efdeportes.com

Estabilização de ações motoras em adultos

Estabilización de acciones motoras en adultos

 

*Licenciado em Educação Física

Professor de Educação Física da Prefeitura Municipal de Sorocaba

Bolsista de Iniciação Científica – PIBIC/UNICID

UNICID, Universidade Cidade de São Paulo

**Doutor em Biodinâmica do Movimento Humano

Coordenador do Curso de Educação Física da UNICID

Professor do Curso de Educação Física da UNICID

Coordenador do LAPEFFI e do GECOM, UNICID, Universidade Cidade de São Paulo

LAPEFFI – Laboratório de Pesquisa em Educação Física e Fisioterapia

GECOM – Grupo de Estudos sobre Comportamento Motor

Anderson de Lucena*

prof.anderson.lucena@gmail.com

Roberto Gimenez**

rgimenez@cidadesp.edu.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Esse trabalho teve por objetivo investigar a estabilização de um programa de ação organizado hierarquicamente em dois níveis: um macroscópico, envolvendo aspectos invariantes e outro microscópico, referindo-se aos aspectos variantes, de uma habilidade motora gráfica. Utilizou-se como padrão gráfico uma letra cursiva, reproduzida por 10 universitários. O principal instrumento utilizado para análise dos dados foi o software Movalyzer. Foram avaliadas medidas relacionadas à variabilidade da macroestrutura e à variabilidade da microestrutura. Os resultados apresentados nesse estudo exploratório nos permitem postular a estruturação de um programa de ação, no qual ocorre a estabilização de alguns aspectos desse programa, o que permite identificar a existência de um padrão de movimento para a escrita.

          Unitermos: Escrita manual. Estabilização. Padrão de ação invariável.

 

Abstract

          This work had how objective to investigate the stabilization of action program hierarchically organized in two levels: a macrocospical, involving the invariable aspects and another microscopical, related to the variable aspects of a graphical motor skill. One letter handwriting was used as graphical pattern, reproduced for 10 colleges. The main instrument to analyze the data was the software Movalyzer. Measures related to variability of macrostructure and of microstructure were utilized. The results presented in this study pilot, assure inferring the stabilization of action program, where stabilization of some aspects of the program could be verified, that indicate the existence of a movement pattern to handwriting.

          Keywords: Handwriting. Stabilization. Invariable action standard.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 153, Febrero de 2011. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    A dinâmica que envolve a aquisição de habilidades motoras é considerada no ambiente científico como um processo de alta complexidade. No bojo da discussão na área de comportamento motor, apesar de existirem questões que tendem a serem tratadas em seus campos específicos de estudo (controle motor, aprendizagem motora e desenvolvimento motor), em termos de fenômeno é muito difícil separá-los, pois esses campos estão intimamente relacionados (Manoel, 1999; 2000; Connolly, 2000; Tani, 2005). Contudo, atualmente prevalecem duas teorias que objetivam explicar: a) como ocorre o controle de ações motoras; b) como esse controle se estrutura dentro do processo de ensino aprendizagem; e c) como se dá o desenvolvimento dessas ações em relação ao tempo e em decorrência da prática.

    A teoria motora que começou a ter grande aceitação a partir dos anos 70 fundamentou-se, principalmente, em duas teorias. Em primeiro lugar, na teoria de circuito aberto de Keele (1968) que sugere que nas ações motoras muito rápidas, produzidas em ambientes estáveis e previsíveis, os movimentos seriam planejados antecipadamente, e então disparados de tal forma que a ação aconteceria sem grandes modificações. Em segundo lugar na teoria de circuito fechado de Adams (1971), que se baseou na premissa de que as informações sensoriais do movimento em execução são essenciais para seu controle, e os mecanismos de feedback atuariam o tempo todo durante a ação com o objetivo de garantir o sucesso da mesma.

