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A proposta curricular de Educação Física na rede pública estadual 

paulista e o conteúdo Lutas: do proposto às manifestações 

dos professores sobre suas práticas

El currículo de Educación Física en la red de escuelas públicas del estado de Sao Paulo y el 

contenido Luchas: de la propuesta a las manifestaciones de los profesores sobre sus prácticas

 

Doutorando em Educação: História, Política , Sociedade PUC/SP

Professor da rede pública estadual paulista

Membro do LETPEF, UNESP, Rio Claro

Anoel Fernandes

anoelfernandes@ig.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo teve como objetivo analisar a forma como 2 professores de Educação Física (1 iniciante e 1 com experiência docente) baseados na classificação de Huberman (1992) aplicaram o conteúdo Lutas presente na proposta SEE/SP (2008). Para a escolha dos 2 sujeitos, optou-se por professores que não tinham um conhecimento prévio em relação à modalidade Lutas. As manifestações dos professores nos apontam que no momento da aplicação do conteúdo Lutas, os 2 professores recorreram à mera explicação de conceitos, mas não aplicaram as vivências. Justificaram que não se sentem hábeis para a aplicação de tal conteúdo na escola. Os 2 professores aclamaram por uma formação no sentido de auxílio para a aplicação do tal conteúdo. Sem nenhuma pretensão de propor generalizações para outros contextos, este trabalho indica que mesmo com todo discurso renovador, os professores de Educação Física ainda tem dificuldades para tratar determinados conteúdos que “fogem” do rol dos conteúdos tradicionais. Os apontamentos nos mostram que estamos diante de uma lacuna entre as proposições teóricas e práticas pedagógicas na escola. Uma das possíveis saídas são por meio dos órgãos gestores de ensino, como as secretarias municipais e estaduais de educação por meio da formação continuada em serviço para os professores (e nesse caso, não só os de Educação Física, mas todas as disciplinas).

          Unitermos: Proposta SEE (2008). Aplicação do conteúdo lutas.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 154, Marzo de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Atualmente, as implantações de novas propostas estão sendo o “carro-chefe” das reformas educacionais. As tais propostas são geralmente elaboradas por uns (especialistas) e implantadas por outros (os professores). No caso brasileiro, o momento atual é particularmente significativo no que diz respeito às propostas. Como exemplos valem serem destacadas algumas de âmbito nacional como as propostas de ciclos e progressão continuada presente desde o âmbito da LDB 9394/96, assim como os PCN (BRASIL, 1997).

    Quando remetemos nosso olhar para o Estado de São Paulo após a promulgação da LDB 9394/96, vale destacar o Projeto de Correção de Fluxo do ciclo II no ano de 2000, as propostas para as séries iniciais do ensino fundamental para as disciplinas de Educação Física e Artes no ano de 2003 e, mais recentemente temos, a proposta curricular da rede pública do Estado de São Paulo para todas as disciplinas do ciclo II e Ensino Médio implantada no ano de 2008, que é o foco do presente estudo.

    Por meio da Resolução nº 92 da Secretaria do Estado da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) de 19 de dezembro de 2007, oficializou no estado de São Paulo uma proposta para uniformizar o currículo dos níveis de Ensino Fundamental II e Médio. Baseados na referida resolução, a SEE/SP estabeleceu as diretrizes para a organização curricular do Ensino Fundamental II e Ensino Médio nas escolas da rede pública estadual paulista. A reorganização curricular da educação básica foi constituída pela equipe gestora como uma ação que visa à melhoria do processo educacional paulista. Dessa forma, esse novo modelo curricular, é o resultado de uma das metas lançadas pelo governo estadual para a Educação (SEE/SP, 2007).

    Assim, a SEE/SP lançou no ano de 2008 uma proposta curricular para ser implementada de forma imediata em todas as escolas da rede pública do Estado de São Paulo. O referido projeto foi posto em voga quando a Secretária da Educação era a professora Maria Helena Guimarães Castro, empossada no final de 20071 . Segundo a referida secretária da Educação do Estado de São Paulo, o projeto é ousado e inovador, pois está apoiado na utilização de vários materiais pedagógicos (SEE/SP, 2008).

