Os desenhos animados na mídia televisiva: implicações para o imaginário infantil Los dibujos animados en la televisión: implicancias para el imaginario infantil |
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*Especialista em Met. do Ensino Superior – UNEB – BA Docente da Universidade Est. de Feira de Santana – BA **Licenciada em Ciências Biológicas – UCSAL – BA ***Especialista em Psicopedagogia – UCS - BA ****Licenciada em Pedagogia – UNEB – BA *****Mestra em Saúde Coletiva – UEFS – BA Docente da Universidade Est. de Feira de Santana – BA ******Mestra em Administração de Empresa – UE – ESPANHA Docente da Universidade do Estado da Bahia – BA *******Esp. em Met. do Ens. da Ed. Física – UNEB – BA Docente da Universidade do Estado da Bahia – BA |
Evódio Maurício Oliveira Ramos* Fabiana Sherine Ganem dos Santos** Glaucia Silva de Moura*** Sabrina Jordana Oliveira Pires de Aragão**** Sandra Regina Rosa Farias***** Telma Dias Silva dos Anjos****** Viviane Rocha Viana******* (Brasil) |
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Resumo O presente artigo pretende discutir as relações existentes entre os conteúdos midiáticos, mais especificamente a mídia televisiva e os desenhos animados no imaginário infantil, considerando a presença constante dessas mídias no cotidiano da criança. O trabalho traz uma breve discussão sobre a concepção de infância e o brincar, permitindo entender como os desenhos animados ajudam na compreensão e na re-invenção da realidade através do mundo da fantasia. Por fim, o texto discute o papel dos interlocutores, pais, professores e a instituição escolar, nessa relação das crianças com os conteúdos midiáticos, sugerindo possibilidades para o uso dessas ferramentas como mediação pedagógica. Unitermos: Ludicidade. Desenvolvimento infantil. Mídia Televisiva.
Abstract This article discusses the relationship between media content, specifically the television media and cartoons in the child's imagination, considering the constant presence of these media in everyday child. The paper gives a brief discussion about the concept of childhood and play, allowing to understand how the cartoons help in understanding and re-invention of reality through the world of fantasy. Finally, the paper discusses the role of partners, parents, teachers and learning institutions, that the children's relationship with the media content, suggesting possibilities for using these tools as pedagogical mediation. Keywords: Playfulness. Child development. Television Media.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 153, Febrero de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A temática deste artigo nasce do interesse e preocupação do grupo com questões referentes ao universo infantil, relacionadas à mídia televisiva e ao cotidiano da criança. O presente texto configura-se, portanto, em mais uma contribuição a produções que discutem uma das temáticas permeadas na disciplina Educação, Mídia e Vida Cotidiana, integrante do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade, ministrada pelos docentes Lynn Alves e Augusto César Leiro.
O grupo optou por aprofundar o debate no que tange aos desenhos animados, e utilizou como objeto deste estudo a reflexão acerca dos desenhos na mídia televisiva e suas implicações para o imaginário infantil, considerando a presença constante destes no cotidiano das crianças. Durante as discussões algumas questões surgiram à cena, tais como: Quais implicações têm os desenhos animados no imaginário das crianças? Como esses desenhos movimentam a relação com o consumo? Como as crianças absorvem os apelos anunciados pela mídia?
Ao falar da criança e da primeira etapa de vida do ser humano, a infância, faz-se necessário situar historicamente a concepção deste universo que foi tecida ao longo da história, a criança era vista como um adulto em miniatura, não se percebia uma caracterização do ser criança. “Não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido” (Áries, 1981). A partir destas ideias pode-se perceber que a criança não tinha espaço para expressar sua opinião, seu modo de ver o mundo. Sua percepção acerca das coisas não era reconhecida, sendo apenas validadas na fase adulta. O período em que era vista como “criança” de fato, que brincava que era paparicada, era justamente a fase que Ariès denominou de paparicação, justamente a etapa em que entra em cena as brincadeiras, parte integral do desenvolvimento infantil com relevância indiscutível para a vida das crianças.
Não obstante a este entendimento histórico foi retratado a relação do desenho animado com o imaginário infantil, a conexão destes com o desenvolvimento da criança ao estabelecer uma relação com o lúdico, com o faz-de-conta e a possibilidade de criar e recriar auxiliando na maturidade cognitiva da criança. No entanto, essa conexão também engendra outras implicações como a relação da criança e o trato mercado-consumo já que esta interlocução provoca reação direta no ambiente diário infantil.
