Leite materno e seus substitutos ao longo da história Breast milk substitutes and its long history |
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*Nutricionista. Mestranda em Engenharia e Ciência de Alimentos Universidade Federal do Rio Grande, FURG, Rio Grande, RS **Nutricionista. Doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos Universidade Federal de Santa Maria, UFSM Docente do Curso de Nutrição, Área de Ciências da Saúde Centro Universitário Franciscano, Unifra, Santa Maria, RS |
Gisele Medianeira Barbieri Moro* Marizete Oliveira de Mesquita** (Brasil) |
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Resumo Mesmo que o leite materno apresente composição adaptada às condições fisiológicas do lactente nos primeiros meses de vida há inúmeras situações em que a inclusão de algum substituto deste se faz necessário. Este estudo teve como objetivo descrever e analisar os substitutos do leite materno utilizado ao longo da história na alimentação infantil. Foi baseado na pesquisa de textos publicados no período de 1981 até os dias atuais, que retratam a história do leite materno e seus substitutos desde a época mitológica até o século XXI. Os problemas relacionados à amamentação no contexto da alimentação infantil são muito antigos. Muitas crianças recebiam leite animal, alimentos pré-mastigados ou papas pobres em nutrientes e contaminadas. Com a Revolução Industrial, motivou-se a busca de alternativas para nutrir os lactentes. As fórmulas infantis constituem-se na melhor alternativa láctea para a substituição do leite materno na alimentação no primeiro ano de vida, em lactentes impossibilitados de serem amamentados. Unitermos: Alimentação do lactente. Leite de vaca. Fórmulas para lactentes.
Abstract Even if the present composition of breast milk adapted to physiological conditions of infants during their first months of life there are countless situations in which the inclusion of some substitute that is necessary. This study aims to describe and analyze the breast-milk substitutes used throughout history in infant feeding. Was based on research articles published from 1981 to the present day, depicting the history of milk and is substitutes from mythological times to the twenty-first century. The problems related to breastfeeding in the context of infant feeding are very old. Many children received animal milk, pre-chewed food or popes nutrient-poor and contaminated. The Industrial Revolution led to the search for alternatives to nursing infants. Infant formula is in the best milk alternative for the replacement of breast milk feeding in the first year of life in infants unable to be breastfed. Keywords: Infant feeding. Cow’s milk. Infant formulas.
Este artigo é parte do Trabalho Final de Graduação (TFG)
intitulado “Uso de fórmulas de partida e seguimento por lactentes
saudáveis
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 153, Febrero de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O leite materno representa a melhor fonte de nutrientes para o lactente por conter proporções adequadas de carboidratos, lipídios e proteínas necessárias para o seu crescimento e desenvolvimento, além disso, proporciona benefícios imunológicos e psicossociais (VITOLO, 2003). Apesar do reconhecimento de que o aleitamento materno, na nutrição do lactente, é fator redutor da morbimortalidade infantil e uma questão de sobrevivência para a maioria das crianças, principalmente nos países em desenvolvimento, o desmame precoce ainda é uma realidade no Brasil (BRASIL, 2002).
Pesquisas populacionais mostraram que a duração mediana do aleitamento materno aumentou de 2,5 para 5,5 meses entre os anos de 1975 e 1989 (VENÂNCIO; MONTEIRO, 1998). Em 1992, a duração mediana foi de 4,5 meses (LEÃO et al., 1992 apud SIMON et al., 2009) e em 1996 foi de 7 meses (VENÂNCIO et al., 2002).
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2009) a prevalência do aleitamento materno exclusivo em menores de 6 meses foi de 41% no conjunto das capitais brasileiras, sendo que a região Norte apresentou maior prevalência (45,9%), seguida da Centro-Oeste (45,0%), Sul (43,9%) e Sudeste (39,4%), com a região Nordeste apresentando a pior situação (37,0%).