    O primeiro material foi elaborado por uma equipe técnica da SEE/SP e distribuído em todas as escolas da rede pública estadual de São Paulo foi o Jornal do Aluno. O material foi constituído no formato de um Jornal e entregue a todos os alunos, sendo que os professores também receberam um exemplar de acordo com a disciplina e série que ele ministrava aulas, além da Revista do Professor.

    Conforme as orientações da SEE/SP (2008), este material foi indicado para ser utilizado nos primeiros 40 dias letivos do ano de 2008 (entre os dias 18 de fevereiro e 30 de março de 2008). O objetivo declarado “era subsidiar tanto professores quanto os alunos na realização das atividades em sala de aula durante o denominado período de recuperação intensiva e privilegiou a leitura, a produção de textos e a matemática” (SEE/SP, 2008).

    O material que apresenta os “Cadernos do Professor” é outra cartilha denominada Proposta Curricular do Estado de São Paulo, onde contém a disciplina especificada – por exemplo, Educação Física, Artes – e o ciclo de ensino - Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio.

    O texto de Apresentação vem assinado pela então Secretária da Educação do Estado de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, que justifica a necessidade de uma Proposta Curricular com a seguinte frase: “A criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que deu autonomia às escolas para que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo importante. Ao longo do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrou-se ineficiente.” (SEE/SP, 2008, s/p.).

    Por conta desta “ineficiência”, a então Secretária da Educação do Estado de São Paulo argumentou que se faz necessária uma ação integrada e articulada, que também subsidie os profissionais da rede. Finalizando o texto de apresentação, afirma: “Mais do que simples orientação, o que propomos com a elaboração da Proposta Curricular e de todo o material que a integra, é que nossa ação tenha um foco definido.” (SEE/SP, 2008, s/p.).

    No que tange à Educação Física, a proposta defende que essa disciplina deve trabalhar com grandes eixos de conteúdos e tem como objetivos gerais “(...) a compreensão do jogo, esporte, ginástica, luta e atividade rítmica como fenômenos socioculturais, em sintonia com os temas do nosso tempo e das vidas dos alunos, rumo à construção de uma autonomia crítica e autocrítica” (SEE/SP, 2008a, p. 46).

    Pela proposta SEE/SP (2008), o conteúdo de Educação Física deve ser contextualizado e compreender o sujeito mergulhado em diferentes realidades culturais, nas quais estão indissociados corpo, movimento e intencionalidade. Traz uma perspectiva de ensino que não se reduz mais ao condicionamento físico e ao esporte, quando praticados de maneira inconsciente ou mecânica. No que tange ao que o aluno “deve” aprender, além de vivenciar, o aluno tem que experimentar, valorizar, apreciar e aproveitar os benefícios advindos da cultura do movimento, mas também perceber e compreender os sentidos e significados das suas diversas manifestações na sociedade contemporânea (SEE/SP, 2008).

    Pela proposta, o jogo, esporte, ginástica, luta e atividades rítmicas se cruzam com 4 grandes eixos temáticos, a saber: Corpo, Saúde e Beleza – sobre os padrões de beleza, alimentação e atividades físicas disseminadas pela mídia; Contemporaneidade – sobre conceitos e relações com seus corpos e com outras pessoas; Mídias – sobre questões mercadológicas que influenciam a vida dos jovens; Lazer e Trabalho – sobre o controle sobre o próprio esforço e o direito ao repouso e lazer no mundo do trabalho. Neste sentido, a Revista da Proposta Curricular traz os conteúdos a serem trabalhados nos 4 bimestres do ano letivo (SEE/SP, 2008).

    Dando continuidade à política educacional delineada no ano de 2008 por meio de um novo modelo de proposta curricular, no ano de 2009, a proposta se torna definitivamente currículo, uma vez que, além do material disponibilizado aos professores (Caderno do Professor por disciplina, série e bimestre), a SEE/SP envia também às escolas o “Caderno do Aluno”, também divididos por disciplina/série/bimestre.

Qual o objetivo da pesquisa? Porque realizá-la?

    Na sistematização dos conteúdos por série e bimestre, o conteúdo Lutas ficou distribuído da seguinte forma: no 4º bimestre da 6ª série (7º ano); no 1º bimestre da 7ª série (8º ano); no 1º bimestre da 8ª série (9º ano) e nos 1ºs e 3ºs bimestres do 3º ano do Ensino Médio.

