A avaliação da execução da saída de bloco: uma reflexão sobre a teoria e a prática a partir de um estudo de caso La evaluación de la ejecución de la salida del bloque de partida: una reflexión sobre la teoría y la práctica a partir de un estudio de caso |
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Universidade Federal do Paraná Centro de Estudos de Comportamento Motor (CECOM) Curitiba, Paraná (Brasil) |
Vanessa Zadorosnei Rebutini Dr. André Luiz Félix Rodacki |
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Resumo As aula de natação e as sessões de treinamento são guiadas por profissionais que normalmente dispõe de poucos meios para realizar avaliações. Os referenciais bibliográficos existentes fornecem padrões que, muitas vezes, são erroneamente aplicados porque não houve uma avaliação confiável que forneça dados comparáveis, ou porque não houve a devida observação das características do avaliado em relação à população avaliada nos estudos utilizados como referência. A tentativa de aproximar dados de referência obtidos por estudos anteriores pode ser válida quando a avaliação retorna valores comparáveis, isentos da subjetividade presente na observação pura. Portanto, para tentar averiguar a aplicabilidade da aproximação dos resultados obtidos aos alunos e atletas, este estudo compara as execuções de dois atletas em situação distintas (início de treinamento e anos de prática) utilizando dados obtidos pela cinemetria e pela observação, tentando estabelecer relações com a literatura. Unitermos: Natação. Saída de bloco. Cinemetria.
Abstract The swimming classes and training sessions are led by professionals who often have few resources to conduct evaluations. The existing bibliographic references provide standards that are often erroneously applied because there was not a reliable measure to provide comparable data, or because there was no proper observation of the characteristics evaluated in relation to the population assessed in the studies used as reference. The attempt to bring the reference data obtained by previous studies may be valid when the evaluation values comparable returns, free of subjectivity present in pure observation. So, to try to ascertain the applicability of the approximation of the results to students and athletes, this study compares the performances of two athletes in different situation (beginning of training and years of practice) using data obtained from kinematics and by observing, trying to establish relationships with literature. Keywords: Swimming. Block start. Kinematics.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 154, Marzo de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A saída de bloco é um componente relevante na natação, seja na aprendizagem ou na performance. Nas provas rápidas, em que a saída pode representar até um quarto do tempo total (MAGLISCHO, 2003), o treinamento da técnica e/ou das capacidades físicas pode auxiliar na melhora do desempenho. Para a aprendizagem, o uso de dicas (CAÇOLA & LADEWIG, 2005; PASETTO et al., 2006), a aplicação de trabalhos para o desenvolvimento global e a ludicidade (Gallahue & Ozmun, 2005; NAVARRO et al., 1990) representam as principais ferramentas de ensino deste fundamento da natação.
Geralmente, o desempenho de alunos e atletas é avaliado qualitativamente pelo profissional responsável pelo ensino do movimento (PALMER, 1990), seja em uma aula de aprendizagem ou em equipes de treinamento sem capacitação ou recursos para um conjunto de equipamentos de avaliação. Esta avaliação se dá sem a aplicação direta de um referencial qualitativo que nortearia a evolução do treinamento ou da aprendizagem do aluno, resultando em uma avaliação intuitiva e diversificada (GUEDES, 2004): pois se considerarmos as diferentes óticas de avaliação de cada professor ou treinador, encontraremos diversos parâmetros de referência para um mesmo movimento, gerando questões acerca da acuracidade da avaliação devido ao nível de preparação desses profissionais (GUIRRA & PRODÓCIMO, 2010).
Para a melhora do processo avaliativo das saídas, por exemplo, pode-se utilizar pontos de referência na piscina para tentar estipular a distância alcançada, como marcações nas raias, ou pensar nos parâmetros qualitativos descritos na literatura, que podem auxiliar relativa e insuficientemente a correção, como: a existência de movimento dos braços; o posicionamento da cabeça antes, durante o salto e na entrada na água; o correto posicionamento dos pés no bloco de partida, o melhor apoio para as mãos no bloco, entrada na água em apenas um ponto, etc. (MAGLISCHO, 2003). A apartir disso, há a tentativa de aproximar os movimentos executados, por alunos e atletas nas aulas ou treinos de natação, aos referenciais existentes por meio da observação. Isso nem sempre permite considerar detalhes ou fatores individuais em virtude da falta de acuracidade que a ferramenta da observação permite, fazendo-se necessário o uso de técnicas quantitativas.
Considerando a visão quantitativa, a cinemetria tem se mostrado uma ferramenta eficaz para a avaliação de parâmetros como os encontrados na saída de bloco, fornecendo referenciais mais acurados e valores de ângulos e trajetorias que determinam e/ou influenciam as saídas (BACA, 1999; ENOKA, 2008). Para os valores de ângulo de saída do bloco e de entrada na água, observa-se na literatura o referencia de 40° (MAGLISCHO, 2003). Quanto à trajetória, associa-se ao desenho de uma parábola: os valores de velocidade e aceleração são determinados pelos movimentos iniciais e pela influência da gravidade (TIPLER, 1995).