O consumo precoce de alimentos complementares, principalmente do Leite de Vaca Integral (LVI), tem provocado a interrupção do aleitamento materno (WEFFORT, 2006). Este leite não supre as necessidades nutricionais do lactente que está com elevada velocidade de crescimento e apresenta sistema digestório imaturo, tornando-o mais vulnerável tanto à desnutrição quanto ao consumo excessivo de certos nutrientes. Contudo, o leite de vaca, apesar de não ser a melhor escolha do ponto de vista nutricional, é a fonte mais utilizada para crianças menores de um ano de idade como substituto do leite materno (VIEIRA; GURMINI, 200_).
A diferente composição do leite humano e do LVI e suas implicações nutricionais, além das condições fisiológicas do lactente no primeiro ano de vida, têm estimulado o desenvolvimento de fórmulas infantis visando um melhor ajuste na oferta de nutrientes em relação às necessidades reais das crianças, assim como o estabelecimento de parâmetros de eficácia e segurança nas suas composições e características, a fim de tornarem-se opções mais adequadas e eficientes. Visto ocorrerem situações em que é necessária a complementação do leite materno ou a substituição por outro tipo de leite, justifica-se a relevância do presente estudo cujo objetivo foi descrever e analisar os substitutos do leite materno utilizado ao longo da história na alimentação infantil, analisando suas principais características nutricionais.
Metodologia
Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica. A amostra constou de textos, publicados no período de 1981 até os dias atuais, que retratam a história da amamentação desde a época mitológica até o século XXI. A busca foi realizada em livros, artigos de revistas científicas, dissertações e artigos extraídos via Internet, tendo como fonte as bases BIREME (Biblioteca Virtual em Saúde) e SCIELO (Scientific Eletronic Library Online). Foram incluídos para análise, textos que contivessem dados históricos, sociais e culturais relacionados ao leite materno e seus substitutos.
História da alimentação do lactente
Evidências epidemiológicas têm reafirmado a importância do aleitamento materno para a saúde infantil (PASSOS et al., 2000) na redução de morbimortalidade, doenças infecciosas e doenças crônico-degenerativas na idade adulta (CARLETTI, 2003). O leite materno é o alimento adequado para as crianças nos primeiros meses de vida (BRASIL, 2002), tanto do ponto de vista nutritivo e imunológico quanto no aspecto psicológico, além de favorecer o vínculo mãe-filho (VITOLO, 2003).
Os problemas relacionados à amamentação no contexto da alimentação infantil são muito antigos. Tal fato se evidencia pelos registros de recipientes encontrados ao lado de corpos de lactentes em escavações arqueológicas, durante os séculos V e VII, sugerindo que os gregos recebiam alimentos de outras fontes além do leite materno, por meio de vasilhas de barro encontradas em tumbas de recém-nascidos naquela época. Esses achados possibilitam afirmar que a substituição do aleitamento materno por outras formas de alimentação constitui uma prática muito antiga (BOSI; MACHADO, 2005).
Os primeiros textos romanos que descrevem os cuidados com crianças foram escritos por Sorano e Galeno, médicos gregos que clinicaram em Roma no início era cristã (MAGNER, 2005). No quadro 1 têm-se as orientações alimentares para lactentes de acordo com Sorano e Galeno.
Quadro 1. Prescrições alimentares para lactentes segundo Sorano e Galeno (MAGNER, 2005).
Prescrição |
Sorano (aproximadamente 70-130 d.C.) |
Galeno (aproximadamente 130-200 d.C.) |
1º alimento |
Mel + leite de vaca |
Mel |
Início aleitamento |
2º dia ama, 20º dia mãe |
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Aleitamento (mãe ou ama) |
Mãe, ama (só se necessário) |
Mãe |
Técnica |
Desprezar colostro |
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Quantidade |
Frequente |
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Introdução de alimento |
A partir do 40º dia; preferencialmente após 6 meses |
Após 1º dente |
Alimento complementar |
Cereal, pão + leite ou vinho, mingau, ovo; pré-mascado não |
Pão, vegetais, carne, leite |
Vinho |
Diluído |
Contraindicado |
Desmame |
18-24 meses, gradual |
3 anos |
Fonte: Adaptado de Fildes (1986).