Destarte, o artigo se organiza em três partes: Breve concepção de infância e a relação com o brincar; Desenho animado e imaginário infantil: implicações para o cotidiano da criança; O desenho animado e o trato mercado-consumo: faces da mesma moeda?
Durante as discussões e a partir do vídeo intitulado “A gente brinca de virar herói” apresentado na disciplina supracitada a equipe percebeu que a criança brinca com a tecnologia, com as cenas assistidas. Brincam de virar o herói do desenho, o Homem Aranha, o Batmam, de ter o poder do Ben 10 ou ainda de ser a princesa. Sendo assim, o desenho animado, objeto desta reflexão, movimenta o imaginário da criança, estimula a criatividade e ajuda no desenvolvimento cognitivo, suas características são atrativas ao público infantil, pois envolve com cores, movimento, aventura, suspense e fantasia presentes nos desenhos. Portanto, o desenho enquanto atrativo lúdico entendido nesta reflexão como aspecto que está imbricado na relação criança – mídia televisiva – desenho animado – imaginário – consumo.
Breve concepção de infância e a relação com o brincar
Este texto contempla, brevemente, as concepções de infância e criança ao longo da história na humanidade. Isto porque, ser criança na sociedade contemporânea é diferente, de ser criança nos períodos históricos anteriores, principalmente, no que se refere aos atrativos lúdicos existentes em cada época. Abordaremos a importância da brincadeira sob a luz de Piaget, Vygotsky, Friedmann, Bettelheim, dentre outros que, como aportes teóricos, nos possibilitam pensar a brincadeira como elemento de construção do imaginário infantil, uma filosofia de vida das crianças, além de um caminho para o desenvolvimento das suas potencialidades cognitivas, afetivas, criativas e sociais.
Há inúmeros estudos que resgatam as concepções de infância e criança na história da humanidade. Entretanto, ainda que a infância tenha existido desde os primórdios, considerá-la como categoria social só foi possível a partir dos séculos XVII e XVIII. Estudos baseados em Ariès (1981) e Cordeiro e Coelho (1993) comprovam que levou muito tempo para que os pesquisadores estudassem sobre infância, considerando a criança como sujeito histórico e de direitos.
Desde a sua gênese, a palavra infância carrega consigo o estigma da incapacidade, da incompletude perante os mais experientes, relegando-lhes uma condição subalterna diante dos membros adultos. Era um ser anônimo, sem um espaço determinado socialmente. (CORDEIRO E COELHO, 1993).
De fato, esse longo caminho entre a criança vista como um adulto pequeno, um ser “invisível”, “anônimo”, seja de sentimentos e/ou pensamentos perante a sociedade, até torná-la “visivelmente” importante, exerce influência tanto nesta sociedade como no mercado industrial, ambos influenciaram as questões que envolvem as crianças. Nos dias atuais, a criança já é considerada como um indivíduo que tem sua própria personalidade, ou seja, possui uma natureza única, onde pensa e sente o mundo de um jeito muito pessoal.
Criança é o indivíduo na infância. Segundo o Dicionário Aurélio (1975, criança é ser humano de pouca idade. Na sua origem etimológica, o termo “infância em latim é in-fans, que significa sem linguagem. No mesmo dicionário, a infância está definida como um período de crescimento, no ser humano, que vai do nascimento até a puberdade. No entanto, muitos estudiosos defendem outra ideia para caracterizar a fase da infância. Neil Postman, professor de Comunicação da Universidade de Nova York no livro o desaparecimento da infância (1999) postula a ideia de que a diferença entre adultos e crianças está na brincadeira e na relação da criança com o brinquedo. O fato da criança brincar desenvolve a capacidade humana e a criação das ideias, estimulando a construção do imaginário infantil, além de ser um espaço de construção de conhecimento.