    Posteriormente, Schmidt (1975) desenvolveu um modelo teórico, o modelo de programa motor generalizado, que atua com base na união das teorias de Keele (1968) e Adams (1971). Esse modelo sugere que para qualquer ação motora existe um programa motor, não necessariamente exclusivo. Nesse caso, o indivíduo interpreta o estímulo recebido e define o programa a ser executado, seja esta ação tida como “nova” ou não. Para isso, são analisadas as características ambientais e definidos os parâmetros de execução da ação e durante a execução os mecanismos de feedback estariam sempre ligados, podendo ou não ser utilizados, de acordo com a complexidade da tarefa.

    A partir dos anos 80, testemunhou-se uma nova despolarização de abordagens teóricas na área de comportamento motor, que se tornou conhecida como a “controvérsia entre a teoria motora e a da ação” (Manoel, 2000; Tani, 2000; 2005). A teoria da ação, também conhecida como abordagem de sistemas dinâmicos, originou-se basicamente das proposições sobre a percepção (Gibson, 1966) e das visões sobre a coordenação de movimentos (Bernstein, 1967). Essa abordagem parte do pressuposto de que os mecanismos de controle de movimentos caracterizados na teoria de programa motor enfatizavam a organização, controle e representação de cada ação no sistema nervoso central, sem levar em conta as características dinâmicas dos movimentos, como as propriedades dos músculos, por exemplo. No modelo teórico proposto pela teoria da ação sugere-se que as pessoas controlariam movimentos coordenados por meio de uma interação das propriedades dinâmicas do sistema neuromuscular, das propriedades físicas do movimento e da informação ambiental. A partir dessa perspectiva, a regularidade dos padrões de movimentos surgiria naturalmente e seria resultante das interações complexas entre numerosos elementos conectados.

    Uma das bases desse modelo teórico é a idéia de auto-organização, que corresponderia à capacidade que o sistema motor humano apresentaria para ajustar-se espontaneamente a certas condições controladas. Para Kelso & Schöner (1988), por exemplo, o sistema motor é capaz de reorganizar uma ação automaticamente, mesmo que esta resposta descaracterize o objetivo da ação; um ajuste de segurança, por exemplo.

    Central para essa proposição é a interação entre o executante e o meio ambiente, denominado de sinergia executante-meio ambiente, e a noção de que percepção e ação são funcionalmente inseparáveis (Turvey, 1977; Turvey & Kugler, 1984).

    Summers (1989) argumenta que a teoria motora e a teoria da ação ainda vêem sendo consideradas concorrentes, mas tendem a uma integração e talvez a formação de uma “nova” teoria que consiga unificar de forma concisa essas duas linhas de pensamento. Já Tani (2005) destaca que na evolução das discussões, algumas diferenças originalmente apontadas tornaram-se menos claras, apesar da permanência de diferenças filosóficas, e que essas mudanças deveram-se basicamente à assunção de um sistema de controle que se fundamenta nas teorias de organização hierárquica e complexidade, partido da teoria motora e do abandono de posições radicais pela teoria da ação.

    Desse modo, Tani (1995), Manoel e Connolly (1997) e Manoel (1998), propuseram um modelo que tentou solucionar as limitações encontradas, procurando estruturar um modelo de programa de ação que contemplasse ao mesmo tempo consistência e flexibilidade. Esse modelo assume uma organização hierárquica de um programa de ação dividido em dois níveis de estrutura: macro e micro.

    A macroestrutura se responsabilizaria pela definição da forma de execução da ação a ser realizada, ou seja, pela especificação do padrão de movimento da ação, caracterizando-se, assim, por aspectos relacionados à consistência e ordenação do movimento, sendo classificado como aspecto invariante da ação motora. Já a microestrutura teria a função de implementar a ação motora, o que de modo geral quer dizer, atribuir à ação motora características particulares ao movimento produzido naquele instante, responsabilizando-se pela variabilidade e pela desordem, por assim dizer, da ação executada.

    A microestrutura orientada à desordem significa que mesmo quando um programa de ação é elaborado, e se define como se dará à realização dos movimentos que compõem a ação, para cada elemento envolvido na constituição do programa de ação estão disponibilizados níveis de performance. Esses níveis não descaracterizam a ação motora executada, mas geram resultados diferentes, por exemplo, força empregada para realização de chute, aceleração numa corrida de 100 m ou velocidade numa maratona (Manoel, 1999; 2000; Connolly, 2000; Tani, 2000; 2005).

