efdeportes.com

O ato de ‘alimentar-se’ como uma experiência no âmbito do 

tempo/espaço de lazer no meio urbano: fast food versus slow food

El acto de ‘alimentar-se’ como una experiencia en el ámbito del tiempo/espacio de recreación en el medio urbano: fasto food versus slow food

 

*Professoras do Departamento de Educação Física

**Professor do Departamento de História

(Brasil)

Simone Rechia*

Maria Gisele dos Santos*

Carlos Roberto Antunes**

mariagisele@yahoo.com

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste estudo foi analisar o ato de “alimentar-se” no âmbito do tempo/espaço de lazer nas grandes cidades, com foco específico no Fast Food versus Slow Food. Neste início de século torna-se importante as análises científicas que se preocupam em esclarecer e, portanto, alertar as pessoas sobre as práticas sociais relacionadas à vida cotidiana. Nesse contexto, consideramos que o ato de alimentar-se é uma atividade da vida cotidiana que simboliza a inscrição em uma cultura e constitui uma prática social a ser observada e questionada, pois percebemos que está influenciada pela velocidade imposta à vida moderna, o que altera de forma significativa o corpo de todos os cidadãos que vivem nos centros urbanos.

          Unitermos: Fast food. Slow food. Alimentarse. Lazer.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 154, Marzo de 2011. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    A banalidade do assunto “tempo para comer” parece estar no fato de que “alimentar-se’’ é uma necessidade humana natural e presente de forma rotineira em nossas vidas. Tais fatores parecem tornar esse objeto de estudo menos importante do que outros que sempre preocuparam pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Há também, como em muitos estudos de cultura popular, certo preconceito com os estudos do lazer conectados a essa dinâmica, por ser um objeto de pesquisa muitas vezes subjetivo, efêmero e saboroso.

    No entanto, no início deste novo século torna-se importante as análises científicas que se preocupam em esclarecer e, portanto, alertar as pessoas sobre as práticas sociais relacionadas ao tempo na sociedade moderna. Nesse contexto, consideramos que comer é uma atividade da vida cotidiana que simboliza a inscrição em uma cultura e constitui uma prática social a ser observada. Entretanto, essa prática está envolvida na velocidade imposta à vida moderna, fazendo com que as pessoas mal tenham tempo de se alimentar. Vivemos sob a pressão da escassez do tempo, somos cobrados a tomar decisões imediatas, numa verdadeira luta contra o relógio – tudo em nome da máxima “tempo é dinheiro”. Tal pensamento está sustentado na lei que rege o capitalismo, na ordem estabelecida.

    Nessa dinâmica veloz da vida moderna, muitos estudos têm mostrado que vários elementos culturais se associam e se conflitam no meio urbano. Aqui especificamente apontaremos a relação existente entre o ato de alimentar-se e o tempo e espaço de lazer. Sendo que quando dispensado, esse ritual, na vida cotidiana, faz com que por meio de diferentes “maneiras de fazer” o ato de comer

    incorpore ritos e modos de fazer, atualize significados ancestrais, reúne em torno de uma ação concreta a tradição e a criação inovadora possibilitam compartilhamento e experimentação. Materializa-se como fonte de prazer do espírito ou como tormento deste mesmo espírito – tanto em sua falta como em seu excesso (WOODMAN, 2006).

O tempo e a vida cotidiana “fast-food”

    O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O “cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior” (CERTEAU, 1996, p. 31).

    Logo, a vida cotidiana é repleta de significação, pois é onde os atributos humanos se tornam concretos e é onde os sujeitos se relacionam consigo mesmos e com o outros no tempo presente.

    Entretanto, o cotidiano vivido no tempo “fast-food” muitas vezes torna-se opressor, carregando as condições históricas que apenas permitem aos sujeitos exercerem suas potencialidades de modo limitado. É o tempo possível que nos permite aceitar o que nos é ofertado, sempre nos limites socialmente dados como referenciais de contemporaneidade.