Com relação ao Brasil, pelo menos até o ano de 1500 o regime alimentar dos lactentes indígenas resumia-se ao aleitamento direto ao seio durante a fase de colo. O desmame precoce limitava-se a situações de morte materna ou doença grave da mãe. Com a chegada dos portugueses, foi transmitido o hábito das mães ricas não amamentarem seus filhos. Surgiu assim a necessidade das amas-de-leite, inicialmente as próprias índias e mais tarde substituídas pelas escravas africanas (CARDOSO; LIPINSKI; SCHNEIDER, 2005).
De 1500 a 1700, as mulheres inglesas saudáveis não amamentavam seus filhos, pois acreditavam que a amamentação espoliava seus corpos e tornavam-nas velhas antes do tempo. Com isso, o desmame era iniciado precocemente, sendo utilizados em substituição leite com mel ou cereais, alimentos pré-mascados (FILDES, 1986) ou massas oferecidas em colher (LAWRENCE, 1994). A alimentação dos lactentes era, ainda, à base de leite de animais e de um alimento chamado “panado”, feito à base de farinha e água. Além disso, as regras médicas indiretamente também induziam ao desmame, pois a relação sexual era proibida durante o período de amamentação, a partir do entendimento que isso tornaria o leite humano mais fraco. Alguns profissionais da saúde consideravam que o colostro era um leite inadequado e que não deveria ser oferecido à criança (BOSI; MACHADO, 2005).
Há registros que as receitas preparadas incluíam um ingrediente líquido (podendo ser leite, cerveja, vinho, caldo de legumes ou carne, água), um cereal (arroz, farinha de trigo ou milho, pão) e aditivos (açúcar, mel, temperos, ovos, carne). Até o século XVI, o valor nutritivo das papas era razoável, sendo notável apenas a deficiência de vitamina C devida ao baixo consumo de frutas e vegetais (FILDES, 1986).
A partir do século XVII, houve uma piora no teor nutricional dessas papas, com importante impacto na saúde das crianças, pois o leite animal e o caldo de carne foram gradativamente substituídos pela água. Ingredientes, como ovos, gemas, manteiga e gordura, fontes de vitaminas A e D, proteínas, cálcio e ferro, também deixaram de fazer parte das receitas. Como consequência, as crianças passaram a apresentar raquitismo, cálculos renais e escorbuto (FILDES, 1986).
Durante o século XVIII, as crianças eram enviadas para as casas de amas-de-leite para serem amamentadas. Ocorreu nesse período, um aumento da mortalidade infantil, associada às doenças adquiridas por estas mulheres. Suas enfermidades contaminavam as crianças e muitas dessas amas-de-leite, passaram a oferecer o leite de vaca em pequenos chifres furados, antecessor às mamadeiras, pois se acreditava que sugando o leite, sugava-se também o caráter de quem os amamentava. No entanto, esse procedimento passaria a acarretar importantes riscos à saúde infantil, pois além de oferecer em um recipiente não estéril, as mulheres desconheciam a quantidade exata de água que deveria ser misturada ao leite, sem considerar o risco de contaminação da água (BADINTER, 1985). A contaminação desses utensílios e alimentos, fez aumentar a incidência de tuberculose, brucelose e infecções gastrintestinais (FILDES, 1986).
Entre os séculos XVII e XVIII, a sociedade brasileira admitia como fato comum a morte de crianças, sendo que 20 a 30% morriam antes de completar o primeiro ano de vida (BOSI; MACHADO, 2005; PRIORE, 2000). Os pais aceitavam a morte como a crença da transformação de crianças em anjos, o que contribuía para que as famílias suportassem a dor da perda e a considerassem como uma benção do céu (PRIORE, 1997).