    Esse modelo teórico tem sido relativamente utilizado para a investigação do processo de aquisição de habilidades motoras (Tani, 1995; Manoel & Connolly, 1997; Manoel, 1998; Freudenheim & Manoel, 1999; Gimenez, Manoel & Basso, 2006). Nestes estudos experimentais os indicativos da macroestrutura corresponderam a: a) elementos indicadores da estabilidade espacial da execução, como a queda da variabilidade do seqüenciamento; b) elementos indicadores da estabilidade temporal da execução, como a queda na variabilidade dos tempos relativos de pausa e execução dos componentes da ação. Por outro lado, os indicadores da microestrutura corresponderam a elementos cujos mecanismos de controle motor não são enrijecidos por um órgão central, e sim, traduzidos pela análise dos produtos dos elementos que compõem a ação motora, como por exemplo, variabilidade do tempo total pausa e do tempo total de movimento.

    É fundamental destacar que, ao longo da prática, é esperado que aconteça uma diminuição na variabilidade dos indicadores da macroestrutura, o que indicaria a formação de um programa de ação, bem como, uma ligeira diminuição ou manutenção dos elementos da microestrutura.

    Tani (1995), Manoel e Connolly (1997) e Manoel (1998) argumentam que as habilidades motoras gráficas reúnem condições favoráveis para a testagem de pressupostos associados aos programas de ação, uma vez que elas possibilitam a identificação clara dos componentes, além de possibilitarem diferentes formas de interação entre eles.

    Vale destacar ainda, que nos anos 80 foram realizados vários estudos procurando investigar o processo de formação de representações motoras em habilidades gráficas. Uma das premissas desses trabalhos era a de que, sobretudo, a parte inicial da execução do padrão gráfico seria pré-programada pelo sujeito (Dooijes, 1983; Stelmach & Teulings, 1983; Suen, 1983; Van Galen & Teulings, 1983).

    No Brasil, recentemente, alguns estudos sobre a aquisição de habilidades motoras gráficas têm apresentado como background a coexistência entre consistência e flexibilidade (Tani, 1995; Manoel, 1998; Freudenheim & Manoel, 1999; Manoel, Basso, Correa & Tani, 2002; Gimenez et al., 2006). Contudo, nesses trabalhos os experimentadores definiram, a priori, aos sujeitos quais os componentes da tarefa executada. Para tanto, os estudos empregaram figuras em que os componentes da execução eram claramente identificados, como exemplo disto, podemos citar os padrões gráficos japoneses.

    Em especial nesses trabalhos, deixou-se de analisar uma variável importante que também possibilita a identificação da estabilização de um programa de ação, o número de segmentos em que o sujeito divide o padrão gráfico. Mais especificamente espera-se que ocorra uma diminuição em seu número em relação ao inicio da prática, bem como, passe a existir maior consistência desse número entre as execuções, caracterizando uma estabilização deste componente.

    A segmentação se apresenta com uma característica importante a ser analisada porque em grande parte das situações de ensino-aprendizagem, principalmente na escrita, não se parte de contextos em que o aprendiz recebe determinações específicas sobre a ordem de execução (seqüenciamento) e tão pouco diretrizes de como dividir os traços que compõem padrões gráficos (segmentação). Ao contrário, é o aprendiz que as determina. Isso acontece no caso da escrita de letras cursivas. Em outras palavras, o indivíduo ao aprender, determina o que é parte e o que é todo.

    Diante da escassez de trabalhos experimentais que busquem a investigação do processo de estabilização de um padrão gráfico na escrita levando em consideração a co-existência entre consistência e flexibilidade em letras cursivas, o presente trabalho foi realizado com o objetivo de enfocar essa questão.

Metodologia

Sujeitos

    Participaram deste estudo piloto dez universitários adultos, voluntários, com média de idade de 23,5 anos, de ambos os sexos, todos estudantes de graduação.