    Pesquisas já mostraram como as relações sociais em torno do consumo de alimentos são fatores importantes para a sociabilidade. Apontaram também que os laços de solidariedade social se expressam nitidamente nos momentos das refeições, mas como vivenciar esses laços, envolvidos pela velocidade imposta no meio urbano?

Comer juntos, porém distanciados: aspectos contraditórios desta sociabilidade

    Poucos foram os sociólogos que ousaram enfrentar essa questão que, por outro lado, sempre foi amplamente discutida entre os antropólogos. Há muito tempo a antropologia se preocupa com as práticas culinárias das sociedades e com a maneira como estas revelam complexidades de ordem social. Para Mary Douglas (1975), a comida e a refeição são expressões simbólicas de uma ordem social e, mais do que isso, a refeição é um sistema de comunicação que reflete os relacionamentos entre grupos sociais. Assim, a comida deve ser tratada como um código. Para Douglas (1975), as mensagens contidas nos alimentos tratam de níveis de hierarquia, inclusão e exclusão, classes sociais e transgressões.

    Outro estudo pioneiro é o de Joanne Finkelstein (1989), segundo o qual as interações sociais que ocorrem dentro de um restaurante produzem uma sociabilidade não civilizada (uncivilized sociality). Para ela, o restaurante é um artifício que transforma as refeições feitas fora de casa num exercício de disciplina regido por normas que nos colocam dentro de um quadro de ações predeterminadas.

    Um exemplo típico dessa “sociabilidade não civilizada” é comer em uma praça de alimentação, no interior de um shopping. Nesses ambientes as pessoas se comportam e escolhem seus cardápios de forma rápida, individualizada e de acordo com imagens que refletem comportamentos da moda e, ao contrário do que podemos pensar, não há relacionamento social. Cada pessoa faz o seu prato, não há negociações para o compartilhamento de gostos, revelando somente certa divisão de espaços.

    Para Finkelstein (1989 p. 5), embora seja vista como um momento de ampla sociabilidade, a refeição em local público deve ser considerada uma prática que enfraquece a nossa participação na arena social, mesmo que dê a impressão que a aumentaria. Na realidade, Finkelstein não está negando a importância das interações sociais observadas no comportamento de “comer fora”, nem o fato de que elas produzem prazer e entretenimento. Ela observa, no entanto, que, devido à importância econômica dessa prática em nossa sociedade, “comer fora” se transformou em uma mercadoria e que os desejos dos indivíduos gerados por uma lógica econômica não são espontâneos. Assim, o ato de “jantar fora”, da mesma maneira que proporciona prazer, tem a capacidade de transformar emoções em mercadorias e oferecê-las como itens de consumo.

    Bourdieu (1984) examina como é constituído aquilo que chamamos de “gosto” em relação a várias expressões culturais, desde arte, música, vestuário e comida, e afirma que ele é modelado socialmente, sendo a classe social o principal diferenciador. Além disso, existe uma hierarquia de gostos, que é reflexo da hierarquia social, e conceitos como “bom gosto” e “mau gosto”, que são determinados pelas classes mais altas. Aqueles que possuem “capital cultural”, por causa de sua posição socioeconômica, vão impor a sua visão de mundo cultural à sociedade como um todo. Assim sendo, a escolha de certos alimentos e a maneira como são preparados e servidos não só são parâmetros para identificar uma classe social como também podem intensificar a segregação social.

    Ainda para Bourdieu (1984), a refeição da classe operária é caracterizada por pratos abundantes, como sopas, massas e batatas, que não são servidos por unidades, e sim com grandes colheres ou conchas, evitando-se medir as quantidades. “Tudo se passa como se um determinado regime alimentar revelasse uma ordem do mundo, ou antes, postulasse em seu próprio ato a inscrição possível desta ordem no mundo” (GIARD, 1996, p. 245).