    A justificativa pela investigação acerca da aplicação do conteúdo Lutas na escola se dá por dois motivos. O primeiro está atrelado ao fato de que essa manifestação da cultura corporal está “fora” do rol de conteúdos tidos como tradicionais nas aulas de Educação Física. Dessa forma, entendemos que a proposta tem como seu grande mérito a diversificação dos conteúdos para além das 4 modalidades tidas como tradicionais: voleibol, basquetebol, futebol e handebol.

    O segundo motivo pela qual nos instiga buscar entender as práticas dos professores sobre o conteúdo Lutas são alguns fatores destacados por Nascimento e Almeida (2007). Em suas pesquisas os autores alegam que encontraram alguns indicadores que se mostraram restritivos para a possibilidade de trato pedagógico do conteúdo Lutas na escola.

    Conforme Nascimento e Almeida (2007), entre outros argumentos restritivos verificados, destacam-se, basicamente, dois dos mais recorrentes nas respostas obtidas:

    1) a falta de vivência pessoal em lutas por parte dos professores, tanto no cotidiano de vida, como no âmbito acadêmico; 2) a preocupação com o fator violência, que julgam ser intrínseco às práticas de luta, o que incompatibiliza a possibilidade de abordagem deste conteúdo na escola (NASCIMENTO e ALMEIDA, 2007).

    Diante desse quadro, temos também duas vertentes assinaladas. Por um lado, a tentativa dos elaboradores da proposta SEE/SP (2008) de uma contribuição significativa e relevante para a área de Educação Física através da sistematização do conteúdo Lutas. E, por outro lado, temos as possíveis dificuldades que os professores alegam para a aplicação desse conteúdo no contexto escolar. Dada essas duas vertentes, justifica-se aqui a relevância de uma investigação que busque analisar a forma como os professores da rede pública estadual paulista, como os reais interlocutores da prática pedagógica, receberam a proposta SEE/SP (2008), assim como foi aplicação do conteúdo Lutas no cotidiano escolar.

O movimento da Educação Física escolar versus a proposta da SEE/SP (2008)

    A proposta da SEE/SP (2008) apresenta certo ecleticismo das diversas abordagens tidas como renovadoras da Educação Física escolar2. Dessa forma, a referida proposta é aqui entendida como uma proposta que tem o intuito de sistematizar e organizar conteúdos que avancem frente ao modelo tradicional3.

    No entanto, Resende (1995) ao mencionar a questão das possíveis influências das novas abordagens da Educação Física e sua interlocução com os professores que atuam na escola afirma que

    existe um grupo com intenções renovadoras relacionado ao movimento de críticas às tendências pedagógicas manifestadas no ensino da Educação Física Escolar, mas cabe ressaltar que essas tendências, fundamentalmente inspiradas na aptidão física e no desporto de alto rendimento, ainda são predominantes no contexto da prática profissional em questão (RESENDE,1995,p. 72).

    Ao mencionar sobre a apropriação por parte dos professores das novas abordagens, e, por conseguinte, a implantação delas na prática pedagógica, Daólio (1998, p.60) afirma que (...) “a grande massa de professores de Educação Física no país está distante dessa discussão, não discernindo com precisão um discurso de outro, consumindo algumas publicações e idéias por oportunidade, sem a devida reflexão”.

    Conforme Bracht (1999, p. 82) as propostas pedagógicas da Educação Física deparam-se com desafios de várias ordens, destacando o autor que “um dos desafios é a sua implementação, ou seja, de como fazer que sejam incorporadas pela prática pedagógica nas escolas”.

    Borges (1998) é outra autora que contribui para esse debate. Em seu estudo a autora resgata a trajetória escolar, esportiva, acadêmica e profissional de dois professores de Educação Física, partindo da análise de suas práticas em seus contextos de trabalho e, buscando identificar aspectos que influenciam na construção dos saberes desses profissionais. Ao interrogar a respeito dos conhecimentos que os professores de Educação Física utilizavam em suas práticas cotidianas na escola, a autora aponta que eles desconsideravam sua formação acadêmica, alegando, sobretudo o distanciamento entre a formação acadêmica e realidade escolar durante o processo de formação docente.

    Embora tenha se passado aproximadamente uma década das proposições desses autores, não devemos desconsiderar sua relevância para possíveis reflexões. Esses autores (Resende (1995); Daólio (1998); Borges (1998) e Bracht (1999)) não demonstram otimismo de que através das propostas da Educação Física escolar e sua renovação no campo acadêmico, a sua prática no cotidiano escolar tenha avançado concomitantemente. O fator mais relevante mencionado pelos autores acima diz respeito aos conhecimentos dos professores, deixando claro que eles em geral não tiveram contato com as novas abordagens científicas da Educação Física escolar.