Piaget (1967), psicólogo e criador da teoria do desenvolvimento da criança, também acredita ser a brincadeira como essencial na vida da criança, pois ela favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral. É a partir das brincadeiras que a criança pode construir novos conceitos, desenvolvendo a sua forma de encarar o mundo. Na visão sócio-cultural de Vygotsky (1998), as brincadeiras são atividades que se originam na infância, onde a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. São atividades nas quais, imaginação e realidade interagem na criação de novas possibilidades de expressão e de ação, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos. Essa ideia consubstancia-se com o pensamento de Friedmann (1996) ao afirmar que a brincadeira pode ser utilizada como forma de incentivar o desenvolvimento humano por meio de diferentes dimensões, a saber:
o desenvolvimento da linguagem: onde é um canal de comunicação de pensamentos e sentimentos. O desenvolvimento moral: é um processo de construção de regras numa relação de confiança e respeito. O desenvolvimento cognitivo: dá acesso a um maior numero de informações para que, de modo diferente, possam surgir novas situações. O desenvolvimento afetivo: onde facilitem a expressão de seus afetos e suas emoções. O desenvolvimento físico-motor: explorando o corpo e o espaço a fim de interagir no seu meio integralmente. (FRIEDMANN, 1996, p.27).
Portanto, as brincadeiras para as crianças possibilitam a compreensão do mundo a sua volta, o entendimento das coisas, servindo como expressão ou linguagem dos seus processos internos. (Bettelheim, 1988). Corroborando com essa ideia, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998), define o brincar como:
Um espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente. Pela repetição daquilo que já conhecem, utilizando a ativação da memória, atualizam seus conhecimentos prévios, ampliando-os e transformando-os por meio da criação de uma situação imaginária nova. Brincar constitui-se, dessa forma, em uma atividade interna das crianças, baseada no desenvolvimento da imaginação e interpretação da realidade, sem ser ilusão ou mentira (RCNEI, 1998, p.35).
Quando brincam, as crianças recriam e repensam os episódios que deram origem à brincadeira, sabendo que estão brincando. O indicador mais importante do brincar é o papel que as crianças assumem enquanto brincam. “Ao adotar outros papéis na brincadeira, as crianças agem frente à realidade de maneira não-literal, transferindo e substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel assumido, utilizando-se de objetos substitutos” (RCNEI, 1998).
Neste contexto, a infância é percebida como um período que precisa ser valorizado e a criança vista com um ser “que sabe observar o mundo que a cerca [...] sabe olhar e pensar com a sua própria cabeça” (ZABALZA, 1998). Entende-se, portanto que a criança não só compreende, mas consegue estabelecer relações com o que vê e aprende. Estes sujeitos agora possuem um lugar na sociedade, na qual deve haver um espaço não somente para seus cuidados, mas para o seu desenvolvimento integral: físico, cognitivo, afetivo e lúdico. Contudo, é saudável brincar, fantasiar, faz parte do processo de desenvolvimento, mas até que ponto e de que forma esse atrativo lúdico impacta no cotidiano das crianças? Nesse artigo os desenhos animados na mídia televisiva são os aportes lúdico para refletir acerca das implicações no imaginário infantil.
Desenho animado e imaginário infantil: implicações para o cotidiano da criança
“Porque
o fogo queima?
Porque a lua é branca?
Porque a terra roda?
Porque deitar agora?
Porque as cobras matam?
Porque o vidro embaça?
Porque você se pinta?
Porque o tempo passa?
Porque que a gente espirra?
Porque as unhas crescem?
Porque o sangue corre?
Porque que a gente morre?
Do que é feita a nuvem?
Do que é feita a neve?”
Gabriel – Adriana Calcanhoto
Os conteúdos midiáticos têm estabelecido uma nova forma de ver e interpretar as situações cotidianas, modificando até mesmo o próprio conceito de infância, que tem sido revisto em termos mais atuais. Para Buckingham (2000) os debates que trazem como temática a infância na sociedade contemporânea embora sejam muitas vezes contraditórios, fazem todos parecerem mais convencidos de que passamos por um período de grandes mudanças, tanto no que diz respeito aos conceitos de infância quanto às experiência vividas pelas próprias crianças.
Essas experiências vividas aproximam mais do entendimento acerca do processo de sociabilização da criança que tem características amplas e complexas, uma vez que, antes mesmo de nascer, elas já estão inseridas num contexto histórico e cultural pontuado por Wiggers (2008) quando afirma que é neste universo mediado por relações sociais que se dará seu aprendizado. Isso leva a perceber na sociedade contemporânea, os chamados meios de comunicação de massa ou o que pode-se denominar de conteúdos midiáticos por adquirirem espaço destacado no processo de interação social, certamente, pelo enfoque aos principais difusores de informações e imagens.