Tarefa

    A tarefa desempenhada pelos participantes correspondeu à reprodução da letra cursiva “M”, por 30 tentativas. A idéia de análise da letra “M” partiu de uma simplificação da flor a ser tracejada no teste de desempenho MABC (Movement Assessment Battery for Children) proposto por Henderson e Sugden (1992), já utilizada em outros experimentos sobre habilidades gráficas (Smits-Engelsman, Niemeijer & Van Galen, 2001). A parte escolhida corresponde à parte superior da figura da flor.

    A opção pela verificação da estabilização se deu em decorrência do pressuposto de que a tarefa em questão não ofereceria aos participantes grande dificuldade de execução. E ainda, que o grupo em questão já tenha bem formado o programa de ação necessário para execução desta tarefa, necessitando apenas de pequenos ajustes em relação ao equipamento (novo ambiente) de execução.

Instrumentos

    Como instrumento de coleta de dados utilizou-se de uma mesa digitalizadora da marca Aiptek, modelo Hiperpen 8000u Pro, responsável pela entrada de dados advindos do desenvolvimento de uma caneta digitalizadora sem fio sensitiva a pressão (parte integrante na aquisição da mesa digitalizadora). Os dados da mesa foram capturados por um notebook, da marca Compaq, modelo Presario 2190us. Os dados recebidos pelo computador foram processados pelo programa Movalyzer, versão 3.20. Mais especificamente, o programa executou a seleção, leitura e tratamento dos dados.

    O software Movalyzer possibilita a análise da execução livre da tarefa, não existindo a necessidade de determinar ao executante o que é parte e o que é todo na figura.

    Outras possibilidades encontradas se dirigem à configuração de experimentos. Os métodos de segmentação disponíveis se relacionam com a velocidade vertical, a aceleração e a velocidade linear, além de outros ajustes finos, que vão desde a exclusão de certos segmentos até a análise de submovimentos. Neste trabalho, optou-se por uma configuração única de segmentação, com base na velocidade linear mínima, ou seja, os segmentos foram gerados a partir das alterações na velocidade durante a escrita.

Medidas

    Para este trabalho foram utilizadas medidas relacionadas à variabilidade na macroestrutura e à variabilidade na microestrutura. O cálculo do desvio padrão foi adotado como medida que expressa variabilidade e teve como base outros trabalhos sobre o assunto (Freudenheim & Manoel, 1999; Manoel, Tani, Correa & Basso, 2002; Gimenez et al., 2006).

    Os instrumentos utilizados possibilitaram identificar em que momento da prática os participantes estabilizaram o desempenho da tarefa. Para tanto, tomou-se como base de medidas relacionadas à macroestrutura a:

  • Variabilidade do número de segmentos – a partir do número de segmentos totais em que se dividiu o padrão gráfico, calculou-se o desvio padrão de cada sujeito por bloco e a média dos desvios padrões entre os sujeitos no bloco;

  • Variabilidade do tempo relativo do primeiro segmento – a partir do tempo de movimento do primeiro segmento e do tempo total de movimento obteve-se a porcentagem de tempo gasto para execução do primeiro segmento, calculou-se o desvio padrão dessa porcentagem de cada sujeito por bloco e a média dos desvios padrões entre os sujeitos no bloco;

  • Variabilidade do tamanho relativo do primeiro segmento – a partir do tamanho linear do primeiro segmento e do tamanho linear total de movimento obteve-se a porcentagem de tamanho gasto para execução do primeiro segmento, calculou-se o desvio padrão dessa porcentagem de cada sujeito por bloco e a média dos desvios padrões entre os sujeitos no bloco.

    Em especial, o uso desses dois últimos critérios se deve à idéia de que para as teorias de programa motor, nos padrões gráficos, somente a parte inicial da execução seria pré-programada (Stelmach & Teulings, 1983).

    As medidas adotadas relacionadas à microestrutura adotadas foram:

  • Variabilidade da velocidade de execução – a partir de uma média das velocidades médias exercidas em cada segmento, de cada tentativa, de cada sujeito, calculou-se o desvio padrão dessas médias de cada sujeito por bloco e a média dos desvios padrões entre os sujeitos no bloco;

  • Variabilidade da pressão da caneta sobre a mesa digitalizadora – a partir de uma média dos picos de pressão exercidos sobre a mesa digitalizadora em cada segmento, de tentativa, de cada sujeito, calculou-se o desvio padrão dessas médias de cada sujeito por bloco e a média dos desvios padrões entre os sujeitos no bloco.