Comer: o possível, o aprendido, o desejável

    Para Woodman (2006), “Comer é comer o possível, em primeiro lugar; o aprendido, em segundo; e o desejável, em terceiro”. Em todas as situações, o ato de comer pode ser elevado desde uma visão da ordem estabelecida, o fast-food, até a percepção de uma gastronomia ou de uma história cultural da alimentação, o slow food.

    Nessa dinâmica, a alimentação também é um modo de regulação das permissões e das interdições, concebidas a partir da disponibilidade concreta de alimentos e a partir de crenças. Dessa maneira, no ato de comer, uma ordem antiga se restabelece, reafirmando o conhecido, ou uma nova ordem se propõe, em nome da modernidade.

    Quando a comida apresenta uma qualidade inferior, esta não pode ser saboreada, nem há tempo de salivar, devido à pressa, tudo em prol da vantagem de uma refeição rápida e barata.

    Entretanto, apresenta-se também como uma prática que insere o sujeito em sua cultura ou que o desloca para a vivência momentânea de outra cultura. No fast-food, o tempo é vilão. A comida tem que sair rapidamente. Algum aspecto da comida vai sair sacrificado, seja a qualidade, sejam os valores nutricionais. A não ser que seja fast-food de saladas vegetarianas. Mesmo assim desconfia-se. Nessa nova ordem do mundo, colocam-se em evidência os gostos, as sensações, as misturas, a estética, os estilos, o tempo, o espaço, os limites, a conveniência, os códigos normativos das etiquetas, a hierarquia social derivada do poder econômico, e conseqüentemente o excesso ou a escassez, a velocidade ou a lentidão.

    Nesse sentido, comer pode ser atividade lúdica, social, de entretenimento ou de preservação da saúde. Mas também pode ser um modo de ser, um modo de evidência de crenças, um modo de visibilidade da origem de classe e de disposição econômica:

    [...] há uma ‘hierarquização alimentar’ que corrobora a hierarquia social. [...] De um grupo a outro, não se consomem os mesmos produtos, não se acomodam da mesma forma, nem são absorvidos respeitando o mesmo código de boas maneiras à mesa (GIARD, 1996, p. 241).

Espaços das cozinhas: lugar de bate-papo ou do preparo da comida rápida?

    Também no mundo privado, as antigas cozinhas propícias ao compartilhamento foram substituídas pelas pequenas cozinhas, apenas superficialmente práticas, onde o sujeito moderno geralmente deve se mover de modo mínimo, onde deve permanecer o tempo mínimo e criar cardápios mínimos.

    Essa arquitetura contemporânea deriva de alguns fatores, entre eles, de uma vida cotidiana baseada na economia dos gestos, na compressão do tempo que quase inviabiliza o retorno ao ambiente privado e empurra o ato de comer para os espaços públicos dos restaurantes.

Restaurantes: espaços de lazer e desterritorialização das culturas

    Nesses espaços, predomina muitas vezes a complexidade de cozinhar como digno de ser conhecido e, quem sabe, assimilado. Para Giard (1996), nesses ambientes há uma “multiplicação de empréstimos”, ou seja, percebemos a tendência globalizada de poder experimentar um prato regional em outro lugar, em um processo de desterritorialização das culturas.

    É por meio de uma fruição provisória no tempo/espaço de lazer que recuperamos parte do que é autêntico – porém estranho ao nosso paladar habitual – e nos situamos em outro tempo e outro espaço, através de uma viagem por diferentes paisagens, sabores, odores, artefatos decorativos regionais, músicas e danças típicas. Os restaurantes cada vez mais buscam tematizar suas ações para potencializar essa dinâmica.

    O aspecto que pretendemos salientar está relacionado à crescente popularidade dos aspectos lúdicos e temporais envolvidos no hábito de comer, no que se refere, seja à refeição comprada pronta ou realizada fora do local de residência dos indivíduos, seja à dimensão de entretenimento ligada à refeição. No mundo atual, todos nós, que vivemos em grandes cidades, lemos jornal e assistimos à televisão, percebemos que a questão da comida está cada vez mais presente na consciência popular.