Diante dessa abordagem será apresentada uma breve discussão acerca do universo dos desenhos animados, tema que tem levado a constantes pesquisas no sentido de compreender os processos imaginativos no universo infantil. Os desenhos animados, segundo Fantim (2004), têm grande importância para o desenvolvimento infantil, pois a partir deles a criança se diverte e satisfaz sua necessidade do lúdico. Ela tem a possibilidade de vivenciar conflitos, medos e aventuras imaginariamente, o que resulta num processo de amadurecimento emocional e cognitivo.
Ao mesmo tempo, Girardello (2008) aponta a existência de três fatores importantes que são enfatizados no cotidiano infantil, os quais vão interagir com a capacidade imaginativa da criança que vê televisão, são eles: o tempo que a criança passa assistindo essa mídia, a maneira que o adulto vai mediar esse desenho animado no cotidiano da criança e o conteúdo da programação assistida pela criança. Tudo isso reporta ao fato de que os desenhos animados, como forma cultural, têm papel preponderante na imaginação da criança, mas é necessário que haja, em alguns momentos, a mediação de um adulto para uma possível contextualização do desenho assistido de maneira que a experiência imaginativa da criança seja a mais plena possível.
Além disso, outro fator a ser considerado é o excesso de violência nos desenhos animados, o que torna o seu conteúdo, muitas vezes, dramático na fantasia da criança, sendo facilmente incorporados às brincadeiras de faz- de-conta. Nestas, o herói / o vencedor; o bem / o mal; a transgressão da ordem; a transformação; a inexistência da morte; a inexistência do tempo métrico e do espaço definido; o prazer pelo fantástico e pelo terror, a ação e a aventura; vitória sobre os inimigos e destruição dos mesmos; violência ainda que caricata; desejo de vingança, dentre outros (GIRARDELLO, 2008), são vivenciados pela criança que reorganiza a sua maneira de brincar, a interação com seus pares e suas experiências.
Para as crianças quanto mais diversas forem essas experiências, sejam elas uma maior aproximação com a natureza, com os lugares, com as histórias e com a variedade de brinquedos existentes, mais elas exercitam a imaginação, criando e atribuindo sentidos à realidade da qual fazem parte (FANTIM, 2004).
Apesar dos conceitos de imaginação e de imaginário serem historicamente polissêmicos e marcados por ambigüidades em diferentes visões teóricas, Girardello (2003) lembra que isso não impede seu uso nos diálogos entre mídia e cultura. Para tanto, faz-se necessário compreender o termo imaginação na percepção de alguns autores, pois imaginário, imagem e imaginação derivam do latim imago -ginis. Imaginário significa aquilo que advém da imaginação, com a capacidade de representar um objeto/coisa/sensação em pensamento na ausência da causa que a produziu (JUNQUEIRA, 2009).
Ao reafirmar esse pensamento, Bachelard (1997) caracteriza como a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade. Já para Girardello (2003) o imaginário será entendido como “dimensão coletiva da imaginação, ou como acervo do imaginado”. Durand, (1997), em seus estudos, afirma que, o imaginário é “o conjunto das imagens e das relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens”, esfera onde se afinam todos os procedimentos do pensamento humano.
A partir de uma concepção simbólica da imaginação, Durand (1997) ao citar Lacan, se opõe quando este aponta o imaginário como um aspecto fundamental da construção da subjetividade? Para ele, o imaginário se assemelharia a proposta do espelho, quando a criança pequena se reconhece ao descobrir o seu reflexo; a imagem no espelho é uma ilusão, mas ao mesmo tempo apresenta a realidade do eu. Neste sentido, para que a criança incorpore o nível da realidade, precisa sair da visão imaginária de si e dos outros e valer-se do modo simbólico (DURAND, 1997). Ou seja, no que concerne ao conceito de imaginário entende-se que, para Lacan, o simbólico é representação do coletivo e cultural; já o imaginário, o individual e ilusório.
Segundo Le Goff (1994), o imaginário se apresenta no campo das representações, não como uma tradução reprodutora, mas sim inventiva, criadora, poética; ele é parte da representação, que é intelectual, mas vai além dela. Essa representação mental, consciente ou não, é formada a partir de vivências, lembranças e percepções passadas e é passível de ser modificada por novas experiências. As relações a partir do desenho animado se representam fortemente no cotidiano infantil.