    Conforme destacado, de acordo com a teoria de programa de ação, para estas variáveis se espera uma ligeira diminuição ou manutenção em seus índices durante o período de prática.

Análise dos dados

    Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 11.5. A aplicação do teste de Komolgorov-Smirnov indicou que houve uma distribuição normal. Nesse sentido, a análise dos dados tomou como base um tratamento estatístico não paramétrico.

    Para verificar a existência de supostas diferenças ao longo da prática foi empregado o teste não paramétrico de Friedman. Para localizar os blocos onde existiriam supostas diferenças foi empregado o teste de post hoc de Wilcoxon.

Resultados

    A apresentação dos resultados se dá a partir de uma análise descritiva das medidas correspondentes à macroestrutura e a microestrutura. Além disto, são apresentados os resultados encontrados nos testes estatísticos adotados.

    Na análise dos resultados da variabilidade do número de segmentos (Figura 1) podemos observar, através do gráfico, que logo após o primeiro bloco de tentativas existiu um aumento na consistência do número de segmentos em que os sujeitos dividiam a letra cursiva “M”, ou seja, ao longo da prática os sujeitos conseguiram reproduzir a tarefa com oscilações menores no número de segmentos necessários para execução da mesma.

Figura 1. Variabilidade do número de segmentos

    A diminuição observada no índice de variabilidade do número de segmentos mostrou ser significativa a partir do teste de Friedman (F[5,13]=11, 118, p=0,049). O teste de post hoc de Wilcoxon detectou que essas diferenças aconteceram do primeiro bloco de prática para a maior parte dos demais. As diferenças foram de: B1 para B2 (p=0,017); B1 para B3 (p=0,022); B1 para B4 (p=0,009) e de B1 para B6 (p=0,047).

    Na análise da variabilidade do tempo relativo do primeiro segmento (Figura 2) podemos observar que ao logo da prática, existiu uma tendência ao aumento de consistência entre as porcentagens de tempo necessário para realização do primeiro segmento. Observamos que a partir do bloco 4, os sujeitos apresentaram uma variabilidade mais constante no índice avaliado.

Figura 2. Variabilidade do tempo relativo do primeiro segmento

    Contudo, na análise estatística, o teste de Friedman não detectou diferenças significativas ao logo dos blocos.

    O desempenho observado, a partir da análise descritiva, na variabilidade do tamanho relativo do primeiro segmento (Figura 3) é muito semelhante ao encontrado na variabilidade do tempo relativo do primeiro segmento. Podemos observar que a partir do bloco 4, assim como na medida anterior, houve uma tendência ao aumento de consistência entre as porcentagens de tamanho lineares descritos na realização do primeiro segmento.

Figura 3. Variabilidade do tamanho relativo do primeiro segmento

    Mas assim como os resultados apresentados referente à medida de variabilidade de tempo relativo do primeiro segmento, na variabilidade do tamanho relativo do primeiro segmento não foram encontradas diferenças significativas a partir do teste de Friedman.

    Na análise dos dados correspondentes à microestrutura, de modo geral observou-se uma tendência de manutenção dos níveis de variabilidade ao longo de todo o processo. Particularmente, no que diz respeito à variabilidade da velocidade (Figura 4), observados que ao longo da prática os índices de variabilidade oscilaram constantemente, onde os resultados apresentados nos dois últimos blocos se aproximam dos resultados do primeiro bloco de tentativa.

Figura 4. Variabilidade da velocidade

    Na análise estatística dos dados o teste de Friedman detectou diferenças em razão da prática (F[5,14]=11, 143, p=0,049). A aplicação do teste de Wilcoxon indica que, em especial, as diferenças aconteceram de B1 para B4 (p=0,013) e de B4 para B5 (p=0,007).