Os valores aqui descritos são uma generalização, não especificando fatores como a idade, o nível de aprendizagem do aluno ou o nível de experiência do atleta. Porém, os estudos que contribuem para estas especificações são realizados com atletas de alto nível: população considerada de melhor padrão de execução do movimento e que apresentam a melhor performance (DANTAS et al., 2004; COLANTONIO, 2007).
Portanto, para tentar averiguar a aplicabilidade da aproximação dos resultados obtidos aos alunos e atletas, este estudo compara as execuções de dois atletas em situação distintas (início de treinamento e anos de prática) utilizando dados obtidos pela cinemetria e pela observação, tentando estabelecer relações com a literatura.
Métodos
Uma criança-atleta (categoria infantil I; 1,48m; 2 anos de prática) e um atleta adulto (1,82m; 29 anos de prática) realizaram duas saídas do tipo grab start e realizaram nado crawl por 15m, com intervalo de 5 minutos entre as tentativas para evitar fadiga. As saídas foram realizadas na forma padronizada das rotinas empregadas em competições.
Figura 1. Diagrama do local de aquisição das imagens
Das duas filmagens realizadas, foi avaliada apenas a tentativa de melhor performance, segundo informação fornecida pelo próprio atleta. A posição do centro de massa (CM) foi quantificada por cinemetria bidimensional no plano sagital esquerdo (60Hz), manipulada no software SkillSpector segundo digitalização de marcadores corporais no hemi-corpo esquerdo, utilizada para calcular os deslocamentos vertical, horizontal e resultante.
Figura 2. Marcadores corporais utilizados para filmagem (Rodacki, 2010)
Para a determinação dos ângulos, utilizou-se de marcadores no quinto metatarso e ombro, quadril e processo estilóide da ulna: a reta em relação à horizontal entre os primeiros dois marcadores determinou o ângulo de saída de bloco, a reta entre os dois últimos, o ângulo de entrada na água. O participante adulto e os pais do menor leram e assinaram um termo de consentimento para a participação no experimento.
O método da observação foi realizado a partir dos vídeos adquiridos, sendo revisados quantas vezes os autores julgaram necessárias para as conclusões. Utilizou-se o software Excel para a manipulação e comparação dos dados.
Resultados
O atleta infantil I e o atleta adulto apresentaram, respectivamente: ângulo de saída 23° e 17°, ângulo de entrada 41°e 36°, deslocamento horizontal do CM 2,21m e 3,31m, deslocamento vertical do CM 1,3m e 0,97m. O deslocamento horizontal normalizado pela altura dos atletas, para efeito de comparação efetiva, resultou em 1,49 para o atleta infantil I e 1,82 para o atleta adulto.
Figura 3. Curvas relativas às trajetórias do CM na horizontal (ascendente) e na vertical (descententes)
O gráfico do deslocamento na vertical demonstra que ambos os atletas realizaram o movimento segundo as características de parábola, com contramovimento (leve abaixamento seguido de elevação do CM, antes da saída do bloco).
Pela observação das filmagens, ambos posicionaram corretamente os pés e o corpo no bloco e partida, apresentaram movimentos dos braços para auxiliar na propulsão e performance do salto, mantiveram a posição correta de cabeça (na saída: olhando para baixo; no vôo: cabeça entre os braços, olhando na direção da água) e isomeria corporal, descreveram uma trajetória aérea próxima a uma parábola e utilizaram um mesmo ponto para a entrada na água.
Discussão
Pelos valores dos ângulos obtidos e pela análise do comportamento do CM na trajetória vertical, nota-se que o atleta infantil I descreveu uma trajetória parabólica mais acentuada em relação ao atleta adulto, indicando relação com a menor distância percorrida: maiores ângulos de saída resultam em maiores ângulos de entrada, determinam uma descrição mais acentuada e menores deslocamentos horizontais quando comparados aos efeitos de lançamentos em ângulo ótimo (TILPER, 1995).
A trajetória descrita pelo atleta adulto confere com os achados da literatura que determinam que menores ângulos otimizam a trajetória, a entrada na água e a transmissão às outras fases dos nados (TAKEDA et al., 2009). Quando aos deslocamentos horizontais, considerados nos valores normalizados, relaciona-se a diferença ao fatores individuais: as capacidades físicas individuais de salto, como o tempo de experiência, treinamento e as variações maturacionais (Gallahue & Ozmun, 2005; COLANTONIO, 2007).