A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no século XVIII, passou a influenciar a alimentação infantil à medida que as mulheres do campo, que amamentavam seus filhos e os filhos das classes mais privilegiadas, se transferiram para as cidades. Nesse período ainda não se conhecia um método para a conservação do leite, e outros alimentos passaram a ser introduzidos cada vez mais cedo e com maior frequência, contribuindo para o desmame precoce. Os índices de mortalidade aumentaram e o Estado começou a investir em soluções para diminuir as altas taxas de mortalidade infantil (FILDES, 1986).
O sistema de amas-de-leite prosperou até fins do século XIX. Depois disso, o aleitamento artificial, sob forma de mamadeira com leite de vaca, possibilitado pelo processo de esterilização, viria a substituir o modo de amamentação utilizada (PRIORE, 2000).
Na metade do século XIX, pesquisas orientadas por médicos buscavam um substituto para o leite materno a ser utilizado durante o período de desmame. Dentre as alternativas estava leite de vaca, adicionado de açúcar e água; e adição de creme e água limonada para alterar o pH, favorecendo uma melhor digestão do leite pelo trato intestinal (LAWRENCE, 1994).
Com essas “descobertas” orientadas pelos interesses da indústria de alimentos, os substitutos do leite materno foram supervalorizados, ressaltando-se a equivalência nutricional do produto, a facilidade de uso, portanto os profissionais de saúde acreditavam estar proporcionando uma melhor nutrição para as crianças, ocorrendo uma diminuição na prática do aleitamento materno. Os médicos aderiram às novas alternativas, prescrevendo-as como benéficas para a alimentação infantil. As recomendações para a utilização de fórmulas infantis na dieta da criança foram associadas aos pediatras, que passaram a desempenhar um papel decisivo como influenciadores de um novo movimento na sociedade: a “cultura da mamadeira”. A partir de 1922 observa-se uma crescente veiculação de propagandas dessas fórmulas (BOSI; MACHADO, 2005; LABBOK, 2007).
Na década de 70 surgiu o “desmame comercial”, em que os profissionais de saúde aderiram ao marketing dos substitutos do leite materno, partindo da idéia de que o leite materno deveria ser complementado com fórmulas industrializadas. Os médicos passaram a prescrevê-los indiscriminadamente às mães, como uma forma prática e viável para seus filhos, pois asseguravam como um produto confiável (CARDOSO; LIPINSKI; SCHNEIDER, 2005).
A preocupação em retomar a prática da amamentação ressurgiu apenas entre décadas de 70 e 90, frente à alta incidência de mortalidade infantil, à desnutrição e às baixas taxas de aleitamento materno exclusivo (MONTEIRO, 2006). Desta forma, foram criados programas de incentivo, promoção e proteção à amamentação (CARDOSO; LIPINSKI; SCHNEIDER, 2005).
Substitutos do leite materno
Em situações como alguns erros inatos do metabolismo, filhos de mães portadoras do Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV), mães usuárias de drogas, lactente menor de seis meses com crescimento e desenvolvimento inadequado e mães que necessitam retornar precocemente ao trabalho, é necessária a complementação do leite materno ou a substituição por outro tipo de leite (WEFFORT, 2006).
Como as composições do leite humano, do leite de vaca integral e das fórmulas infantis diferem bastante, a escolha do alimento a ser fornecido aos lactentes impossibilitados de serem amamentados, gera impacto nutricional de grande importância e também uma análise do melhor substituto do leite materno (WEFFORT, 200_).