    Finalmente, no tocante à variabilidade da pressão média da caneta aplicada sob a mesa digitalizadora (Figura 5) observou-se a mesma tendência a instabilidade. O desempenho mostrado no gráfico da variabilidade da pressão indica uma tendência a estabilização da variabilidade nos primeiros blocos de tentativas, contudo demonstram pequenas oscilações que são ampliadas no bloco 5.

Figura 5. Variabilidade da pressão da caneta sobre a mesa digitalizadora

    A análise estatística não detectou, a partir do teste Friedman diferenças significativas entre os blocos, ao logo da prática.

Discusão e conclusão

    O objetivo do trabalho foi investigar o processo de estabilização na execução do padrão gráfico proposto, tomando como base o modelo teórico de programa de ação. Os resultados indicaram que a quantidade de prática utilizada no experimento foi suficiente para se verificar a estabilização de um programa de ação organizado hierarquicamente. De modo geral, os resultados relacionados às medidas de variabilidade da macroestrutura, revelam a estabilização da tarefa e apontam para a existência de um programa de ação organizado hierarquicamente (Manoel, 1998), corroborando outros estudos (Fredenheim & Manoel, 1999; Manoel, 2000; Gimenez et al., 2006). Mais especificamente observou-se, na variabilidade do número de segmentos uma diferença significativa do primeiro para os demais blocos, com exceção ao quinto bloco, sugerindo pronta adaptação ao instrumento de coleta, e estabilização bem consistente entre o número de segmentos gerados durante as tentativas. O fato de no quinto bloco não existir diferença significativa em relação ao primeiro bloco pode estar associado às oscilações na microestrutura terem sido maiores no quinto do que primeiro bloco. Contudo, essas oscilações se diluíram nas medidas de macroestrutura. Em outras palavras, as oscilações maiores na pressão exercida e na velocidade executada não atingiram com o mesmo impacto todos índices de variabilidade da macroestrutura. Tendo em vista que o padrão de segmentação é, em parte, influenciado pela velocidade de execução, o fato desta variável ter apresentado uma grande oscilação pode ter influenciado para incitar uma mudança na macroestrutura.

    No que diz respeito à variabilidade do tempo relativo do primeiro segmentos e variabilidade do tamanho relativo do primeiro segmento, como previsto há uma maior variabilidade no inicio em relação ao final da prática. Porém, diferentemente do índice de variabilidade do número de segmentos, essas duas medidas mostraram a necessidade de um período um pouco mais longo de adaptação ao instrumento de coleta utilizado, uma vez que só alcançaram seus patamares de consistência a partir do terceiro bloco de tentativas. A interação entre os elementos da macroestrutura foi bem representada por estes dois índices. Mais especificamente, foi possível observar uma certa linearidade entre suas curvas, apesar de seus resultados não apresentarem diferenças estatisticamente significativas. Essa constatação já era esperada em virtude de se assumir que em relação à tarefa proposta e ao grupo de aplicação não se poderia identificar a aquisição de um programa de ação, mas apenas visualizar a estabilização desse programa através das medidas de macroestrutura.

    De modo geral os resultados relacionados à macroestrutura vão de encontro à literatura, uma vez que as oscilações encontradas também são descritas em outros trabalhos (Freudenheim & Manoel, 1999). Além disso, trata-se de uma constatação que se sustenta no modelo de programa ação. De acordo com o esperado, a variabilidade e a consistência foram concomitantes dentro do programa de ação. Não foi encontrada consistência linear da macroestrutura, nem tão pouco curvas descendentes rígidas, mas patamares de consistência e esses se configuram maiores ou menores em virtude da complexidade da tarefa. Em outras palavras, supostamente tarefas mais complexas apresentariam patamares marcados por menor consistência do que tarefas mais simples.

    Outro ponto é que com a estabilização de uma ação motora, espera-se uma relação mais próxima entre tempo e espaço durante a execução. Em especial, acredita-se que percentualmente esses dados caminhem juntos, quando alteradas as velocidades de execução. Além disto, é possível que, quanto mais habilidoso for o indivíduo em relação à execução de uma tarefa, maior será o seu desprendimento cognitivo durante a execução da mesma, e maior será sua atenção aos detalhes finos direcionados aos objetivos da execução da tarefa (Magill, 1995; Hay, 1990).