    Nas sociedades mais desenvolvidas, duas entre as três refeições diárias são compradas e/ou consumidas fora de casa. Portanto, esse grande número de pessoas que come fora permitiu a explosão em quantidade e variedade de restaurantes e de serviços relacionados à comida; desde os populares fast-food até os templos de alta cozinha. Restaurantes competem para atrair consumidores, e a mídia transforma os “cozinheiros” – chefes – em celebridades glamorosas. Restaurantes recebem prêmios (estrelas), e surge a comida de grife, que compete com a industrializada nas prateleiras dos supermercados.

    Essas observações de Finkelstein (1989), no entanto, não contradizem o fato de que as pessoas vêem, no ato de “comer fora”, uma fonte de prazer e entretenimento. Por outro lado, os seus argumentos são indiscutíveis quando analisamos a evolução do restaurante moderno e a sua função como local onde a comida proposta através dos menus representa, na realidade, “estilos de vida”, e não maneiras de saciar a fome. Os primeiros restaurantes, propriamente ditos, já eram, de muitas maneiras, uma imitação da sala de jantar aristocrática com todas as suas extravagâncias. Os comensais dessa época não estavam especialmente interessados em comidas finas, e sim em imitar o estilo de vida de uma aristocracia em decadência (SPANG, 2000). Observando atentamente as criações culinárias de chefe da época, verificou-se que os pratos eram verdadeiras esculturas feitas com comidas, onde a aparência tinha grande importância.

    Atualmente, os restaurantes vão além da apresentação de estilos de vida da aristocracia aos seus freqüentadores, e os apelos para “comer fora” são muito variados. As pessoas podem sair de casa para comer, buscando um ambiente familiar e caseiro (“sair de casa e se sentir em casa”), como a promessa do Mcdonalds de divertir a família unida, em um ambiente alegre, de preparo rápido, sem álcool e com uma comida com surpresas.

    Outros preferem procurar um ambiente exótico, onde os freqüentadores são transportados a outro país e vivem por algumas horas algumas sensações, degustando alimentos diferentes dos usuais, temperados com especiarias estrangeiras.

    Encontramos hoje uma nova e curiosa categoria de restaurantes, onde a comida não é uma prioridade. Ir a restaurantes no tempo e espaço de lazer gera um tipo interessante de prática, ou seja, aonde se vai, não só para comer, mas também para “ser visto”. Esse último exemplo reforça precisamente um argumento de Finkelstein (1989), de que “comer fora” é um evento em que predominam as imagens sociais e a moda. Seguindo esse argumento, podemos compreender quando a autora diz que a prática de sair para ir a um restaurante é contrária ao ideal de civilidade, pois exige uma maneira normatizada de se comportar, impondo a moda ao indivíduo (FINKELSTEIN, 1989, p. 209).

A dialética entre o comer e as experiências no âmbito do lazer

    Comer deixa de ter apenas a sua função biológica óbvia, de nutrição para sobreviver, e entra para a categoria de lazer e entretenimento, assim como também passa a ser indicador de status e classe social, classificando e distinguindo gostos culinários.

    Dados citados por Burnen (1989), na publicação de uma pesquisa recente sobre atividades de lazer, mostram que sair de casa para comer fora ou receber amigos para uma refeição em casa estão entre as atividades de lazer mais populares, depois de assistir à televisão.

    Ao mesmo tempo em que cresce o número de artigos sobre a boa alimentação em jornais e revistas especializadas, aumentando a popularidade dos guias que recomendam restaurantes, a sensibilidade gastronômica do público consumidor de refeições fora de casa começa a ficar muito mais exigente.

    O crescimento do comércio de alimentação é frequentemente atribuído a fatores econômicos e a mudanças no estilo de vida da família. Vários estudos associam essa mudança nos hábitos alimentares ao fato de haver um maior número de mulheres trabalhando fora de casa, ao aumento no meio urbano da distância entre o local de trabalho e a residência, bem como ao crescimento em número e qualidade de produtos comestíveis industrializados no mercado.