O Quadro 2 mostra uma comparação entre as composições do leite humano, do leite de vaca e das fórmulas infantis.Quadro 2. Comparação entre as composições do leite humano, do leite de vaca e das fórmulas infantis
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Proteínas |
Humano |
Baixo teor (0,9%). Maior proporção de proteínas do soro (60%) e menor de caseína (40%). Possui teor elevado de cistina e taurina e menor de metionina e fenilalanina. Não é alergênico. |
De vaca |
Teor elevado (3,5%). Maior proporção de caseína (80%) e menor de proteínas do soro (20%). Possui teor elevado de metionina e fenilalanina e baixo de cistina e taurina. Pode ser alergênico. |
Fórmulas infantis |
Teor moderado. O processamento melhora a digestibilidade protéica. Composição aminoacídica modificada. |
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Lipídios |
Humano |
Maior teor. Gordura predominantemente insaturada. Rico em ácidos graxos essenciais e seus derivados de cadeia longa. |
De vaca |
Menor teor, mas com predomínio de gordura insaturada. Não apresenta boa digestibilidade. Possui baixo teor de ácidos graxos essenciais. |
Fórmulas infantis |
Redução da gordura láctea e acréscimo de óleos vegetais. Teor elevado de ácidos graxos poliinsaturados, e baixo de colesterol. |
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Carboidratos |
Humano |
Teor elevado de lactose (7,0%). Contém oligossacarídeos, que juntamente com a lactose estimulam a formação de uma flora intestinal bifidogênica. |
De vaca |
Menor teor de lactose (4,9%). Não contém oligossacarídeos. |
Fórmulas infantis |
Algumas contêm a mesma quantidade de lactose do leite humano. Outras possuem na sua formulação dextrina⁄maltose⁄lactose. |
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Minerais |
Humano |
Baixo teor (0,2%), principalmente de eletrólitos (menor carga de solutos). Melhor relação cálcio: fósforo (2:1). Boa biodisponibilidade de ferro e zinco. |
De vaca |
Tem 4 vezes mais cálcio e 6 vezes mais fósforo. Teor elevado de eletrólitos. Menor biodisponibilidade de ferro. |
Fórmulas infantis |
Teor aproximado ao do leite humano, mas algumas são enriquecidas com ferro. |
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Vitaminas |
Humano |
Teor suficiente para suprir às necessidades do lactente, com exceção das vitaminas K e D. As vitaminas A e do complexo B podem ser reduzidas pela deficiente ingestão materna. |
De vaca |
Baixo teor das vitaminas C e D. Com a diluição, quase todas as vitaminas se tornam deficientes. O teor também é reduzido pelo processamento térmico. |
Fórmulas infantis |
São enriquecidas com vitaminas. |
Fonte: Adaptado de Euclydes (2005)
Leite de vaca
A primeira recomendação para o uso do leite de vaca como alternativa ao leite humano foi atribuída ao médico inglês Underwood, em 1784 (REA, 1990). Este leite, geralmente utilizado de forma inadequada para substituir ou complementar o leite materno, é um alimento de alto valor biológico que, para ser metabolizado pelo lactente, deve sofrer uma série de modificações para adequar-se à sua capacidade digestória, renal e necessidades nutricionais (WEFFORT, 2006).
O Leite de Vaca Integral (LVI) tem quantidade insuficiente de vitaminas D, E e C e de alguns oligoelementos, principalmente o ferro e zinco, para suprir as necessidades do lactente (VIEIRA; GURMINI, 200_).
Além disso, o leite de vaca integral quando fervido e diluído possui níveis reduzidos das vitaminas C e do complexo B, podendo levar a quadros carenciais (WEFFORT, 2006). O LVI contem excessivo conteúdo de cálcio e fósforo e, associada à baixa quantidade de vitamina C, interfere na biodisponibilidade de ferro presente em outras fontes alimentares (VIEIRA; GURMINI, 200_).
O ferro é um micronutriente fundamental na dieta do lactente, além da anemia ferropriva, sua deficiência está associada ao retardo do desenvolvimento neuropsicomotor e intelectual (VITOLO, 2003), bem como à diminuição da imunidade celular e da capacidade fagocítica e bactericida dos neutrófilos (WEFFORT, 2006). Os teores de ferro do leite humano e do leite de vaca apresentam biodisponibilidade muito distintas. O percentual de absorção do ferro presente no leite de vaca é de apenas 10%, enquanto que 49% do ferro presente no leite materno são absorvidos (ALMEIDA; JUNIOR; MATTOS, 200_).
