A prática do judô e os benefícios para formação dos esquemas corporais La práctica del judo y los beneficios para la formación de los esquemas corporales |
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Especialista em Exercício físico aplicado à reabilitação cardíaca e a grupos especiais. Universidade Gama Filho Especialista em Ensino da Educação Física Universidade Federal do Rio Grande do Norte |
Ana Kamily de Souza Sampaio Fonseca (Brasil) |
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Resumo O presente estudo consistiu em uma revisão bibliográfica buscando a relacionar os benefícios da prática do Judô na formação dos esquemas corporais. Os movimentos envolvidos na prática do Judô como ukemis (quedas), nages (projeções), shisei (posturas), shintai (movimentação sobre o dojô) e kumi-kata (pegadas), favorecem o desenvolvimento do controle tônico e postural, lateralidade e estrutura espaço-temporal, que são elementos dos esquemas corporais. Sendo assim, o Judô propicia a formação dos esquemas corporais favorecendo o desenvolvimento cognitivo, perceptivo e motor dos seus praticantes. Unitermos: Judô. Esquemas corporais. Comportamento motor.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 154, Marzo de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Esquemas Corporais
Segundo Le Boulch (1983), esquema corporal é a representação que cada um faz do seu próprio corpo e que lhe serve de ponto de referência no espaço. Ou seja, esquema corporal nada mais é que o conhecimento corporal, a consciência do indivíduo em relação a seu próprio corpo, seja considerando altura, largura, envergadura e ocupação no espaço de seu corpo em partes, ou como um todo.
A noção do esquema corporal, segundo Núñez (1994), serve para que o indivíduo organize todas as sensações relativas a seu corpo em relação ao mundo exterior, principalmente no que diz respeito ao tato, visão e propriocepção, tanto no estado de repouso quanto em movimento. O autor afirma ainda que é através dessa consciência corporal que o ser humano se torna capaz de elaborar voluntariamente os gestos antes de executá-los, controlando e corrigindo os movimentos.
Ao contrário do que se imagina, o esquema corporal não se restringe à imagem do corpo. Ele é formado por um grupo de elementos, que consiste no conhecimento dos limites do nosso corpo o espaço (morfologia), das nossas capacidades motoras (agilidade, rapidez, etc.), das nossas possibilidades de expressão através do corpo (atitudes, gestos, mímicas, etc.), assim como na percepção das diferentes partes do corpo, no conhecimento dos diferentes elementos corporais e nas possibilidades de representação que temos do nosso corpo (tanto mental quanto gráfica).
Os esquemas corporais envolvem elementos associados ao controle tônico e postural, lateralidade e estruturação espaço-temporal. Esses elementos serão discutidos a seguir, assim como, as implicações positivas da prática do Judô na formações dos esquemas corporais.
O controle tônico e postural
Segundo Núñez (1994), o tônus muscular consiste em um estado constante de ligeira contração, no qual se encontram os músculos estriados, servindo de base para a movimentação e a manutenção da postura.
Para que possamos realizar um movimento corporal, seja qual for, é necessário a participação da musculatura corporal. O controle dessa musculatura á indispensável para a execução de qualquer ato motor voluntário. Para que se possa adaptar os movimentos voluntários para um determinado objetivo, é preciso que haja uma aprendizagem, sem a qual não poderíamos atuar sobre o mundo exterior.
Para desenvolver o controle da tonicidade, é importante que as crianças passem por atividade que tendam a lhes proporcionar o máximo de sensações possíveis do seu corpo, em diversas posições, em atitudes estáticas ou dinâmicas, e com diversos graus de dificuldade, utilizando vários níveis de tensão muscular.
O Judô é uma excelente atividade para proporcionar controle tônico. Nele são utilizados exercícios em diferentes posições como em pé, sentado, de cócoras, deitado, além das diversas movimentações do corpo no espaço, trabalhadas nos ukemis, por exemplo. Além disso, o controle tônico consiste também na capacidade de relaxamento corporal, que é extremamente importante quando o judoca está sendo projetado, por exemplo, e precisa estar relaxado para fins de evitar acidentes.
O controle da postura, e o equilíbrio como forma habitual de manter esse controle são uns dos elementos que configuram o esquema corporal. De acordo com Núñez (1994), a postura é uma posição de um corpo, ou de uma parte dele, que serve para a ação de um fato que pode desencadear uma seqüência de movimentos, cujo final é um estado.