    Outros estudos (GABACCIA, 1998), no entanto, mostram que, ao mesmo tempo em que responde às novas necessidades da sociedade, propõe e coloca à disposição do consumidor um novo estilo de vida, pois, se a causa do aumento do número de refeições feitas em locais públicos se devesse exclusivamente ao fato de as pessoas terem menos tempo para preparar uma refeição em casa, como explicar os restaurantes estarem tão cheios nos fins de semana?

    Outro argumento usado é o de que as populações urbanas de centros industrializados e desenvolvidos procuram o restaurante em busca de uma comida sofisticada, de difícil preparo e de sabor especialmente delicado, para sair do comum e conhecido. Novamente esse argumento não explicaria a enorme popularidade e consumo do que chamamos junk-food e, além disso, o recente aparecimento de restaurantes especializados em comida caseira. Seguindo esse argumento, cabe notar aqui a curiosa popularidade, sobretudo nos EUA, de uma cozinha sofisticada e muito em moda nos meios elegantes, chamada comfonfood, cujo cardápio se compõe, por exemplo, de purê de batatas, bife de fígado acebolado, torta de maçã e outras receitas que pretendem lembrar a infância do consumidor.

    A questão é que as pessoas sentem um grande prazer em consumir alimentos em locais públicos. Sair de casa para comer demonstra uma vontade de interagir socialmente até mesmo antes de significar a necessidade de se alimentar. Trata-se de uma forma dos sujeitos se apresentarem na sociedade e, por meio da refeição, intermediar suas relações sociais, pois o restaurante é visto como um lugar onde a sua imagem é refletida.

    Entretanto, alguns autores têm sugerido que o aumento do número de refeições feitas fora de casa estaria causando uma deterioração das relações, pois muitas vezes estamos juntos, porém separados, no tempo/espaço de lazer. Quanto às relações familiares, em que comer junto significava no passado fortalecer laços, hoje percebemos, por exemplo, que cada membro de uma família “faz o seu prato’’ e come assistindo televisão, trocando pouquíssimas palavras e muitas vezes alimentando-se em horários diferenciados. Esse seria um dos fatores que explicaria o declínio da instituição família.

A relação entre o ato de comer e a saúde

    Mesmo analisado sob vários ângulos, sabe-se que o ato de comer é uma necessidade humana, sem a qual nenhuma existência física seria possível.

    No âmbito privado, associar alimentação à saúde e à boa forma física é decorrência de dois movimentos: por um lado, da incorporação de conhecimentos científicos que cada vez mais explicam o funcionamento normal dos corpos, mas o explicam de forma sempre provisória e pronta para ser substituída, por outro, de uma ideologia da intimidade (SENNET, 1988) e de uma cultura do individualismo (GIDDENS, 2002; BAUMAN, 2001).

    Para Bauman (2001, p.162), ‘‘se nos perguntam o que buscamos conquistar quando tomamos medidas de proteção de nosso corpo, quando treinamos e nos exercitamos, podemos responder que desejamos ser mais saudáveis e ter boa forma. Ambos os alvos são recomendáveis. O problema é que eles são diferentes, e seus propósitos, às vezes incompatíveis”.

Fast food: processo de mcdonalização

    Observando a proliferação dessa forma rápida e prática de alimentar-se e suas ligações com um estilo de vida que caracteriza a sociedade industrial moderna, não poderíamos deixar de fazer alguma menção a esse fenômeno. Sabemos que até mesmo a França, onde a paixão gastronômica ainda tem adeptos, já sucumbiu ao processo de mcdonaldização. Cabe aqui, portanto, uma reflexão sobre o significado do sucesso dessas fórmulas rápidas de alimentação.

    O americano Rick Fantasia (1995) já previa que, embora as características da rapidez, estandardização e homogeneização de sabores representem exatamente o inverso das práticas culinárias francesas, a França não seria poupada do movimento mundial das práticas de alimentação rápida. Ele apontou que seriam justamente essas características que seduziriam o público jovem francês.