De acordo com Brougère (2004), enquanto brinca, a criança se apodera do universo que a rodeia para harmonizá-lo com sua própria dinâmica. Essa apropriação do mundo passa por constantes adaptações, negociações, regras e modificações que no conjunto constituem a brincadeira. Estas adaptações são condicionadas por outro fator que engloba todas as características encontradas nas brincadeiras: a cultura. E é nas imagens, símbolos e na cultura na qual está inserida, de modo geral, que a criança vai buscar elementos para criar suas representações imaginárias.
Ainda para este autor, a criança se situa em sua prática lúdica diante de imagens constituídas, que emanam dos brinquedos e provêm do seu círculo (como programas de TV e os códigos sociais). É na manipulação, inclusive imaginária, que a criança ao assumir diferentes papéis, interage e constrói significados dando sentido às imagens.
A importância do imaginário na apropriação das imagens através das brincadeiras é demonstrada por Girardello (2003), em um de seus textos quando traz que as narrativas de assombrações e de atos de heroísmo que participam do imaginário das crianças podem possibilitar aos adultos conhecerem um pouco mais sobre suas vidas imaginativas, através das citações de personagens como, por exemplo, o Lobisomen, os fantasmas, o Super Homem, o Ben 10, as meninas super-poderosas dentre outros. São essas imagens que compõem o imaginário que demonstram que a criança busca em diversas fontes elementos além de seu mundo real. E com o uso de brinquedos, objetos e a relação construída com seus pares, vão sendo inseridos em seu repertório lúdico.
Deste modo, a concentração das crianças mergulhadas em seu mundo imaginário e que lutam contra os inimigos invisíveis parece mostrar, à primeira vista, que se trata de uma mera imitação de gestos dos personagens da televisão, especificamente dos desenhos animados. Mas mesmo que exista a intenção, de reproduzir a realidade dos desenhos seria impossível não apenas pela falta de recursos, mas pelos rumos característicos de determinadas brincadeiras.
Segundo Fantin (2009), com relação a filmes e desenhos animados, os sentidos são construídos em contextos sociais definidos e serão diferenciados conforme seu lugar institucional ou o espaço social em que está sendo visto, isso supõe regras de comportamento e, por vezes, certos sentidos ao contexto que esta sendo recebido.
Assim, considerando que todos os modos de ver podem ser interessantes e educativos, pois, por mais importante que o conteúdo seja (filme ou desenho animado), é a relação que se estabelece entre esse conteúdo e a sua mediação adequada que poderá ser um excelente fomentador da criatividade e do desenvolvimento lúdico infantil. No entanto, é preciso um olhar no que concerne ao conteúdo dos desenhos animados, a relação da criança com a tv e o tempo delegado a essa interação e a relação com o consumo que esta interlocução pode impactar nesse contexto, seja na escola, na família, ou qualquer outro ambiente que propicie o desenvolvimento da criança.
Desenho animado e o trato mercado-consumo: faces da mesma moeda?
“Estamos prontas para qualquer missão enfrentar,
e vamos encarar, Mas toda vez que entramos no shopping queremos comprar
Elegantes, famosas, nas missões desvendamos a trama
Bem espertas, corajosas, de três espiãs conquistamos a fama
E é pra já, vamos lá agir em nosso programa”.
Música de abertura do programa “Três Espiãs Demais” em 2008 – versão em português
O imaginário infantil, vivenciado através da mídia televisiva, desperta a construção da imagem corporal da criança mediada pelo prazer implícito na atividade lúdica que é retroalimentada pela experiência motora. Logo, para Wiggers (2008) o prazer cinestésico de movimentar resulta da descoberta de formas corporais produzidas por ela própria. Desse modo, o desenho animado transformou-se em uma brincadeira prazerosa de contribuições simbólicas da realidade cotidiana e representações significativas da corporeidade da criança, jogo necessário à socialização dos papéis que serão vividos pela criança no mundo adulto.
