, da articulação de duas representações aparentemente paradoxais: a do casal-igualitário com a do casal não igualitário. Pensamos ser necessário salientar que, apesar das profundas mudanças em relação aos cuidados com os/as filhos/as, as tarefas seguem sendo diferentes para homens e mulheres. Dos homens-pais a revista parece que espera colaboração e participação.

    As mulheres-mães deixam de ser as únicas responsáveis para, ao longo dessas décadas, serem posicionadas como as responsáveis principais pelo/a(s) filho/a(s). Nesse sentido, destacamos que a escolha do nome “pai-presente” remete ao presente que é para a criança ter esse pai, quase como se fosse uma “sorte” ter mais um, ou seja, o homem, o seu pai, atento ao seu crescimento e as suas necessidades. Reafirma-se, dessa maneira, a ideia de que é da mulher a obrigação/responsabilidade do cuidado da prole.

De volta ao recém-nascido, outra coisa que o pai deve fazer é dar banho de vez em quando. Digo ‘de vez em quando’ porque a gente não está lá o tempo todo, né? (PAIS & FILHOS, n. 466).

    A noção da “ajuda” parece sustentar-se na ideia de que a mulher é biologicamente preparada para a maternidade, como que sua capacidade de ser mãe estivesse sempre adormecida e que florescesse durante a gestação. Parece-nos que é esse discurso que coloca o homem no lugar do “não preparado” ou do “menos preparado” para a experiência de “criar” filha/o (s).

Aí, entro eu, o pobre pai, o dublê da mãe, aquele que não serve pra grande coisa, mas... gente, até que é um cara legal, no fim das contas! (PAIS & FILHOS, n. 466)

    Talvez o discurso essencialista do “instinto materno” não permita a esse homem uma autonomia na vivência da paternidade. O modo como homens (mulheres) vivem/exercem/significam a paternidade (maternidade) está diretamente relacionado às questões de gênero, sexo, raça, condições econômicas e sociais. Sendo assim, não há, de antemão, uma predisposição da mulher para ser mais decisiva na criação do/a(s) filho/a (s). O que existe é uma ideia, construída no social, sobre a divisão das funções por esses homens e mulheres na criação de seu/sua(s) filho/a (s).

    Os significados da maternidade – que permitem às mulheres ser/fazer/sentir enquanto mães – são construídos. Está implícita, aqui, a importante premissa de que as características anatômicas como ter ou não mamas e útero, funções biológicas como a produção de leite, comportamentos e sentimentos de doação, cuidado ou amor ilimitados usualmente inscritos no corpo feminino e colados à maternidade não têm em si mesmos, qualquer significado fixo, final e verdadeiro, mas são produzidos e passam a significar algo específico no interior de culturas específicas (MEYER, 2000, p. 120).

    O instinto materno é, assim, uma invenção. Atentar para a invenção do instinto materno é, possivelmente, a chave para enxergar também a invenção da ideia do despreparo e da desresponsabilização paterna natos. A primeira seção analisada é emblemática para mostrar esse pensamento construído sobre o papel do pai. Ela traz um homem, pai de duas filhas, contando sobre a chegada da terceira menina e como ele e sua mulher estão administrando essa nova fase:

Digo, com conhecimento de causa, que os primeiros meses são difíceis. A interação com o bebê é quase nada, ele chora e se contorce em cólicas inexplicáveis (...) Para o pai, trata-se de um momento de incerteza, porque a criança parece não estar nem aí pra ele... Claro que, para os preguiçosos e machistas de plantão, é um ótimo cenário. Mas existem coisas que fazem parte do processo de adaptação do homem ao chamado “papel de pai”. Algumas delas são bem simples: trocar fraldas, por exemplo, algo de que gosto muito! Pode parecer estranho, mas gosto, especialmente na hora de besuntar a menina com uma belíssima dose de creme contra assaduras (PAIS & FILHOS, n. 466).

    Observamos o quanto é interessante que ele fale sobre a impressão de que a criança não está “nem aí” para ele. É bastante provável que o bebê comporte-se do mesmo jeito com sua mãe, mas, como já temos uma ideia construída sobre a relação mãe e bebê, isso faz com que enxerguemos diferenças na relação da criança para com essa mulher. E com que nem coloquemos em discussão as incertezas dela.

    Cabe-nos ressaltar aqui que, de forma alguma, pretendemos diminuir a importância dessa relação materna, que se estabelece desde os primeiros momentos de vida de um nenê. Pretendemos, no entanto, enfatizar que cada cultura cria suas maneiras de se relacionar com os nascimentos, e que, desse modo, a “diminuição” do caráter coadjuvante do homem é, também, construção social. Uma construção social que responsabiliza a mulher.