A postura é mantida pelo tônus muscular e se relaciona com o corpo; o equilíbrio é o ajuste postura e tônico, que se relaciona principalmente com o espaço. Ambos estão visivelmente presentes na prática do Judô, como quando um judoca projeta seu adversário, por exemplo, e precisa manter sua postura, conseguindo equilibrar-se de maneira segura para evitar sua queda junto ao seu adversário. O mesmo acontece quando ele tenta impedir que seu adversário consiga quebrar sua posição de equilíbrio, impedindo que este lhe aplique uma projeção.
A lateralidade
Nos primeiros meses de vida, a criança é ambidestra, ou seja, tem habilidade com as duas mãos. A definição final da só irá ocorrer entre os 6 e os 8 anos. Muito antes disso, porém, a criança já começa a mostrar certa preferência pelo uso de uma das mãos.
Quem comanda a lateralidade é o cérebro. Cada um de seus dois lados controla os movimentos da parte oposta do corpo. Assim, a mão e o pé esquerdos são acionados pelo hemisfério cerebral direito, e vice-versa. Nos destros, o hemisfério dominante é o esquerdo, enquanto nos canhotos é o direito. Apesar disso, ela também pode ser influenciada pelos hábitos sociais, dessa forma constitui um elemento importante da adaptação psicomotora.
Outro ponto importante a respeito da lateralidade é que, apesar de inata, a preferência por uma das mãos, por um dos pés ou por um dos olhos (sim, embora muita gente não saiba, também temos um olho dominante) vai se instalando progressivamente. A dominância de uma das mãos, para Le Boulch (1982), inicia-se a partir dos dois anos de idade, durante um período denominado por ele como “discriminação perceptiva”, que se elabora na criança a predominância lateral, contudo porem, a lateralidade só pode ser definida na criança, após os cinco anos de idade.
Para Coste (1981), a dominância lateral só se desenvolverá “a partir do momento em que os movimentos se combinam e se organizam numa intenção motora” (p. 64), impondo-se dessa forma, a lateralidade por intermédio das experiências e da complexidade dos movimentos vividos pela criança.
Com efeito, a lateralização participa em todos os níveis de desenvolvimento da criança, só se instalando definitivamente após a criança ter passado etapas de processo de desenvolvimento: a montagem do esquema corporal, que organiza as percepções totais, visuais e os movimentos coordenados; e a estrutura espacial que ajuda a criança a discriminar a sua direita e esquerda, frente-trás, por meio das percepções de espaço adquiridas no seu movimentar-se cotidiano.
Não deve-se confundir lateralidade e conhecimento “direito-esquerdo”, uma vez que a primeira é a dominância de um lado em relação ao outro, enquanto o conhecimento direito-esquerdo é domínio dos termos “direito” e “esquerdo”. O conhecimento “esquerda-direita” decorre da noção de dominância lateral. É a generalização da percepção do eixo corporal, a tudo que cerca a criança, esse conhecimento será mais facilmente apreendido quanto mais acentuada e homogênea for à lateralidade da criança. Com efeito, se a criança percebe que trabalha naturalmente “com que mão”, guardará sem dificuldade que “aquela mão” é esquerda ou direita.
Um ponto interessante quando se trata de lateralidade e aprendizagem motora é a transferência bilateral de aprendizagem, um fenômeno que “demonstra nossa capacidade de aprender uma determinada habilidade com mais facilidade usando uma das mãos ou um dos pés, depois de já termos aprendido habilidade coma mão ou o pé oposto” (MAGILL, 2000, pág.176).
A transferência bilateral de aprendizagem pode ocorrer no sentido do membro preferido para o não preferido ou vice-versa. Existe uma questão intrigante que envolve tais direções. Alguns autores, como Magill (2000), por exemplo, defendem que a transferência acontece em maior quantidade quando o membro de precedência é o membro preferido, levando em consideração a motivação. Ele afirma que a prática inicial do membro preferido tem uma grande probabilidade de levar a tipos de sucesso que encorajarão a pessoa a continuar a perseguir a meta da competência no desempenho da habilidade. Por outro lado, o autor destaca que existem autores que defendem que a transferência é maior quando se tem o membro não preferido como precedente; esta hipótese é justificada através da afirmação de que se foi possível a aprendizagem com o membro não preferido, será mais fácil de se aprender com o preferido. Porém, não há provas concretas de que uma das duas teorias é melhor que a outra
Na prática esportiva, o desenvolvimento bilateral é um aspecto importante do processo de aprendizagem, e promover esse desenvolvimento é responsabilidade do profissional de Educação Física, como também possibilitar a transferência bilateral no processo de aprendizagem motora.