Com relação aos carboidratos, o leite de vaca não contém oligossacarídeos e apresenta menor quantidade de lactose (4,9%), quando comparado ao leite materno (7%), sendo estes considerados prebióticos. Possui também menor valor calórico e predomínio de ácidos graxos saturados que contribuem para o retardo do esvaziamento gástrico (UDALL; SUSKIND, 1999).
Quanto às proteínas, o LVI contem um percentual maior de caseína em relação às proteínas do soro, o que pode acarretar uma sobrecarga protéica principalmente nos três primeiros meses de vida do lactente, e também ser responsável por uma menor digestibilidade (UDALL; SUSKIND, 1999).
E, quanto às gorduras, a quantidade de ácido linoléico (ω6) que o LV apresenta é de aproximadamente 1,8%, quando o recomendado é 3%. O leite humano tem seis vezes mais ácido linoléico quando comparado ao LVI. Desta forma o leite de vaca pode comprometer a síntese de ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa (LC-Pufas), fundamentais para a resposta inflamatória e estruturais como membrana celular e Sistema Nervoso Central (SNC), além de contribuir para a manutenção de baixos níveis séricos de vitamina E (EUCLYDES, 2005). A deficiência de ácidos graxos essenciais pode causar também dermatites, hipopigmentação, hipotonia, aumento da fragilidade e diminuição na velocidade de crescimento (VIEIRA; GURMINI, 200?).
O sistema digestório e renal do lactente são imaturos, o que os torna incapazes de metabolizar alguns metabólitos de alimentos diferentes do leite humano. Lactentes amamentados com LVI ingerem altas quantidades de sódio, potássio, cloretos e proteínas, elevando a carga de soluto renal com risco de hipertensão arterial tardio (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2003). Por meio de resultados de estudos foi evidenciado que crianças amamentadas dessa forma chegam a consumir 1000mg de sódio por dia, sendo que a necessidade diária de sódio é de apenas 120mg até o final do segundo trimestre, podendo atingir 200mg até o final do primeiro ano. Esta condição, associada à limitada capacidade de concentração urinária dos lactentes, pode aumentar o risco de ocorrência de distúrbios hidroeletrolíticos, principalmente em situações de estresse (LEITE; MARQUES, 2006).
Outros resultados constataram que o consumo regular do LVI nesta faixa etária, pode levar a sensibilização precoce da mucosa intestinal e induzir hipersensibilidade às proteínas do leite de vaca, predispondo ao surgimento de doenças alérgicas e de pequenas hemorragias na mucosa intestinal, o que colabora para o aumento da deficiência de ferro. Além disso, seu consumo pode predispor ao câncer, Diabetes mellitus tipo I, refluxo gastroesofágico e problemas neurológicos (UDALL; SUSKIND, 1999).
A Sociedade Brasileira de Pediatria (2003) recomenda que, na impossibilidade do aleitamento materno, o leite de vaca mesmo em suas preparações diluídas, não é o melhor alimento a ser utilizado na alimentação do lactente durante o primeiro ano de vida. As várias evidências científicas demonstrando a inadequação do LVI para suprir as necessidades nutricionais da criança no primeiro ano de vida fez surgir à produção das fórmulas infantis, que são obtidas através de modificações do LVI, na tentativa de aproximá-las da composição do leite materno, padrão de referência em alimentação infantil para a composição das fórmulas (LEITE; MARQUES, 2006).
Fórmulas industrializadas
A descoberta, em 1838, na Alemanha, de que o leite de vaca apresentava maior concentração de proteínas representou um impulso para o desenvolvimento de leite artificial. Várias estratégias de evaporação e condensação de LV foram desenvolvidas, tendo como resultado um alimento estéril e de fácil conservação, quando métodos de refrigeração ainda não haviam sido desenvolvidos (REA, 1990). No entanto, a primeira fórmula à base de leite de vaca foi criada em 1867 pelo químico alemão Von Liebig. Inicialmente era comercializada na forma líquida, e mais tarde em pó, constituída por farinha de trigo e de malte, leite de vaca e bicarbonato de potássio (LOPEZ; JUZWIAK, 2003).