    Mais recentemente, outro autor reforça essa tese. Gonzalez (2006) que, em suas pesquisas cotidianas com os professores de Educação Física, apontou que na realidade escolar ainda há um hiato entre aquilo que se propõe na universidade e o que acontece nas aulas de Educação Física.

    Betti (2010) foi um dos elaboradores da proposta SEE/SP (2008) para a disciplina de Educação Física. O autor ressalta que os avanços acadêmicos da Educação Física alcançaram de modo tímido as práticas educativas no ambiente escolar. Conforme esse autor, nos últimos anos, os Estados de Minas Gerais, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul implementaram currículos, mais ou menos unificados, para suas respectivas redes escolares públicas. As tais propostas ou referenciais curriculares são caracterizados pela definição de diretrizes didático-metodológicas e conteúdos para a disciplina de Educação Física nos níveis de ensino fundamental e médio, as quais incorporam, em algum grau, as novas concepções teórico-metodológicas da Educação Física escolar.

    Ao elencar algumas das dificuldades dos professores de Educação Física diante da aplicação das novas propostas no contexto escolar, Darido et. al. (2010, p. 456) apontam que

    (...) as condições do contexto do trabalho, na maioria das vezes mais tradicional que a formação do professor, os baixos salários, as sucessivas mudanças política, além de uma formação nem sempre adequada acabam dificultando a implantação de novas propostas.

    Gaspari et. al. (2006) realizaram uma pesquisa com 21 professores de Educação Física atuantes no Ensino fundamental e Ensino Médio, onde os professores manifestaram que ressentem da falta de material didático especifico da área de Educação Física, no sentido de lhes auxiliarem na aplicação das novas abordagens na escola. Impolcetto et. al. (2007), afirmam que a Educação Física “carece” de uma sistematização e organização dos conteúdos, além de materiais didáticos que auxiliem os professores na implantação das tais abordagens renovadoras.

    Gimeno Sacristán (2000, p. 149) ao posicionar-se sobre a forma que os elaboradores (especialistas) recorrem para implantarem as inovações pedagógicas argumenta que

    “a debilidade da profissionalização dos professores e as condições pela qual desenvolvem seu trabalho fazem com que os elaboradores das inovações usem como dispositivos os meios didáticos, e estes, acabam se tornando os autênticos responsáveis da aproximação das prescrições curriculares aos professores

    No caso da Educação Física, Darido et. al. (2010), afirmam que essa disciplina carece de materiais didáticos que sistematizem e organizem os conteúdos. Reforça a autora e seus colaboradores que a tal carência torna-se uma dificuldade extra ao professor para implantar os avanços da área, e que “nesse sentido, é papel da comunidade cientifica e acadêmica envidar esforços no sentido da elaboração, construção e avaliação de materiais didáticos no interior da Educação Física na escola” (DARIDO et. al, 2010, p. 456).

    Como se pode notar, alguns autores da Educação Física conclamam a necessidade de materiais didáticos, uma vez que, acreditam que os tais materiais auxiliarão na implantação das novas tendências da Educação Física escolar pelos professores. Diante desse quadro, notificamos que há duas vertentes. Por um lado, há uma vertente que aponta os efeitos “negativos” das propostas elaboradas e sistematizadas externamente ao contexto escolar, uma vez que, apontam para princípios da racionalidade técnica4. Por outro, vale atentarmos para o que nos aponta Laville (1998). Ao mencionar sobre uma reforma de programa curricular realizada pala disciplina de História na década de 80 no Canadá, o autor afirma que os professores aceitaram as idéias contidas no novo programa, mas recusaram aplicá-lo enquanto não houvesse material didático disponível. Dessa forma, o autor afirma que “(...) talvez revele também um problema de formação dos professores, pois os princípios sobre os quais se baseiam os novos programas são pouco conhecidos dos docentes” (LAVILLE, 1998, p. 121).