De acordo com Schmidt (2010), a transferência é uma noção particularmente importante para professores preocupados com o planejamento da prática e com a eficácia da aprendizagem. Ensinar para a transferência, ou organizar a prática e a instrução para facilitar a transferência de aprendizagem é um importante objetivo para a maioria dos programas instrucionais.
Dentro do Judô, a dominância lateral definirá o lado mais eficiente do judoca para a aplicação das técnicas, e a prática dos ukemis poderá ajudar a desencadear melhor o processo de conhecimento direito-esquerdo.
É fácil perceber que um judoca que passou por um bom processo de desenvolvimento bilateral, e por um trabalho qualificado de transferência bilateral de aprendizagem, terá maior destaque entre os demais, uma vez que terá condições de aplicar as técnicas das formas mais variadas e imprevisíveis o possível.
A estrutura espaço-temporal
A estruturação espaço-temporal resulta da integração de uma estrutura temporal e de outra espacial e que estão relacionadas às percepções auditivas, visuais e proprioceptivas. Ela surge durante os movimentos e quando da relação com os objetos e pessoas distribuídos pelo espaço, onde ocorrem as experiências com a lateralidade, com a equilibração e da percepção que o indivíduo tem de seu corpo.
Estruturação espacial é a maneira como a criança se localiza no espaço e como situa os outros e as coisas, umas em relação às outras. Uma das etapas da estruturação espacial é a orientação espacial, é saber orientar-se, ir para frente, trás, direita e esquerda, para baixo, para cima etc., e por isso a dominância lateral é de grande importância.
A orientação ou estruturação temporal é a capacidade de situar-se em função da sucessão dos acontecimentos (antes, após, durante), da duração dos intervalos (noção de tempo longo e curto, noção de cadência rápida e lenta). É exercitada no protótipo quando a criança precisa prever os passos para executar uma atividade, ou quando deve associar materiais a determinadas situações , ou ainda quando precisa trabalhar com intervalos, fazer contas matemáticas
A estrutura espaço-temporal é extremamente visível na prática do Judô, como, por exemplo, no treinamento dos ukemis, onde o judoca deve coordenar o momento exato as sua queda com a batida das mãos no tatame, um ato importante para a manutenção da segurança, impedindo que o aluno se lesione..
Como o Judô é um esporte que exige um rapidez de reação, desenvolve-se, então uma coordenação motora automática e ritmada. O randori, uma das formas de treinamento do Judô, condiciona esse automatismo. Dessa forma, os judocas são capazes de reagir imediatamente a qualquer ataque, evitando que este seja completado, e mantendo seu estado de segurança.
Considerações finais
Na prática de modalidades como o Judô o esquema corporal é extremamente importante. É através dele que o aluno será capaz de realizar uma prática segura, uma vez que terá conhecimento de seus limites e capacidades, evitando que machuque a si mesmo e a seus companheiros. A partir do conhecimento das partes do corpo, o judoca poderá realizar as técnicas utilizando estratégias que o ajudarão a ter bom desempenho na aplicação dos golpes.
Com a prática dos fundamentos do Judô, que consiste nos ukemis (quedas), nages (projeções), shisei (posturas), shintai (movimentação sobre o dojô), kumi-kata (pegadas), o judoca irá aprimorar o controle tônico e postural, a lateralidade e a estrutura espaço-temporal, que são elementos dos esquemas corporais. O desenvolvimento desses elementos auxiliará no domínio do corpo e controle das ações, com implicações positivas também no desenvolvimento cognitivo, perceptivo e motor dos seus praticantes.
Referências
COSTE, Jean-Claude. A Psicomotricidade. Paris: Presses Universitaries de France, 1981.
LE BOULCH, Jean. Curso de psicomotricidade. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 1983.
LE BOULCH, Jean. Desenvolvimento psicomotor – do nascimento até os seis anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
MAGILL, Richard A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. São Paulo, Edgard Blücher, 2000.
NÚÑEZ, Juan Antonio G. e BERRUEZO Pedro Pablo. Psicomotricidad y educación infantil. Madrid: CEPE, 1994.
SCHMIDT, R. A. Aprendizagem e performance motora: dos princípios à prática. São Paulo: Artmed, 2010.
STANLEY, Virgilio. A Arte do Judô. 2.ed. Campinas: Papirus, 1986.
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