    Finalmente, no tocante à variabilidade da velocidade de execução e variabilidade da pressão da caneta sobre a mesa digitalizadora, indicadores da microestrutura, de modo geral, verificou-se uma diminuição em relação ao bloco inicial de tentativas. Contudo essas medidas mostram-se instáveis do inicio ao fim do experimento, corroborando os pressupostos de trabalhos anteriores (Tani 1995; Manoel & Connolly, 1997, Manoel, 1998; Freundenheim & Manoel, 1999), cujos estudos não identificaram longos patamares na microestrutura.

    Contudo, apesar de a velocidade total ser considerada uma medida de microestrutura, ou seja, um elemento da ação de alto índice de variabilidade, para a escrita essa variável apresenta como característica particular, os limites de performance. Esses limites são determinados, principalmente, pelas mudanças de direção imposta pelos padrões gráficos. Entretanto, não se observou, ao longo da prática, uma tendência a sua estabilização. Com isto, supõe-se que os valores encontrados já são os mínimos, ou ainda, que devido às características do equipamento, os ruídos de execução possam ter ampliado esses valores. Já que o Movalyzer permite analisar mais detalhadamente os movimentos da escrita, ou seja, que esse instrumento assegura uma análise sob um nível mais microscópico, acredita-se que muitas vezes, isso possa contribuir para a identificação de altos índices de variabilidade da macroestrutura e da microestrutura. Isso ocorreria fundamentalmente em decorrência do grau de precisão com que o instrumento empregado permite enfocar cada variável estudada.

    Ressalta-se ainda a necessidade de mais estudos para uma identificação mais clara e precisa dos processos de interação dos elementos que compõe o programa de ação. Com os resultados apresentados neste estudo são abertas novas perspectivas de análise para outros estudos. Dentre elas podemos citar: a) a alteração da letra cursiva adotada por uma outra de menor utilização no vocabulário da população estudada; b) o aumento da complexidade da tarefa, com o acréscimo de novas letras à letra “m”, por exemplo, a escrita de um nome; c) o aumento das restrições da tarefa, por exemplo, determinar o tamanho da letra a ser copiada; d) a adoção de um símbolo (desenho) como padrão gráfico, algo simples, mas que necessite de um certo grau de atenção durante sua execução; e) a aplicação do teste em um grupo de crianças em fase de aprendizagem da escrita.

    Além disso, novas configurações de leitura dos dados podem ser ajustadas na construção do experimento junto ao software utilizado, tendo em vista verificar detalhes finos da execução da tarefa de maneira mais objetiva.

    Conclui-se com os resultados encontrados, que esse modelo teórico que pressupõe uma ação motora organizada a partir da concomitância entre estabilidade e instabilidade, possibilitou a discussão deste trabalho, numa tendência positiva às suas predicações. As questões associadas à estabilidade da escrita necessitam de mais estudos, assim como, verifica-se a necessidade uma investigação rigorosa sobre as possibilidades do instrumento de coleta adotado no estudo deste modelo.

Referências

  • ADAMS, J. A closed loop theory of motor learning. Journal of Motor Behavior, 3(1), 111-150, 1971.

  • BERNSTEIN, N. The co-ordination and regulation of movements. Oxford: Pergamon, 1967.

  • CONNOLLY, K. Desenvolvimento motor: passado, presente e futuro. Revista Paulista de Educação Física, sup. 3, 6-15, 2000.

  • DOOIJES, E.H. Analysis of handwriting movements. Acta Psychologica, 54, 99-114, 1983.

  • FREUDENHEIM, A.M. & MANOEL, E.J. Organização hierárquica e a estabilização de um programa de ação: um estudo exploratório. Revista Paulista de Educação Física, 13(2), 177-196, 1999.

  • GIBSON, J.J. The senses considered as perceptual systems. Boston: Houghton Mifflin, 1961.