    Entremeio a essa discussão, o que nos torna pertinente aqui, é entender a forma de aplicação do conteúdo Lutas presente na proposta SEE/SP (2008), além de buscar entender a “relevância” de uma proposta que “visa subsidiar” os professores em suas “carências” formativas frente às novas tendências da área, e que, a busca por tal renovação está recortada na implantação de uma proposta - nesse caso da SEE/SP (2008) - para a disciplina de Educação Física.

    Diante desse quadro, vislumbra-se nessa pesquisa, um olhar mais preciso sobre os professores, suas possibilidades e dificuldades frente às propostas estabelecidas pelos órgãos superiores, e nesse caso específico, entender suas práticas na quando no momento da aplicação do conteúdo Lutas presente na proposta da SEE/SP (2008).

Método

    O método utilizado para a coleta de dados foi por meio de entrevistas. Conforme Selltiz et al. (1974), as entrevistas apresentam algumas vantagens: a maior flexibilidade, já que a entrevista possibilita uma melhor exploração; a possibilidade de corrigir possíveis enganos dos informantes, tendo o entrevistador à função de ajudar na compreensão das perguntas, tornando-as assim mais profundas e duráveis, fatores esses que auxiliam na coleta de dados; além de permitir que o pesquisador “se aproxime das diferentes pressões sociais pelas quais os sujeitos são submetidos, pois o pesquisador pode, dentro de certos limites, variar a natureza da atmosfera, ao apresentar suas perguntas” (p.273).

Procedimentos metodológicos

    Como instrumento de coleta de dados utilizamos entrevistas semi-estruturadas5 com um conjunto de questões previamente definidas com 2 professores atuantes na Diretoria de Ensino da Região Campinas Oeste (DERCO), que nunca tiveram contato e experiências com o conteúdo Lutas, com a intenção de buscar indicadores da forma como os professores aderiram ou não aderiram o conteúdo Lutas nas suas práticas cotidianas na escola, das dificuldades e possibilidades encontradas, dos pontos positivos e negativos percebidos, da relevância desse material para a sua prática pedagógica.

    A justificativa pelo número de 2 professores se dá em torno do enfoque do estudo que buscará verificar como os professores em diferentes estágios de vida profissional manifestam lidar com o conteúdo lutas, presente na proposta da SEE/SP (2008).

    Autor que tem sido referencia nessa temática, Huberman (1992) apresenta suas investigações, a respeito do ciclo de vida de professores que iniciaram no magistério por volta de 1971 e que se orientaram no sentido da docência propriamente dita por volta de 1979 (HUBERMAN e SCHAPIRA, 1986), estruturando a carreira docente em cinco fases, que vão do início da docência (fase de exploração e de estabilização) até o fim da carreira profissional (fase de desinvestimento).

    Cavaco (1991), ao estudar o desenrolar da vida pessoal e profissional de docentes portugueses, e Gonçalves (1992), ao tentar conhecer o processo segundo o qual se constrói a carreira dos professores do ensino primário em Portugal, também investigam os estágios da vida profissional, baseados nos estudos de Huberman.

    No que tange à Educação Física, no Brasil, em minha dissertação de mestrado, Fernandes (2009), tive como objetivo investigar as manifestações dos professores de Educação Física atuantes nas séries iniciais do ensino fundamental da rede pública estadual paulista, acerca da proposta pedagógica elaborada pela SEE/SP (2003), na qual me baseei na classificação de Hubermann (1992) para a seleção dos sujeitos de pesquisa. Em sua pesquisa, Gori (2000) investigou o processo de inserção de 4 professores iniciantes de Educação Física na escola, analisando suas dificuldades, facilidades, bem como os recursos dos quais eles utilizam para construir sua prática docente. Como enfoque para a classificação dos sujeitos, a autora recorreu às categorias estabelecidas por Huberman (1992).

    Existem teóricos que não concordam, em sua totalidade, com as teorias expostas por Huberman (1992), pois não aceitam a divisão de momentos estratificados na carreira docente, como argumenta o autor. No entanto, as categorias utilizadas na pesquisa do ciclo de vida dos professores foram retiradas dos estudos do ciclo de vida individual, na tentativa de avaliar se essas características serviriam para análise de uma população específica, hipótese que foi confirmada. Huberman (1992) optou pelo estudo da carreira como processo, com a finalidade de entender como o desenvolvimento pessoal interfere nas organizações e são por elas influenciadas.