    Nicholas Baker (2001) aprofunda esse argumento, mostrando que os franceses já se apropriaram das formas desse tipo de alimentação rápida, mas dando-lhes um toque local (as viennoiseries do tipo quiches e croissons recheados), evitando assim as críticas dos mais tradicionalistas. O autor percebe como a adaptação de certos “pequenos detalhes” é mercadologicamente fundamental e eficaz.

    Essa adaptação do estilo fast-food à cultura nacional encontra um exemplo interessante no Brasil com a “comida por quilo”. Essa fórmula tipicamente brasileira acrescenta um aspecto novo à rapidez e estandardização da alimentação. Esse aspecto diz respeito à mensuração do consumo, ou seja, a unidade deixa de ser “um bife”, “duas batatas”, “uma colher ou uma concha” de alimento, e passa a ser o peso do total consumido, estimulando assim o consumo de alimentos leves em maior quantidade do que alimentos pesados, todos de uma só vez em um prato. A rapidez é assegurada pelo display de pratos prontos no Buffet que antecede a pesagem. Há também menor estandardização, pois os pratos dispostos podem ser mais ou menos variados de acordo com o estabelecimento.

Slow food: uma reação ao modelo fast food

    O aspecto pessimista de uma tendência de mcdonaldização dos hábitos alimentares nos parece, portanto, ultrapassado, quando pensamos que as “pequenas diferenças” estão ficando cada vez mais importantes na sociedade moderna.

    Contrariamente à ficção de que o futuro nos apresentaria um cardápio único e sempre igual, o mercado oferece hoje maior variedade de comidas e emoções culinárias: comidas caseiras, sofisticadas, exóticas, familiares, que dão prazer, permitem sonhar, viajar, excitar e acalmar atribuem prestígio, promovem interação social e podem, até mesmo, simplesmente saciar nossa fome.

    A Slow Food, representada por um pequeno caracol é uma associação internacional fundada por Carlo Petrini em 1986, com o objetivo de promover a cultura da comida e o vinho, e que atualmente também defende a biodiversidade alimentar e agricultural no mundo inteiro. O Slow Food é uma associação internacional sem fins lucrativos mantida por seus associados. Foi fundada em 1989 como resposta aos efeitos padronizantes do fast food; ao ritmo frenético da vida atual; ao desaparecimento das tradições culinárias regionais; ao decrescente interesse das pessoas na sua alimentação, na procedência e sabor dos alimentos e em como nossa escolha alimentar pode afetar o mundo.

    A filosofia da Slow Food, em contraposição à do Fast-Food, se opõe à padronização do gosto, defende a necessidade de informação do consumidor, protege identidades culturais ligadas a tradições alimentares e gastronômicas, protege produtos alimentares e comidas, processos e técnicas de cultivo e processamento herdados por tradição, e defende espécies vegetais e animais, domésticas e selvagens. O Slow Food seria a favor dos princípios em que se baseiam a agricultura orgânica, do menor impacto ao meio ambiente e da redução do uso de agrotóxicos e adubos químicos. Porém, explicam: “a agricultura orgânica praticada em larga escala, é muito similar ao sistema convencional de cultivo de monocultura e, conseqüentemente, a certificação orgânica por si só não deve ser considerado um sinal de que o produto é produzido de forma sustentável”.

    Aliás, não basta ser orgânico. Os alimentos devem ser produzidos a partir de técnicas tradicionais, naturais, seguras e, acima de tudo, com ricas qualidades de cheiro, sabor, textura e aspectos visuais.