Em 1909, Ruhräh produziu a primeira fórmula de soja, mas ela só passou a ser comercializada nos Estados Unidos da América (EUA) depois de 1929, quando Hill a apresentou como alternativa para as crianças alérgicas ao leite de vaca (BHATIA; GREEN, 2008).
O consumo do leite artificial no Brasil cresceu com o processo de industrialização, principalmente com a importação desse produto após a Primeira Guerra Mundial. A primeira referência de alimentação artificial no Brasil ocorreu em 1916, apesar de inserida em um conjunto de propagandas de incentivo ao aleitamento materno (SOUZA; ALMEIDA, 2004).
Durante a década de 1920, cresceu a propaganda em benefício ao consumo de leite em pó, principalmente de marcas importadas, contrapondo-se ao LVI no que diz respeito à segurança, à contaminação e à digestibilidade. Já em 1930, a propaganda mais veiculada foi a de fórmulas nacionais, destacando-se a importância dos médicos como influenciadores da conduta alimentar infantil. Nos anos posteriores, surgiu a idéia de alimentar a criança com o uso de fórmulas infantis desde o nascimento, a qual substituiria o leite humano e⁄ou complementaria a alimentação natural (SOUZA; ALMEIDA, 2004).
Nos EUA, na década de 40, as fórmulas caseiras eram preparadas misturando-se leite evaporado ou de vaca pasteurizado com água e xarope de milho ou sacarose. O raquitismo e o escorbuto não eram mais temidos, pois qualquer leite processado era fortificado com vitamina D, e as crianças recebiam suco para garantir uma fonte de vitamina C. Os médicos consideravam que o emprego desta fórmula caseira era tão seguro e satisfatório quanto à amamentação (BHATIA; GREEN, 2008).
De acordo Souza e Almeida (2004) no final da década de 80 surgiram propagandas de produtos destinados a lactentes prematuros e portadores de intolerâncias e alergias alimentares, que se tornaram o auge da indústria a partir de 1990.
A influência do marketing utilizado pelas indústrias sobre as práticas de alimentação infantil fez com que o Brasil implantasse, em 1988, o Código de comercialização dos substitutos do leite materno, cujo objetivo principal é colaborar com o fornecimento de nutrição segura e adequada aos lactentes, por meio da proteção e promoção da amamentação, como também regularizar os substitutos do leite humano (ARAÚJO et al., 2006).
No Brasil, as fórmulas para lactentes são regulamentadas pela Portaria nº 977 de 5 de dezembro de 1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde, que pretendem garantir à criança, qualidade nutricional e microbiológica, a digestibilidade, a competência imunológica, o equilíbrio metabólico e excreção, além de atender as necessidades nutricionais (BRASIL, 1999).
As fórmulas modificaram-se constantemente nos últimos anos, em virtude de novos conhecimentos sobre nutrientes que devem ser utilizados em maior ou menor quantidade ou a cerca de novos componentes a incorporar às fórmulas (ROCHA, 2008). Este avanço tecnológico das fórmulas industrializadas permitiu elaborar produtos no sentido de compensar certas deficiências digestivo-absortivas, reações alérgicas e até mesmo contribuiu para diminuir a desnutrição (WEFFORT, 2006).
Vários avanços foram alcançados com a produção de fórmulas infantis mais adequadas às necessidades específicas do lactente. Fórmulas com acréscimo de nucleotídeos, prebióticos, probióticos e LC-Pufas, isentas de lactose e⁄ou sacarose, e outras com diminuição do teor protéico ou proteínas hidrolisadas, constituem parte dos substitutos do leite materno que são hoje comercializados em supermercados e outros estabelecimentos (PROGRAMA PEDIÁTRICO, 2000). Crianças com até seis meses de vida devem utilizar a fórmula de partida e, a partir desta idade, recomenda-se uma fórmula infantil de seguimento (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2003).