    Huberman (1992) classifica as fases da carreira docente da seguinte maneira: 1ª fase: entrada na carreira, caracterizada pela sobrevivência versus a descoberta (de 1 a 3 anos); 2ª fase: estabilização, caracterizada pelo comprometimento definitivo com a docência como profissão (de 4 a 6 anos); 3ª fase: diversificação, quando ocorre quebra da rigidez pedagógica e o professor parte para experimentações e questionamentos (de 7 a 25 anos); 4ª fase: serenidade, que é um distanciamento afetivo devido ao tempo de trabalho; e conservadorismo, que é um distanciamento com lamentações frente à profissão (de 25 a 35 anos) e 5ª fase: Desinvestimento, quando o docente se afasta da profissão (de 35 a 40 anos).

    Sendo assim, a pesquisa que apresentaremos buscou entender como 2 professores de Educação Física em diferentes estágios de vida profissional – 1 na 1ª fase - entrada na carreira caracterizada pela sobrevivência versus a descoberta com 2 anos e meio de experiência docente, e outro na 3ª fase – diversificação, quando ocorre quebra da rigidez pedagógica e o professor parte para experimentações e questionamentos com 8 anos e meio de experiência docente - aplicaram ou aplicam o conteúdo Lutas presente na proposta SEE/SP (2008).

    Para melhor identificação, eles serão aqui nomeados como PE (professor experiente) na fase 3 – diversificação - , enquanto o outro professor será tratado como PI ( professor na fase de entrada na magistério).

    Segundo Ludke e André (1986, p.50), a garantia do sigilo das informações constitui-se num problema ético com o qual o pesquisador deve saber lidar, sendo que “uma medida geralmente tomada para manter o anonimato dos respondentes é o uso de nomes fictícios no relato”. Os dados dos sujeitos entrevistados foram coletados durante o mês de julho do ano de 2010. No Quadro 1 apresenta-se uma melhor identificação dos 2 sujeitos entrevistados:

Quadro 1. Perfil dos sujeitos entrevistados

Professores

Sexo

 

Ano de Formação

Inicio de Docência

Instituição de Formação

Formação Continuada

Lato Sensu/ ano

Situação Funcional

Acumula Funções

Carga Horária 6º ano ao 3º ano do EM

Carga Horária Total

PI

M

2006

2008

PUC/CAMPINAS

SIM - 2008

EFETIVO

NÃO

6

32

PE

M

1997

2001

TOLEDO

NÃO

OFA

NÃO

8

32

    Outro fator pela qual privilegiamos na escolha dos sujeitos foi o fato de não serem praticantes de nenhuma modalidade de Lutas, uma vez que, coadunamos com as proposições de Borges (1998) quando a autora afirma que os professores acabam ensinando alguns conteúdos pelos quais eles vivenciam ou vivenciaram durante sua vida. Sendo assim, a nossa escolha pelos sujeitos esteve pautada no intuito de entender a forma que esses professores que não possuem experiência anterior qualquer referente à modalidade Lutas, lidaram com a aplicação desse conteúdo na escola.

As manifestações dos professores sobre suas práticas

    Os professores foram inicialmente instigados a se manifestarem sobre a proposta de uma forma geral. Alguns fatos nos chamaram a atenção, a saber: os professores consideraram a proposta SEE/SP (2008) boa no sentido de sistematização dos conteúdos, mas reclamam da falta de materiais e capacitação para colocá-la em prática

    A proposta do Estado tem dois lados. De um lado, falando assim mesmo para você eu acho que na realidade a proposta é boa... boa porque? Porque ela dá um caminho para a gente seguir, assim ninguém fica perdido. Mas também tem o lado ruim... por exemplo: falta material, falta capacitação né? Acredito que se tivessem mais materiais na escola e uma capacitação para a gente seria mais fácil, por quê? Porque a maioria das nossas escolas nós não temos é... material, é... você não tem material nem espaço físico né?(...) Na realidade a proposta é boa... boa porque? Porque ela dá um caminho para a gente seguir, assim ninguém fica perdido (PE)