    Klein (2003) analisa o Bolsa-Família, mostrando como conjuntos de práticas sociais podem, justamente, efetuar uma responsabilização da mulher pelo cuidado das crianças. Nesse sentido, arriscamo-nos a dizer que a revista se movimenta na direção de dizer que o pai-presente é um presente também para a mulher.

    A partir dos séculos XIX e XX, intensificam-se e qualificam-se os discursos e as imagens sobre quem pode – e como se deve – educar as crianças. Parece-nos, então, que os enunciados veiculados na revista, na Seção Pais – Conversa de Homem, começam a deslocar a figura do homem-pai, até então posicionado como acompanhante, para posicioná-lo, cada vez mais, como uma presença interessada. No entanto, a revista, por meio dessa seção, parece seguir nos informando sobre como e quem deve educar as crianças: eles podem; elas devem (e querem).

* * *

    A quantidade de material informativo disponível sobre a maternidade e paternidade sugere, cada vez mais, que a biologia não equipa as mulheres e os homens para a função social de cuidar dos/as filhos/as. É curioso observar, no entanto, o quanto essa inclinação [da maternidade e da paternidade amorosa presente], tida como inata e natural em nossa cultura, é alvo da mais meticulosa e intensa vigilância, bem como do mais diligente investimento educativos. O exercício da maternidade e da paternidade se produz e se modifica na cultura (MEYER, 2003) uma vez que ele porta os traços de uma história, uma dimensão que nos escapa radicalmente e que o reenvia aos simbolismo de sociedade”. Com esse queremos justificar nossa aproximação de análises que consideram a cultura como instituidora de sentidos, uma vez que é na cultura que circulam e se (re-)produzem os significados que nos interpelam e nos fabricam como sujeitos de gênero (Cf. HALL, 1997, p. 22).

Notas

  1. Entre os conhecimentos indispensáveis de uma “boa família”, a medicina caseira indicava: saber tratar feridas, queimaduras, cólicas, desconfortos estomacais, dor de garganta, aftas, dor de dente. Mais especificamente, a “boa família” não poderia deixar de conhecer os cuidados referentes à higiene das crianças: asseio, alimentação, vestuário e, principalmente, educação moral. Afinavam-se alianças na preparação das famílias por meio das economias domésticas e das informações higienistas, de modo que as mulheres modernas compreendessem melhor a sua função administrativa: eram guardiãs da sociedade, gestadoras e educadoras da humanidade (COSTA, 1978).

  2. Esse novo ideal da mãe cuidadosa, das novas práticas de cuidados dos corpos, não foi aceito de forma simples e rápida. No campo das práticas sociais, encontrou resistências: algumas mulheres pareciam negar-se a seguir tais ditados sobre os seus corpos. Esse comportamento é, até meados do século XIX, heterogêneo e variável segundo a classe social: as burguesas teriam sido as primeiras a incorporarem os novos ensinamentos; já as aristocratas e as pobres, as últimas a assimilarem o novo perfil materno – cuidar-se na gravidez (CORRÊA, 2003). O Estado brasileiro, de sua parte, empreendeu estratégias mais firmes e ativas intensificando a conexão das suas ações por intermédio da inserção de outras mulheres (enfermeiras, parteiras, visitadoras) junto ao aparato médico e organizando com essas últimas um sistema mais acabado e completo dos serviços. Os discursos moralizantes sobre a necessidade de cuidados corporais não foram suficientes para modificar os hábitos e costumes das mulheres em geral; ao contrário, pode-se dizer que esse processo de mudança foi longo e lento, mesmo que o novo comportamento em relação à maternagem e à gravidez representasse a possibilidade de desempenhar um papel mais importante no seio da família e da sociedade brasileira.

  3. O acesso das mulheres ao ensino formal e ao mundo do trabalho, bem como às secretarias da Infância, aos postos de Saúde, organizações privadas e estatais e a criação do dia das Mães e dos Pais ajudaram a legitimar a aceitação das teorias científicas de uma determinada maternidade e da paternidade.

  4. Dados fornecidos pela Editora e extraídos de uma testagem de mercado (em mil pessoas) pelos estudos Marplan , 2006.

  5. Gravidez Feliz, Gravidez Especial, Gravidez e Gestação, Supermãe, Da Concepção ao Nascimento, A Gestação, Ser Mãe Especial, Seu filho e Você, Crescer em Família.

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  • VARELA, J. O Estatuto do Saber Pedagógico. In: SILVA, T.T. O Sujeito da Educação. 15ª. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 154 | Buenos Aires, Marzo de 2011
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