Na elaboração das fórmulas infantis, com o objetivo de melhorar a digestibilidade, há redução na quantidade de gordura animal saturada, que é substituída por óleos vegetais ricos em ácidos graxos poliinsaturados, principalmente o ácido linoléico, indispensável para o processo de mielinização e maturação do SNC e estruturação da retina (WEFFORT, 2006).
Muitas fórmulas são enriquecidas com taurina, aminoácido considerado essencial para o lactente, pois contribui para a formação do tecido nervoso (LEITE; MARQUES, 2006) e na conjugação de ácidos biliares. Estudos sugerem que este aminoácido pode atuar como modulador do crescimento, estabilizando a membrana celular por inibição de substâncias tóxicas, efeito antioxidante ou ainda, agindo como osmorregulador (BERNAL; CARVALHO, 2003; LOPEZ; JUZWIAK, 2003).
Resultados de pesquisas demonstraram que algumas fórmulas infantis contêm 60% de proteínas do soro e 40% de caseína, melhorando sua digestibilidade, sendo enriquecidas com ferro e vitaminas A, E, D, C e complexo B (LEITE; MARQUES, 2006). Foi evidenciado, também, que as fórmulas infantis proporcionam menor concentração de sódio, potássio e cloretos, diminuindo a sobrecarga renal de solutos (ESPGAN COMMITEE ON NUTRITION, 1981).
A adição de ferro às fórmulas para a prevenção de anemia ferropriva foi um avanço notável, que teve impacto significativo na redução da prevalência da anemia ferropriva em muitos países, principalmente nos Estados Unidos ao longo das décadas de 70 e 90. A adição de ferro pode comprometer a absorção e inibir o efeito de outros elementos, como o zinco e o cobre, sendo o motivo da incorporação desses nutrientes às fórmulas (SHERRY; MEY; YIP, 2001; SCHNEIDER et al., 2005).
As fórmulas para lactentes diferem entre si no método de processamento, fontes e teor de proteínas, lipídeos e micronutrientes e constitui-se na impossibilidade do uso do leite materno, a melhor alternativa láctea para a nutrição do lactente no primeiro ano de vida (LOPEZ; JUZWIAK, 2003).
Considerações finais
Nos últimos anos o país vem apresentando um aumento significativo nos índices de aleitamento materno, entretanto o desmame precoce ainda é uma realidade no Brasil. Sabe-se que em situações especiais se faz necessário a complementação do leite materno ou a substituição por outro tipo de leite, cuja primeira alternativa é o LVI, o qual deve sofrer uma série de modificações para adequar-se à imaturidade fisiológica e necessidades nutricionais do lactente.
Vários avanços foram alcançados com a produção de fórmulas infantis mais adequadas ás necessidades específicas do lactente, constituindo-se a melhor alternativa láctea para a substituição do leite materno na alimentação no primeiro ano de vida. Vale ressaltar, entretanto, que por mais próximas que sejam em relação à composição do leite materno, as fórmulas lácteas infantis jamais alcançarão o seu grau de perfeição e de adequação à nutrição do lactente. Além disso, não é acessível à boa parte da população brasileira, deve-se, portanto, antes de tudo, incentivar e promover o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e sua manutenção até os dois anos de idade.
Referências
ALMEIDA, P. S. de; JUNIOR, H. da C. R.; MATTOS, Â. P. de. Consumo do leite de vaca integral pelo lactente: ainda há espaço para recomendação? Unidade Metabólica Fima Lifshitz, Universidade Federal da Bahia, 200?. Disponível em: http://www.nestle.com.br. Acesso em: 20 mar. 2008.
ARAÚJO, M. de F. M. de et al. Avanços na norma brasileira de comercialização de alimentos para idade infantil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 3, p. 513-20, 2006.
BADINTER, E. Um amor conquistado, o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1985.
BERNAL, G. A.; CARVALHO, E. de. Temas de Pediatria: Alimentação para lactentes de 6 a 12 meses. São Paulo: Nestlé Nutrição, n.75, 2003.
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