    Na realidade é o seguinte. Eu acho que todo o profissional tem que ter a ciência de que a proposta foi um avanço, pelo menos no que diz respeito a uma padronização, porque a experiência que a gente tinha pelo menos nos comentários de que cada escola que você chegava o professor trabalhava de uma forma ou de outra e você tinha que se adaptar a esse contexto. A proposta ela teve uma unificação de procedimentos, mas eu visualizo aí nela algumas falhas, como por exemplo: como você trabalhar badminton e tênis na escola sem você ter uma formação para trabalhar esses conteúdos. Na medida do possível eu tento trabalhar dentro da proposta, agora efetivamente eu tenho muita dificuldade para isso. (...) eu vejo a proposta sobre duas óticas. Enquanto proposta para ordenação de procedimentos perfeito, pois eu me encontro hoje apto a chegar em uma outra escola e saber exatamente o que foi trabalhado no ano anterior e de onde eu sigo. Só que, por outro lado, eu me encontro totalmente inapto para desenvolver determinadas vivências que estão presentes na proposta. E outra coisa também é a falta de material. Você sabe que a gente tem escolas que não têm nem uma bola de plástico para dar uma bola queimada, e daí aparece uma proposta para a gente trabalhar isso, aquilo (PI).

    As manifestações dos professores embora com expressões diferentes acabam tendo apontamentos convergentes, mais especificamente no que diz respeito à significância que dão à homogeneização curricular de um lado, e as dificuldades da aplicação dos conteúdos por outro lado.

    Se os professores manifestaram que têm dificuldades na aplicação dos conteúdos quando os professores foram questionados sobre o conteúdo Lutas, os seus discursos relataram a forma que lidam com a dificuldade de trabalhar com esse conteúdo. Os professores se manifestaram da seguinte forma:

    Olha... eu nunca vivenciei nenhuma Luta nem em minha formação, e daí que eu te falo que tem um ponto muito negativo da proposta do estado, por quê? Porque a gente não foi capacitado nem pela faculdade, nem pela proposta, nem pela Diretoria de ensino a gente não foi capacitado para trabalhar Lutas, é... simplesmente eu acho que cada professor acaba se ajeitando como pode e daí dá o que consegue para os alunos. Eu pessoalmente acabo trabalhando mais o parte teórica mesmo, por quê? Porque eu acho muito difícil trabalhar tudo que está proposta lá, então você sabe o que eu faço? Eu dou uma pincelada na parte teórica (...) as vivências eu acabo não trabalhando devido à dificuldade que eu te falei (PE).

    Olha o que acontece realmente é que as Lutas eu estou trabalhando mais no campo teórico, eu acabo ficando nas regras, no histórico, na origem das Lutas (...) Nas vivencias... olha aí eu empaco rsrs... acaba ficando meio teórico mesmo... no máximo que eu já consegui realizar até hoje foi o que aconteceu comigo no ano passado, quando um amigo meu da época de faculdade foi lá e fez uma pequena palestra para os alunos, colocou um kimono, adaptou um espaço lá da quadra e apresentou alguns golpes para os alunos. Eu me lembro que ele pegou até uns alunos maiores para usar como sparing rsrs... para demonstrar alguma coisa, mas não teve nenhuma seqüência didática pedagógica entendeu? Mas se deixasse para mim mesmo... não sairia nada de ordem prática (PI).

    Os depoimentos dos professores nos trazem algo relevante no que diz respeito à forma em que se organizam para realizaram suas práticas, ou seja, quando não se sentem hábeis para ensinar determinado conteúdo, eles recorrem à mera explicação de conceitos, mas não dão as vivências. Essa forma dos professores se organizarem nos traz um paradoxo para a área da Educação Física, pois conforme Darido e Rangel (2005) a Educação Física traz consigo uma tradição ligada ao fazer e a pouca consistência teórica e didática. No entanto, o fato desses professores estarem “fazendo a inversão” do que a área traz historicamente como um fato, não quer dizer que isto é um avanço, pois essa foi “a saída” que encontraram para a aplicação de um conteúdo que não conseguiram trabalhar no cotidiano escolar.

    Dessa forma, podemos entender que para os 2 professores entrevistados a proposta SEE/SP (2008) apresenta duas vertentes: de um lado, os 2 professores entendem que ela é um material relevante na organização e sistematização dos conteúdos. Por outro lado, as manifestações dos professores deixaram claro que somente com a proposta SEE/SP (2008) não se sentiram seguros para aplicar o conteúdo Lutas, uma vez que, ambos manifestaram trabalhar apenas conceitos, não aplicando as vivências.