A partir dessas questões levantadas e fundamentadas nos capítulos anteriores, observa-se que os desenhos animados contribuem para a apropriação do simbólico no imaginário infantil e estimulam o uso dessa fantasia no cotidiano. Nesse sentido, é criado um cenário cultural que favorece a exploração mercadológica dos produtos e marcas vinculadas aos desenhos e heróis experimentados pela criança. Em concordância com o pensamento de Rizzard citado por Cordeiro ele pontua que:
Os produtores corporativos da cultura infantil invadem a vida privada das crianças. Percebendo o enorme poder dos meios de comunicação e informação, atacam a vulnerabilidade infantil desenvolvendo uma infinidade de produtos para atingir a essa faixa etária, criando necessidades para este público consumidor e incitando a aquisição exacerbada dos produtos veiculados pelas mídias. Além dos aspectos voltados para o entretenimento e lazer, a televisão também se apresenta como uma poderosa gôndola eletrônica para a exposição e sedução destes pequenos consumidores. (CORDEIRO 2003, p. 231)
Percebe-se que a indústria dos produtos midiáticos investe em publicidade e propaganda a fim de estimular o consumo que, de acordo com Wiggers (2008), podem tornar as crianças vorazes consumidoras de bugigangas, da indústria da moda, como brinquedos, roupas, músicas e danças. Aspectos como coragem, desejo de consumir, beleza, fama e esperteza, são conceitos freqüentemente lembrados àqueles que costumam assistir ao desenho animado (GUEDES, B. PORTO, F. ACÁCIO, F. 2009).
Através de estratégias de marketing cada vez mais elaboradas se constata a invasão de diferentes produtos ligados aos personagens dos desenhos animados, artefatos que sugerem as crianças um determinado comportamento e valores ético-morais nem sempre problematizado pela família ou escola, ambientes mais presentes na formação crítica e criativa da criança frente às imposições dessa indústria. Assim, produtos que reproduzem em diferentes intensidades a imagem da mulher “coisificada” e como objeto de consumo, com erotização vulgar e precoce, homens com padrões de beleza estereotipados, másculos, fortes e corajosos, com super poderes que trazem a violência como pano de fundo e cenários de lutas que são justificados pela mítica dos super-heróis salvadores.
Através do impacto desse consumo e o apelo da indústria televisiva há enumeradas contradições de interesses de classes circunscritos a um arcabouço ideológico econômico que legitima as desigualdades e se afirma nos conflitos das lutas de classes que, de acordo com Thompsom (1990), refere-se a um sistema de pensamento, ou ao uso de formas simbólicas que servem para criar ou manter relações de dominação, relações assimétricas, desiguais injustas. Segundo o autor, A ideologia aparece como algo que serve para estabelecer e sustentar relações de dominação e, com isso, serve para reproduzir a ordem social que favorece indivíduos e grupos dominantes.
Desse modo, a produção institucionalizada e a difusão generalizada de bens simbólicos através da transmissão e do armazenamento da informação/comunicação mediados pela comunicação de massa, torna-se cada vez mais emergente dentro da ordem de mercantilização e circulação ampliada das formas simbólicas (Thompsom, 1990). A televisão, mais especificamente os desenhos animados, engendram essa complexa rede de interesses e valores.
Considerações finais
A partir das leituras realizadas verificamos que desenho animado é um meio que enriquece a imaginação e alimenta o imaginário infantil implicando não só no seu cotidiano, como também, nas suas relações com o mundo. Uma experiência lúdica que a criança utiliza para se relacionar com o ambiente físico e social, ampliando seus conhecimentos, habilidades e estimulando a sua criatividade.
No entanto, refletimos que é preciso atentar para além desse enriquecimento, a uma questão que para as crianças é invisível, como a lógica de consumo, pois, o que interessa aos pequenos são as aventuras, o suspense, os poderes mágicos, a fantasia. Aos adultos, a família ou a escola cabe observar o “diálogo” das crianças com a televisão e fazer a intervenção sempre que necessário, possibilitando não só uma maior interação das crianças com o conteúdo dos desenhos, mas também filtrando determinados desenhos e informações midiáticas.
Contudo, não se pode negar a importância da mídia televisiva e suas contribuições no desenvolvimento da criança, mas é preciso repensar os impactos e as reverberações de seus sentidos no cotidiano infantil e de acordo com Fantim (2008) “...construir possibilidades de autoria, produção e participação de crianças e jovens na cultura, o que nos leva a debater as mediações necessárias e as possibilidades da mídia-educação”.
Nota
Denominação dada por Ariès aos primeiros anos de vida da criança, momento em que esta brincava e era paparicada, ou seja, faziam-se mimos, tinha-se um cuidado maior com o que caracterizava a infância, a saber brincadeiras e cuidados mais específicos.
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Miguel A. Qualidade em Educação Infantil. Trad. Beatriz Affonso Neves.
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