    Missão do movimento: (a) defesa da biodiversidade: pretende-se desfrutar de excelentes alimentos e bebidas em conjunto com esforços para proteger os diversos grãos, vegetais, frutas e produtos animais tradicionais que estão desaparecendo em prevalência dos alimentos produzidos pelo agronegócio. Slow Food pretende proteger o patrimônio culinário e criou uma fundação voltada para a biodiversidade; (b) educação do sabor: Slow Food ajuda as pessoas a redescobrirem o prazer de alimentar-se e compreenderem a importância de entender de onde a sua comida é proveniente, quem faz e como é feita; (c) ligação entre produtores e coprodutores:Slow Food organiza feiras, mercados e eventos locais e internacionais onde consumidores podem encontrar os produtores, além de provar alimentos de excelente qualidade.

    Já os críticos do movimento alegam que o Slow Food é elitista, visto que desencoraja processos mais baratos de produção de alimentos, como alimentos produzidos em larga escala, monoculturas ou alimentos industrializados.

    A Slow Food responde que trabalha em prol da produção e consumo locais que no final tornariam-se mais baratos por depender menos de transporte, de tecnologia e de produtos químicos para conservação dos alimentos.

    A Slow Food discute de modo mais aprofundado qual é o real custo do alimento, questionando, por exemplo, qual o custo ambiental dos alimentos produzidos em escala industrial, ou qual o custo para a saúde de quem consome alimentos industrializados. Defendendo que os agricultores e produtores devem ser bem remunerados pelo seu trabalho.

    Slow food é comer melhor. É sentar-se à mesa diante de uma verdadeira refeição, em paz, na companhia de pessoas muito queridas (por “verdadeira refeição”, entendam-se pratos acabadinhos de preparar, fartos e saborosos). É investir tempo e energia para obter alimentos tão gostosos quanto saudáveis. É tornar o ato de comer uma experiência gratificante, prazerosa, que não somente nos mantém vivos como aguça nossos sentidos. Esquenta o coração. Guiadas pelo instinto de preservação, as pessoas estão mais atentas à qualidade de vida. Quando mantemos atenção na comida e no alimentar-se, vivendo o aqui e agora e em sintonia com nossos convivas, estamos sendo amigos de nosso corpo, predispondo-o a aceitar melhor o que ingerimos. São coisas como se deixar envolver pelo aroma que sobe quentinho do prato, resgatar sensações que viraram lugar-comum na linguagem – como a da comida que dá água na boca. Em suma, quando apreciada, a feijoada pode cair mais leve do que um sanduíche engolido em pé no balcão. A importância da preservação do sabor original dos alimentos e da convivência com as pessoas ainda são os pilares mais fortes do movimento, que hoje conta com mais de 60 mil membros, sendo metade da Itália. Como forma de resgatar a biodiversidade do sabor, cada um dos núcleos dessa irmandade fornece suporte econômico e divulgação para iniciativas coletivas e individuais.

Fast Food versus Slow Food: construindo uma conclusão baseada nos hábitos alimentares espanhóis...

Primeiro prato

    Embora as pesquisas e observações mostrem o crescimento do hábito de comer fora, abundam as publicações referentes à culinária. O boom de livros sobre o assunto “comida” é sem precedentes, e a televisão também descobriu esse filão de sucesso. Livros de receita deixam a prateleira da cozinha e ganham status de coffee-table books, a literatura toma temas culinários para contar suas histórias, e crônicas prosaicas sobre experiências e memórias de pratos e sabores fazem o maior sucesso.

Programas de televisão sobre culinária migram do horário feminino para o horário nobre e ganham formatação de programas populares, e os chefes de cozinha se tornam astros da mídia.

Segundo prato

    Como explicar o interesse em livros de culinária, quando constatamos a tendência crescente de não preparar comidas em casa – de comprá-las prontas ou de comer fora?

Sobremesa

    Essa interrogação abre um campo de pesquisa que deve ser investigado, isto é, o preparo de alimentos e a execução de receitas culinárias como uma atividade de lazer.

Cafezinho e o bate-papo

    Cozinhar e comer como escolha de práticas urbanas no âmbito do tempo e espaço de lazer deste milênio!

Referências bibliográficas

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 154 | Buenos Aires, Marzo de 2011
© 1997-2011 Derechos reservados