Considerações finais

    As manifestações dos professores nos apontam que estamos diante de uma lacuna entre o que há na proposta SEE/SP (2008) e o que os professores realizam na escola. Sabe-se que a SEE/SP criou o curso intitulado “A rede aprende com a rede” no formato a distância. No entanto, os 2 professores entrevistados, manifestaram que não ficaram sabendo do tal curso.

    Uma das possíveis formas apontadas pelos 2 professores entrevistados que os auxiliariam na aplicação do conteúdo Lutas presente na proposta SEE/SP (2008) seria através da capacitação. Coadunando com as manifestações dos professores, Torres (1998) alerta-nos que a capacitação em formato de formação continuada em serviço é de suma importância no campo educacional.

    Longe de desconsiderar a relevância da proposta SEE/SP (2008), nem tampouco às intenções daqueles que a elaboraram, o que as manifestações desses 2 professores em diferentes estágios de desenvolvimento profissional nos indicam é que, quando se quer que algo torne-se realmente um conteúdo pedagógico a ser tratado na escola, não se trata de somente elaborar propostas sistematizadas. Para que a real implantação ocorra, não devem ser desconsideradas outras facetas que estão inevitavelmente imbricadas com as práticas educativas, a saber: condições de trabalho (materiais, espaço físico, quantidade de alunos), salários, além de formação continuada em serviço.

    Em Fernandes (2009), apontamos que para a implantação de qualquer inovação no campo educacional a capacitação em serviço torna-se relevante, pois parece haver certo consenso de que existe uma lacuna entre as prescrições teóricas e as práticas docentes. Reiteramos ainda que a formação em serviço pode auxiliar para que a tal lacuna seja de alguma forma senão acabada, ao menos diminuída. E, no caso especifico do conteúdo Lutas para os 2 professores investigados, ficou claro que os professores aclamaram por uma formação no sentido de auxílio para a aplicação do tal conteúdo.

    Sem nenhuma pretensão de propor generalizações para outros contextos, o presente trabalho nos indica que mesmo com todo discurso renovador, os professores de Educação Física ainda tem dificuldades para tratar determinados conteúdos que “fogem” dos conteúdos tradicionais. Os apontamentos nos mostram que estamos diante de uma lacuna entre as proposições teóricas e práticas pedagógicas na escola. Uma das possíveis saídas são por meio dos órgãos gestores de ensino, como as secretarias municipais e estaduais de educação por meio da formação continuada em serviço para os professores - e nesse caso, não só os de Educação Física, mas todas as disciplinas.

    No entanto, o que temos visto atualmente na SEE/SP é que suas políticas educacionais estão arraigadas num discurso “retrógado” da busca pela qualidade na educação, uma vez que se esquecem – ou fingem esquecer - da enorme amplitude que compõe o contexto educacional. Dessa forma, elaboram e implantam propostas curriculares como a única forma de melhorar a qualidade da educação, e, por conseguinte, deixam com os professores a missão de colocar as inovações em prática, reforçando dessa forma a lacuna entre o proposto e as práticas cotidianas dos professores na escola.

Nota

  1. A secretária Maria Helena Castro Guimarães exerceu essa função até abril de 2009. Seu sucessor no cargo foi Paulo Renato de Souza.

  2. Basearemos-nos aqui na classificação de Darido (2003). A autora aponta que na busca de romper com os moldes tradicionais, surgem várias abordagens, entre as quais algumas com enfoque mais Psicológico (Psicomotricista, Desenvolvimentista, Construtivista e Jogos Cooperativos), outras com enfoque mais sociológico e político (Crítico - superadora, Crítico - emancipatória, Cultural, Sistêmica, e baseada nos PCN), e outras, ainda, com o enfoque biológico, como a da Saúde Renovada.

  3. Vale ser ressaltado que aqui não temos nesse texto o intuito de esclarecer qual a concepção de Educação Física a proposta SEE/SP (2008) está atrelada, nem de criticar ou defender essa ou aquela concepção de Educação Física escolar.

  4. Alguns autores como Lima (2003) e Contreras (2002) argumentam que a racionalidade técnica se dá quando os indivíduos são submetidos à obrigação da aplicação e execução de algo sem participar de sua elaboração. E nesse caso, os autores ressaltam que as propostas elaboradas externamente apontam para a racionalidade técnica do trabalho docente.

  5. O roteiro de perguntas que foi utilizado na entrevista.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 154 | Buenos Aires, Marzo de 2011
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