  • GIMENEZ, R.; MANOEL, E.J. & BASSO, L. Modularidade de programas de ação em indivíduos normais e portadores de síndrome de Down. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19(1), 60-65, 2006.

  • HAY, L. Developmental changes in eye-hand coordination behaviors: preprograming versus feedback control. In: C. Bard; M. Fleury. & L. Hay (eds.), Development of eye-hand coordination across the life span (pp. 217-244). South Carolina: University of South Carolina Press, 1990.

  • HENDERSON, S. E. & SUGDEN, D. A. Movement assessment battery for children. England: Therapy Skill Builders, 1992.

  • KEELE, S.W. Motor control in skilled motor performance. Psychological Bulletin, 70(6), 387-403, 1968.

  • KELSO, J.A.S. & SCHÖNER, G. Self-organization of coordinative movement patterns. Human Movement Science, 7, 27-46, 1988.

  • MAGILL, R. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.

  • MANOEL, E.J. Modularização, organização hierárquica e variabilidade na aquisição de habilidades motoras. São Paulo, 84p. Tese (Livre Docência) – Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, 1998.

  • MANOEL, E.J. A dinâmica do estudo do comportamento motor. Revista Paulista de Educação Física, 13, esp., 52-61, 1999.

  • MANOEL, E.J. Desenvolvimento motor: padrões em mudança, complexidade crescente. Revista Paulista de Educação Física, sup.3, 35-54, 2000.

  • MANOEL, E.J.; BASSO, L.; CORREA, U.C. & TANI, G. Modularity and herachical organization of action programs in the human acquisition of graphic skills. Neuroscience Letters, San Diego, sup., 335, 83-86, 2002.

  • MANOEL, E.J. & CONNOLLY, K.J. Variability ans stability in the development of skilled actions. In: K. J. Connolly & H. Forssberg (eds.), Neurophysiology and neuropsychology of motor development (pp. 286-318). London: Mac Keith Press/Cambridge University Press, 1997.

  • SCHMIDT, R.A. A schema theory of discrete motor skill learning. Psychological Review, 82, 225-60, 1975.

  • SCHMIDT, R.A. & WRISBERG, C.A. Aprendizagem e performance motora: uma abordagem da aprendizagem baseada no problema. Porto Alegre: Artmed, 2001.

  • SMITS-ENGELSMAN, B.C.M.; NEIMEIJER, A.S. & VAN GALEN, G.P. Fine motor deficiences in children diagnosed as DCD based on poor gra-motor ability. Human Movement Science, 20, 161-182, 2001.

  • STELMACH, G. & TEULINGS, H.L . Response characteristics of prepared and reestrucred handwriting. Acta Psychologica, 54, 51-67, 1983.

  • SUEN, C.Y. Handwriting generation, perception and recognition. Acta Psychologica, 54, 295-312, 1983.

  • SUMMERS, J.J. Motor programs. In: H. Holding, (ed.), Human skills (pp. 49-71).. Chichester: Wiley, 1989.

  • TANI, G. Organização hierárquica do comportamento humano. São Paulo, Departamento de Pedagogia do Movimento do Corpo/Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo. Relatório final de atividades: Pós-Doutorado, 1995.

  • TANI, G. Processo Adaptativo em aprendizagem motora: o papel da variabilidade. Revista Paulista de Educação Física, sup.3, 55-61, 2000.

  • TANI, G. Comportamento motor: aprendizagem e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

  • TURVEY, M.T. & KUGLER, P.N. An ecological approach to perception and action. In: H.T.A. Whiting (ed.), Human motor actions (pp. 373-412). Amsterdam: Bernstein Reassessed, 1984.

  • TURVEY, M.T. Preliminaries to a theory of action with reference to vision. In: R. Shaw & J. Bransford (Eds.), Perceiving, acting, and knowing (pp. 211-265). Hillsdale; N.J. Erlbaum, 1977.

  • VAN GALEN, G.P. & TEULINGS, H.L. The independent monitoring of form and scale parameters in handwriting. Acta Psychologica, 54, 9-22, 1983.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 153 | Buenos Aires, Febrero de 2011
© 1997-2011 Derechos reservados