Quando comparar os valores obtidos aos existentes na literatura, ambos apresentaram menores valores para o ângulo de saída de bloco, mas concordaram quanto aos valores de ângulo de entrada na água (MAGLISCHO, 2003): o que pode ser considerado uma característia individual, indicativo de novas perspectivas e modelos de análise para o movimento ou que a generalização dos parâmetros não pode ser aplicada.
Ao analisar qualitativamente o movimento quanto aos dados obtidos por meio da observação dos vídeos, nota-se que em virtude da subjetividade, poucos elementos podem ser discutidos: não se pode definir a exata posição de pés, cabeça, braços, etc., mesmo que estes apresentem uma aparente conformidade com o referencial teórico. As características dos movimentos de saída de bloco são ricamente detalhados pela literatura (GUIMARAES & HAY, 1985; NAVARRO et al., 1990; PALMER, 1990; WILKE & MADSEN, 1990; BLANKSBY et al.,2002; MAGLISCHO, 2003), porém a interpretação e a análise destes dados na prática depende do profissional, ou seja: a partir da sua capacidade interpretativa e associativa, da base teórica e prática da modalidade, este determina as qualidades ou os ajustes a realizar (GUEDES, 2004; GUIRRA & PRODÓCIMO, 2010).
Os resultados aqui dispostos demonstraram uma divergência relevante quanto aos valores de ângulo de saída e diferentes trajetórias de CM: esses são passíveis de investigação pois os valores foram quantificados e comparados numérica ou graficamente com análises pré-existentes ou referenciais teóricos, ou seja, estão isentos da subjetividade do avaliador. A mesmas conclusões sobre a diferença na execução podem não ser notadas apenas pela observação: mesmo que o observador seja treinado, apenas a quantificação permite a proposição mais acurada de ajustes necessários para a melhora da execução do movimento, enquanto que a imprecisão da observação pode prejudicar a busca pela performance ideal em atletas ou interferir no refinamento de alunos.
Conclusão
A aproximação do referencial teórico pode resultar em benefícios quando os parâmetros avaliados são quantificados, ou seja, isentos da subjetividade do avaliador. Ainda nesta situação, faz-se necessária a investigação de casos particulares: quando os valores obtidos não estão de acordo com o referencial teórico conhecido, quando os avaliados não possuem características próximas as das populações avaliadas nos estudos utilizados como referência, etc.
Propõe-se então que os profissionais não utilizem apenas a observação e as referências teóricas como base para avaliação dos alunos e atletas, mas que sejam utilizados métodos como a cinemetria, que permitem uma reflexão válida sobre os dados obtidos e observem as particularidades dos avaliados em relação às bases teóricas ou estudos utilizados como parâmetros.
Bibliografia
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CAÇOLA, P. M.; LADEWIG, I. A utilização de dicas na aprendizagem da ginástica rítmica: um estudo de revisão EFDeportes.com, Revista Digital, Buenos Aires, mar. 2005, ano 10, n.82. http://www.efdeportes.com/efd82/gr.htm
COLANTONIO, E. Detecção, seleção e promoção de talento esportivo: Considerações sobre a natação. Rev. Bras. Ciência e Mov. 2007; 15(1): 127-135.
DANTAS, E.H.M.; PORTAL, M.N.D.; DOS SANTOS, L.A.V. Plano de expectativa individual: uma perspectiva científica para a detecção de talentos esportivos R. Min. Educ. Fís., 2004, v. 12, n. 2, p. 72-100.
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Gallahue, D. l.; Ozmun, j. C. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos São Paulo: Ed. Manole, 3ª edição, 2005.
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GUIMARAES, A., HAY, J. A mechanical analysis of the grab starting technique in swimming. International Journal of sport biomechanics. International Journal of sport biomechanics, 1985, n 1.
GUIRRA, F. J. S.; PRODÓCIMO, E.. Trabalho corporal na educação infantil: afinal, quem deve realizá-lo? Revista Motriz, jul./set. 2010, v.16, n.3, p.708-713.
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PALMER, M. A ciência do ensino da natação. São Paulo: Manole,1990.
PASETTO, S. C.; ARAUJO, P. F.; CORREA, U. C. Visual cues effects in the swim crawl learning to deaf students. Rev. Port. Cien. Desp., Oct. 2006, vol.6, no.3, p.281-293.
TAKEDA, TSUYOSHI, ICHIKAWA, HIROSHI, TAKAGI, HIDEKI, TSUBAKIMOTO. Do differences in initial speed persist to the stroke phase in front-crawl swimming? Journal of Sports Sciences, 2009, (27)13, 1449-1454.
TIPLER, P. Física para cientistas e engenheiros. Rio de Janeiro: LTC, v. 1, 3ª Ed, 1995.
WILKE, K; MADSEN, O. El entrenamiento del nadador juvenil. Buenos Aires, Argentina: Editorial Stadium, 1990.
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